Chapter Text
O que é um sonho lúcido?
O sonho lúcido acontece quando há a consciência de estar sonhando durante o sonho. Ou seja, não é preciso acordar para saber que as aventuras vividas à noite ocorreram em sua mente.
Kim Sunoo.
— Para onde vamos amanhã? — perguntei enquanto encarava meus pés dentro da água, ouvindo o som da cachoeira que caía a poucos metros de onde estávamos sentados.
— Amanhã?
— É. Ontem foi louco quando conhecemos aqueles piratas, hoje viemos para essa cachoeira, e amanhã? — insisti na pergunta, vendo o garoto de cabelos escuros rir baixinho.
— Eu não controlo nada, Sunoo. Os sonhos são seus. — ele sorriu, bagunçando meu cabelo devagar com uma de suas mãos. — E são apenas... Sonhos.
— Eu sei. — fiz um pequeno bico, mordendo meu lábio inferior quando voltei a encarar meus pés na água. — Mas eles parecem mais reais do que a minha vida quando eu acordo.
— É que aqui dentro quem controla é você, você pode acabar pensando dessa forma porque quando acorda precisa sair da sua zona de conforto. — ele balança os pés junto à mim. — Mas não fique pensando muito sobre isso, Ok? De qualquer forma, eu vou sempre estar aqui por você.
— Eu sei. — abri um sorriso para o garoto, voltando a ter meus olhos em seu rosto. Eu gostava de olhar para ele e ter a certeza de que o veria novamente. — Mas acho melhor você prender a respiração...
— Prender a respiraç...
As palavras do garoto foram substituídas por minhas risadas quando o empurrei, o fazendo cair na água. Ele logo voltou para a superfície, passou as mãos no cabelo e me encarou com uma expressão engraçada.
— Kim Sunoo! Você me paga. — levantei imediatamente quando o escutei, soltando um pequeno grito quando senti sua mão pegar em meu tornozelo e me puxar de forma que eu me desequilibrasse e caísse na água também.
Meu grito foi abafado pela água e eu senti o peso da mesma em meu corpo quando fui afundando mais, imediatamente abrindo os olhos debaixo d'água e enxergando a figura embaçada do garoto em minha frente, ele sorria para mim e se divertida com aquela situação tanto quanto eu. Os fios de cabelos pretos dele se movimentavam no ritmo do rio e percebi que agora ele tentava falar algo para mim, eu até tentei ler seus lábios, mas logo desisti.
Em seguida, usei minhas mãos para nadar até a superfície, fechando os olhos e os abrindo rapidamente quando senti o vento batendo contra o meu rosto, e então, eu acordei do meu sonho.
Três meses.
Já fazem três meses desde esse meu último sonho com ele, ou seja, noventa dias sem ter sonhos lúcidos. Confesso que procurei milhares de tutoriais na internet de como ter sonhos lúcidos, mas nenhum realmente funcionou para mim. Eu nunca comentei sobre isso com ninguém, obviamente eu não queria ninguém me olhando estranho e me achando esquisito por preferir os meus sonhos do que a vida real. Mas tudo bem, o erro realmente foi meu de ter me apegado à algo que eu sabia que um dia poderia nunca mais voltar, o garoto sempre me avisou. O mais irritante disso tudo era o quão real tudo parecia.
O quão maluco eu iria parecer se alguém conseguisse ler os meus pensamentos?
— Sunoo! — senti alguém dar um tapinha na minha cabeça, me fazendo despertar dos meus pensamentos e perceber que era Niki, um dos meus melhores amigos. — Porra, pra qual planeta você foi? Ouviu alguma palavra do que eu disse?
— O quê? — levei minha mão até o local que Nishimura havia batido, fazendo uma careta. — Eu não prestei atenção, o que você disse?
— Que você não prestou atenção eu percebi. — Niki e sua paciência agora se sentavam em minha frente. — eu disse que eu e os meninos vamos 'pra Lan House depois da aula, você vem?
— 'Pra ficar assistindo você e o Heeseung sendo péssimos jogadores de League of Legends? — ri baixo. — Não, obrigado.
— Eu não jogo LOL. Não pra valer. — Nishimura revira os olhos, sabendo que aquilo era mentira. — Você e o Jay podem jogar juntos também, como é o nome daquele jogo mesmo?
— Valorant. — respondi imediatamente, era o único jogo online que eu sabia jogar. Jay foi quem me ensinou. — Vou pensar se vou mesmo, temos mais dois períodos de aula depois do intervalo e eu realmente não 'tô no clima pra ficar em Lan House hoje.
***
Eu fui.
É muito difícil contrariar meus amigos, acho que não existe a palavra "não" no vocabulário deles, principalmente quando se trata de Kim Sunoo usando essa palavra.
Eu, Niki, Jay e Heeseung somos melhores amigos apesar de sermos completamente diferentes um do outro, acho que é isso que fortalece nossa amizade, sabe? Nós quatro crescemos sendo vizinhos, eu cheguei por último na vizinhança e fui me adaptando aos poucos, porque... digamos que meus amigos eram um pouquinho barulhentos.
— ME SALVA! Me salva, meu Deus. NÃO! Não, não, não. — Heeseung quase pulava da cadeira enquanto o barulho de seus dedos no mouse ficavam cada vez mais frequentes, assim como sua voz que aumentava mais. — ISSO! Tripple kill!
— Cara, eu também tô jogando. Você não precisa anunciar pro mundo todo o que 'tá acontecendo. — Jay, que era para estar jogando comigo, estava sentado ao lado de Heeseung enquanto eu me mantinha posicionado entre eles com meus braços cruzados. Niki estava do outro lado de Jay.
— O que você 'tá falando, Jay? Você gritou há menos de dez minutos atrás porque morreu pra torre. — Nishimura tinha um sorriso nos lábios ao provocar o segundo mais velho do grupo, me fazendo rir. — Você é muito ruim.
— Niki, se você falar mais uma palavra hoje... eu juro, vão ser as últimas. — Jay respirou fundo e continuou focado em seu jogo, arrancando dessa vez uma risada de todos nós, menos de Nishimura, que agora estava quieto.
— Eu poderia filmar vocês e acabar com qualquer chance de beijarem alguma pessoa novamente. Três nerds jogando League Of Legends em uma segunda-feira pós aula. — fiz uma breve careta, me cansando de ficar em pé e optando por sentar na cadeira vazia ao lado de Heeseung. — Só não vou embora agora porque vocês prometeram pagar um milkshake de morango 'pra mim.
— E porque não iríamos deixar também! GANHAMOS! — Heeseung diz, vibrando quando a palavra "Vitória" aparece na tela de seu computador. — E falando em aula, vocês lembram do Jake?
— Jake? — Niki pergunta quase que para si mesmo, tentando lembrar de quem se tratava.
— Aquele australiano que estudava com a gente ano passado? — É a vez de Jay, e só então eu me recordo.
— Ah! O garoto da Austrália, eu lembro dele! Ele era legal, até poderia ter feito parte do nosso grupo se não tivesse voltado 'pra lá. Mas o que tem ele? — perguntei.
— Ele vai voltar 'pra nossa escola, pelo menos foi o que o Jungwon me disse. A professora chamou ele 'pra dizer que teremos dois alunos novos amanhã, um deles é o Jake.
— E o que você tem a ver com isso? — Niki agora tinha sua cadeira virada em direção do mais velho.
— Jungwon é o representante da turma, mas não vai poder ir à aula amanhã. — Heeseung responde como se fosse algo óbvio, mas continua. — Como ele confia em mim, pediu para que eu mostrasse a escola a eles, e é o que eu vou fazer. Mas não sei quem é o outro aluno, pelo menos o Jake já é mais familiarizado com o lugar.
— Vou torcer 'pra que seja alguém que jogue LOL melhor do que o Jay, quase perdemos hoje. — Nishimura diz, brincando com a morte.
— Niki, lembra do que eu disse mais cedo?
— Jay, meu querido melhor amigo! Não sei se lembro muito bem. — o mais novo sorri amarelo, soltando uma risada sem graça.
— É melhor correr.
E quando percebemos, Jay e Niki estavam correndo pela LAN House de forma semelhante à qualquer episódio de Tom e Jerry. Heeseung apenas me encarou como quem não aguentava mais e eu retribuí o olhar, soltando uma risada que o mais velho logo acompanhou.
— Vamos pegar seu milkshake logo?
— Eu tô esperando por essa frase desde que pisei nesse lugar, por favor! — juntei as mãos como as pessoas fazem ao rezar e meu amigo riu. Ele então passou o braço por meu ombro ao se levantar e, em seguida, me acompanhou até a lanchonete da Lan House.
Não demorou muito para Niki e Jay se acalmarem, logo estávamos os quatro juntos tomando milkshake enquanto voltávamos pra casa. Eu sou completamente apaixonado por milkshake de morango, se um dia eu estiver irritado é só me dar um que tudo logo se resolve, é assim que meus amigos lidam comigo desde que convivemos juntos.
— Vejo vocês amanhã. E por favor, nada de League of Legends, é terça-feira! — falei o final mais alto ao atravessar a rua até minha casa, vendo Niki e Jay balançando as mãos para que eu entrasse logo.
— Se reclamar, amanhã vai ser pior, Kim Sunoo! — Heeseung gritou do outro lado da rua, me fazendo revirar os olhos enquanto tentava segurar um sorriso, meus três amigos caminhavam juntos em direção de suas casas, suas vozes podiam ser escutadas de longe.
Não demorei para entrar em casa, eu não fazia ideia de onde estavam meus pais então apenas subi as escadas até meu quarto, deixando minha mochila na cadeira do meu computador e me jogando de barriga pra cima na minha cama.
Respirei fundo enquanto encarava o teto, eu sabia que precisava deixar de lado essa história de sonhos lúcidos, por isso iria parar de pesquisar sobre e também parar de tentar fazer algo que claramente não funciona mais. Não é saudável ficar preso a algo que não existe.
— Essa música também não me ajuda muito. — revirei os olhos pelo fato de que quando peguei meu celular e coloquei meus fones de ouvido, a primeira música que tocou no modo aleatório era 11:11 da TAEYEON, e então eu decidi apenas não escutar música naquela noite. Sem músicas tristes por hoje, apenas virei para o lado e adormeci sem nem perceber.
***
A vida de aluno do ensino médio é uma loucura, às vezes você sente como se simplesmente piscasse uma vez, o dia já é outro e você está novamente sentado em uma cadeira esperando a aula começar. Eu até reclamaria disso hoje, mas é impossível ficar mal-humorado sendo amigo do Jay e do Ni-ki, eu e Heeseung nos divertimos muito todos os dias com as provocações dos dois.
— Vocês não cansam nunca? — Heeseung pergunta enquanto observamos Nishimura tentando arrancar uma fita do cabelo de Jay sem o machucar. — Como essa fita foi parar aí 'pra começo de conversa?
— O Niki é completamente maluco, não tem como explicar de outra forma. — Jay dá um pequeno gritinho após sua fala, e então nós vemos o mais novo do grupo segurando a fita com alguns fios de cabelo de Jongseong. — Porra, Nishimura.
— Foi mal, melhor tirar de vez e sentir a dor do que ficar se torturando. — ele dá de ombros e então se levanta da cadeira. — Vou 'pra minha turma.
— Vai, por favor. Não te aguento mais, criança. — Jay esfrega a cabeça enquanto gesticula para Niki ir embora.
— Não sou criança. — ele mostra o dedo do meio e então vira de costas, indo até a saída da nossa sala. — Não esqueçam de perguntar para o aluno novo se ele joga melhor do que o Jongseong.
Eu e Heeseung caímos na risada.
— Um dia eu mato esse garoto.
— Vocês são hilários. — neguei com a cabeça ainda rindo, não demorando para ouvir o primeiro sinal tocar e indicar que a primeira aula iria começar.
Não demorou para que todos os alunos se ajeitassem em seus devidos lugares, o que não impedia que todos continuassem conversando, nenhum professor havia entrado na sala ainda. Enquanto isso, aproveitei para pegar meus materiais na mochila e os deixar em cima da mesa, não levando nem vinte segundos para finalizar tudo.
— Boa tarde, alunos!
A barulho da sala foi diminuindo exatamente como os finais das músicas dos anos 2000 – como se o volume estivesse sendo abaixado – até que finalmente um silêncio total se instalasse, e todos respondessem em coro:
— Boa tarde, professora!
— Muito bem. — ela sorriu e se posicionou no centro da sala logo em frente ao quadro. — Antes de começar a aula como costumamos fazer, eu acho que muitos já devem saber que temos dois alunos que estarão se juntando com a gente a partir de hoje, então peço que sejam receptivos e cuidem bem dos seus novos amigos!
A mulher caminha até a porta da sala e gesticula com a mão, provavelmente chamando os dois alunos novos. Um sorriso se forma em meus lábios quando vejo a figura de Jake passar pela porta, o garoto continuava com o mesmo charme que costumava ter antes de voltar pra Austrália, mas aparentava estar visualmente muito mais legal do que já era. Segundos depois, o outro aluno também passou pela mesma porta.
O sorriso que eu tinha em meu rosto sumiu imediatamente e uma sensação de frio passou pela minha barriga, assim como meu corpo reagiu ao se arrepiar com o que meus olhos estavam vendo.
Não, isso não poderia estar acontecendo. Eu tinha 100% de certeza de que eu estava alucinando. Que merda era aquela?
— Muitos de vocês já devem conhecer o Jake, ele estudou com a gente ano passado, lembram? Jake veio da Austrália novamente por motivos pessoais, sejam receptivos com nosso novo colega, por favor! — a professora pediu e Jake se curvou para cumprimentar os alunos, logo seguindo até a cadeira que foi indicada pela professora.
Mas meu estômago continuava embrulhado enquanto meus olhos estavam focados no outro garoto. Será que eu iria vomitar?
— E esse é Park Sunghoon. — a professora o encarava com um enorme sorriso nos lábios, diferente de mim. — Ele veio transferido de outra escola em Seul e vai se juntar conosco nos próximos meses. Sejam receptivos com Sunghoon também, tenho certeza que vão se dar muito bem! Bem-vindo!
Park Sunghoon?
Eu provavelmente estava ficando maluco e vendo coisas, mas esse garoto era completamente idêntico ao garoto dos meus sonhos.
E sim, eu sabia que já faziam meses desde que vi seu rosto, mas eu não esqueceria dele nem daqui um ano ou mais. O cabelo escuro, a pinta naquele lugar específico do nariz e cada detalhe do rosto eram idênticos, chegava a ser loucura eu estar presenciando aquilo em minha frente. Mas ele tinha detalhes diferentes, mesmo que fossem mínimos. Ele usava... piercings? Será que eu estava enlouquecendo?
Eu realmente não fazia ideia, mas se eu não enlouquecesse naquele momento, eu provavelmente iria enlouquecer daqui há algumas semanas se esse garoto continuar aparecendo na minha frente.
***
Chapter 2: In My Head
Chapter Text
Kim Sunoo.
Uma das coisas que eu nunca soube ser algo positivo ou negativo em mim é que: meu rosto vai sempre entregar se eu gostei de algo ou não, eu só não consigo fingir minhas expressões e sou sempre transparente quanto a isso. Fica mais difícil de perceber esse detalhe em mim quando não temos muita intimidade? Sim. Mas quando se trata dos meus melhores amigos, bem, eu sempre acabo passando por situações difíceis ou até constrangedoras.
Desde que aquele garoto entrou na nossa sala eu não consegui fingir que aquilo não mexeu comigo. Eu não conseguia parar de olhar para ele, eu realmente espero que ele não tenha notado, mas meu olhar ficou preso em seu rosto de uma forma que eu não conseguia parar. Ele não parecia estar prestando atenção em nada que o professor estava dizendo, ele apenas estava com a cabeça baixa enquanto desenhava em seu caderno sem parar, desde que ele chegou, eu não o vi trocar uma única palavra com ninguém da classe. Não parecia nada acessível.
Isso parece tão estranho e tão surreal, não é? Quais eram as chances de você ter sonhos frequentes com alguém que você jurou ser apenas uma criação em sua cabeça, e depois, descobrir que ele realmente existe?
Quem é Park Sunghoon? E por que diabos sonhei com esse garoto por tanto tempo? E por que diabos ele apareceu na minha vida assim? Tantas perguntas, nenhuma resposta.
Imagine-se: em um determinado momento da sua vida você começa a sonhar com uma pessoa, você sabe que está sonhando e tudo que você vivencia em seus sonhos parece real, essa pessoa então começa a conversar com você e vocês trocam experiências juntos, é como se todo sonho você estivesse vivendo em um universo paralelo. E então tudo acaba, por meses você não tem sonhos como esses e de repente... BOOM! A pessoa dos seus sonhos aparece na sua frente, mas desta vez você está acordado, e ela, não sabe nem seu nome.
E não posso falar sobre isso com ninguém, principalmente com o aluno novo. Estou apenas confuso no momento, é claro. Isso claramente vai passar e as coisas voltarão ao normal.
Só não sei se isso é verdade ou apenas eu, mais uma vez, tentando me convencer de algo irreal.
— Falar com ele é menos bizarro do que ficar secando, Sunoo. — a voz de Heeseung me assusta e então eu desperto de meus pensamentos, arregalando os olhos quando notei que fiquei esse tempo todo encarando o garoto novo.
— Hein? — balancei a cabeça rapidamente e arrumei minha postura na cadeira, torcendo para que eu não tenha passado nenhuma vergonha. — Eu só estava pensando, não estava encarando ele.
— Não foi o que pareceu. Mas o garoto parece um modelo mesmo. — Jay comenta, o encarando de longe.
— Eu não estava encarando ele, meu Deus. — revirei os olhos; eu queria enfiar minha cabeça dentro de um buraco e me enterrar.
— Se você ficar na defensiva desse jeito eu vou começar a achar que estava sim, hein? — o mais velho do trio me provoca e apoia as duas mãos em sua mesa, se inclinando até mim para cochichar. — Aliás, eu e o Jake vamos mostrar a escola 'pra ele no intervalo e depois eu vejo vocês no refeitório, pensei em chamar eles também.
— Não. — falei imediatamente, não percebendo o quão desesperado e um pouco alto eu estava soando até ver Heeseung e Jay me encarando com as sobrancelhas arqueadas, então abaixei meu tom de voz. — Quer dizer... Eu... Não posso ficar com vocês no refeitório hoje, preciso devolver algumas coisas na biblioteca.
— Você vai demorar o intervalo inteiro na biblioteca? — Jay questiona.
— Ah, é que vou pegar mais alguns livros que eu tenho na minha lista. Lembram daquela minha meta de livros para ler esse ano? — sorri amarelo, tentando convencer meus amigos daquela baboseira que eu havia inventado.
— Eu nunca te vi tão esquisito na minha vida, juro por Deus. — Heeseung nega com a cabeça e volta a encarar seu caderno, não tentando entender mais da confusão que eu estava naquele dia, me senti aliviado por isso.
— Vocês aí no fundo! Silêncio, por favor! — a voz da professora ecoa pela sala.
— Desculpa, professora. — nossas vozes saem em coro e então todos ficam em silêncio.
Tentei passar o resto da aula sem encarar aquele garoto, mas também não consegui prestar muita atenção na aula já que eu estava concentrado em não ser pego o "secando" mais uma vez, como diria Heeseung. Confesso que isso foi uma tarefa até fácil porque, quando eu percebi, a sirene que indicava o intervalo começou a se espalhar pelos corredores, e eu agradeci mentalmente quando a sala começou a se esvaziar.
— Vejo vocês depois. — falei rapidamente quando terminei de pegar alguns livros que eu tinha dentro da mochila, pelo menos a parte de que eu precisava entregá-los era verdade. Mas eu precisava entregá-los semana que vem.
Passei pela porta da sala de aula tão rápido que sequer tive a chance de ver alguém além dos meus amigos, eu estava aliviado, muito aliviado de não terem feito mais perguntas. Eles são as pessoas mais insistentes que já conheci na minha vida inteira, às vezes fugir era a melhor opção, principalmente quando o meu problema ambulante irá fazer parte do intervalo inteiro deles.
— Kim Sunoo, a que devo a honra desta visita? — sorri quando ouvi a doce voz de Daya, a nova secretária da biblioteca. Eu já havia me encontrado com ela das últimas vezes que peguei alguns livros daqui, ela é estrangeira e morava em Oakland, Califórnia. Adoro ela.
— Oi, Daya! Vim entregar esses livros que faltavam. — deixei os livros em cima do balcão da recepção, eram três no total. Por incrível que pareça eu já havia terminado de ler todos. — Orgulho e Preconceito, Midnight Sun e É assim que acaba.
Falei todos os livros em voz alta e a mulher riu baixinho enquanto pegava cada um deles, anotando algo do outro lado do balcão em seu computador.
— O seu prazo de entrega era para semana que vem. Você é rápido, não é? — ela levantou com todos os livros em mãos, e então eu a segui até os corredores de livros.
'Rápido e idiota por estar fugindo de um garoto que nunca me fez nada de errado.' pensei.
— Deixa que eu ajudo. — falei ao pegar os livros de seus braços, recebendo um sorriso genuíno da mais velha. — Na verdade, eu realmente gostei dos livros, eu costumo ler mais rápido quando isso acontece. Principalmente Midnight Sun, foi interessante ler o ponto de vista do Edward Cullen em relação à Bella e outras coisas.
— Você gosta mesmo de Crepúsculo? — Daya me olhou um pouco surpresa, me fazendo rir. Em seguida, a mulher me indica onde colocar os livros. — Pode colocar aqui!
— Para ser sincero, gosto de livros e filmes de ficção, também dos que contam histórias de vampiros. Eu seria hipócrita se não soubesse o mínimo sobre a Saga Crepúsculo, não seria? — soltei uma risada baixa, deixando cada um dos livros em seu devido lugar. — Pronto.
— Você realmente não estava brincando quando disse que amava vir à biblioteca e conhecer as histórias que esse lugar guarda, não é? — ela ri e eu a acompanho, concordando.
Adoro ser transparente nesses momentos, quando conheci Daya pela primeira vez, contei a ela sobre minha paixão por histórias de todos os tipos, sou uma pessoa que adora sonhar e imaginar todos os cenários possíveis, porém, ultimamente tenho ficado nessa confusão onde não sei se isso ainda é uma qualidade minha. É isso que acontece quando você cresce, você começa a manter os pés no chão por medo de que as pessoas pensem que você é inferior a elas só porque você quer sonhar, então você se fecha e acaba se tornando um adulto amargo.
E eu sei que ainda estou entrando na minha fase adulta, mas é assim que eu leio os adultos que fazem parte da minha vida, pelo menos alguns deles.
— E eu pretendo aprender mais algumas histórias hoje, posso? Não estou com vontade de passar o intervalo lá fora.
— Claro, Sunoo. Fique à vontade, preciso terminar de organizar os arquivos de alguns alunos. E não se esqueça... — ela olha para mim e leva o dedo indicador ao meio dos lábios, sinalizando silêncio na biblioteca. Eu ri baixinho com o ato dela e acenei com a cabeça em concordância.
Em poucos segundos eu me vi andando pelos corredores da biblioteca, meus olhos vagando pelas prateleiras cheias de livros enquanto eu prestava muita atenção em seus detalhes, imaginando o quão incrível era que as histórias de inúmeras pessoas estivessem reunidas em um só lugar, e eu, tinha o poder de guardar cada uma em minhas melhores memórias.
Quando cheguei ao último corredor, notei alguns alunos que estavam espalhados pelas mesas que havia na biblioteca, alguns usavam o local para estudos, outros usavam para ler, como eu. E enquanto eu procurava algum livro para me juntar à eles, ouvi uma voz familiar:
— E essa é a biblioteca da escola, eu não costumo vir muito aqui, então não sei muito o que dizer. — a voz de Heeseung se aproxima mais. — Quer dizer, obviamente você vem aqui para ler livros. Aliás, eu tenho um amigo que iria adorar contar sobre as histórias malucas que ele já leu, ele gosta muito de falar. E tenho certeza que ele está aqui em algum lugar...
— Mas que merda? — sussurrei para mim mesmo e me abaixei devagar, eu queria me esconder por trás das prateleiras e torcia mentalmente para que eles não passassem por aquele corredor.
— Esse é provavelmente um lugar que eu não vou frequentar muito também. — uma voz um pouco grossa respondeu a Heeseung, provavelmente era o garoto novo. — Esse seu amigo é nerd, é? Não vejo muita graça em passar tanto tempo assim em um lugar silencioso demais.
— Ele só gosta de ler, você provavelmente o viu na sala de aula. — Heeseung continua, respirei fundo quando sua voz se aproximou, me levantando devagar e entrando em outro corredor, seguindo até o final dele em silêncio. — O garoto de cabelo rosa, sabe?
— Cabelo rosa? — a voz levemente grossa novamente. — Sendo sincero, eu não prestei atenção em muita coisa hoje, nem nas primeiras aulas. — seus passos ficam mais próximos e eu prendo meu lábio inferior entre os dentes. Sem saber como fugir daquela situação, me abaixo novamente, apoiando minha mão em uma das prateleiras. — Mas se ele gosta de ficar aqui, então provavelmente é menos hiperativo e barulhento do que seu amigo japonês.
Heeseung ri baixinho com esse comentário, me fazendo perceber o quão perto de mim eles estavam. Em um susto, virei meu rosto rapidamente quando os dois passaram pelo corredor ao lado do meu, entrando exatamente no que eu estava.
Merda, mil vezes merda.
Pressionei meus dedos com força contra a prateleira no momento em que meu olhar atingiu os dois garotos que agora também estavam de olho em mim. Eu definitivamente me odiava, porque quando me levantei desajeitadamente, me desequilibrei e deixei a prateleira cair com o peso do meu braço, assim como eu também caí com as duas mãos por cima de alguns livros que se espalharam com a queda, fazendo um barulho considerado alto para uma biblioteca.
Barulhos como "shhh" se espalharam pelos corredores, me deixando mais constrangido do que eu já estava.
— Ou são barulhentos iguais, eu acho. — Park completa o que estava dizendo segundos antes de eu cair.
Fechei os olhos com força enquanto olhava para baixo, me preparando mentalmente para pregar meus olhos no rosto daquele garoto. Então, respirei fundo e levantei o olhar devagar, vendo Heeseung me encarando com as sobrancelhas arqueadas enquanto Sunghoon estava um pouco atrás dele, ambas as mãos do rapaz estavam nos bolsos de sua calça escolar.
— Ficou maluco, Sunoo? O que você tava fazendo aí? — Heeseung se aproxima imediatamente, segura em meu braço e me ajuda a levantar. — Você tá bem?
— Estou. — respondi enquanto me levantava, meu olhar passou por Sunghoon por alguns segundos e ele também me olhava. — Eu estava... Procurando um livro. — disse simples.
— É assim que você procura livros hoje em dia? — meu amigo pergunta achando graça da situação, mas seu rosto logo fica sério, provavelmente percebendo que eu não estava confortável com o que havia acabado de acontecer – minhas expressões me entregando novamente. — Foi mal.
— Por que você está aqui? — perguntei, mesmo sabendo o motivo, e também por estar tentando ignorar a presença do outro garoto.
— Vim mostrar a biblioteca pra ele. — Lee aponta com o polegar para o aluno novo. — Aliás, Sunghoon, esse é o amigo que eu falei, o nome dele é Kim Sunoo.
— Park Sunghoon. — o garoto se apresenta como se eu não estivesse na mesma sala que ele quando o apresentaram. — Se te conforta, conheci um garoto mais cedo de um jeito bem mais chamativo. Mas você quase empatou.
Arqueei as sobrancelhas após ouvi-lo. Primeiro que eu ainda não havia me acostumado com o rosto dele, e segundo, o que eu deveria responder?
"Obrigado, me sinto muito melhor agora."?
— Niki derrubou metade da garrafa de suco dele no Sunghoon. — Heeseung explica a situação e eu volto a arquear as sobrancelhas. Park segura em seu blazer e mostra a mancha amarelada em sua camisa branca, provavelmente suco de abacaxi, o favorito de Nishimura.
— Ah, isso parece mesmo ser algo que o Niki faria. — tentei soltar uma risada, mesmo estando tenso com a presença do garoto de cabelos escuros. — Acho melhor eu arrumar isso antes que Daya brigue comigo, vocês podem ir.
— Podemos ajudar se quiser. — Heeseung tenta se aproximar, mas eu pouso minha mão em seu ombro.
— Podem ir, o intervalo já vai acabar e você nem mostrou a escola inteira a ele ainda.
— Na verdade, mostrou sim. — a voz de Sunghoon faz meu olhar ir até ele. — Esse foi o último lugar que Heeseung quis vir.
Travei meu maxilar e encarei Heeseung lentamente, o mais velho tinha um sorriso sem graça em seu rosto. Ele sabia exatamente o que estava fazendo quando decidiu vir aqui por último.
— Tudo bem, me ajudem então. — respirei fundo, me abaixando para levantar a prateleira que eu havia derrubado, torcendo para que Daya não aparecesse para me dar alguma bronca, eu já tinha passado vergonha o suficiente.
Heeseung e Sunghoon começaram a pegar os livros que haviam caído, deixando-os um em cima do outro enquanto eu os colocava na prateleira, organizando cada um pelas fitas que indicavam o gênero. Ficção, terror e ação.
Meus olhos, teimosos, seguiram até o rosto de Sunghoon novamente.
Agora que estávamos mais próximos e ele mais ocupado do que eu, pude perceber mais alguns detalhes do garoto: ele tinha mesmo um piercing no lado esquerdo do lábio, um no nariz e um transversal em sua orelha, aquilo deve ter doído. E o pior, ele realmente era muito bonito, tão bonito que me deixava irritado.
Talvez eu estivesse encarando a inspiração para Gorgeous, da Taylor Swift. Será que ela sonhou com ele também?
Mas algo nele ainda era diferente, não sei, talvez eu estivesse errado quando disse que meus sonhos pareciam mais reais do que a minha vida, porque ele sim parece muito mais real agora que estou o vendo na minha frente.
— Terminou? — Heeseung aparece ao meu lado, me fazendo dar um pequeno pulo de susto.
— Terminei o quê?
— O que mais seria, Sunoo? De organizar os livros. — Heeseung continuava me olhando como se estivesse tentando me ler.
— Faltou esses daqui. — Sunghoon levanta do chão, carregando três livros em mãos e me entregando.
— Certo, então agora... — comecei a falar, colocando os livros que faltavam na prateleira, me virando para Heeseung ao finalizar. — Terminei.
— Podemos voltar então? — meu amigo pergunta, olhando para mim com a mesma expressão de segundos atrás.
— Podem ir na frente, preciso falar com a Daya antes. — menti.
Nenhum deles questionou, apenas se despediram e seguiram seus caminhos para a saída, enquanto isso, respirei fundo e cuidei para não derrubar mais nada até finalmente ouvir a sirene que indicava o final do intervalo.
***
— Que merda você 'tava pensando? Que eu queria desesperadamente me aproximar daquele garoto? Você falou que o Jake também estaria junto mas levou ele sozinho pra biblioteca. — eu falava com Heeseung enquanto caminhávamos juntos até a parada de ônibus. Niki e Jay, como sempre, nos acompanhavam.
— Você encarou ele a aula inteira, inclusive na biblioteca. Se não queria fazer amizade com ele, então o quê? — Lee arqueia as sobrancelhas, ele segurava firme na alça de sua mochila que estava em apenas um de seus ombros.
— Você me conhece há anos e sabe que eu me comunico fácil com uma pessoa quando eu quero, eu só... — tentei procurar a frase certa ao virar meu rosto para frente. — Achei ele parecido com uma pessoa.
— Com quem? — Niki se intromete. — Aquele cara deve me odiar, você tinha que ver a cara que ele fez quando eu derrubei o suco nele. Só mudou quando Heeseung disse que éramos amigos.
— Não exagera, ele reagiu como qualquer pessoa reagiria se um estranho esbarrasse nela com um suco esquisito. — Jay revira os olhos. — Você até conversou com ele depois.
— Você achou ele parecido com quem, Sunoo? — O mais velho do grupo ignora a conversa entre Nishimura e Jongseong, me dando um leve empurrão com o ombro.
— Eu não sei, tentei lembrar mas não consegui. Deve ser algum famoso, ele tem um rosto genérico. — dei de ombros, torcendo para que eles acreditassem nas minhas palavras, por mais que eu não achasse verdade nada do que havia acabado de dizer.
— Ele pensou que você não foi com a cara dele. — Lee comenta ao chegarmos na parada de ônibus, se apoiando em um poste que continha uma placa enorme anunciando uma dessas lojas de fast fashion. — E eu também.
— Ele falou isso?
— É claro. Na biblioteca você agiu como se ele não estivesse lá. — ele nega com a cabeça, e por um segundo eu me senti mal por ter agido de forma tão infantil. — Eu gostei dele, parece ser um cara legal. E os piercings dele me deram ideias.
— Eu não fiz por querer, eu acho que só não estou em um dia bom hoje. — pelo menos isso era verdade, infelizmente eu estava uma confusão naquela semana. — Quais ideias você teve?
— Você não vai colocar outro piercing, vai? O Sr. Lee vai te matar. — Jay apoia um de seus braços no ombro direito de Heeseung, que solta um suspiro cheio de cansaço.
A única coisa que o impedia de fazer coisas mais fora de sua zona de conforto, é claro, era seu pai. Lee Heeseung é o cara mais legal que eu já conheci, ele tem um carisma natural que facilmente conquista as pessoas, além de ser bonito, legal e reservado quanto aos seus relacionamentos amorosos. Mas acho que poucas pessoas percebem ou sabem o quão difícil é seu relacionamento com seu pai, Sr. Lee.
A mãe de Heeseung fugiu quando ele ainda era criança, deixou seu pai para cuidar dele sozinho e desde então ele ficou meio obcecado pelo filho. Eu acho que ele sente que Heeseung é a única coisa que resta da memória de sua ex-esposa.
Mas eu realmente não entendo, como tratar seu próprio filho como um fantoche vai ajudar? ele não deixa Heeseung ter muita escolha do que ele quer fazer ou não, não o dá liberdade demais e sempre monitora sua vida. Mas, ele confiava em meus pais, então Heeseung às vezes usa minha casa como uma maneira de fugir da dele. Com o tempo até minha mãe também passou a chamá-lo de filho, arrisco dizer que ela deve se preocupar mais com o meu melhor amigo do que comigo. Mas eu estou tranquilo quanto a isso.
— Eu vou pensar no assunto, sei que ele quase me matou quando eu só fiz um furo na orelha, mas depois de um tempo ele aceitou. — o garoto deu de ombros. — Ah, e o Jake nos convidou pra jogarmos Call Of Duty na casa dele mais tarde, vocês vão, não é? Vou falar pro meu pai que vou pegar carona com o Sunoo.
— E você pretendia me avisar isso quando? — o encarei incrédulo, ouvindo a risada dele.
— Agora. — ele sorri. — É sério, vocês precisam ir. Soube que a casa dele é enorme, ele quer se aproximar da gente agora que voltou pra Coréia oficialmente.
— É óbvio que eu topo, vou estar lá no horário que vocês marcarem. — Niki é o primeiro a confirmar presença.
— Por mim tudo bem. — Jay dá de ombros.
E então, todos os olhares caem em mim. Respirei fundo ao levantar o rosto até o céu, soltando o ar pela boca quando voltei minha atenção nos três garotos em minha frente.
— Tá, eu vou. Pelo menos é Call Of Duty e não League Of Legends. — falei, sabendo que eu não sabia jogar nenhum dos dois.
Eles aplaudem exageradamente, fazendo meus olhos revirar com suas reações, e então, nossas risadas se misturam de uma forma única, como sempre fazíamos quando estávamos os quatro juntos.
Quando percebi, nosso ônibus já estava em nossa frente e cada um se preparava para entrar nele, esperando em uma pequena fila que se formara com outros alunos e desconhecidos com o mesmo rumo que o nosso.
***
Já faziam alguns minutos que eu estava em silêncio no carro enquanto Heeseung e minha mãe conversavam sobre os assuntos mais aleatórios possíveis, as vezes ela até tocava no nome do pai de Lee, mas nada polêmico, era apenas para deixar meu amigo ciente de que poderia se sentir à vontade para contar se algo o incomodasse. Não faço ideia se isso pode ter alguma relação, posso até estar errado em pensar dessa forma, mas talvez o fato de minha mãe ser psicóloga deixe Heeseung um pouco inseguro em falar demais, por isso ele falava apenas o necessário. Talvez por medo de ouvir o que ele sabe, mas não quer ter certeza.
Eu, como filho dela, passo pela mesma coisa.
— É aqui, filho? — minha mãe pergunta após estacionar o carro, e se fosse possível, meu queixo estaria no chão nesse exato momento.
— Cara... Ca! Caraca. — Heeseung se corrige rapidamente, lembrando da presença de minha mãe antes que uma palavra de baixo calão escapasse de sua boca. — Eu falei que a casa do Jake era enorme, mas não sabia que era tanto.
— Mãe, pode dar a volta? Eu que não vou entrar aí. — falei, travando as portas do carro e vendo meu amigo arregalar os olhos e se preparar para manifestar contra minha atitude.
— Nada disso. — ele balança a cabeça várias vezes em negação, destravando as portas novamente ao se inclinar do banco de trás. — Eu que não vou desperdiçar um dia jogando Call Of Duty no PS5 do Jake, a casa é apenas um bônus. — e então ele abre a porta. — Seu filho não sabe o que diz, Sra. Kim. Vamos, Sunoo.
— Mãe, me salva. Por favor. — fingi estar quase chorando e a mais velha achou graça da situação, soltando uma risada.
— Anda, Kim Sunoo, seus amigos estão esperando. — ela se aproxima, segurando em minha nuca e deixando um beijo rápido em minha testa. — Me liguem quando quiserem ir embora.
Peguei meu celular do bolso de minha calça e o desbloqueei.
— O que está fazendo?
— Ligando pra senhora.
A porta ao meu lado abriu e senti uma mão pesada em meu ombro, dando de cara com Heeseung, que tinha um olhar ameaçador.
— Foi apenas uma brincadeirinha. — levantei às mãos, me rendendo. O garoto revira os olhos e eu dou risada de sua expressão, saindo do carro e olhando para dentro do mesmo após fechar a porta. — Tchau, mãe. Eu te ligo.
— Divirtam-se! — ela sorri e alguns segundos depois seu carro já estava virando a rua, oficialmente nos deixando ali sozinhos.
Heeseung e eu caminhamos juntos pelo enorme gramado da casa de cor branca, ela parecia completamente delicada por fora e eu estava rezando para não ser por dentro também, o ocorrido na biblioteca havia me traumatizado.
Odhen era uma cidade média quase colada em Seul, não tinha muitas histórias a serem contadas mas era bem vista por turistas, e sério, em todo o tempo em que moro aqui, nunca vim para esse lado. Pra ser sincero, eu sequer sabia da existência desse bairro, mas ele era muito bonito, parecia um filme.
— Você acha que Jay e Niki já chegaram? — perguntei enquanto encarava a enorme porta em nossa frente, Heeseung havia acabado de apertar a campainha.
— Não sei, eles não mandaram nenhuma mensagem no grupo. — ele dá de ombros, e então a maçaneta começa a se mover até que a porta se abre, dando-nos uma visão completa do garoto de cabelo escuro, agora úmido. Ele parecia ter acabado de sair do banho. Era Park Sunghoon.
Senti como se meu coração tivesse parado por um rápido segundo. Ainda estava difícil me acostumar com seu rosto na vida real. E mais uma vez, Heeseung não me avisou que ele estaria com a gente.
— Sunghoon? o Jake chamou você também? — Heeseung pergunta animado, meu olhar desconfiado cai em cima dele.
— Acho que eu esqueci de citar esse detalhe. — Sunghoon sorri, sem graça. — Eu moro aqui também.
— O quê?! — minha voz e de Heeseung se juntam ao mesmo tempo.
— Espera aí, então quer dizer que vocês dois...
— O quê? Não. — Sunghoon corta meu amigo imediatamente. — Não é nada disso. Longa história, eu e o Jake explicamos lá dentro. Entrem logo, vocês precisam ver isso.
Sunghoon fala com pressa, abrindo totalmente a porta para Heeseung e eu passarmos, fechando-a em um segundo. Uma música abafada dava para se ouvir de onde estávamos.
Enquanto eu ainda estava processando o fato de que eu estava no mesmo lugar que Park novamente, e que ainda por cima, ele morava com Jake, agora tudo parecia ainda mais fora do normal com a cena que eu estava vendo em minha frente.
Niki, Jay, Jake e Jungwon, o representante da nossa turma, estavam no lugar que eu julgava ser a sala principal, todos jogando Guitar Hero.
"Walk This Way" do Aerosmith com Run-D.M.C tocava em um volume alto, um clássico. Jake batia no equipamento de bateria enquanto Niki tinha o de guitarra em mãos, enquanto isso, Jay e Jungwon seguravam microfones.
Jongseong cantava com um inglês surpreendente e gritava exageradamente, o representante da turma e os outros dois meninos faziam o mesmo. Uma desafinação completa e caótica.
— WALK THIS WAY!
— TALK THIS WAY!
Eu, Heeseung e Sunghoon estávamos parados na porta da sala e eu tinha certeza que não havíamos sido notados, mas eu não me importava, aquela cena havia sido o ponto alto do meu dia, se eu não tivesse chegado segundos antes da música acabar, teria me juntado a eles.
— Finalmente vocês chegaram! — Jake sorri, o garoto estava ofegante pelo jogo. — A quanto tempo estão aí?
— Tempo o suficiente pra ter certeza que vocês todos enlouqueceram de vez. — Heeseung dá risada. — Dez minutos com o Nishimura e já ficam assim?
Uma almofada é atirada em direção de Heeseung, e sim, ela veio de Niki.
— Mas foi hilário! — falei ainda rindo da situação, me aproximando de onde os outros meninos estavam. — Eu quero jogar também, posso?
— Não, pelo amor de Deus. — era a voz de Sunghoon. — O Jake não consegue parar quando começa. Por favor, vamos jogar COD de uma vez. — o garoto implora, fazendo todos rirem, menos eu.
— Podemos jogar depois que as partidas terminaram, pode ser, Sunoo? — o australiano se aproxima, apoia a mão em meu ombro e eu não evito em retribuir um sorriso.
Eu não iria contestar, a casa não era minha de qualquer forma. Mas confesso que teria chegado mais cedo se soubesse.
— Eu nem sei jogar isso. — pensei alto, me afastando dos equipamentos quando os garotos começaram a preparar a sala para jogarmos Call Of Duty.
Eu não sei se era o normal deles, mas haviam duas televisões enormes na sala, ambas estavam conectadas no jogo e tínhamos quatro controles para sete garotos. E sério, o fato de Jake já ter morado na Austrália e sempre viajar de volta ao país em algum momento sempre foi algo que me deixava curioso, mas nunca parei para imaginar como seriam os negócios de sua família. Mas olhando agora, estou mais curioso ainda em saber onde Sunghoon se encaixa nisso tudo, eu passei tanto tempo pensando nos meus sonhos que não percebi o quão próximos o novato e o australiano eram.
— Certo, coloquei todos os nomes aqui. — Jake tinha um pequeno pote em mãos com alguns papeizinhos e mostrava para todos na sala.
Eles decidiram resolver o problema dos controles com sorteio de times. A pessoa que sobrasse ficaria no time que vencesse a primeira partida, assim fazendo a primeira "competição" acontecer.
Jake começou tirando os primeiros nomes, as primeiras duplas foram respectivamente: Heeseung e Jungwon contra Jay e o próprio australiano.
Encarei Niki, recebendo um olhar do mais novo também. Eu sabia que ele provavelmente estava gritando por dentro por não querer cair no mesmo time que eu, Nishimura sabia o quão ruim eu era nisso. Eu não queria estragar o jogo dele, mas também não queria cair no time de Sunghoon.
— Niki e Sunghoon. — Jake termina de tirar os papéis e um sorriso cresce em seu rosto, olhando para mim. — Parece que vamos todos brigar pelo Sunoo hoje, hein?
— Brigar? Ele já é meu. — Heeseung se aproxima, passando um dos braços por trás de mim, o apoiando em meu ombro. — Se prepara pra entrar pro meu time quando eu ganhar.
— Podem pegar ele à vontade. — Nishimura dá risada, o garoto já sentava no chão em frente à televisão, se preparando pra jogar.
— Podem parar de fingir, eu sei que vocês estão agradecendo por essas rodadas sem mim. —neguei com a cabeça, cruzando os braços. — Mas eu quero ver quem vai ser digno de me ganhar. Menos você, Niki, seu falso.
— Você já é nosso. — Jake diz ao passar por mim, dando um tapinha em meu ombro e se sentando ao lado de Riki no chão.
Continuei com os braços cruzados, procurando por um lugar bom no sofá para me sentar e assistir os garotos jogando.
Não demorou para a partida começar e a sala ser tomada por gritos e até xingamentos novos que eu havia aprendido naquele dia, mesmo sendo o mais novo, Nishimura tinha uma boca muito suja quando estava de frente para a tela de um jogo. O mais engraçado eram os xingamentos em japonês que o garoto soltava, Sunghoon o encarava assustado sempre que algum era longo demais.
Mas não foi isso que me surpreendeu, eu já estava acostumado com o garoto. Sunghoon e Niki jogavam em sintonia e se ajudavam como se fizessem isso juntos há meses, pareciam dois profissionais perto de Jay e Jake, que agora estavam frustrados com a quase derrota.
— Eu realmente não tenho chance alguma. — virei meu rosto pro lado ao sentir o sofá afundar ao meu lado, Yang Jungwon havia acabado de se jogar ali, só agora eu havia percebido a presença do garoto. — Sou péssimo jogando isso.
— Você tá falando sério? — perguntei. Eu não escondia meu tom de decepção, totalmente dramático. — Eu estava apostando em você e no Heeseung, não quero ficar na equipe do Niki.
— Eles são os melhores até agora, então sinto muito. — o garoto solta uma risada, fazendo uma careta que eu particularmente havia achado uma graça.
— Você faltou aula hoje, não foi? Como veio parar aqui? — minha pergunta saiu automaticamente, e então eu percebi que talvez estivesse sendo muito intrometido e curioso, eu nem tinha intimidade com o garoto.
— Precisei cuidar da minha irmã mais nova hoje, longa história, mas já foi resolvido. — ele suspira como se estivesse cansado. — E eu e Jake éramos amigos antes dele voltar pra Austrália, ele me obrigou a vir aqui hoje porque queria me ver. — o mais novo solta uma risada baixa, seu olhar agora estava em Jake, que gritava entretido com o jogo.
Acho que essa havia sido a conversa mais longa que tive com Jungwon desde que começamos a estudar juntos, dois anos atrás. Eu não sabia muito sobre a vida dele, o que eu sabia eram coisas básicas que observava na escola: Ele era muito inteligente e um garoto educado que gostava muito de se posicionar nas aulas. Eu invejava as notas de Jungwon, não era a toa que ele representava a turma. Se dependesse das minhas, a única coisa que eu representaria seriam os alunos que precisam de aulas de reforço.
Eu não sou burro nem nada do tipo, apenas tiro notas o suficiente para passar de ano.
— É melhor já se preparar, Sunoo! — Niki estava animado, como esperado, ele e Park venceram o jogo.
Jungwon me olha piedoso e então se levanta, assumindo o controle de Jake. Heeseung logo se junta em silêncio também, assumindo o controle de Jay.
— Eu tentei lutar por você, Sunoo. Me desculpa. — Jake se senta ao meu lado, me fazendo rir da decepção que o australiano demonstrava em seu tom de voz.
Os minutos seguintes foram diferentes, Heeseung e Jungwon estavam dando mais dificuldade para Niki e Sunghoon, mas a dupla ainda estava se saindo melhor do que seus adversários. Yang apesar de não ter habilidades, era bom em seguir as dicas que Lee dava. Mas eu não era a pessoa mais confiável para julgar isso já que não entendia nada.
Enquanto eu torcia para Heeseung, eu também segurava minha língua para não perguntar nada a Jake sobre ele e Sunghoon morarem juntos. Eu estava bastante curioso quanto a isso, mas não queria parecer intrometido.
— Falta um minuto, não tem como isso virar. — O garoto ao meu lado falava, ele estava torcendo para Yang e Lee, como eu. — Da próxima vez o Niki e o Sunghoon estão proibidos de serem uma dupla.
— Tá brincando? Eu só quero jogar com ele agora. — Nishimura diz animado e ele e Sunghoon dão uma leve batida em seus ombros, como um cumprimento acompanhando de risadas.
E mais uma vez a primeira impressão que eu tive do garoto estava se quebrando, como ele havia conseguido se aproximar tão fácil dos meus amigos se na escola não parecia nada acessível? Não faziam nem vinte e quatro horas que eles o conheceram e estavam agindo como se fossem semanas. Eu não sei o motivo, mas aquilo estava me incomodando.
— Que cara é essa, Sunoo? — a voz de Jay chama minha atenção, e eu balanço a cabeça, encarando meu amigo que agora estava rindo.
— Qual cara?
— A cara que você faz quando só seu corpo 'tá presente com a gente, porque sua cabeça seguiu para outro planeta. — ele levanta e se joga do meu outro lado, levantando o rosto para me encarar. — Melhor ficar feliz, você ficou no time mais forte.
Virei meu rosto para a televisão da dupla e então vi Niki e Sunghoon comemorando a vitória pela segunda vez naquele dia. Os dois logo levantaram do chão, o mais novo agora caminhava em minha direção.
— Bem vindo ao time. — tenho que levantar meu rosto para encarar Niki, mesmo sendo o mais novo, ele ainda era o mais alto de todos nós, impressionante. — No final você acabou sendo nosso.
Encarei o garoto que estava atrás de Niki, ele tinha um pequeno sorriso vitorioso nos lábios, mas não havia falado nada diretamente para mim como havia feito com os outros. Talvez uma consequência da forma que eu agia perto dele? Não sei.
— Quero só ver se vocês vão continuar me tratando como um troféu depois que verem o filme de terror que eu sou jogando. — falei ao desviar meu olhar de volta para Riki, segurando na mão do garoto para me levantar do sofá.
— Vamos acabar com isso logo. — Jay acompanha Jake ao assumirem os outros controles novamente.
— O Sunghoon vai primeiro já que ele pontuou mais do que eu. — Riki explica.
Eu e Sunghoon nos encaramos por um rápido segundo, eu desviei o olhar primeiro e me sentei em frente à televisão, pegando o controle que seria o meu. O garoto de cabelos escuros logo se sentou ao meu lado, pegando o controle também.
Eu encarava o controle em minha frente sem saber exatamente quais eram as funções de cada botão, mas eu não queria ter que perguntar ao garoto ao meu lado, me sentia muito estúpido por ficar nervoso perto dele.
— No R2 você atira. L3, você corre. — Como se tivesse acabado de ler meus pensamentos, Sunghoon começa a falar e mostrar os botões em seu próprio controle. — X, você pula. Quadrado, recarrega. Esse é o básico, se tiver mais alguma dificuldade é só falar.
Fiquei prestando atenção em sua mão, tentando memorizar cada coisa que ele havia dito para que eu não passasse mais vergonha do que eu esperava enquanto jogava.
— De nada. — a voz de Sunghoon saiu quase que em um sussurro, seu tom de voz soava entediado. Arqueei as sobrancelhas minimamente, notando que eu mais uma vez não havia falado nada direcionado a ele, dessa vez eu realmente fiz sem perceber.
— Que vença o melhor. — Jay diz enquanto o jogo carregava.
***
Três minutos.
Faltavam três minutos para a partida acabar e eu havia matado o total de 3 pessoas. Meu personagem revivia pela milésima vez enquanto Nishimura estava impaciente atrás de mim, ele falava para eu fazer algo, e eu até tentava, mas ficava nervoso e fazia totalmente errado, sendo morto mais uma vez.
Sunghoon falava comigo, pedindo para eu lhe dar cobertura, mas eu sequer sabia como achá-lo naquele mapa esquisito. Quem desenhou aquela merda? Eu já estava impaciente com Niki gritando ao meu lado, e agora Sunghoon aparentemente havia se juntado a ele também, me deixando mais irritado.
"Vem, Sunoo.", "Pelo outro lado.", "Não! Pela esquerda".
— Não adianta de nada ficar falando, falando e falando. Eu avisei que não sabia jogar. — respirei fundo, apertando o botão de atirar com mais força. — Desse jeito eu só vou errar mais.
— Pelo menos assim você fala. — Sunghoon resmunga ao meu lado e eu viro meu rosto, o vendo travar o maxilar enquanto seus dedos se mexiam com facilidade no controle.
— Como é? — voltei a me focar no jogo, vendo que tínhamos apenas mais alguns segundos.
— Pelo menos assim você fala, ué. — ele repete, e a partida acaba. Vitória de Jay e Jake. O garoto respira fundo e passa a língua pelo piercing que havia no canto de sua boca.
— E desde quando eu não falo?
— Um jogo obrigando você a falar comigo pela primeira vez. Incrível, não acha? — ele ri sem humor, seu tom era indiferente e ele não olhava diretamente para mim. Até agora. — Qual o seu problema comigo?
— O quê? — soltei o controle que eu tinha em mãos, encarando Park, surpreso com sua mudança de tom, até agora ele só havia sido amigável com todo mundo.
— Eu tô tentando ser legal com você o dia inteiro, e você continua fingindo que eu não 'tô aqui. — ele estava irritado, e eu querendo me enterrar em um buraco. — Seria mais fácil dizer que não queria jogar comigo.
— Calma aí. — franzi a testa. — Você 'tá exagerando um pouco, a gente mal se conhece.
— Exatamente. — ele ri, irônico. — Eu conheci todo mundo aqui hoje e viramos amigos, menos você.
— E agora eu preciso ser igual a todo mundo? — questionei.
Mesmo que eu realmente estivesse uma confusão e acabei descontando nele, eu tinha meu direito de querer ou não me aproximar de alguém no momento, ele não era o centro do mundo.
— Você não precisa. — seu tom de voz fica mais baixo. — Eu só odeio pessoas que fingem que alguém não existe.
Senti um desconforto no estômago com sua última frase, seu tom de voz ao mesmo tempo que parecia irritado, também soava um pouco magoado. Eu me senti mal por isso, mas também não conseguia entender como aquele rosto tão familiar agora era um estranho pra mim. Eu queria correr, me esconder em algum canto e chorar de tanta frustração.
Confusão poderia ser considerada um dos piores sentimentos que já existiram.
Meu olhar ficou preso no garoto, eu não sabia o que responder. Acho que ninguém gosta muito de ouvir alguém dizendo que odeia você, ainda mais ele, é como se eu estivesse ouvindo sua versão dos meus sonhos dizendo que me odiava também.
— Eu...
A campainha toca.
E só então eu lembro que todos os meus amigos estavam assistindo nossa pequena discussão, me deixando mais constrangido ainda. Todos estavam em silêncio e um clima estranho se instalou na sala após eu e Sunghoon pararmos de falar também.
Jake coça a garganta, quebrando o silêncio e levantando do chão antes de falar:
— Eu pedi pizza pra gente, deve ser o entregador. — ele sorri, sem graça. — Vem comigo, Jungwon? O Sunghoon mostra pra vocês onde é a cozinha.
— Vamos! — Jungwon se levanta rapidamente e acompanha o australiano.
— Então, onde fica a cozinha? — Jay se levanta também, batendo palmas em uma tentativa de mudar o clima do grupo.
— Venham comigo. — Sunghoon levanta me encarando, sua expressão ainda era séria. Em seguida, ele sai da sala, esperando que todos o seguissem.
E foi o que fizemos, todos caminhamos juntos pela enorme casa, e quando passei por Heeseung, o garoto pousou uma das mãos em meu ombro, ele me olhava como quem estivesse dizendo "eu avisei".
Mas não demorou muito para o clima voltar ao normal, pelo menos entre eles. Depois que Jake apareceu na cozinha, que era tão grande quanto a sala, todos comemoraram o fato de que iríamos comer pizza.
Os garotos conversavam sobre todos os assuntos que podiam, eu apenas observava tudo em silêncio.
Niki e Jungwon haviam sentado ao meu lado na mesa e agora conversavam sobre uma artista que ambos descobriram que tinham em comum como uma de suas favoritas: Kehlani. Eu conheço algumas coisas dela justamente por conta do Niki, e são realmente muito boas.
Em minha frente estavam Sunghoon e Heeseung, que conversavam sobre algo que não prestei atenção, eu sequer olhava para os dois, as poucas palavras que troquei com Sunghoon haviam feito eu me sentir mal. Eu tinha esse problema onde pequenos conflitos afetavam completamente o meu humor, eu mal havia tocado nas pizzas que todos estavam comendo.
— Mas e aí, Jake e Sunghoon, quando vão explicar o motivo de morarem juntos? — Heeseung, como sempre, não tendo vergonha alguma de parecer intrometido.
Jake bebeu um gole de seu refrigerante e riu baixo, olhando para Sunghoon, que apenas afirma com a cabeça, como se estivesse dando sinal verde para o australiano explicar o motivo.
— Longa história, então eu vou resumir...
Prestei bastante atenção quando o garoto começou a falar, mas eu tentava parecer o menos interessado possível, não queria parecer muito curioso sobre isso, mesmo eu estando muito.
Fiquei ainda mais quando o garoto começou a contar.
A família de Jake e Sunghoon eram muito próximas, as mães dos garotos eram melhores amigas de infância e isso influenciou na amizade dos dois, segundo Jake, eles se conhecem desde pequenos.
Sunghoon não se dava muito bem com os próprios pais, mas não entraram muito em detalhes sobre isso. E então, os pais de Park receberam uma proposta recentemente para trabalhar na França, Sunghoon ficou irritado por eles nunca pensarem nele antes de decidir algo e os três brigaram muito.
Depois de uma longa conversa, Sunghoon conversou com Jake e os dois convenceram seus pais de que Park poderia morar com a família Shim temporariamente. A mãe de Jake gosta muito de Sunghoon, então não pensou duas vezes antes de aceitar.
— Que loucura. — Nishimura diz. — As famílias de vocês são ricas pra caralho, né? 'Pra trabalharem na França...
Jay, que estava do outro lado de Niki, lhe deu uma cotovelada, todos ouvimos o resmungo do japonês enquanto Jongseong lhe lançava um olhar mortal.
— Isso é coisa de se perguntar, garoto? — ele continuava incrédulo. — Mas sério, que merda, cara. Espero que as coisas se resolvam com seus pais, deve ser muito ruim.
— Eu aprendi a não ligar, com o tempo. — Sunghoon dá de ombros e leva um copo com refrigerante até os lábios, bebendo um gole longo, parecia até que estava virando um shot de vodca. — Eles também não se importam de qualquer forma.
— Foi mal ter perguntado, pela primeira vez tô me sentindo um idiota e inconveniente. — Heeseung torce os lábios, mas Sunghoon solta uma risada e dá algumas batidinhas no ombro do garoto.
— Relaxa, cara. Eu não me importo em falar.
Eu queria falar alguma coisa, mas preferi continuar em silêncio. Não consigo imaginar como é ter uma relação dessas com os próprios pais, e também não queria que o garoto me interpretasse mal ou ficasse mais irritado do que já estava comigo.
E enquanto eles continuavam conversando, percebi que havia sobrado apenas um pedaço da pizza de calabresa, eu havia comido apenas um pedaço dela desde que começamos a comer. Como todos os meninos já haviam terminado, eu estava um pouco sem graça de pegar mais um pedaço depois de ter ficado o tempo inteiro perdido em meus pensamentos, esquecendo de aproveitar enquanto todos comiam juntos.
Respirei fundo, pegando o celular em meu bolso para verificar se havia alguma mensagem de minha mãe. Por ser um horário considerado tarde, imaginei que ela estivesse um pouco preocupada já que tínhamos aula no outro dia. Olhei no relógio e marcavam exatamente dez horas da noite, a última mensagem de minha mãe era uma dessas figurinhas animadas de um bonequinho mandando beijos enquanto se balança.
E em meio à minha distração, observei de repente um prato sendo arrastado até minha frente, o mesmo contendo o último pedaço da pizza de calabresa que eu estava secando segundos atrás. Me surpreendi ainda mais quando vi que Sunghoon era quem estava entregando o pedaço para mim.
— Você deveria comer mais. — foi a única coisa que ele disse, de forma indiferente, mas esperando que eu pegasse o prato, e foi o que eu fiz quando o puxei para mais perto de mim.
— Obrigado. — sussurrei, confuso, o vendo apenas me analisar antes de virar o rosto para os outros meninos, se juntando à nova conversa que havia se iniciado.
Encarei o pedaço de pizza por alguns segundos, tentando entender como ele consegue ser legal com alguém mesmo estando irritado com ela. Mas não questionei, mesmo confuso, apenas peguei o pedaço de pizza e comecei a comer, perdendo a vergonha que havia se instalado há alguns minutos.
***
Chapter 3: Why You Bother Me?
Chapter Text
Kim Sunoo.
Quatro dias haviam se passado desde o que aconteceu na casa de Jake. As coisas estavam começando a serem menos estranhas, mas somente porque eu tentava pensar o mínimo possível em Sunghoon como o garoto que aparecia em meus sonhos, agora eu apenas mantinha em mente que ele era um garoto normal que começaria a fazer parte dos meus dias, eu querendo ou não.
E quando eu digo isso, quero dizer que eu não esperava que meu ciclo de amizades fosse mudar em tão pouco tempo. Terça-feira passada serviu como um primeiro passo para eu me aproximar de Jungwon, me pergunto o porquê de nós dois nunca termos conversado antes, ele é um garoto incrível e totalmente diferente do que eu esperava e imaginava sobre ele.
Jungwon me contou que é filho de mãe solteira e tem uma irmã mais nova, Yang Jang-Mi, que também é estudante da Wall School, no segundo ano. Isso havia sido uma surpresa para mim, porque então, ela e Niki são colegas. Nishimura estava um ano adiantado na escola, por isso iria terminar o ensino médio antes de completar 18 anos, mas segundo Niki, ele não era próximo da garota. Pensei em perguntar o que havia acontecido com ela quando faltaram na terça-feira, mas ainda estávamos nos aproximando aos poucos para ser intrometido dessa forma. É horrível ser curioso, eu juro.
— Mãe, já faz dez minutos que a senhora está olhando esses tecidos. Qual a diferença? — eu encarava minha mãe no momento enquanto permanecia sentado em um banquinho da loja de tecidos em que estávamos.
Eu estava passando o meu sábado à tarde no shopping com minha mãe. Já havia semanas que prometíamos fazer compras juntos, mas a preguiça sempre falava mais alto e as vezes a agenda de minha mãe não batia, finalmente deu certo dessa vez.
Hoje, nosso foco principal é comprar tecidos e uma estante para a sala de leitura que minha mãe insistiu em fazer na nossa casa. Temos um quarto que ficava vazio desde que nos mudamos para lá, então ela quis uma reforma e pediu minha ajuda já que eu também vou usar. Minha mãe tem uma pilha de livros de psicologia e outras coisas da época que ela estava na faculdade, ou seja, coisas um pouquinho antigas. Com essa sala eu pelo menos vou ter onde organizar os livros que eu tenho, já que eles costumam ficar em um lugar reservado no meu guarda-roupa.
— Não posso pegar a cor errada, filho. Não foi você quem disse que queria cores neutras nas cortinas? Isso aqui... — ela levanta o tecido em mãos, me mostrando. — É bege, não é?
— É sim. Mas não precisava levar ao pé da letra, mãe. Meu Deus. — ri baixo e respirei fundo, me levantando do banco em que eu estava sentado. — Já que a senhora vai continuar aí, posso pelo menos ir até a livraria? Já escolhemos a estante e eu não entendo nada de tecidos.
— Tudo bem. — ela faz uma careta, mas logo sorri. — Se achar algo interessante, pode comprar. Mas não demore.
— Você é quem demora aqui, senhorita. — ri baixinho, concordando com suas ordens antes de sair daquela loja.
Eu amava ouvir isso, mesmo que eu quase nunca acabasse comprando algo.
Eu estava aproveitando meu último ano no ensino médio para ler todos os livros disponíveis na biblioteca da escola, os livros hoje em dia são muito caros, me sinto cara de pau em pedir para que meus pais os comprem para mim. Minha mãe pensa que isso é besteira minha, mas eu só deixo que me deem um livro em datas especiais, é até mais emocionante ganhá-los no meu aniversário, por exemplo, porque existem vários que eu não consigo encontrar na biblioteca da Wall. Muitos de lá eram doações de alunos, então não eram muitas variações.
— Não lembrava que esse shopping era tão gigante. — pensei alto, eu estava parado em uma escada rolante enquanto ela subia.
Meus lábios se curvaram em um pequeno sorriso quando a escada subiu até o limite, me deixando exatamente de frente para a livraria principal do shopping. Não enrolei nem mais um segundo onde eu estava, quando me dei conta, já havia entrado na loja e agora estava me preparando para julgar livros pela capa.
Eu adorava fazer isso, principalmente quando as capas continham um homem branco, padrão e sem camisa. Eu realmente queria saber o que se passa na cabeça das autoras que aceitam essas capas, sério, é mais difícil ainda quando a história é boa, mas você não pode lê-las em público porque vão pensar coisas inapropriadas sobre você.
Petição para mudarem essas capas:
1. Kim Sunoo.
Agora, eu me encontrava em uma sessão de livros de fantasia. Essas eram capas que eu gostava muito e chamavam minha atenção, as vezes eu sentia uma vontade imensa de comprar esses livros somente por serem bonitos, não me importava com o enredo ruim. Mas, obviamente eram apenas pensamentos.
— Olá, posso ajudá-lo em alguma coisa? — uma voz feminina pergunta em um tom simpático, eu ainda tinha meus olhos nos livros em minha frente, mas logo os direcionei até a funcionária que havia se aproximado, me surpreendendo um pouco. Ela aparentava ter a mesma idade que eu, ou até mais nova.
Seus cabelos escuros estavam amarrados para trás, ela tinha olhos grandes que estavam presos em meu rosto naquele momento, como se estivesse tentando se lembrar de algo. Mas acho que era eu quem havia esquecido de responder sua pergunta.
— Olá. — soltei uma risada sem graça, tentando ser o mais simpático possível. — Sendo sincero, eu só estou dando uma olhada, não sei exatamente o que eu estou procurando. Mas obrigado.
— Espera, eu conheço você. — ela é direta, fazendo meus olhos se abrirem mais, a garota estava sorrindo. — Você é o garoto da biblioteca.
— Você me conhece? Da biblioteca? — eu não estava entendendo nada, mas queria que ela explicasse logo o que estava querendo dizer. Quem atende um cliente dessa forma?
Tudo bem que eu nem iria comprar nada, mas mesmo assim.
— Desculpa. Meu nome é Yuna, Shin Yuna. — ela nega com a cabeça, se corrigindo. — Eu também estudo na Wall, eu vi você caindo na biblioteca terça-feira. Você se machucou?
Meu Deus. Eu já não havia me humilhado o bastante essa semana?
— O quê?! — faço uma careta, acabando por soltar uma risada constrangedora. — Você me viu?
— Eu vi tudo, 'pra ser sincera. O corredor que você estava se escondendo ficava no caminho da mesa que eu estava lendo. — ela ri baixinho. — Você se esforçou bastante para se esconder daqueles caras, eu me senti na obrigação de distrair a Daya e não causar mais problemas. Você tinha que ver, inventei sobre um livro que nem existia e ela não conseguia o achar no sistema.
Eu não sabia com qual informação eu surtava primeiro: ela viu eu me esconder de Sunghoon, me viu cair e ainda me ajudou com a Daya, ou seja, só por isso a mulher não havia visto a bagunça que eu fiz.
Eu já disse que sinto vontade de enfiar minha cabeça dentro de um buraco? E meu Deus, como essa menina fala, fala até mais do que eu.
Fiquei encarando a garota em silêncio todo aquele tempo, sem saber como reagir. E então percebi seu rosto demonstrar um pouco de desconforto, me fazendo acordar dos meus surtos internos com sua voz novamente:
— Eu falo demais, não é? Desculpa, eu tenho essa mania de falar sem parar, até quando acabo de conhecer uma pessoa, é difícil controlar porque... — ela para de falar quando percebe que eu tentava segurar uma risada. — Eu fiz de novo.
— Respira, calma. — tentei acalma-la, com humor. — Eu sou o único que deveria se envergonhar de algo aqui. E obrigado por me ajudar, aliás. — desci meu olhar até o crachá grudado no uniforme da garota. — Yuna, certo? Você é de qual turma? Não lembro de já ter te visto.
— Sou da 302. — ela ri, sem graça. — Você é da 301, provavelmente, não é?
— É sério? — perguntei, surpreso. — Eu realmente nunca vi você lá, nem na biblioteca antes. Quer dizer, provavelmente já, mas eu sou péssimo em lembrar desses detalhes, me desculpa. Meus amigos vivem implicando comigo por ser desatento.
Ela ri.
— Eu já vi você sim, mas eu não costumo frequentar tanto a biblioteca. E por incrível que pareça, sempre que eu aparecia por lá, você estava também.
Antes que eu pudesse lhe responder, meu olhar foi de encontro com uma mulher que nos observava de longe. Ela tinha sua testa enrugada e vestia o mesmo uniforme de Yuna, eu não sabia de quem se tratava, mas com certeza aquele olhar era julgador.
— Então esse livro é realmente muito bom, não é? — mudei de assunto rapidamente e aumentei o tom de voz, mostrando disfarçadamente com meus olhos que alguém estava nos encarando. Em seguida, peguei um livro aleatório. — Acho que vou levar esse daqui.
A garota não demorou para perceber o porquê de eu ter mudado o assunto, ela virou minimamente o rosto para o lado, e voltou a me encarar com uma expressão de quem havia acabado de fazer algo ruim.
— Certo! Vou separá-lo para você. — ela também aumenta o tom de voz, pega o livro de minha mão e sussurra. — É minha chefe, odeia quando eu converso demais com algum cliente.
— Então não vamos arrumar problemas, me leve ao caixa. — pedi.
— Mas você vai mesmo comprar?
— Yuna. — a chamei. — O caixa, por favor. — insisti.
A garota apenas concordou com a cabeça, me guiando até o caixa que ficava há apenas alguns passos de onde estávamos. Ela se posicionou até o outro lado do balcão e só então eu pude perceber qual livro eu havia escolhido: Sombra e Ossos, da Leigh Bardugo. E confesso, eu assisti a série da Netflix antes de ler o livro. Falhei como leitor, eu sei, mas foi mais forte do que eu.
Pelo menos agora eu finalmente vou ler. Alina Starkov que me aguarde.
— Como é mesmo seu nome? Eu não perguntei. — Yuna pergunta ao entregar a sacola com o livro que eu havia acabado de comprar.
— Kim Sunoo. — sorri de forma genuína. — Acho que agora estamos quites, não é? Você me ajudou e eu te ajudei.
— Estamos quites, Kim Sunoo. — ela diz em um tom divertido, e então, eu me despeço com um rápido aceno de cabeça que é retribuído por ela.
Saí da livraria e segui meu caminho até a escada rolante novamente, tendo em mente que se minha mãe não havia me procurado até agora, então ela provavelmente ainda estava na loja de tecidos. Nunca vi uma mulher tão indecisa quanto ela.
***
Esse final de semana havia sido um dos poucos em que eu e os garotos não conseguimos nos encontrar, era como se todos houvessem arrumado planos.
Heeseung, havia ido passar o sábado e domingo pescando com seu pai. Jay, havia tirado o final de semana para atualizar alguns trabalhos atrasados, o garoto deixava tudo acumular e depois se ferrava. Já Niki, havia recebido visita de alguns parentes do Japão, ontem era aniversário de sua mãe.
Nesse domingo, já que eu não tinha planos, aproveitei para fazer maratona da minha série favorita: One Tree Hill.
Eu já havia assistido ela tantas vezes, mas era meu conforto, principalmente uma das personagens: Brooke Davis. Eu amava o jeitinho único que a garota lidava com qualquer situação em sua vida, ela era determinada e nunca levava desaforos para casa. Mas por trás de sua pose de durona, havia uma garota que queria ser amada e gostava de amar, mas infelizmente as coisas acabam demorando um pouco para realmente acontecer, já que ela se envolve com um babaca que trai ela com a própria melhor amiga, duas vezes.
Eu poderia ficar horas assistindo o drama daquela série, porque mesmo passando raiva, era algo que me divertia e eu nem percebia o tempo passar. Mas precisei pausar a série quando meu celular começou a vibrar, era o grupo dos meus amigos:
Heeseung:
20:22 acho que é a primeira vez que eu tenho sinal de internet desde que cheguei aqui
20:24 ?????
20:25 cade vcs
RESPONDAM ANTES QUE CAIA O SINAL
Jay:
20:27 que foi, caralho?
Heeseung:
20:27 eu fico um dia inteiro sem dar sinal de vida e você me trata assim????
Eu:
que drama, cara 20:28
o que houve? tava tão ruim assim aí?
Heeseung:
20:29 ruim é apelido, meu pai ficou 2h pescando e pegamos só 3 peixes, o cara aqui disse que viemos em uma época ruim
eu avisei isso pra ele, mas ele é teimoso
enfim, minha bateria vai acabar
já tô na estrada voltando p odhen
E RIKI PARA DE VISUALIZAR E NÃO RESPONDER
Jay:
20:30 ninguém muda o nishimura, desiste
e boa sorte com seu pai
Eu:
20:30 boa sorte mesmo, pescador
Niki:
20:32 👍
Ri sozinho para o meu celular, bloqueando a tela do mesmo e não demorando para voltar a assistir minha série, ainda sorrindo ao imaginar como os garotos iriam zoar o Heeseung amanhã na aula. Ele vai reclamar o dia inteiro sobre esse fim de semana entre pai e filho.
***
Eu realmente havia perdido a noção do tempo ontem, porque eu virei a noite assistindo série. Não sei como consegui acordar para vir até a escola, mas eu estava aqui, mesmo que lutando contra o sono enquanto ouvia a voz da professora com palavras que eu sequer estava raciocinando, a sala estava um silêncio total. Parecia que meus amigos também estavam cansados, todos estavam mais quietos hoje, talvez o fato de ser segunda-feira também deixava todo mundo desanimado. É horrível saber que teremos mais uma semana inteira de aula.
— Finalmente, se eu ouvisse mais uma palavra sobre funções orgânicas minha cabeça iria explodir. — Jay, que se sentava em minha frente, se vira para mim e Heeseung, apoiando os dois braços em sua própria cadeira após a professora sair da sala. — Odeio química.
— Isso não é novidade 'pra ninguém. — Heeseung ri baixo. — Você conseguiu fazer todas as atividades que faltaram ou ficou jogando o final de semana inteiro?
— Eu fiz... algumas. — Jay tinha um olhar de poucos amigos para Heeseung, que o encarava com diversão. — Pelo menos não desperdicei meu final de semana pegando peixes imaginários.
O brilho do mais velho some, e seu dedo do meio se levanta em direção de Jongseong.
— Vocês me dão dor de cabeça. — resmunguei, massageando os dois lados da minha cabeça enquanto tinha meus cotovelos apoiados na mesa.
Jake e Sunghoon se levantaram de seus lugares do outro lado da sala e se aproximaram de onde nós estávamos. Jake se apoiou em minha mesa, enquanto Sunghoon se apoiava na de Heeseung. Ambos tinham quase que a mesma expressão que Jay há segundos, será que a aula havia sido tão chata assim? Eu estava lutando muito contra o meu sono para me lembrar de algo. Iria precisar assistir alguma videoaula quando chegasse em casa.
— Vocês vão no passeio de estudos na sexta-feira? — Jake pergunta, pegando um dos lápis em minha mesa e brincando com ele em seus dedos. — Mal chegamos e a escola já abençoa a minha sexta-feira, um dia sem aula é tudo o que eu queria.
— Você sabe que isso continua sendo uma aula, não é? — perguntei ao virar o rosto para o australiano, rindo com sua mudança de expressão, diria que ele pareceu decepcionado. — Mas é só uma aula fora da escola, e por incrível que pareça é algo interessante que eu sempre quis conhecer. Vocês não acham astronomia legal? Eu quero muito conhecer o planetário.
— Qual é a graça disso? — a voz de Sunghoon chama a atenção de todos. — Não parece ser algo tão legal assim.
— Eu gosto. — dei de ombros, vendo Sunghoon rir pelo nariz e me olhar de uma forma divertida. Apenas ignorei, me voltando para os outros meninos. — Vocês vão, não é? Não quero ficar sozinho.
— Vamos, Sunoo. Não temos outra opção mesmo, os professores vão dar um ponto extra para quem comparecer. — Jay se pronuncia, desanimado. — Eu aceito qualquer ponto extra, assim não preciso tirar notas tão altas nas provas que virão.
— Como representante da turma, vou fingir que não ouvi isso. — a voz de Jungwon se aproxima quando ele chega na pequena rodinha formada por todos nós na sala. — É bom vocês irem ao passeio mesmo, acho que vai ser legal. Foi difícil convencer a professora a fazer isso.
— Foi ideia sua? — Heeseung pergunta.
— Sim. — o garoto sorri, orgulhoso. — Não faltem.
Nossa conversa é interrompida pelo professor de artes, que entra na sala e automaticamente faz com que todos os alunos voltassem aos seus devidos lugares, assim como os garotos que estavam na roda em volta da minha mesa e de Heeseung. Respirei fundo, me preparando para dessa vez prestar mais atenção na aula já que eu mal havia anotado alguma coisa das aulas anteriores.
— Olá, turma. — o homem, que parecia bastante jovial para um professor, se posicionou no centro da sala enquanto segurava um pequeno caderno em mãos. — Já que temos apenas um período de aula, vou ser direto com vocês. — e ele começa a caminhar pela sala, indo de um lado para o outro enquanto explicava. — Hoje faremos uma dinâmica. Quero que cada um aqui escolha uma pessoa para desenhar, mas não se assustem, eu vou explicar. — ele continua sua caminhada pela sala. — Vocês vão fazer um pequeno retrato usando seus conhecimentos básicos. Eu quero que vocês se expressem através desses desenhos, mostrando a forma como os seus olhos enxergam o colega em sua frente. Mas quero que vocês se espalhem, nada de fazer dupla com o colega que se senta ao seu lado todos os dias.
Eu e Heeseung nos entreolhamos, respirando fundo em sincronia. E então, nós dois também encaramos Jay ao mesmo tempo. Mas quando iríamos nos pronunciar, o garoto se levantou em um movimento rápido, seguindo até o outro lado da sala com suas coisas e se sentando de frente para Jungwon, que tinha um olhar confuso para Jongseong.
— Aqueles dois vão brigar por minha causa, então eu vou encerrar a briga aqui, sendo sua dupla. — ele sorri, não deixando o mais novo ir contra sua ideia. Jungwon apenas aceita.
— Eu te odeio, Park Jongseong. — Lee diz diretamente para Jay, faz uma careta ao me olhar e então se levanta, me deixando sozinho ali.
Levou questão de segundos para o lugar ao meu lado ficar ocupado novamente, não consegui nem raciocinar direito, Park Sunghoon havia se sentado ao meu lado com um sorriso nos lábios. Eu o encarei por alguns segundos e, em silêncio, apoiei uma de minhas mãos na mesa, me preparando para me levantar, falhando quando Sunghoon segura em meu braço e me faz sentar novamente.
— 'Pra onde você vai? — ele arqueia as sobrancelhas, e eu faço o mesmo. — Quero que você seja minha dupla.
— O professor pediu que não nos sentássemos com amigos, esqueceu? — perguntei.
— Ele não disse exatamente iss... — ele pausa. — Então quer dizer que você é meu amigo? — ele sorri, satisfeito com o que havia escutado.
— Vamos logo com isso. — revirei os olhos e levantei da minha cadeira, ajeitando minha mesa de forma que a mesma ficasse de frente para Sunghoon, facilitando o trabalho dos dois. — Você vai ficar fazendo isso o tempo todo agora?
— Isso o quê? — ele pergunta e pega algumas variações de lápis praticamente iguais, os deixando em cima de sua mesa enquanto pega seu caderno de desenhos.
— Você fica rindo sempre que eu falo alguma coisa, é irritante. — ele ri novamente, mas logo fecha a cara ao perceber.
— Foi mal. — ele encara meu rosto, me analisando de uma forma que me deixava do mesmo jeito de uma semana atrás: ainda sem acreditar que seu rosto era real. — Eu só ainda não consegui te entender, é engraçado... e confuso.
— Me entender? — arqueei as sobrancelhas, pegando meu caderno de desenho e meu lápis. Agora eu também encarava o garoto para tentar desenhá-lo, mas eu não era o melhor artista do mundo.
— Sim. — ele ri pelo nariz. — Você não me odeia, mas também não gosta de mim. Essa é a interpretação que eu tive.
— E como você tem tanta certeza de que eu não te odeio? — perguntei, começando um leve rascunho no meu papel.
— Eu não tenho, na verdade. — ele dá de ombros e então respira fundo. — Vamos fazer assim, fica parado por enquanto. Não vamos conseguir entregar isso hoje de qualquer forma, então eu te desenho primeiro, é mais complicado 'pra mim se você ficar se mexendo.
Larguei meu lápis ao ouvi-lo, não tentando mais entender como eu havia parado naquela situação depois de uma semana inteira conseguindo ficar longe dele, mesmo que convivendo com as mesmas pessoas.
— E o que você sabe sobre desenhar? — perguntei, mas fiz o que o garoto sugeriu, ficando parado. Sunghoon continuava me analisando, me deixando um pouco nervoso por ter seu olhar tão fixo em mim, me sentia um idiota por isso.
— Se você conversasse comigo, você saberia que eu gosto de desenhar. — ele diz, começando a movimentar sua mão com facilidade em cima do papel enquanto segurava seu lápis, ele começava seu desenho com cuidado, parecia ter a mão tão leve quanto um algodão. — O seu rosto é muito desenhável.
Pisquei algumas vezes, não sabendo o que responder para o que havia acabado de ouvir. Então ele continua:
— Por isso eu quis fazer dupla com você. — seu rosto fitava o caderno apoiado em sua mesa, sua mão seguindo caminhos que eu observava atentamente naquele papel. — Parecia uma boa desculpa também para obrigar você a falar comigo. — ele ri, me fazendo revirar os olhos.
— Por que isso é tão engraçado 'pra você?
— Porque minha nova meta agora é fazer você gostar de mim, Sunoo. — Sunghoon diz, agora desenhando o que eu julgava ser meus olhos. Senti um leve desconforto no estômago, trancando minha respiração por alguns segundos.
Não acho que garotos como ele deveriam ter permissão para dizer coisas como essas em voz alta.
Principalmente ele.
— De repente eu sinto como se fôssemos amigos há anos, acredita? — abri um sorriso forçado em sua direção.
— Boa tentativa. — ele ri baixo e nega com a cabeça, mas me olha como se realmente estivesse falando sério — Eu quero ser seu amigo.
— O desenho, Sunghoon... continua o desenho. — mudei de assunto, o vendo com um pequeno sorriso no canto dos lábios. O garoto não fala mais nada, apenas volta a me desenhar em silêncio.
Sunghoon agora tinha seu caderno levantado e eu não conseguia mais enxergar o desempenho de seu desenho, estava sendo obrigado a fitar seu rosto, que intercalava seu olhar entre mim e seu caderno. Ele passava sua língua em seu piercing no canto do lábio, concentrado. Ainda era possível ouvir algumas conversas paralelas na sala de aula, mas eu sequer prestava atenção, estava focado demais no garoto em minha frente para isso. Eu queria fazer tantas perguntas diretamente a ele, mas soaria completamente maluco já que eu não havia demonstrado nem 10% de interesse em me aproximar dele.
É claro que eu iria conviver com Sunghoon sem problema algum, por causa dos meus amigos. Mas me apegar a ele não seria saudável para mim.
E me conhecendo, eu acho que eu acabaria confundindo as coisas, e isso não é justo comigo. Além de que, eu tenho outra imagem dele dentro da minha cabeça, não seria justo nem com ele.
— No que você tanto pensa? — ele pergunta, largando o lápis em cima da mesa e me despertando dos meus pensamentos depois de uns dez minutos em silêncio. — Terminei, eu acho.
— Não vai querer saber. — falei, levantando meu rosto para tentar enxergar seu desenho, mas ele o esconde. — Deixa eu ver.
— Você estava me xingando por pensamento, Sunoo? — ele insiste, e eu reviro os olhos.
— Se você não me deixar ver o desenho logo, os xingamentos não vão ser por pensamento. — Sunghoon solta uma risada, e então me entrega o caderno.
— Isso foi um avanço de diálogo. — seu tom era cheio de diversão.
Eu iria respondê-lo, mas seu desenho havia me deixado completamente impressionado. Como alguém conseguia fazer aquilo em 15 minutos? Ele havia feito até a pequena pinta que havia embaixo de um dos meus olhos, e outra mais marcante em minha bochecha. Ao mesmo tempo que havia detalhes, também era um desenho simples, típico de um desenho feito em pouco tempo, mas com muito talento.
Então ele realmente não estava brincando quando disse que gostava de desenhar, mas eu lembro de quando o vi desenhando na sala de aula, no dia em que chegou na escola. Eu pensava ser apenas por ele não querer prestar atenção, sabe? Quem nunca fez rabiscos no caderno porque não aguentava mais prestar atenção em alguma aula?
— Você desenha muito bem. — falei, sem olhar em seu rosto. — Não sei como vou desenhar você depois de ver isso aqui, eu sou terrível.
— É só uma atividade em que o foco principal é se expressar através de um desenho, não precisa ser perfeito. — Sunghoon explica. — Na verdade, não existe perfeito. E o professor não especificou como você precisava me desenhar, vai pela sua própria interpretação.
— Faz sentido, eu acho. — respondi, tentando entender o que exatamente ele queria dizer com aquilo. — Será que vai dar tempo?
— Turma, não temos mais tempo. — a voz do professor responde minha pergunta. — Faltam pouco minutos para o intervalo, então tenho só um pedido: Por favor, terminem os desenhos e na próxima semana continuaremos a dinâmica, todos vocês irão precisar explicar a interpretação de vocês depois de mostrarem seus desenhos.
— Boa sorte. — Sunghoon se inclina na mesa com um sorriso, e então, se levanta da cadeira assim que os alunos começam a voltar para seus lugares.
O sinal do intervalo toca, e então, todos começam a sair da sala.
— Você vai ficar no intervalo com a gente hoje? Ou vai 'pra biblioteca de novo? — Heeseung pergunta.
— Eu vou com vocês, mas preciso mesmo entregar um livro que eu acabei esquecendo. — o respondi, mas Heeseung me olhou como se não estivesse acreditando, mas era verdade dessa vez.
— Quer vir comigo? Eu 'tô falando sério. Depois vamos para o refeitório.
— Eu iria, mas eu 'tô morto de fome. — ele coloca a mão na barriga. — Quer que eu guarde algo 'pra você?
— Só se você conseguir aquele sanduíche de frango. — falei com um sorriso nos lábios.
— Perguntei por educação e você sempre aceita. — Heeseung faz uma careta, me fazendo rir.
Lee me acompanhou até a saída da sala, depois cada um foi para um lado já que nossos caminhos eram diferentes.
O livro que eu carregava hoje era apenas um de estudos, eu havia o esquecido na minha casa e só reparei ontem enquanto vasculhava meu armário e pegava os livros que ficariam na sala de leitura que eu e minha mãe estávamos construindo. Espero que Daya não tenha dado falta.
— Kim Sunoo! — era a voz dela. — Mais um livro antes do prazo? — ela brinca.
— Oi, Daya! — ri baixo. — Na verdade, eu quase me esqueci de entregar esse daqui. O prazo é amanhã. — o deixei em cima da mesa, e ela concorda com a cabeça ao pegá-lo.
— Certo, Sunoo. Vou deixar registrado aqui que você devolveu. — ela sorri, digitando no computador do outro lado do balcão. — Prontinho, vai querer mais alguma coisa?
— Hoje não, já estou com muita coisa para fazer essa semana. — expliquei. — E prometi aos meus amigos que iria passar o intervalo com eles.
— Aproveite, qualquer coisa pode correr 'pra cá! — eu ri com seu comentário, me despedindo.
— Sunoo? — uma voz conhecida se aproxima e eu rapidamente viro o rosto, vendo que se tratava de Yuna, a garota da livraria.
— Oi, Yuna! — a cumprimentei quando a garota se aproximou. — Dessa vez nos vimos aqui na biblioteca. — ri baixo. — Veio estudar no intervalo?
— Só vim deixar umas coisas aqui, já estou de saída na verdade. — ela faz uma pequena careta. — E você?
— Eu também, por incrível que pareça. — passei uma das mãos em minha nuca, tentando não pensar no fato de que eu havia passado vergonha na biblioteca e a garota presenciou tudo. — Podemos ir juntos, não é? Vou para o refeitório.
— Claro! Eu tenho que procurar uma amiga, é pelo caminho. — ela sorri animada, e então, nós dois começamos a caminhar juntos até a saída da biblioteca.
Eu não sei se foi pela garota ter me ajudado, mas sinto que aquilo poderia ser o começo de uma boa amizade. Não que seremos melhores amigos, mas eu conseguia me ver sendo amigo dela. Nunca fui tão próximo de alguma garota como sou dos meus amigos, mas obviamente não sou um daqueles garotos que não se misturam com outras garotas. Eu conheço e converso com algumas da minha sala de aula, como Kim Yu-mi, uma garota que sempre me pedia indicações de livros, ela é uma das pessoas mais legais da minha turma. Ultimamente não nos falamos muito, mas apenas porque ela entrou para o terceiro ano mais focada em seus estudos, não a julgo, mas eu continuo o mesmo de sempre.
Mas quanto a Yuna, talvez vamos nos aproximar mais com o tempo.
— Você vai no passeio na sexta? — Yuna pergunta enquanto caminhávamos pelo enorme corredor, agora vazio.
— Vou sim, eu quero muito ir. Sempre quis conhecer um planetário, mas nunca tive a oportunidade. Dizem que tem muitas coisas legais que chegaram lá. — minha animação era nítida. — Meus amigos não querem, mas vão pelo ponto.
— O mesmo com a minha sala, a maioria vai pelo ponto. — ela ri. — Eu acho legal também, pelo menos não estou sozinha nessa. Então vamos nos ver na sexta também.
— Qualquer coisa nós podemos fugir dos nossos amigos no meio do passeio. — brinquei, ouvindo sua risada mais uma vez.
Mas quando estávamos quase chegando no final do corredor, paramos de caminhar ao que uma discussão deu para ser ouvida. As vozes vinham de uma sala pequena, provavelmente usada pelo zelador, que não estava lá no momento. Eu e Yuna nos entreolhamos, chegando mais perto da porta.
— Vai se foder, Jake. — uma voz feminina gritava. — Você continua sendo um idiota.
Antes que eu raciocinasse, a porta foi aberta e eu dei um pequeno pulo para trás, arregalando os olhos quando uma garota com mechas coloridas no cabelo saiu da sala, segurando a porta e me encarando feio. Seu olhar seguiu até Yuna também, e ela respirou fundo.
— Há quanto tempo vocês dois estão aí? — ela pergunta, irritada.
— Vocês quem? — a voz de Jake surge atrás da garota, e então o Australiano sai por ela, arqueando as sobrancelhas ao me ver. — Sunoo?
— Yeji... — Yuna respira fundo ao ver Jake, voltando a encarar a garota que ela havia chamado pelo nome. — Eu estava procurando você, mas não sabia que estaria aqui. Com ele.
— Pelo amor de Deus. — Jake revira os olhos e passa pela garota na porta, que continuava de cara fechada. Jake então vira a cabeça em minha direção. — Você vem?
Meu olhar seguiu até Yuna, que assentiu com a cabeça para que eu fosse.
— Te vejo por aí. — falei, me voltando para Jake, que soltou uma risada sem humor algum ao começar a andar pelo corredor, eu o acompanhei em silêncio.
Desde que ele voltou da Austrália, eu nunca vi Jake irritado dessa forma. Na verdade, eu nem sabia que esse garoto se irritava.
Também nunca vi aquela outra menina na minha vida, pelo menos não com aquele cabelo, senão eu me lembraria.
Eu tentava acompanhar os passos de Jake, mas o garoto andava tão rápido que eu já estava cansando de aumentar meus passos.
— Jake, calma aí. — segurei o braço do garoto, que suspirou ao me encarar. — Anda mais devagar, por favor. O que foi aquilo lá?
— Foi mal, Sunoo. — eu o solto quando ele diminui os passos. — Não era 'pra você ter visto aquilo, mas aquela garota me estressa 'pra caralho.
— O que ela te fez? — perguntei, eu estava curioso e preocupado ao mesmo tempo, parecia que os dois iriam se matar lá dentro.
— A Yeji é minha ex. — ele diz o nome da garota com irritação no tom. — Se é que dá 'pra chamar o que tivemos de relacionamento. Longa história.
— Quer me contar? — perguntei cautelosamente, eu não queria ser invasivo. E então, o australiano parou de andar completamente, fazendo com que eu batesse meu corpo contra suas costas.
— Foi mal. — ele se vira para mim, havíamos parado duas portas antes do refeitório. Em segundos, ele começa a falar: — Em resumo: eu e a Yeji tínhamos uma amizade colorida, eu até gostava dela, mas eu sabia que poderia voltar para a Austrália a qualquer momento, então eu tentava não me apegar muito à ela. — ele respira fundo. — Mas ela é muito complicada, e eu também fui um pouco... babaca.
— Então ela tem um motivo para ficar tão irritada quanto você?
— É. — ele olha para os lados, ainda não havia ninguém no corredor. — Eu fiquei com uma garota que ela odiava, mas isso foi algumas semanas antes de eu voltar para a Austrália. Não nos falávamos desde que isso aconteceu. — seu tom parecia chateado agora. — E ontem eu descobri que ela 'tava tentando se aproximar do Sunghoon, obviamente eu fiquei puto. Se ela queria me atingir, conseguiu.
— O Sunghoon? — arqueei as sobrancelhas. — Eles...?
— Eles não ficaram. O Sunghoon veio me contar de uma garota muito gostosa que deu em cima dele já na primeira semana, e quando ele me mostrou a foto, eu entendi o que 'tava acontecendo. — o garoto revira os olhos. — Mas de qualquer forma, não vai acontecer nada já que o Sunghoon é meu melhor amigo. Ele não faria nada.
— Espero que isso não traga problemas 'pra vocês. — falei, não sabendo o porquê daquela conversa ter feito eu sentir um desconforto em meu corpo inteiro. — Vamos entrar?
— Vamos! — ele sorri, acredito que forçadamente já que ainda parecia estar irritado. — E por favor, não comenta nada com ninguém sobre isso ainda, tudo bem? Não eram muitas pessoas que sabiam sobre mim e a Yeji.
— Tudo bem, eu não iria comentar de qualquer forma.
Eu e Jake seguimos juntos até o refeitório após aquela conversa. E ela me fez refletir sobre algumas coisas, principalmente o fato de que eu realmente não era nada próximo de Jake quando o garoto era aluno da Wall no passado, era estranho pensar em como as coisas mudam em pouco tempo. Eu jamais imaginei que, hoje, eu estaria ouvindo sobre a vida de alguém que eu sequer tinha intimidade há uma semana atrás.
Enquanto caminhávamos em silêncio, observei as inúmeras mesas espalhadas pelo refeitório, haviam pessoas diferentes em cada grupo de amigos, eram divisões que se houvessem em High School Musical, provavelmente "Stick to the Status Quo" estaria ecoando por todo canto.
Eu achava isso engraçado, porque o meu novo grupo de amigos era exatamente assim. Todos completamente diferentes, mas isso o tornava único. Único mesmo, porque quando chegamos em nossa mesa, os garotos estavam tendo a discussão mais sem sentido que eu já havia presenciado:
— Como um celular iria ajudar enquanto você 'tá perdido em uma ilha, Niki, me diz? — Jay perguntava, completamente indignado. — Não tem wi-fi lá e você precisaria sobreviver, seria mais inteligente levar um kit de primeiros socorros e uma mala com comida.
— Mas você não explicou. — o mais novo revira os olhos. — Como você iria saber que se perderia na ilha? Muitas pessoas já estão com o celular na mão em passeios, então eu fui mais realista. Eu estaria com o meu celular.
— Esse não é o ponto do jogo, Riki. Meu Deus do céu. — Heeseung bate a cabeça na mesa e fica parado daquela forma.
— Tecnicamente ele não 'tá errado, né... — foi a vez de Jungwon.
— Cara, vocês são completamente malucos. — disse Sunghoon, que tinha o olhar fixo em seu próprio celular.
— Finalmente vocês chegaram. — Heeseung é o primeiro a notar nossa presença na mesa, e então todos os garotos nos encaram também. — Onde vocês se meteram?
Meu olhar foi até Jake, que agora não parecia estar tão irritado quanto estava há minutos atrás, então apenas me voltei aos meus amigos novamente, falando:
— Encontrei o Jake no caminho da biblioteca, então viemos juntos. — me sentei ao lado de Heeseung, recebendo um olhar confuso de Sunghoon, que olhou para Jake da mesma forma.
O australiano apenas se juntou a nós também, começando um assunto aleatório sobre jogos que eu não havia reconhecido o nome. Depois disso, me apoiei na mesa enquanto aguardava o intervalo terminar, eu praticamente havia passado metade dele nos corredores da escola quando tudo aquilo envolvendo Jake aconteceu.
— Você trouxe o seu celular? — arqueei as sobrancelhas, virando o rosto para Sunghoon para me certificar se ele estava falando comigo. — Trouxe?
— Sim, por quê?
— Me empresta ele, por favor. — ele pede, minha expressão era confusa agora.
— Mas e o seu? — encarei o aparelho em sua mão, vendo que Sunghoon não iria desistir, porque o garoto me encarava completamente sério sobre o que estava pedindo, mas não me respondeu.
Soltei o ar entre os lábios, não o contrariando mais e pegando meu celular do bolso, logo entregando o mesmo para Park, que agora tinha um pequeno sorriso nos lábios enquanto segurava meu celular. De um jeito confuso, ele virou a tela para o meu rosto, desbloqueando-a pelo Face ID, e então começou a digitar algo, me entregando o celular segundos depois.
— Hoonhoon? — falei em voz alta. Ele havia salvado o próprio contato em meu celular como "Hoonhoon".
— É carinhoso, 'pra você se acostumar quando começar a gostar de mim. — ele sorri, um sorriso forçado e irritante. E então, me entrega o seu próprio celular também desbloqueado. — O seu número agora.
O encarei, sem demonstrar reação. Ele fez o mesmo.
Depois de segundos de hesitação, eu escrevi o meu número em seu celular também, o entregando de volta após finalizar.
— Kim Sunoo? — ele lê meu nome na tela de seu aparelho. — Tudo bem, você quer ir com calma. Eu respeito.
Se eu pudesse, voaria em cima de seu rostinho bonito e o encheria de tapas, mas iria apenas ignorá-lo pelo bem da minha saúde mental, e pelo bem da imagem que eu ainda tinha dele em meus sonhos. Ou as memórias que eu tinha deles.
— Vocês dois estão flertando por acaso? — Nishimura franzia o cenho, fazendo o resto dos nossos amigos prestar atenção também.
— Eu? Com ele? — ri, nervoso. — O Sunghoon que é esquisito.
— E hétero. — Jake diz, com humor. O australiano então se apoia no ombro de Park. — Deixa o Sunoo em paz, cara.
— Cala a boca, Jake. — ele empurra o braço de Jake de seu ombro, ainda tendo o mesmo sorrisinho no canto dos lábios. — Eu vou criar um grupo com todo mundo mais tarde, só faltava o número do Sunoo.
É óbvio que ele é hétero, ele exalava essa energia desde que o vi pela primeira vez. Pelo menos essa foi uma primeira impressão que eu sabia que estava 100% correta, e era o principal motivo de eu precisar separar o Sunghoon dos meus sonhos, do Sunghoon da vida real.
O único problema era que, a partir de agora, Park Sunghoon havia prometido não me deixar em paz. E ele não usou exatamente essas palavras, mas era assim que eu as interpretava. Ou melhor, era exatamente isso que estava acontecendo.
***
Chapter Text
Kim Sunoo.
Às vezes, eu gostaria de gritar bem alto.
Era o que Avril Lavigne cantava em Mobile, a música que estava estourando em meus fones de ouvidos enquanto minha cabeça estava encostada no vidro do carro da minha mãe. Eram sete horas da manhã, e mais uma vez naquela semana eu não havia dormido nada, mas precisei acordar para vir à escola.
Estava chovendo, algo mais como uma garoa, então, minha mãe optou por me dar carona para a escola já que, segundo ela, eu iria me atrasar e perder o ônibus que levaria os alunos para o passeio escolar de hoje. Esse havia sido o único motivo de eu não ter ficado embaixo do meu cobertor.
— Você vai prejudicar a audição desse jeito, filho.
— Oi? — afastei um dos fones de meu ouvido, virando o rosto para minha mãe, que estava dirigindo.
— Viu? — ela nega com a cabeça. — Eu consigo ouvir a música daqui, diminui um pouco isso, filho.
— Foi mal. — fiz uma rápida careta, diminuindo o volume da música. — É o único momento em que eu posso fazer minha cena dramática de filme, sabe? Chuva caindo no vidro do carro acompanhada de uma musiquinha triste, 'pra combinar com o meu momento. — expliquei, apoiando a cabeça no banco atrás de mim.
— E você está triste com o que, Kim Sunoo? — ela pergunta com um típico tom de voz de uma mãe que não aguenta mais o drama adolescente do filho.
— Estou triste por ter abandonado minha cama hoje. — respirei fundo.
— Pensa pelo lado positivo, pelo menos você e seus amigos vão poder se divertir juntos no passeio. — ela ri, a mais velha tinha seu olhar fixo no trânsito. — O Heeseung não quis mesmo carona?
— Não, ele dormiu na casa do Jake ontem. — expliquei, pausando a música do meu celular. — Ele, Jake e Sunghoon combinaram para irem juntos até a escola.
— E você? Está se dando bem com esses meninos novos? — ela questiona, e eu já pude notar em seu tom de voz que a mulher queria saber se eu havia sido convidado.
— Eles me convidaram, mas eu não estou dormindo muito bem nos últimos dias e preferi ficar em casa. — falei, guardando meus fones de ouvido na mochila. — E o Jake eu já conhecia, estudamos juntos por um tempo. — dei de ombros. — Já o Sunghoon... é, também estamos nos dando bem.
Eu não menti, mas também não falei a verdade.
Eu estava começando a pensar que Sunghoon estava oficialmente brincando comigo, ou sei lá, fazendo algum joguinho que eu não estava a fim de participar.
Desde o dia da aula de artes, ele não tentou manter contato algum comigo e isso me incomodou mais do que eu esperava. Ele pediu o meu número, mas quem me adicionou no grupo de mensagens havia sido Heeseung, além de que, ele ainda continuava com aqueles sorrisinhos irritantes. Me pergunto o porquê de ele ter feito toda aquela cena dizendo que queria ser meu amigo, se agora iria agir desse jeito. Mas eu estava mais irritado era comigo, porque eu fiquei esperando por atitudes dele mesmo enquanto dizia que não queria o ter por perto.
É, Avril, eu também gostaria de gritar.
— Quando terminarmos de organizar as coisas em casa você poderia convidá-los para passar um final de semana lá, não é? Eu iria amar conhecer seus novos amigos. — ela agora estacionava o carro no acostamento, logo em frente à minha escola.
— Vou pensar muito sobre isso, a senhora sempre me faz passar vergonha quando conhece meus amigos. — eu ri baixo. — Ninguém precisa saber dos momentos constrangedores da minha infância.
— Não são constrangedores, filho. São adoráveis. — ela se vira para mim e passa a mão em meu cabelo. — Agora vai lá, cabelinho de algodão doce. Não quero que você perca o ônibus.
Eu odiava quando ela usava esses apelidos vergonhosos de mãe, graças a Deus ela não fazia isso perto dos meus amigos.
Quer dizer, não mais.
— Tchau, mãe. Amo você. — dei um beijo rápido em seu rosto, ajeitando a mochila em minhas costas e saindo do carro.
— Amo você, Sun. — ela acena, minha mãe sempre tinha um sorriso contagiante em seu rosto.
Encarei a entrada da minha escola, a chuva de minutos atrás já havia parado, agora só tinham sinais de que ela havia passado por ali, começando com as poças de água que eu desviava enquanto caminhava em direção do enorme portão que dava acesso até o gramado principal da Wall.
A Wall School era a principal escola de Odhen, então seu tamanho era aceitável. A estrutura aparentava ser antiga, mas bem conservada. Se fosse preciso defini-la em apenas uma palavra, acho que ''rústica'' seria adequado.
Há alguns metros de onde eu estava, três ônibus estavam enfileirados enquanto muitos alunos estavam espalhados em volta. Pelo que eu havia observado, e pelas informações que eu tinha, todos os alunos do ensino médio iriam participar do passeio de estudos, então eu realmente iria ver muitas pessoas no dia de hoje.
Olhei para o all-star preto em meus pés uma última vez, desviando de mais uma poça quando finalmente me aproximei dos outros alunos, correndo o meu olhar por todos ali presentes e procurando por meus amigos, não conseguindo encontrá-los ainda, o que me deixou um pouco frustrado.
— Pode desmanchando esse bico enorme do seu rosto, Sunoo. — ouvi a voz de Jay, e então senti um braço passar por meu ombro. — Você passou reto por nós, sabia que pessoas normais caminham olhando 'pra frente e não para os pés?
— Eu só tentei não molhar meus pés. — fiz uma careta. — Onde vocês estavam?
Jay ri e me puxa para acompanhá-lo.
— Serve aqui? — o garoto aponta, e então eu vejo Heeseung, Jake, Jungwon e Sunghoon em uma pequena roda conversando.
— Pensei que você iria faltar depois de implorar 'pra que a gente viesse. — Heeseung diz ao me ver.
— Isso quase aconteceu, acredita? Essa chuva quase me convenceu a ficar dormindo. — respirei fundo.
— Eu iria ficar muito preocupado se você não viesse, é sério. Iria mandar o ônibus parar na sua casa e perguntar se você 'tá bem. — o drama de Lee Heeseung.
— Por que você não é assim comigo? — Jay o questiona.
— Porque ele é o Sunoo. Você é você. — soltei uma risada genuína com o comentário de meu melhor amigo, vendo Jongseong revirar os olhos dramaticamente.
— Como se sente sendo o favorito, Sunoo? — Jake pergunta.
— Boa pergunta, Jake. Eu não sei. — ri baixo, só então percebendo que Sunghoon e Jungwon estavam um pouco mais afastados, ambos tinham o olhar preso no celular de Yang. — O que eles estão fazendo? — sussurrei para Jake, que seguiu meu olhar.
— Eu sei lá, ele chegou fazendo um monte de perguntas 'pro coitado do Jungwon. — o Australiano nega com a cabeça, ajeitando a mochila em suas costas.
Arqueei as sobrancelhas, confuso. Mas não perguntei mais nada, segundos depois começaram a guiar os alunos para entrarem nos ônibus.
A ordem dos ônibus havia ficado: turmas 301 e 302 no primeiro, 201 e 202 no segundo e 101 e 102 no terceiro.
Eu e meus amigos entramos juntos após a professora confirmar nossos nomes, e enquanto eu passava pelo corredor, avistei Yuna sentada em um dos assentos, recebendo um sorriso e um rápido aceno da garota, não hesitei em retribuir. Olhei apenas um pouco para o lado, sumindo com o sorriso de meu rosto quando notei Yeji, a amiga de Yuna, a garota me encarava com a mesma expressão irritada do dia em que a conheci, e agora, sussurrava algo para a amiga ao seu lado que também havia parado de sorrir.
— Você as conhece? — Heeseung pergunta assim que me sento ao lado dele, ele havia ficado no lado da janela.
— Só uma delas, a outra não. — coloquei minha mochila em meu colo, pegando meu celular e meus fones de ouvido.
— Vou deduzir que seja a com aparência mais amigável. — ele ri baixo e então pega um dos meus fones, o colocando no ouvido. — Sem essas suas músicas esquisitas de musicais da Disney, por favor.
— Não são esquisitas, são muito boas e atemporais. — falei, sério. — E falando em esquisito, o Niki veio?
— Ele 'tava com a gente minutos antes de você chegar, mas o segundo ano precisou entrar primeiro no ônibus deles. — ele dá de ombros.
— Entendi. — concordei com a cabeça e dei play na minha playlist do Spotify, sorrindo travesso quando Heeseung resmungou ao meu lado. Eu havia colocado ''Burnin' Up'' dos Jonas Brothers.
Essa havia sido minha tentativa de fazê-lo desistir de ouvir música comigo, mas eu havia esquecido o quão teimoso meu melhor amigo era. E assim, nós dois passamos os quarenta minutos até o planetário apenas ouvindo música.
O lugar ficava um pouco afastado da cidade, então as conversas no ônibus foram diminuindo conforme o tempo passava. Quando me dei conta, uma placa na rua indicava que estávamos próximos do nosso destino, o que me deixou animado de certa forma. Heeseung e eu estávamos em silêncio no momento e o garoto encarava a rua pelo vidro da janela, mas logo nossa atenção foi até o centro do ônibus assim que uma das professoras se levantou, chamando a atenção de todo mundo:
— Alunos! Estamos chegando ao nosso destino, então eu peço a colaboração de todos. — os poucos alunos que conversavam, se calaram. — Eu quero me certificar que vocês não estão aqui hoje em vão, então vou deixar algo bem claro: Vocês irão me entregar um relatório sobre o que ouvirem e lerem lá dentro, tudo bem? O prazo é para semana que vem, mas espero que hoje vocês anotem tudo o que for necessário.
— Que saco. — Jay resmunga, ele estava sentado com Jungwon atrás de mim e de Heeseung.
— Pelo menos ela não pediu uma redação, cara. — era a voz de Yang.
— É quase a mesma coisa. — ele continuava resmungando.
Eu iria provocá-lo, mas o ônibus estacionou e não demorou para que todos os alunos começassem a levantar de seus assentos, mais uma vez acontecendo uma pequena fila para sair do veículo. Eu respirei fundo ao guardar minhas coisas, aguardando mais alunos passarem por mim para finalmente me levantar também, e quando fiz, dei de cara com a pessoa que também estava na fila, agora ficando atrás de mim: Park Sunghoon.
O garoto me encarou, curvando o canto dos lábios em um pequeno sorriso, então, eu me posicionei para frente, ignorando-o e seguindo com passos pequenos conforme a fila andava, finalmente soltando todo o ar que eu prendia em meus pulmões quando passei pela porta de saída, dando de cara com um prédio redondo e enorme. E era enorme mesmo, muito maior do que eu havia visto em fotos.
— Nossa, isso é gigante. — ouvi a voz de Heeseung, ele havia acabado de sair do ônibus também.
Não demorou para Jake, Sunghoon, Jay e Jungwon estarem reunidos com a gente também. Assim, grupos pequenos se formaram pelos alunos de cada turma, e então todos acompanharam os professores até a entrada do prédio, onde havia um enorme letreiro com as palavras ''Planetário da cidade de Odhen'' em destaque.
Por pedido dos funcionários, cada turma entraria separadamente, assim não causando nenhum tumulto na entrada. Então, a nossa turma havia sido escolhida para dar o primeiro passo. Como havia sido feito a escolha já era algo que eu não fazia ideia.
Ao passarmos pela porta de entrada, logo dei de cara com um corredor com a aparência de uma nave espacial. Era possível ver janelas onde as imagens davam a impressão de que você estava flutuando no espaço, tudo projetado com imagens da galáxia. E eu não sabia se isso fazia parte da experiência, mas lá dentro estava muito frio, talvez poderia ser apenas o normal daquele lugar, mas era algo impossível de não reparar.
— Pessoal. Atenção, por favor! — a professora para no final do corredor, se virando para todos os alunos do terceiro ano. — A partir daqui nós vamos presenciar uma exposição feita especialmente para a Wall School! E como vocês sabem, não queremos causar nenhum tumulto. Por esse motivo, eu peço que vocês visitem cada lugar em duplas, no máximo em trios, como preferirem. — ela explica. — Daqui 30 minutos nós iremos entrar na sala de projeção, então aproveitem todo esse tempo para guardar informações para o relatório.
Levaram segundos para todos começarem a se movimentar e as duplas começarem a se formar, enquanto isso, eu apenas peguei meu pequeno caderno de anotações em minha mochila, esperando por Heeseung para que o garoto me acompanhasse. E assim que eu me virei, notei que meu melhor amigo já estava com Jake, mais uma vez. Apenas respirei fundo quando os vi juntos, eu sabia que Jay estava ali por obrigação e que Lee pelo menos tinha um pouco mais de interesse do que ele. Mas adivinhem? Jay mais uma vez também estava repetindo a dupla de alguns dias atrás, o garoto estava com Jungwon. E se todas as duplas estavam se repetindo, tudo indicava que...
— O Heeseung disse que tudo bem se eu roubar você dele por hoje. Tudo bem por você? — a voz de Sunghoon surgiu ao meu lado. Meu rosto automaticamente virou em sua direção, o vendo encarar o caderno de anotações em minhas mãos.
— É sério? — o encarei, sem expressão em meu rosto. — Não foi você quem disse que astronomia era sem graça e que não parecia ser tão legal assim?
— Eu disse. — ele dá de ombros. — Mas só vou poder julgar de verdade depois de tentar conhecer mais sobre. É a mesma coisa que acontece entre você e eu.
— Entre você e eu?
— É, você só vai poder me julgar depois de me conhecer. — ele sorri, acredito que forçadamente. — Eu falei sério na aula de artes.
— Você não conversou comigo desde aquele dia, Sunghoon. — falei, ajeitando a mochila em minhas costas.
— Isso te incomodou? — ele questiona. — Eu só 'tô indo com calma, não era isso que você queria?
— Cara, você sempre delirou desse jeito e criou conversas na sua cabeça que nunca existiram? — eu ri, sem humor.
Disse a pessoa que costumava ter sonhos frequentes com um desconhecido.
— Vamos logo com isso, não quero perder os 30 minutos de exposição. — respirei fundo, encarando o mais velho em minha frente. — Uma gracinha e eu deixo você sozinho, entendeu? Isso daqui realmente é interessante 'pra mim.
— Entendido, capitão. — ele diz, e eu o fuzilo com o olhar, me virando para caminhar até o final do corredor e sentindo Sunghoon apressar os passos para segurar em meu braço. — Ei, calma aí. Foi só 'pra descontrair, vou ficar quieto a partir de agora. — ele usa os dedos indicadores para formar um X em frente à própria boca. — Prometo.
— Obrigado. — forcei um sorriso, e então, continuei andando.
Vários alunos já estavam espalhados pelo local quando eu e Sunghoon entramos em silêncio, o garoto me acompanhava enquanto meu olhar passava pelos detalhes daquele espaço. E era um lugar tão legal, eu realmente não entendia como algumas pessoas não se sentiam pelo menos um pouco animadas em conhecer sobre tudo o que tinha ali.
Era uma sala considerada grande e bem espaçosa, com maquetes realistas que continham informações sobre astronomia, alguns telescópios e um foguete em tamanho real, que ficava exatamente no centro daquela área.
Eu anotava tudo o que eu achava importante, anotava até outras coisas que eu iria gostar de pesquisar mais afundo quando estivesse em casa. Fiquei assim por pelo menos uns 10 minutos, que foi o tempo até eu ser interrompido de meus pensamentos por Park Sunghoon.
— Essas pedras são artificiais também? — Sunghoon pergunta, apontando para alguns meteoritos dentro de uma caixa de vidro.
Até que ele havia ficado em silêncio por mais tempo do que eu esperava.
— Não, elas são verdadeiras. E são meteoritos, esse daqui é um dos mais antigos. — apontei. — Surgiu na Coréia entre 4,48 bilhões e 4,59 bilhões de anos atrás.
— Como você sabe de todas essas coisas? — Park questiona, me fazendo rir baixo.
— Está tudo escrito ali, cara. — apontei para o painel que ficava ao lado do vidro, vendo o garoto concordar com a cabeça, sem graça. — Acho melhor você começar a anotar, não é? Você não anotou nada desde que chegamos.
— Isso não parece nada com o que o Jungwon me explicou. — ele faz uma careta e pega o próprio celular, tirando uma foto do painel de informações. — Assim é menos complicado.
Respirei fundo, ignorando a atitude do garoto e negando com a cabeça.
— E o quê o Jungwon te explicou? — perguntei enquanto anotava algumas informações que eu lia, caminhando devagar até um quadro que havia ao lado.
— Primeiro que ele perguntou qual era o meu signo e começou a falar sobre o sol, lua e ascendente. — Park nega com a cabeça. — Depois disso eu desisti e fingi que 'tava prestando atenção.
Comecei a gargalhar.
— Você perguntou 'pra ele sobre Astrologia? — levei minha mão até a boca, segurando minha risada para que ela não saísse muito alta, minha barriga chegava a doer. Sunghoon me encarava ainda confuso, mas afirmou com a cabeça para minha pergunta. — Astrologia e Astronomia são duas coisas diferentes, Sunghoon.
— Não é tudo a mesma coisa?
— Não. — parei de rir aos poucos, então continuei. — Na Astronomia nós estudamos fenômenos naturais, sabe? Eclipses, passagem de cometas, chuvas de meteoros e tal. — expliquei. — Já a Astrologia tem a ver com essas coisas que o Jungwon te explicou, entendeu?
— Faz mais sentido agora. — ele tinha uma expressão engraçada no rosto.
— Por que você queria saber sobre isso, afinal? — perguntei, agora me virando para o garoto.
— Você disse que gostava, então eu tentei aprender um pouco antes do passeio. — ele dá de ombros. — Mas aparentemente saber sobre cartas astrais não vai me ajudar em muita coisa hoje. — ele dá uma risada baixa e pega o celular novamente.
— Você não acha que 'tá se esforçando demais só 'pra virar meu amigo? — perguntei, agora estávamos caminhando um ao lado do outro e seguindo até outro corredor, uma placa indicava que era uma área mais focada em planetas. — Eu não mereço esse esforço todo.
— E por que não? — Park para de frente para uma imagem de Caronte, a lua de Plutão, em um quadro que ficava na metade do corredor. Em seguida, o garoto de cabelos escuros pega o celular novamente e tira mais uma foto das informações.
— Porque eu não fui legal com você desde que nos conhecemos. — falei, de forma óbvia. — Por que você continua tentando ser legal comigo?
— Então esse era o seu plano? Agir dessa forma 'pra se livrar de mim? — ele ri baixinho e eu entreabro os lábios para tentar falar, mas ele continua. — E na verdade, nossa primeira conversa longa só aconteceu porque eu fui grosso com você, esqueceu? Na casa do Jake.
— É, eu lembro. — falei, encarando o quadro em minha frente. — Mas a culpa havia sido minha.
— Eu 'tava um pouco irritado naquele dia, pra ser sincero. — Park começa a se explicar. — Meus pais não atendiam nenhuma ligação minha naquela semana, ver você me ignorando acabou me afetando mais e eu descontei em você. — ele ri, sem humor. — Então, me desculpa.
Meu silêncio voltou quando eu ouvi as palavras de Sunghoon.
Eu tinha o costume de ficar desse jeito quando não sabia reagir à uma situação, e agora, eu estava tentando entender o porquê de Sunghoon estar me contando aquela informação, já que não tínhamos intimidade para isso ainda. Eu só conhecia o básico sobre o garoto ao meu lado, e agora me sentia pior ainda por ter tratado ele daquela forma.
— Sinto muito. — foi o mais normal que eu consegui agir. — Mas isso só se torna mais um motivo 'pra você não ser legal comigo.
— Mas eu não sou assim, Sunoo. — ele dá de ombros. — Você quer que eu acredite que você não é uma pessoa legal quando o Heeseung e todos os seus amigos vivem falando bem de você? E olha que ainda não fez três semanas que eu convivo com eles.
Eu fico em silêncio de novo, então Sunghoon solta uma risada fraca, continuando:
— Mas eu também não quero forçar nada, se você me pedir 'pra te deixar em paz, então eu vou te deixar em paz. — ele desvia o olhar do quadro e olha diretamente para mim. — Quer dizer algo?
Aquela era a chance que eu tinha de me livrar dele e não precisar me preocupar mais com o garoto dos meus sonhos invadindo a minha realidade. Mas ao invés disso, eu fui contra tudo o que a minha cabeça dizia e segui o meu lado emocional. Levantei o caderno em minhas mãos e falei:
— Eu acho melhor continuarmos anotando, não é? Ainda temos... — olhei o relógio em meu pulso. — Dez minutos.
— Certo, melhor mesmo. — Sunghoon concorda com um sorriso divertido no rosto após eu mudar de assunto.
Eu dei os primeiros passos, indo na frente de Sunghoon por não saber como encará-lo no momento. Quando cheguei na outra sala, no final do corredor, dei de cara com uma pequena fila entre alguns alunos. Minha curiosidade aumentou no mesmo momento, então eu me posicionei ao final dela juntamente com Park, que chamou a atenção da garota que estava em nossa frente.
— E aí, essa fila é 'pra fazer o quê? — a voz grossa de Sunghoon faz a garota se virar imediatamente, ela arqueia as sobrancelhas e ri sem graça para o mais velho.
O rosto dela era tão pequeno, ela tinha olhos que se igualavam aos de um gato, parecia um rosto bem familiar.
— Ah, oi! — ela acena rapidamente com a cabeça. — É uma fila 'pra saber como seria o seu peso em outros planetas.
Sunghoon me encara, incrédulo.
— Tem até isso? — o garoto faz uma careta, me fazendo rir baixo.
— Quanto maior a gravidade, maior é o nosso peso. Isso é algo que você poderia anotar. — dei ênfase na ultima palavra, vendo Sunghoon negar com a cabeça.
— Você é o Sunoo, não é? — a garota em nossa frente se volta para mim, sorrindo. — O meu irmão andou falando de você.
— Você é irmã do Jungwon? — perguntei imediatamente, torcendo para não estar errado.
— Ah, você me conhece? — ela ri, sem graça.
— Nossa, vocês são idênticos. — Sunghoon diz, encarando a garota descaradamente.
— Vocês não são os primeiros a falar isso. — a mais nova ri mais uma vez, mas logo fecha a cara quando outra voz feminina invade o local.
— Sunghoon! — me virei, vendo que se tratava de Yeji, ela acompanhava Yuna e parecia muito mais amigável do que estava no ônibus. — Posso falar com você?
A garota de mechas rosas no cabelo havia surgido do mesmo corredor que eu e Sunghoon estávamos há alguns minutos. Seu olhar passou por mim e Jang-Mi de forma indiferente, e então ela voltou a encarar Sunghoon, aguardando por uma resposta. Quando meu olhar foi até Yuna, ela sorriu fraco, mas não tentou conversar também.
Para quem falava demais, ela estava muito quieta desde que a vi naquele dia.
— Agora não vai dar, Yeji. — Sunghoon responde. — A gente 'tá no meio de um passeio escolar.
— É sobre o seu amiguinho. — ela sorri, forçadamente. — Pode ou não?
Sunghoon respira fundo e me encara, e então, eu subo os meus ombros, não sabendo como reagir já que eu não tinha nada a ver com aquilo. Se a preocupação dele era me deixar sozinho, eu não iria impedi-lo, ainda mais com aquela garota quase me fuzilando com os olhos.
— Você tem dois minutos. — Park responde e Yeji sorri, se preparando para sair dali.
— a Yuna vai estar junto. — ela diz, envolvendo os braços nos da amiga. — Ela não é fofoqueira igual certas pessoas. — Ela encara Yang Jang-Mi, que engole seco.
— Eu já volto. — Sunghoon diz, e eu apenas concordo com a cabeça.
Em seguida, os três caminham em direção do corredor, sumindo de vista quando entram no mesmo.
— Isso que eu acabei de presenciar foi uma síndrome de Regina George? — soltei uma risada baixa, vendo que Jang-Mi havia achado graça da comparação.
— Antes fosse, ela só é um pouco... perversa, eu diria. — ela completa, e então pensa um pouco antes de continuar. — É, realmente sua comparação foi bastante precisa.
— Vocês eram amigas?
— Éramos, isso até eu aparecer passando mal de tão bêbada em casa. — ela sorri amarelo. — O meu irmão ficou irritado quando descobriu que era com a Yeji que eu estava e dedurou isso aos pais dela, eles são muito religiosos. Ela não fala comigo desde então.
— E a Yuna? — a questionei por impulso ao lembrar que a garota estava junto.
— Ah, nós somos amigas ainda. — ela dá de ombros. — Ela é uma boa pessoa, mas a Yeji a controla muito por serem amigas de infância. Então isso acabou nos afastando um pouco, ainda mais pelo fato de eu estar no segundo ano e elas no terceiro.
— Sua ex-amiga realmente parece ter saído de Mean Girls. — fiz uma breve careta, e ela riu novamente.
— Aliás, eu sabia que o seu amigo era bonito, mas nossa, ele é muito mais do que eu imaginava. — a garota sussurra. — É melhor ficar de olho na Yeji perto dele.
— Você deve saber sobre o Jake, não é? — perguntei.
— É... — ela diz de forma arrastada, e eu arqueio as sobrancelhas quando a vejo sorrir amarelo novamente, só então encaixando as peças.
A reação de Jang-Mi havia sido muito suspeita, e ela não parecia esconder isso de mim. Então...
— Meu Deus. — entreabri os lábios, sem reação. — Você é a garota que a Yeji odiava.
— Fala baixo. — ela sussurra em um susto, puxando minha camiseta. — o Jake contou 'pra você?
— Por obrigação, mas contou. — eu continuava em choque. — O seu irmão sabe disso?
— Não. — ela é direta. — Por favor, não conta nada 'pro Jungwon. — a garota juntava as mãos, me implorando.
Eu não estava gostando nada de estar sabendo de tantos segredos contra a minha vontade, mas eu também não tinha o direito de sair espalhando coisas que, mais uma vez, não tinham nada a ver comigo.
— Eu não vou contar, mas isso é uma merda. — falei. — Quem mais sabe sobre isso?
— Só você, Yeji, Yuna e Jake.
— Pelo amor de Deus. — respirei fundo, bagunçando meu cabelo. — Certo, não vou me meter nisso, mas não quero nada caindo 'pro meu lado se a bomba explodir.
— Não vai, você não tem nada a ver com isso. Fica tranquilo. — ela me tranquiliza.
No mesmo segundo, Sunghoon surge do corredor, caminhando em nossa direção com uma irritação notável em seu rosto. Jang-Mi fica em silêncio no mesmo momento, se afastando aos poucos quando Park finalmente chega até onde estávamos.
— Tá tudo bem? — perguntei, mesmo estando receoso.
— Sim, eu só me irrito com pessoas infantis. — ele é curto, não entrando em detalhes do que havia acontecido para ele ter mudado bruscamente de humor. — Acho que é sua vez. — Sunghoon fala com Jang-Mi, que estava distraída. Era a vez da garota na fila.
— Ah, verdade. — ela ri nervosa, e então, segue até as balanças que mostravam os pesos das pessoas em cada planeta.
Apesar de estarmos nos dando bem há pouco minutos, agora o clima entre mim e Sunghoon havia ficado estranho novamente. Era como se tivéssemos voltado ao início do passeio e a conversa de minutos atrás não tivesse existido. Isso poderia facilmente ser resultado da conversa dele com Yeji, ou apenas alguma paranoia da minha cabeça.
***
O tempo havia acabado e agora todos os alunos estavam aguardando para entrar na sala de projeção. Eu e Sunghoon não demoramos para nos juntar a eles, o garoto agora parecia menos irritado do que alguns minutos atrás, mas eu não tentei perguntar nada, eu sentia que já estava sabendo demais sobre o que acontecia na Wall School enquanto eu estava enfiando a minha cara nos livros da biblioteca.
— Cara, vocês sumiram o passeio inteiro. — Heeseung comenta quando nos aproximamos dele e de Jake. Meu amigo segura em meus ombros e olha fundo nos meus olhos, me fazendo recuar. — O Sunghoon fez alguma lavagem cerebral com você? Ele te atrapalhou?
— Eu não atrapalhei ninguém, cara. — Sunghoon diz, revirando os olhos. — Aliás, eu aprendi bastante coisa sobre Astronomia, não é, Jungwon? — ele encara o mais novo.
— Astronomia? — ele junta as sobrancelhas, e então, entreabre os lábios como se uma lâmpada tivesse acabado de acender em cima de sua cabeça. — Meu Deus. Você queria aprender sobre Astronomia...
— O quê? — Heeseung nos encara, confuso, mas logo desiste de entender e dá de ombros, me soltando. — E eu tive que aturar o Jake resmungando por 30 minutos, parece até que um bicho o mordeu.
''Um bicho chamado Yeji'' pensei.
Jake ignorou a provocação de Heeseung, o Australiano olhava para os lados como se estivesse procurando por alguém, ou fugindo, não sei.
— Pessoal, podem entrar. — a voz da professora chama a atenção de todos na fila. E ela gesticula com as mãos em direção da entrada. — Com cuidado, por favor.
Em questão de segundos eu já havia passado pela porta de entrada com meus amigos, me surpreendendo e quase sentindo meu pescoço doer quando me inclinei para encarar aquela sala enorme e redonda. Na sala, inúmeras poltronas estavam espalhadas e voltadas para o centro, onde havia uma enorme máquina que provavelmente se tratava do projetor, mas eu não sabia descrever exatamente como ela funcionava, eu ainda não estava experiente nesse nível.
Quando me sentei, senti meu corpo afundar na poltrona macia, me dando a certeza de que eu iria aproveitar aquele momento. Sunghoon havia se sentado ao meu lado direito, e Heeseung, do lado esquerdo. Em sequência, estavam: Jake, Jungwon, Jay e pela primeira vez eu estava vendo Niki, o garoto realmente havia desaparecido o passeio inteiro.
Eu estava distraidamente tentando memorizar aquele lugar, e quando virei o rosto para a esquerda, dei de cara com o rosto de Sunghoon, que se aproximava do meu. Me afastei por impulso, mas Park se inclina novamente para sussurrar:
— É aqui que eles vão mostrar as estrelas, não é?— ele limpa a garganta ao questionar, se afastando minimamente quando percebe a proximidade exagerada.
— Sim. É muito interessante, você vai ver. — respondi com animação, evitando contato visual com o garoto ao encarar o teto.
Sunghoon ficou em silêncio por alguns segundos, mas continuou:
— Você realmente falava sério quando disse que queria vir aqui, não é?
— Você 'tá impressionado? — ri pelo nariz, afundando meus dedos no encosto da poltrona.
— Não sei, é que eu nunca vi alguém tão feliz por estar em um lugar antes. — ele diz, parecendo reflexivo agora que também encarava o teto. — Eu nunca senti isso antes, sempre foi indiferente. — ele sussurra mais baixo ainda, o que fez eu me esforçar para tentar escutar.
— Talvez você só não tenha encontrado o seu conforto ainda.
Pensei que Sunghoon iria me responder, mas logo em seguida as portas se fecharam e as luzes começaram a diminuir exatamente como aconteciam nas salas de cinema.
— Vai começar. — sussurrei animado, cutucando os dois garotos ao meu lado com os cotovelos e fazendo um sinal de silêncio quando levei o indicador ao meio dos lábios.
Quando as luzes se apagaram por completo, lentamente algumas estrelas começaram a aparecer por todos os lados, demorando apenas segundos para o local ficar completamente estrelado. Um sorriso abriu em meu rosto e meus olhos se perderam, observando cada detalhe atentamente.
Em seguida, uma voz calma e não muito familiar começou a se espalhar por todos os cantos. Ela explicava alguns pontos sobre a Astronomia, desde constelações até os astros, tudo isso enquanto imagens realistas passavam diante de todos ali. Eu sentia como se alguém tivesse acabado de abrir aquele teto e me levado diretamente ao céu.
E eu amava as estrelas, lembro de quando eu era mais novo e ficava na janela do meu quarto depois terminar algum livro de fantasia, na esperança de alguma estrela cadente aparecer. Eu nunca tinha sucesso nisso, mas eu tentava.
Era como uma citação de Vincent Van Gogh: ''Não tenho certeza de nada, mas a visão das estrelas me faz sonhar."
Quando olhei para o lado, vi Sunghoon com um pequeno sorriso no canto dos lábios enquanto assistia tudo, mas logo voltei a olhar para frente, eu estava satisfeito com a ideia de que o garoto talvez tivesse mudado de opinião sobre aquele lugar.
E eu ficaria ali por horas, mas a sessão durou por uns 30 minutos ou mais. Todos ficaram em silêncio até que tudo voltasse ao normal e as luzes se acendessem na mesma velocidade que haviam se apagado anteriormente.
— Nossa, isso foi irado 'pra caralho. — Heeseung comenta, me fazendo rir após o silêncio da sala sumir e todos começarem a levantar.
— Tenho que concordar, foi interessante. — a voz de Sunghoon me surpreende, o garoto agora também já havia levantado, então tive que olhar para cima.
— Eu avisei. — falei, orgulhoso.
— Eu também. — Park responde. — Eu falei que precisava conhecer antes de julgar.
Mais uma indireta de Park Sunghoon.
Neguei com a cabeça, me apoiando na poltrona para me levantar, assim esperando Heeseung e os outros meninos saírem para seguir atrás deles, já que a saída era para a direita e o espaço para passar pelas poltronas era pequeno.
***
Os alunos estavam agora reunidos do lado de fora do planetário após tudo ter terminado. Professores de cada turma faziam a chamada dos alunos para verificar se estavam todos ali, caso contrário, não iríamos sair do local tão cedo, mesmo que todos os ônibus já estivessem nos esperando.
No momento, eu verificava minhas anotações em meu caderno enquanto meus amigos conversavam sobre o que pretendiam fazer após voltar da escola. Meu único objetivo agora era chegar em casa e dormir, eu estava cansado e mal havia conseguido dormir direito essa semana, eu não sabia o porquê de eu estar tendo tanta insônia assim, mas queria que isso se resolvesse logo. Era péssimo sentir que eu não estava sendo produtivo.
— Sunoo, eu vou me sentar com o Jake na volta, pode ser? — Heeseung se aproxima, e eu o olho após sair de meus pensamentos. Eu estava apenas encarando o caderno em minha frente e não prestando atenção. — Ele não para de resmungar e eu 'tô curioso 'pra saber o motivo.
— Tudo bem. — ri baixo, sabendo que eu provavelmente já sabia o motivo. — Vou dormir na volta, então eu me sento sozinho.
E assim aconteceu.
Depois que verificaram a presença de todos os alunos, cada turma subiu em seu ônibus, e agora, eu estava sentado sozinho em um dos assentos, pegando os meus fones de ouvido novamente em minha mochila para escutar alguma música calma no caminho de volta.
Eu teria quarenta minutos de sono.
Isso se meus colegas calassem a boca porque, de repente, todos decidiram que passariam a volta para a escola cantando músicas clássicas e infantis. E agora, eu me afundava no banco, aumentando a música até o limite e fechando os meus olhos.
Viva ao terceiro ano!
Mas em questão de segundos, um de meus fones de ouvido foi arrancado de mim, assim como o banco ao meu lado se afundou, me fazendo abrir os olhos para ver Park Sunghoon sentado ali, com um dos meus fones no próprio ouvido.
— Por que você 'tá aqui sozinho? — ele arqueia as sobrancelhas, me encarando. — E você escuta Paramore?
— Não é como se fosse uma banda desconhecida, mas sim. — respondi.
— Eu sei, mas eu imaginava você escutando outro tipo de música.
''The Only Exception'' era a música tocando em meu fone.
— Por que você se sentou aqui? — ignorei o assunto anterior. — Na verdade, eu não sei por que eu ainda pergunto. — falei, pegando o meu fone de volta.
— Eu perguntei primeiro. — ele faz uma careta, pegando o fone novamente. — Eu gosto dessa música, me deixa ouvir.
O encarei, incrédulo. Sunghoon agora se aconchegava no assento ao meu lado, tendo seus olhos em mim, provavelmente aguardando por minha resposta.
— O Heeseung se sentou com o Jake, só isso. — falei, afundando a cabeça no banco.
— Entendi. — ele balança a cabeça em afirmação, se virando para frente.
O garoto fica em silêncio por alguns segundos, apenas a música e a gritaria dos outros alunos era o que escutávamos, e então, sua voz chamou minha atenção novamente:
— O que você sabe sobre aquela garota?
— Qual garota? — pisquei algumas vezes, virando o rosto para ele.
— Você sabe, a garota que falou comigo mais cedo. — ele falava baixo, mas não em um tom de quem estava escondendo algo. — Parece que você sabe de alguma coisa.
— Eu soube contra a minha vontade. — repeti o que eu havia dito para Jang-Mi. — O Jake me contou, isso foi no dia em que chegamos juntos no refeitório.
— Eu sabia. — ele ri pelo nariz. — Você precisa cuidar, suas expressões dizem muito sobre você.
— Você sabia?
— Eu deduzi que você sabia de algo quando vocês voltaram juntos, você olhou de um jeito esquisito 'pro Jake. — ele explica, me fazendo desejar que mais ninguém tenha notado, muito menos o Jungwon.
— Vou tentar ser menos óbvio, não quero causar problema 'pra ninguém. — fiz uma breve careta.
— A única pessoa que quer causar problemas é você sabe quem. — ele se nega a falar o nome da garota novamente.
— Ela pareceu ter irritado você de verdade. — sussurrei, abaixando um pouco o volume da música.
— E me irritou. — Sunghoon respira fundo. — Eu odeio quem me mete em problemas que não importam 'pra mim, eu nem conhecia essa garota e agora sou obrigado a aturar essa infantilidade toda.
— Bem-vindo ao clube de quem recebe informações contra a própria vontade. — sorri com os lábios juntos, forçadamente. — Posso ser sincero com você?
— Pode. — ele me olha com um semblante sério.
— Eu quero dormir, 'tô morrendo de sono.
Sunghoon ri pelo nariz, negando com a cabeça.
— Vou ficar quieto então, pode dormir. — ele pega o meu celular e então aumenta o volume da música que nós dois escutávamos. — Isso foi um avanço, não acha?
— O quê? — perguntei, eu já tinha os meus olhos fechados.
— Nunca ouvi você falar tanto como hoje. — ouvi a risada do garoto.
Eu me sentia patético por reagir a tudo o que Sunghoon me dizia, mas a memória daquele garoto que eu conhecia em meus sonhos ainda estava fresca em minha mente. Eu sentia uma sensação muito esquisita no meu corpo em situações em que estávamos sozinhos, algo como um Deja Vu, porque era assim que todos os meus sonhos aconteciam: eu e ele, sozinhos.
Isso havia sido o que eu senti o dia inteiro, e por mais que seja uma sensação boa e nostálgica, ainda era algo agoniante e confuso para a minha cabeça. E então, essa manhã com ele só havia provado o que eu não queria admitir: eu não posso ser amigo dele, mas eu também não consigo pedir que ele pare o que está tentando fazer, porque por mais que eu sinta que vou acabar me machucando, eu não consigo parar. É confuso me sentir atraído por uma pessoa antes mesmo de vê-la pela primeira vez, e quando eu fujo, é como se um imã me puxasse de volta e atraísse ele para mais perto ainda.
Se eu já estava surtando assim com duas semanas, como vai ser daqui para frente?
Mas eu decidi que eu não iria pensar muito nisso, não naquele momento, porque eu queria dormir. Dormir sempre resolve todos os nossos problemas, é uma boa distração mesmo que você tenha que enfrentá-los depois ao acordar. E assim eu fiz, pegando no sonho enquanto uma música calma tocava em apenas um lado do meu ouvido.
***
Alguém cutucava o meu ombro sem parar, e eu senti meus olhos pesarem como se eu estivesse acabando de acordar de um sono de cinco horas, mas como eu já sabia, isso não era possível.
Abri meus olhos no mesmo momento, dando de cara com Heeseung, ele estava parado ao lado do assento em que eu estava, e então, percebi que boa parte dos alunos estavam em fila, saindo do ônibus. Quando olhei para o meu colo, meu fone e meu celular estavam ali, mas nada de Sunghoon, apenas os olhos curiosos de Lee em cima de mim.
— Cara, eu poderia gritar no seu ouvido e você não iria acordar. — Heeseung diz, impaciente. — Melhor vir logo, daqui a pouco o ônibus fica vazio.
— O Sunghoon saiu faz tempo? — não consegui evitar em perguntar.
— Ele acabou de sair, não deve ter aguentado você babando no ombro dele. — meu amigo ri. — Pensei que você iria ignorar o garoto 'pra sempre.
— Eu não babo. — fiz uma careta, tentando não imaginar nenhuma cena minha dormindo no ombro de Sunghoon. Isso era muita humilhação para mim. — Vamos sair logo daqui.
Me levantei, ouvindo a risada de Heeseung e passando pelo garoto, que agora me acompanhava pelo corredor do ônibus. Quando passei pela porta, senti o ar fresco da rua bater contra o meu rosto, o mesmo clima pós chuva que eu havia enfrentado no começo do dia.
Os alunos já estavam liberados para irem embora, então muitos estavam espalhados pelo pátio da Wall, enquanto outros caminhavam em direção do portão da saída.
— Nós vamos almoçar juntos, você vem? — Heeseung pergunta ao me alcançar, dando uma pausa antes de continuar. — Na verdade, você vem sim.
— Perdi meu direito de escolha e não 'tô sabendo? — ri baixo, ajeitando a mochila em minhas costas. — Eu vou, mas depois preciso ir. Tenho que terminar de ajudar lá em casa, a sala de leitura está quase ficando pronta. Aliás, minha mãe quer convidar vocês quando ela ''inaugurar'' a sala, ela quer conhecer meus novos amigos. — fiz aspas com as mãos.
— Eu amo a sua mãe. — Heeseung diz. — Se vocês precisarem de ajuda, posso falar com eles e nós vamos antes mesmo de estar pronto, assim ela já tem uma boa impressão deles.
— Você 'tá tentando manipular a minha mãe? — perguntei em um tom divertido, vendo o garoto revirar os olhos e rir também.
— É apenas um agrado, é diferente.
Quando chegamos até onde os meninos estavam, Sunghoon imediatamente olhou em minha direção, me fazendo lembrar de todas as coisas a respeito dele que eu havia pensado mais cedo. Acordar sem ele sentado do meu lado me fez cair um pouco mais na realidade, ele está se divertindo com a situação e provavelmente iria se afastar de mim se eu contasse tudo o que se passava na minha cabeça. Ou se, sei lá, soubesse que eu sou gay.
— Vocês dois vão também? — Park pergunta diretamente para mim e Heeseung. — Pensamos em comer tteokbokki.
— Mais um motivo 'pro Sunoo ir. — Heeseung diz, sabendo que era minha comida favorita. — Nós vamos sim. Quem mais vai?
— Só a gente, por enquanto. — Jake responde.
Com ''a gente'' ele quis dizer: Ele, Heeseung, Sunghoon, Jay, Riki e eu, é claro.
O lugar que iríamos não ficava muito longe da escola, então optamos por ir a pé, o que de qualquer forma era a única opção que tínhamos. As conversas sobre o passeio então começaram enquanto caminhávamos todos juntos, e mais uma vez, eu tentava desviar das poças de água no caminho.
— Eu gostei mais do final do que ficar naquela exposição. — Nishimura comenta, ele chutava uma pedrinha no chão desde que havíamos saído da escola. — Parecia uma sala de cinema.
— Foi a parte mais legal, mas tinham coisas interessantes lá também. — Jay diz, fazendo todo mundo arquear as sobrancelhas.
— A sua coisa interessante tem nome e sobrenome, né? Porque você era quem mais 'tava reclamando de vir hoje. — Nishimura ri, deixando todos ainda mais confusos. O mais novo recebe um leve tapa no braço, que veio de Jay.
— Chegamos, não é? — Jongseong muda de assunto, apontando para o restaurante em nossa frente.
Encarei o mais velho com muita suspeita, mas deixei passar. Do jeito que as coisas estavam, eu não iria demorar para descobrir o que Riki sabia, e eu não.
Os outros meninos ignoraram também, e então, entramos todos juntos no restaurante, nos sentando em uma das mesas disponíveis após o garçom indicá-la.
Me sentei ao lado de Jake e Niki, já Sunghoon, Jay e Heeseung estavam de frente para nós três. Não demoramos muito para fazer os pedidos, todos ali estavam visivelmente com muita fome depois de passarmos a manhã toda no planetário. E agora, o garçom havia deixado uma garrafa de refrigerante na mesa, nós havíamos pedido para bebermos enquanto a comida ainda não chegava.
Jake tentou pedir algo alcoólico, mas o seu rosto entregava que ainda não havia atingido a maioridade coreana, o que fez com que todos da mesa tirassem uma com a cara do Australiano por pelo menos dois minutos.
— Nós precisamos muito de alguma festa, antes de eu voltar 'pra Australia sempre tinha alguém do terceiro ano que dava algumas. — o garoto bebe do seu copo, ele tinha um sorrisinho no canto dos lábios. — A gente se daria muito bem em qualquer uma.
— Eu fiquei sabendo de algumas na semana que vem, posso confirmar se vocês quiserem. — Jay se pronuncia, ele tinha o olhar preso em seu celular.
— Se me deixarem entrar, eu vou. — Niki dá de ombros, fazendo Sunghoon rir.
— Você não é criança, Riki. — ele diz. — No segundo ano eu também frequentava festas do terceiro.
— Não sei se é a minha praia. — falei baixinho, vendo que todos estavam atentos em mim, não acreditando no que eu dizia. — É sério, nunca me dei bem em festas. Perguntem ao Heeseung.
— Posso confirmar. — Heeseung faz uma careta. — O Sunoo é fraco 'pra bebidas, aqueles bêbados difíceis de cuidar, sabe?
— Não precisa exagerar, Heeseung. — resmunguei.
Tudo bem, não era mentira. Da última vez que eu bebi em uma festa, fiz um garoto perder totalmente o interesse que tinha em mim quando desmaiei em cima dele, e ele havia acabado de tomar a atitude de chegar em mim. Mas eu não vou entrar em detalhes, somente irei dizer que: o lugar era fechado e eu já tinha bebido demais.
E essa é apenas uma das minhas humilhações.
— Você sabe que eu 'tô falando a verdade. — ele ri.
— Agora você é obrigado a contar mais. — Jake me olha com diversão no rosto.
— Podem desistir, eu não vou falar nada. — neguei com a cabeça, pegando meu copo com refrigerante e levando até os lábios.
— Ahhhh. — vozes em um coro decepcionado se espalharam pelo restaurante, juntamente de risadas.
No mesmo segundo, me engasguei com o refrigerante que eu tomava quando Jungwon e Jang-Mi passaram juntos pela porta. Atraindo o olhar de todos da mesa até eles.
— Oi, gente. — Jungwon diz, sorrindo fraco. — Infelizmente eu tive que trazer a minha irmã junto, a minha mãe não deixou a chave de casa.
— Caralho, a sua irmã é a sua cópia. — Heeseung comenta, fazendo o pessoal da mesa concordar. Jang-Mi ri, sem graça.
Quando olhei para Jake, percebi a inquietação do garoto, ele forçava um sorriso e permanecia em silêncio enquanto todos ali cumprimentavam os dois que chegaram.
— Eu falei 'pra ele que poderia ir 'pra outro lugar, eu não queria atrapalhar. — a garota diz, também parecendo tensa. — Oi, Niki. — ela cumprimenta o colega de aula e se junta à mesa.
— Relaxa, irmã do Jungwon é amiga nossa também. — Jay dá uma piscadinha para a garota, recebendo uma careta de Jungwon.
E então, todos começam a conversar novamente, enquanto a única coisa que eu queria era sair correndo dali com as possibilidades de algo dar errado.
E enquanto eu pensava nessas possibilidades, meu celular vibrou.
Hoonhoon:
12:34 você tá fazendo de novo
Eu:
?? 12:34
Hoonhoon:
12:35 vc parece saber de alguma coisa, de novo
Eu:
eu acho que você tá louco 12:35
Hoonhoon:
12:35 e eu acho que você sabe de algo que eu não sei
Eu:
12:36
você deveria falar com o seu
amigo, não comigo :)
Eu precisava me lembrar de mudar o nome do contato de Sunghoon do meu celular.
Sunghoon me encarou sério do outro lado da mesa, e eu o encarei de volta, arqueando as sobrancelhas. Seu olhar então se voltou até Jake, que coçava a nuca e balançava a perna impacientemente debaixo da mesa. Eu sabia dessa informação porque era na minha perna que a dele estava batendo.
E enfim, nossa comida chega na mesa, o que faz o clima mudar de imediato.
Como esperado, todos realmente estavam com fome, porque começamos a comer em silêncio. E se fosse observar, todos saboreavam a comida com expressões de quem estava provando algo delicioso pela primeira vez. É sério, tteokbokki é a melhor comida do mundo.
E mesmo assim, Sunghoon continuava trocando olhares comigo e Jake, não se ligando que o problema mesmo estava sentado ao lado de Jungwon e estava 'tão nervosa perto do irmão quanto estava perto de Jake.
E eu, era somente alguém que estava sabendo demais.
Eu esperava de verdade que isso se esclarecesse logo, porque pelo pouco que eu estava começando a conhecer de Jungwon, sua irmã era muito importante para ele, ele não iria gostar de saber por outras pessoas que um de seus amigos mais próximos escondia algo com sua irmã mais nova.
E sinceramente, o Jake estender isso só faz o problema ficar maior do que ele é, porque ele poderia ter acabado com isso mais cedo.
Eu definitivamente não aguentava mais saber demais sobre coisas que eu não deveria saber.
***
Notes:
a Yang Jang-Mi é uma personagem fictícia que eu mesma criei, então se sintam livres para imaginá-la como quiserem! (até como uma cópia feminina do jungwon kkkkkkkk)
Jang-Mi significa rosa em coreano, tive essa ideia porque Jungwon significa jardim, ou seja, ela é a rosa do jardimkkkkkkkkk enfim, espero ver vocês semana que vem! <3
beijinhossssss
Chapter 5: Hot N’ Cold
Chapter Text
Kim Sunoo.
O tempo é algo tão confuso, as vezes temos a impressão de que ele passa rápido, já em outros dias, é como se ele estivesse na velocidade de uma tartaruga. E eu tenho certeza de que em algum lugar, seja na internet ou em algum livro, existe alguma explicação para isso. Mas eu estava preocupado demais com a próxima aula de artes para tentar procurar algo a respeito.
E me conhecendo, eu sabia que me perderia em meus pensamentos se me distraísse com esse tipo de pesquisa, todos sabemos que a internet é um perigo... ela consegue fazer uma simples busca terminar em você assistindo tutoriais de coisas que você jamais irá realmente tirar um tempo para fazer, ou coisas que você não tenha os materiais necessários em casa para fazer.
E quanto ao tempo ser confuso, eu realmente estava frustrado. O final de semana passou voando mais uma vez, eu mal tive tempo de respirar e já estava na escola novamente. E o pior de tudo: eu passei esses últimos dias ajudando a minha mãe com a sala de leitura e quebrando a minha cabeça para finalizar o desenho de Sunghoon que eu teria que apresentar na próxima aula, depois desse intervalo.
Naquele exato momento, eu estava em um canto isolado da biblioteca, encarando o papel com o meu desenho e pensando em cada julgamento que o professor poderia fazer caso não gostasse. Mas eu havia tentado o meu melhor, até assisti tutoriais (úteis) que me fizeram chegar em um resultado melhor do que eu esperava.
Mas havia um pequeno problema...
O desenho estava mais semelhante com o Sunghoon dos meus sonhos do que com o meu colega de aula, e eu sentia que isso havia acontecido pelo fato de eu não ter trabalhado em detalhes. Ele era simples e ao mesmo tempo delicado, exatamente como eu encontrava o garoto ao pegar no sono.
— Você 'tá bem, Sunoo? — uma voz feminina me faz despertar de meus pensamentos, me dando conta de que se tratava de Shin Yuna. — Chamei você duas vezes. — ela ri fraco e eu vejo seus olhos seguirem até meu desenho em cima da mesa.
— Eu? Estou sim. — fechei o caderno com o meu desenho dentro e abri um sorriso desajeitado para a garota, ela agora havia ocupado a cadeira em minha frente. — Me desculpa, eu só estava... pensando. Tenho muitas coisas 'pra fazer hoje.
A garota afirma com a cabeça, compreensiva.
— Eu imaginei que iria encontrar você aqui, de novo. — ela entorta os lábios em um pequeno sorriso, parecendo um pouco apreensiva. — Eu queria mesmo falar com você.
— Comigo? — arqueei as sobrancelhas — Pode falar.
''Por favor, nada de informações demais.''
era a única coisa que se repetia em meus pensamentos.
— É sobre a última sexta, no passeio. — ela começa. — Eu mal falei com você, não é? Me desculpa por isso, minha amiga é um pouco complicada. Sei que eu e você conversamos sobre o planetário, dias atrás.
— O quê? — eu ri fraco. — Relaxa, eu percebi que o clima com ela não parecia muito legal.
— Mas me senti péssima de todo jeito, principalmente pela Jang-Mi. — ela respira fundo. — Eu não ando sendo uma das melhores amigas do mundo.
— Ela comentou... que vocês eram amigas. — passei a mão em minha nuca, recebendo um olhar curioso da garota.
— Você sabe sobre ele? — ela é direta em sua pergunta, não precisando especificar de quem ela estava falando.
— Eu acabei ligando os pontos, na verdade.
Era óbvio que estávamos falando sobre o rolo entre Jake e Jang-Mi.
Eu nunca senti um climão tão gigante entre duas pessoas como eu senti entre eles, na última sexta-feira. Se eles não fossem cuidadosos, eu não iria ser o único a ligar os pontos. O australiano e a garota tiveram a sorte de estarmos em um grupo maior de pessoas naquele dia, então não foi tão fácil de notar a troca de olhares. Mas Sunghoon foi quem mais me deixou indignado, ele nem chegou perto de perceber o que estava acontecendo na mesa, mesmo sem parar de encarar a mim e seu melhor amigo. Um sonso total.
Mas no final deu tudo certo, cada um seguiu o seu caminho e nenhum problema foi criado em cima disso.
— Eu entendo e não entendo a Jang-Mi, sabe? A Yeji a tratava meio mal, mas foi baixo ela ter beijado o Jake. — ela respira fundo novamente. — Eu juro, Sunoo. Não aguento mais ouvir tanta reclamação sempre que trombamos com a Yang na escola.
— Eu não sei como eu reagiria se alguma amizade minha beijasse a pessoa que eu gosto, ou um ex-namoro. — eu soava pensativo. — Eu provavelmente sofreria em silêncio. — ri fraco, sem muito humor.
— Infelizmente não é como ela reage. — a garota fala, cruzando os dois braços em cima da mesa. — Ela não consegue ser silenciosa demais, e se ela for... você precisa se preocupar. — Yuna dá uma pausa, e então, me encara. — Sabe de uma coisa?
— O quê? — eu estava curioso.
— Até agora, ela não fez nada além de reclamar, o que já é algo preocupante. — ela faz uma breve careta. — O seu amigo disse alguma coisa 'pra você?
— Qual amigo?
— O Sunghoon.
— Ele só disse que ela o irritou. — falei. — Por quê?
Ela fica em silêncio novamente, pensando um pouco antes de falar:
— Eu não sei, só acho que tem alguma coisa estranha. — ela responde, enfim. — Tem alguma coisa entre eles que a Yeji não quer me contar, pensei que você pudesse saber.
— Por que eu saberia? — arqueei as sobrancelhas.
— Porque vocês são próximos, não são? Vi você dormindo no ombro dele... no ônibus.
Merda, merda, merda.
Eu estava torcendo para isso ter sido apenas alguma mentira do Heeseung, mas realmente aconteceu.
— Isso não quer dizer nada, na verdade. — dei de ombros, mudando logo de assunto. — Mas o que exatamente você acha que os dois estão escondendo?
— Eu não sei, mas sei que ela pretende fazer alguma coisa agora que o Jake voltou. — ela batuca os dedos na mesa. — E as chances de isso envolver a Jang-Mi também são grandes.
Eu estava mesmo querendo saber onde a garota estava tentando chegar, mas ela apenas soltava mais informações que me deixavam com um ponto de interrogação enorme em meu rosto, mas ela continuou:
— Eu me preocupo com a Yang, por isso 'tô aqui. — ela me encara. — Se você souber de alguma coisa, pode me falar. Quero impedir que a Yeji tome alguma atitude estúpida e se arrependa depois.
— Tudo bem. — suspirei. — Eu sou amigo do Jungwon, então se isso envolve a irmã dele, eu também me preocupo. — dei um sorriso fraco, segurando firme em meu caderno. — Pode me contar também caso acabar sabendo de algo, vou tentar me informar, mas não prometo nada.
— Certo. — a garota sorri de volta. — Me desculpa por encher você com esses assuntos, de verdade. Não queria envolver você nisso, mas eu precisava saber.
— Somos amigos, não é? Então fica tranquila, 'tá tudo bem.
Não estava tudo bem.
Mas eu não iria dizer nada disso.
Que merda o Sunghoon estava escondendo com a Yeji? Já não bastava eu saber sobre o Jake escondendo um segredo de um amigo? Agora eu teria que saber sobre o Sunghoon também?
Mas eu não acreditava que o Sunghoon faria algo assim, não com alguém que o deixava morar em sua casa, e ainda por cima, fosse seu melhor amigo. Eu ainda não sabia como me sentia sobre Park, mas minha perspectiva sobre ele havia mudado muito desde o tempo que ficamos juntos no planetário, mesmo que eu ainda o ache meio cabeça dura, um pouquinho irritante e também insistente demais.
E mesmo que eu não acredite que ele faria algo, bem lá no fundo, eu realmente não queria acabar me decepcionando.
— Você vai ficar aqui até o final do intervalo? — questionei a garota que ainda estava sentada em minha frente.
— Eu não sei, não temos muito tempo de qualquer forma. — ela dá de ombros, rindo fraco.
E então, nós passamos o resto do intervalo ali, conversando sobre assuntos que surgiam de repente e até sobre os dias em que costumávamos frequentar a biblioteca, mas não nos falávamos.
Minha amizade com Yuna parecia como uma daquelas que evolui aos pouquinhos, não deixando de ser algo bom, natural e tranquilo. Ela era boa de papo, principalmente quando o assunto eram livros de terror, que eu descobri naquele momento ser a categoria favorita da garota.
***
O intervalo já havia terminado e agora eu estava sentado no único lugar que havia sobrado para mim.
Antes mesmo de o professor entrar na sala, todos já haviam arrumado suas carteiras em um círculo, deixando o meio da sala livre para a dinâmica que iríamos fazer. Já que o período de artes era curto, assim ganharíamos mais tempo.
A divisão das aulas da semana eram sempre as mesmas, mudando somente a ordem delas, ou seja, se semana passada tivemos o terceiro horário de artes, hoje ela seria no quarto horário. E eu ainda não havia entendido o motivo disso, mas era algo único da Wall School.
— Muito bem, pessoal. Ainda bem que vocês já ajeitaram as coisas! Assim ganhamos mais tempo. — a voz do professor ecoa pela sala quando ele passa pela porta e deixa seus materiais em cima de sua mesa, o homem parecia animado. — Todos aqui fizeram os desenhos, certo?
Ele passa um olhar julgador por cada aluno daquele círculo, recebendo olhares inocentes e culpados de vários alunos. De frente para mim, Heeseung e Jake estavam com um sorriso orgulhoso, provavelmente por terem tudo pronto desde semana passada. Um pouco ao lado, Jungwon se mantinha em silêncio, enquanto Jay parecia rabiscar algo com pressa em uma folha. E enfim, meu olhar parou em Sunghoon, que estava me encarando, parecendo curioso.
— Vou levar isso como um sim. — o professor diz, caminhando do meio do círculo até a cadeira dele, onde se sentou. — Vai ser exatamente como eu falei, vocês irão até o centro, irão mostrar o desenho de vocês e então explicar a sua interpretação. E por favor, falem mais do que apenas uma frase, vocês precisam saber se comunicar. Comunicação também é arte.
Ele abre um pequeno sorriso e junta as duas mãos, fazendo um pequeno barulho na sala de aula, agora silenciosa.
— Certo, quem vai primeiro?
— Eu vou, professor. — Jungwon levanta a mão, recebendo um olhar assustado de Jay, que provavelmente esperava ter mais tempo até precisar apresentar.
— Tudo bem, Jungwon. A sua dupla é logo depois de você.
Yang concorda e se levanta de sua carteira, segurando o desenho em mãos.
O garoto de cabelos escuros então vira a sua folha, mostrando seu trabalho para toda a turma: era um desenho de Jay. Em volta dele, havia detalhes com várias coisas que o meu amigo gostava, mas em destaque estavam: videogames, um skate e o que eu acreditava ser o logotipo da Versace. Jongseong era muito fã de moda.
— A minha dupla é o Park Jongseong, professor. — ele inicia. — No começo, era apenas um desenho simples dele, mas acabamos nos aproximando por causa da escola e eu decidi adicionar alguns detalhes e informações que aprendi sobre ele na última semana. — ele segurava sua folha em frente à própria barriga. — E a minha interpretação sobre a atividade foi essa: observar a pessoa. Sem observar alguém, isso se torna apenas mais um desenho sem significado, ou vazio.
Todos aplaudem quando Jungwon termina, assim como o professor que parecia satisfeito com as palavras do representante da turma. Já o meu amigo, Jay, estava animado com o desenho que Yang havia feito dele, provavelmente não se lembrando que ele seria o próximo a apresentar também.
— Sua vez, Jongseong — a voz do professor faz a turma ficar em silêncio novamente.
Jay se levanta e segue até o centro da sala quando Jungwon volta para o lugar em que estava sentado antes.
Eu conhecia o Jay há anos, então eu sabia o quanto ele não estava confortável em ter a atenção de todo mundo, isso era algo que seu rosto também entregava.
Ele era provavelmente o mais reservado do nosso grupo, e eu percebia o quanto o garoto se cobrava por não conseguir atingir as melhores notas na escola. Park sempre reforçava que não era assim propositalmente, ele falava isso até para os professores, que sempre o incentivavam quando percebiam o esforço do garoto. Jay odiava qualquer tipo de atenção demais exatamente por conta disso, ele não suportava a ideia de ter pessoas o julgando mentalmente.
Somos parecidos quanto a isso.
— A minha dupla é o Yang Jungwon, como vocês viram. — Jay começa a falar. O garoto encara o papel em suas mãos por alguns segundos, e enfim, mostra para todos na sala de aula.
Jay havia desenhado apenas dos olhos de Jungwon para cima, na cabeça de Yang, havia uma coroa de flores. E diferente de Jungwon, o desenho de Jay não era nada colorido, era apenas a cor de seu lápis, algo agradável de se ver.
— Os olhos são a primeira coisa que eu reparo em uma pessoa. — a voz do garoto sai baixa, mas não era algo para se preocupar, a sala continuava um silêncio total. — O olhar diz muito sobre uma pessoa e demonstra vários sentimentos com apenas uma pequena mudança de expressão. — ele força um sorriso em direção do professor, e o engraçado disso, era o fato dos olhos de Jay estarem entregando o quão ansioso ele estava para sair dali. — Amor, raiva, medo, tristeza e felicidade... eu acredito que os olhos também são arte.
Jay finaliza e solta um longo suspiro, recebendo aplausos de todos da sala.
— Estou impressionado, Jongseong. — o professor balança a cabeça várias vezes enquanto entorta os lábios e anota em seu caderno. — Gostei da sua finalização.
— Obrigado, professor. — Jay se inclina em uma reverência ao mais velho e logo volta para sua carteira, afundando na mesma ao se sentar. Jake estende a mão em punho para o garoto e os dois fazem um pequeno toque. Jungwon também faz um sinal positivo com o dedão para ele, sorrindo.
E a dinâmica continua.
Faltavam muitas duplas ainda, e eu me sentia tranquilo quanto a isso, eu achava melhor que outras pessoas fossem antes de mim, assim eu me sentiria mais confortável em compartilhar minhas perspectivas com pessoas que preciso conviver todos os dias. E eu sequer havia ensaiado o que eu iria falar.
— Tudo bem, vamos continuar. Quem se candidata a ir agora? — o professor larga o lápis na mesa e encara todos ali. — Não me façam escolher.
Meu olhar seguiu até Sunghoon, do outro lado do círculo. O garoto me encarava também, e assim como Jay havia comentado há minutos, os olhos do garoto deixavam bem claro que ele pretendia tomar uma atitude sobre a pergunta do professor.
''Não.'' Movi os lábios sem que um som saísse entre eles, negando com a cabeça várias vezes para Sunghoon.
O garoto sorriu com diversão, fazendo exatamente o oposto do que eu havia pedido quando levantou a mão e falou:
— Eu vou, professor.
— O aluno novo. — o homem diz, animado. — Gosto quando vocês se posicionam. Fique à vontade.
Sunghoon não demorou para levantar-se de onde estava e seguir até o centro. Ele não parava de me olhar nem por um segundo, e eu esperava que ele soubesse o quanto eu estava o xingando mentalmente por não ter esperado nem que mais algumas duplas fossem em nossa frente. Na verdade, eu tinha certeza de que ele sabia, o sorriso em seu rosto o entregava completamente.
— Kim Sunoo é a minha dupla. — ele é direto, mostrando o seu desenho para o resto da sala.
Mas o desenho era diferente do que ele havia feito semana passada. E quando eu digo diferente, eu realmente quero dizer isso. Sunghoon havia feito algo muito mais realista e trabalhado, não algo que se faz em apenas 15 minutos.
Será que eu era o único amador naquela sala de aula?
— No começo, meu desenho era outro. — ele ri fraco. — Mas eu sou um pouco crítico demais quanto as coisas que eu desenho, então me dediquei um pouco nisso. Acredito que isso já responda um pouco sobre a minha interpretação dessa atividade. — Sunghoon olha para o desenho mais uma vez, e então, vira o rosto em minha direção. — Desde o começo, o Sunoo parecia uma pessoa difícil de ler. — ele dá uma pausa. — E eu ainda acho isso, na verdade. Mas ele me disse uma coisa nos últimos dias que me fez pensar bastante.
— O que ele disse? — o professor pergunta, curioso.
— ''Talvez você só não tenha encontrado o seu conforto ainda.'' — ele repete a frase que eu havia dito no planetário, e eu arqueio as sobrancelhas. — Ele me disse isso depois de eu comentar sobre não sentir tanto interesse ou animação em alguma coisa específica. E depois de pensar muito, eu cheguei na conclusão de que isso sempre esteve bem embaixo do meu nariz... — ele faz uma careta, rindo sem graça. — O meu conforto sempre foi desenhar.
Sunghoon diz, simples assim, e continua:
— Esse é o motivo do meu desenho ser apenas ele, e de uma forma mais realista. — Sunghoon já não me olhava mais, agora seu olhar estava perdido na sala de aula. — Os últimos dias me fizeram enxergar um pouco mais dele. E mesmo sendo apenas 1%, foi o melhor que eu consegui, professor. Como eu disse, ele é difícil. — ele ri fraco.
E então, Sunghoon finaliza, recebendo aplausos como os outros haviam recebido também.
— Esse último passeio aproximou a turma inteira pelo jeito, não é? Isso é bom, eu queria mesmo ver esse lado de vocês, por isso pedi que não fizessem duplas com quem costumam conversar todos os dias. — o mais velho explica, e então sua atenção vai toda para mim. — Sunoo, sua vez.
Eu ainda estava sem reação com as palavras de Sunghoon, não sabendo descrever exatamente o que eu estava sentindo.
Okay, tudo bem.
Eu estava querendo me esconder.
Era completamente estranho conviver com esse garoto e a mistura de sentimentos que suas palavras me causavam, ainda mais quando eram ditas em frente de todas essas pessoas, incluindo meus amigos. Eu acho que nem eles tinham essa ideia de que eu e Sunghoon havíamos conversado sobre mais coisas naquele passeio. E nem eu esperava que uma simples frase o faria refletir tanto, eu só estava realmente feliz por ter visitado o planetário.
Mas eu gostei mesmo de saber sobre a interpretação dele, eu acho.
Quando me levantei com o meu desenho em mãos, encarei o papel uma última vez antes de seguir até o meio da sala, me preparando mentalmente para falar sobre quem eu havia tentado, com muita falha, fugir há semanas. Meus olhos passaram por todos que estavam sentados naquele círculo, parando em Sunghoon, que tinha uma expressão curiosa e ao mesmo tempo divertida em seu rosto, ele provavelmente estava mesmo se divertindo com aquilo.
— A minha dupla é o Park Sunghoon. — falei, e assim como os outros haviam feito, mostrei o meu desenho, mesmo receoso. — Eu não sou a pessoa mais talentosa do mundo, mas, me disseram que o perfeito não existe. — dei um pequeno sorriso em direção do professor. — O desenhei dessa forma porque...
Confesso que eu não sabia explicar exatamente o porquê, pelo menos não sem parecer um maluco. Então eu travei.
— Porque é assim que eu o enxerguei pela primeira vez. — falei aquilo tão automaticamente que até eu havia me impressionado. — É... acho que essa foi a minha primeira impressão do Sunghoon. — levantei um pouco o meu desenho, evitando encarar Park. — Essa pessoa é ele, mas sem detalhes. Acredito que depois que você começa a conhecer uma pessoa de verdade, os detalhes vão aparecendo aos poucos, e essa é a interpretação que eu tive e quis passar com esse desenho.
Tudo o que eu falei havia sido verdade, menos a última parte. O desenho saiu daquela forma porque a minha cabeça ainda não conseguia diferenciar o sonho da realidade, mas eu estava trabalhando nisso sozinho.
— É uma interpretação um pouco diferente da sua dupla, não acha?
O professor questiona, fazendo uma sensação estranha passar por meu corpo, principalmente em minha barriga. Ele não havia julgado nenhum desenho até agora. Pelo menos não negativamente.
— Mas eu gostei. — o homem completa, me fazendo sorrir aliviado. — Isso mostra uma quebra de sintonia, um outro lado, sabe? É interessante.
Concordei com a cabeça e imediatamente procurei por Sunghoon, vendo que o garoto agora não possuía mais o mesmo sorriso de antes, ele somente observava a conversa enquanto tinha os dois braços apoiados na mesa, sem expressão.
E assim finalizei minha apresentação, recebendo aplausos também, não parando para prestar atenção em mais nada quando voltei a me sentar em minha carteira, respirando fundo ao me afundar nela.
Mais alunos se apresentaram depois de mim, e mesmo aquele período de aula sendo curto, ele foi útil, deu o tempo certo para que todos se apresentassem. E foram muitas interpretações diferentes, eu realmente consegui entender onde o professor queria chegar com isso: ele queria mostrar as variações da arte e que aquela atividade não precisava ser exatamente da forma que ele havia descrito, mas sim como cada um havia interpretado.
Quando tentei algum contato visual com Sunghoon novamente, o garoto estava conversando com Kim Yu-mi, a garota que costumava pedir informações sobre livros para mim antes de começar a focar mais em seus estudos.
Respirei fundo, fitando o meu desenho em cima da mesa uma última vez antes de fechar meu caderno com ele dentro, e enfim, o professor se posicionou após todos terminarem suas apresentações:
— Quero agradecer a quem se dedicou hoje nas apresentações, vocês tiveram um ótimo desempenho. — o homem falava com animação. — E é isso por hoje, pessoal. Espero que vocês tenham uma boa semana.
Todos agradecem o professor, e segundos depois, o sinal para a próxima e última aula toca.
Teríamos aula de matemática, então todos os alunos começaram a ajeitar suas carteiras em seus devidos lugares. E eu estava torcendo para tudo terminar logo, eu odiava qualquer aula da área de exatas.
***
— Você marcou um horário certo com eles, filho? — minha mãe pergunta enquanto eu terminava de guardar as compras no armário da cozinha.
— Sim, mãe. Eles vão chegar as sete horas. — respondi e guardei a última compra, logo fechando o armário e me virando para mais velha, que cortava algumas verduras em cima de uma tábua específica para isso.
Hoje é o dia em que minha mãe decidiu chamar os meus amigos para jantar aqui em casa.
Nós conseguimos finalizar a sala de leitura nesse último final de semana, mas minha mãe não quis aceitar a ajuda dos meus amigos. Segundo ela, isso não era trabalho para visitas e ela queria os agradar por serem meus amigos, e causar uma boa impressão.
— Ótimo. — ela sorri, animada. — Vou caprichar no jantar, espero que eles gostem. Faz um tempo que não cozinho para mais pessoas desde que seu pai viajou à trabalho.
— Sua animação faz até parecer que eu não costumo ter amigos, mãe. — eu ri baixo. — O meu pai vai continuar fora por quanto tempo?
— Ele me disse que voltaria em algumas semanas, provavelmente.
O meu pai trabalha com jornalismo, então não o vejo em casa com tanta frequência assim. Mas nem sempre as coisas foram desse jeito, só passaram a surgir mais oportunidades e ele achou que poderia ser algo bom financeiramente para a nossa família, pelo menos eu lido bem com isso.
— Espero que não demore muito. — fiz uma pequena careta, me desapoiando do balcão atrás de mim e me aproximando da mesa em que minha mãe estava. — Acho que vou tomar um banho rápido enquanto eles não chegam.
— Qualquer coisa eu os recebo por você. — ela sorri fraco enquanto terminava de cortar as coisas.
Em segundos eu já subia as escadas até o meu quarto, não demorando para separar algumas roupas e seguir até o banheiro que ficava no mesmo corredor que o meu quarto, no segundo andar. Todo esse processo levou no máximo uns cinco minutos, que se tornaram vinte do momento em que eu entrei dentro do box até o momento em que eu saí, enrolado com a toalha em minha cintura. Em seguida, caminhei até o pequeno balcão que ficava de frente para um espelho, encarando meu reflexo e respirando fundo antes de começar a vestir as roupas que eu havia separado para mim.
E realmente vinte minutos haviam se passado quando eu saí de dentro do banheiro após estender minha toalha. E foi nesse momento em que eu escutei vozes familiares no andar de baixo, o que me fez rir sozinho, sabendo que se tratava de meus amigos sendo estranhamente pontuais.
— Olha só, se não é o garoto que não recebe os próprios amigos em casa. — Heeseung nega con a cabeça quando me vê descendo as escadas, me fazendo revirar os olhos de forma divertida.
Todos que estavam presentes ali já eram rostos familiares para a minha mãe: Heeseung, Jay e Niki. Os três estavam reunidos na sala, provavelmente por indicação da minha mãe, que agora apareceu apoiada na porta que dava acesso à cozinha.
— Desde quando vocês são pontuais assim? — eu ri baixo. — Até parece que minha mãe não conhece vocês.
— Sempre somos pontuais quando o assunto é comer a comida da Sra. Kim. — Niki diz, lançando um sorriso inocente para minha mãe, que acha graça.
— Bom saber disso, espero que não deixem nada sobrar, viu? — minha mãe diz, com humor. — E quanto aos outros meninos? São três, não são?
— Eles devem estar a caminho, o Jungwon mora perto da casa deles. Aquela que a senhora nos levou aquele dia, lembra? — Heeseung pergunta para a mais velha.
— Ah, claro. — ela balança a cabeça em afirmação. — Mas casa deles? Eles são irmãos?
— Longa história, tia Kim. — Niki diz, ele era o único que chamava minha mãe assim.
— O Sunghoon mora com o Jake temporariamente, problemas com os pais. — Jay faz um breve resumo, recebendo um olhar mais curioso ainda da mais velha.
Mas antes que o assunto pudesse continuar, o som da campainha se espalhou por todos os lados, fazendo um silêncio se instalar na sala quando todos se encararam.
— Provavelmente são eles, eu atendo dessa vez. — soltei uma risada fraca e me virei em direção da porta principal, seguindo até ela sem muita pressa.
Não me importei em olhar pelo olho mágico, apenas segurei na maçaneta e abri a porta, dando de cara com quem eu estava esperando: Jake.
Um sorriso se formou no rosto do australiano quando nossos olhares se encontraram. Ao lado dele estava Jungwon, que tinha o mesmo sorriso em seu rosto.
Mas nada de Sunghoon.
— Estamos muito atrasados? — o australiano questiona em um tom divertido.
— Nem um pouco, os outros meninos chegaram há pouco tempo também. Podem entrar! — dei espaço para que eles entrassem, segurando a porta atrás de mim.
Jake é o primeiro a passar pela porta.
E eu não iria perguntar, mas minha curiosidade falou mais alto quando Jungwon passou por mim, então questionei:
— O Sunghoon não vem?
— O quê? — Jungwon arqueia as sobrancelhas para mim, virando o rosto para o lado de fora como se estivesse procurando alguém. — Mas ele veio.
Passos rápidos se aproximam da porta quando o mais novo me responde, e assim, um Sunghoon ofegante surge por ela.
— Eu... — ele respira fundo, levantando o braço e balançando a mão que segurava um celular. — Tinha deixado meu celular no Uber.
Jake gargalha ao ouvir as palavras do melhor amigo.
— Agora entendi o porquê de você ter ficado tão quieto do nada... você simplesmente não estava com a gente. — as palavras do australiano fazem Park revirar os olhos.
Sunghoon então repara em mim pela primeira vez. O garoto tinha a mesma expressão que ele tinha na sala de aula naquele mesmo dia, mudando apenas um mínimo e breve sorriso que deu em minha direção, acredito que aquilo havia sido uma tentativa de cumprimento.
— Pode entrar. — falei em um sussurro enquanto ainda segurava a porta, agradecendo mentalmente quando os três meninos finalmente entraram e eu a fechei.
Eu estava com a impressão de que a minha apresentação na aula de artes não havia agradado muito a Sunghoon, mas eu iria ignorar isso, pelo menos enquanto eu achar que isso não seja um problema real. Afinal, ele não viria até minha casa se estivesse irritado, eu acho.
Quando chegamos na sala, os meninos estavam discutindo sobre qual filme iríamos assistir após o jantar. Com ''os meninos'', eu quis dizer: Niki e Jay.
— Todo mundo já assistiu Harry Potter, Riki. Precisa ser um filme que ninguém assistiu ainda.
— Mas é um filme que nunca perde a graça. — o mais novo dá de ombros. — Mas tudo bem, você venceu, vamos assistir Pânico 5.
Heeseung, que não estava participando daquela conversa, largou imediatamente o celular quando notou que os garotos estavam me acompanhando até a sala.
— Finalmente, o Tom e o Jerry aqui já estavam começando a brigar. — ele aponta para Jay e Niki, rindo baixo.
— Como sempre. — Jake dá risada.
— Não vão me apresentar? — a voz de minha mãe surge da porta da cozinha novamente, a mais velha encarava tudo em silencio por todo esse tempo.
— Mãe... quase me esqueci. — falei quando nos aproximamos do sofá, me virando para os meninos e achando graça ao perceber que todos haviam mudado de postura quando perceberam a presença da minha mãe. — Esses são Jake, Jungwon e Sunghoon. — os apresentei, apontando para cada um ao falar seus nomes. — E essa é a minha mãe.
— Sou Kim Nabi. — ela se apresenta para os três, que fazem uma reverência um pouco longa demais. No sofá, Niki e Jay achavam a situação totalmente engraçada. — Prazer em conhecer vocês. — ela diz, simpática. — Eu queria muito me sentar aqui para conversarmos, mas tenho que terminar o nosso jantar. — minha mãe faz uma breve careta. — O Sunoo poderia mostrar a nossa sala nova enquanto isso, não é?
Os garotos concordam com a sugestão da minha mãe, recebendo um sorriso da mesma antes da mulher sumir pela porta da cozinha novamente, nos deixando sozinhos.
— Desde quando vocês três tem essa postura? — Heeseung dá risada após se certificar de que minha mãe não estava mais entre nós, recebendo um dedo do meio de Jake.
— A mãe do Sunoo parece um anjo, cara. — Jake se aproxima, dando algumas batidinhas em meu ombro. — Eu me senti intimidado.
— Eu também, eu me sentiria a pior pessoa do mundo se não passasse uma boa impressão a ela. — foi a vez de Jungwon, que arrancou risadas de todos.
— Tudo bem, vocês podem continuar apreciando a minha mãe enquanto eu mostro o quarto novo 'pra vocês. Me sigam. — falei em um tom divertido, seguindo até as escadas na esperança de que eles iriam me seguir, e foi exatamente o que aconteceu.
A sala de leitura ficava no final do corredor, duas portas depois de onde o meu quarto ficava. Quando virei a maçaneta, dei espaço para que meus amigos entrassem, e todos eles pareciam realmente curiosos com o lugar, me deixando um pouco feliz com aquela demonstração de interesse.
— Nossa, ficou realmente legal. — Jungwon comenta, o garoto agora se aproximava da enorme e única prateleira da sala. — Vocês fizeram mesmo tudo isso sozinhos?
— Fizemos. — eu ri baixo. — Foi cansativo, mas valeu a pena.
A sala não era tão grande assim, era realmente um espaço normal e agradável que eu poderia usar como um refúgio dentro da minha própria casa. Além da prateleira com os livros, eu havia enfeitado as paredes com capas de alguns dos meus álbuns favoritos, além de ter um quadro em destaque com uma ilustração do meu livro e filme favorito: Coraline. Era uma história tão complexa e interessante, eu passaria horas falando sobre suas teorias.
Além do quadro, uma televisão estava pendurada do outro lado da parede, assim eu poderia usá-la para ver filmes ou até escutar alguma música dependendo do tempo em que eu decidisse passar lá dentro. Tudo havia ficado do jeito que eu e minha mãe imaginávamos quando isso era apenas uma ideia sem futuro.
— Poderíamos assistir o filme aqui, não é? Já podemos inaugurar essa televisão. — Heeseung sugere, se se jogando no meio das várias almofadas que estavam espalhadas em cima de um tapete enorme e felpudo.
— Sabe o que também ficaria legal aqui? — Niki pergunta, me fazendo segurar um sorriso, deduzindo que ele falaria alguma besteira.
— O quê?
— Um pebolim. — ele diz, orgulhoso com a ideia. — Eu viria até aqui jogar com você.
— Vou pensar, Riki. Vou pensar. — neguei com a cabeça, rindo fraco. — Mas eu só poderia jogar quando vocês estivessem aqui, então acho difícil minha mãe concordar.
Meu olhar seguiu até Sunghoon quando eu terminei de falar. O garoto estava de frente para a prateleira, segurando um de meus livros em mãos e encarando ele em silêncio enquanto os outros meninos se distraiam juntos. E então, eu decidi fazer algo que eu ainda não tinha feito com ele desde que nos conhecemos na escola: tomar a atitude de falar primeiro.
Riki agora se intrometia em uma conversa de Heeseung e Jay, e eu aproveitei o momento para caminhar até Sunghoon, chamando sua atenção ao falar:
— Posso te emprestar ele se você quiser. — me referi ao livro em sua mão, se tratava de ''As vantagens de ser invisível.'', o primeiro livro que eu havia ganhado oficialmente no meu aniversário de 14 anos.
Sunghoon virou o rosto em minha direção, rindo pelo nariz ao fechar o livro, deixando-o no mesmo lugar em que estava na prateleira antes.
— Eu já assisti o filme, mas valeu. — ele sorri fraco e com os lábios juntos. — Sua sala é legal.
— Obrigado. — retribuí o sorriso, percebendo o quão estranho estava sendo aquela tentativa de diálogo, mas eu continuei. — Você entende melhor algumas coisas do filme se ler o livro.
— É o que sempre dizem, não é? — ele agora passava os olhos pelos livros da prateleira, não me encarando nem quando eu o respondi.
— Sim, são sim. — fiz uma breve careta, desistindo de tentar continuar uma conversa sem interesse.
Me afastei de Sunghoon sem dizer mais nada e segui até os meninos que estavam sentados nas almofadas, eles conversavam sobre jogos. O assunto provavelmente veio à tona depois da minha conversa com Riki. Eles estavam tentando decidir qual seria o jogo mais adequado para se ter em uma sala como a que estávamos, parecia até que eu havia concordado com a ideia, mas eu deixei a conversa continuar.
Depois de alguns minutos, estávamos todos, inclusive Sunghoon, deitados nas almofadas enquanto conversávamos. Jay estava tentando confirmar sobre uma festa que alguns alunos da 302 iriam fazer no próximo final de semana, e apesar de ter sido quem sugeriu que fôssemos em uma, Jake não parecia estar tão animado assim com essa que havia surgido. O motivo era óbvio: Yeji é aluna da 302.
— Vou tentar achar outra, cara. Mas essa vai ser a mais memorável, todo mundo vai. — Jay dá de ombros e guarda o celular no bolso.
— Espero que seja memorável mesmo. Pelo menos eu quero beber muito... — Jake faz uma careta, e de repente, o australiano coça a garganta assim que seu rosto muda completamente de expressão. — Beber refrigerante, não é? Eu descobri uma marca nova muito boa, cara.
Ninguém entende a reação do garoto, pelo menos não até percebermos que minha mãe havia acabado de parar na porta e nos encarava.
— Vim chamar vocês 'pra jantar, meninos. — ela dá um sorriso. — A conversa estava boa, não é? Mas a comida vai esfriar.
Pela reação da minha mãe, acredito que ela não havia escutado o que estávamos falando. Mas ela não era burra, então provavelmente estava fingindo que não havia entendido a rápida mudança de assunto.
Os garotos sorriram nervosamente enquanto se levantavam, e eu tinha a mesma reação que eles.
— Eu queria ouvir isso desde que cheguei aqui, Tia Kim. Sou o fã número um da sua comida. — Riki dá o primeiro passo ao passar pela porta, acompanhando a minha mãe até as escadas e salvando a pele de todos nós.
— Refrigerante, Jake? — Jay negava com a cabeça para o australiano, saindo indignado pela porta.
Jungwon e Heeseung logo saíram também, o mais velho da dupla precisava até limpar algumas lágrimas que saíram de seus olhos depois de segurar o riso por tanto tempo.
— Espero que a sua mãe não me odeie, Sunoo. Foi mal. — ele dá uma pequena batida em meu ombro, e então, sai pela porta também.
Eu sabia que aquilo não iria dar em nada, então realmente não me preocupei, até porque eu sabia que minha mãe confiava em mim e nas minhas escolhas de amizade. Ela nunca havia odiado algum amigo meu antes.
E quando dei um passo para seguir atrás dos meninos, Sunghoon impediu minha passagem ao apoiar a mão na lateral da porta. Eu recuei rápido, encarando o garoto e o ouvindo respirar fundo.
— Posso falar com você?
— Agora? — arqueei as sobrancelhas.
— Sim. — ele fecha a porta, me deixando mais confuso ainda.
— Sobre o quê você quer conversar? Daqui a pouco alguém pode subir aqui procurando a gente.
— Ou eu falo com você aqui, ou eu falo na escola. — ele dá de ombros.
— Tudo bem. — respirei fundo. Eu sabia que a minha curiosidade não me faria aguentar até lá. — O que você quer?
Sunghoon fica em silêncio por alguns segundos, o garoto se encosta na porta que havia fechado e por fim, cruza os braços, falando:
— Eu coloquei o meu primeiro piercing quando eu tinha 15 anos, mas fiz isso escondido dos meus pais. — ele fala, simples. — Mas depois disso eu cheguei à conclusão de que a minha real intenção não era esconder isso deles. Eu queria que eles me dessem atenção, mesmo que fosse de forma negativa. Mas eles não deram a mínima. — ele ri, sem humor. — Já os outros eu coloquei porque eu gostava mesmo, fiz por mim e não por eles.
— Por quê você 'tá me falando essas coisas? — eu não conseguia levantar mais as minhas sobrancelhas do que elas já estavam.
— Porque eu pensei que já havíamos passado dessa fase de ''conhecer'' o outro. — ele faz aspas com as mãos. — Mas já que não passamos, esses são os detalhes que você esqueceu de colocar no seu desenho.
— Isso é por causa da aula de artes? — o questionei, respirando fundo mais uma vez. — Eu realmente gostei de saber que ajudei você a pensar aquilo sobre desenhar.
— Mas você falou na escola como se eu não tivesse te contado absolutamente nada sobre mim. — ele ri pelo nariz e descruza os braços, se desencostando da porta também.
— Mas eu realmente não sei, não exatamente. — entortei os lábios, bufando. — Eu só não consigo entender o porquê isso te incomoda tanto, cara.
— Eu também não sei, Sunoo. E isso é irritante. — suas palavras me fazem arquear as sobrancelhas mais uma vez. O garoto jogou a cabeça para trás e soltou o ar entre os lábios quando me encarou novamente, se aproximando de mim. — É irritante 'pra caralho, e não é de você que eu 'tô falando.
— De quem você está falando, então? — o questionei.
— De mim. — ele me encarava sério. — Uma hora você parece gostar de mim, já em outra, você parece que não se importa. — ele nega minimamente com a cabeça. — E mesmo assim eu continuo tentando.
— E eu continuo achando que eu não mereço todo esse esforço, Sunghoon. — eu sentia o meu corpo muito agitado, e não sabia o motivo daquela reação. — Nunca tentaram tanto assim se aproximar de mim, e eu...
Alguém começa a bater na porta, me fazendo dar um pequeno pulo de susto. Sunghoon imediatamente me puxa contra ele, me colocando contra a porta e levando o dedo indicador até o meio de seus próprios lábios, indicando silêncio.
— Cara, vocês dois estão aí dentro ainda? — a voz de Nishimura sai abafada do outro lado da porta. — A tia Kim pediu para que vocês não demorassem muito, seja lá o que estiverem fazendo aí. — a voz do garoto sai desconfiada, e ele bate mais uma vez.
— Você precisa parar de achar que não merece algo. — Sunghoon ignora o garoto e sussurra para mim, seu rosto estava perto até demais. — E eu não faço a mínima ideia do porquê eu fico tão incomodado com você dizendo isso sobre si mesmo também.
Eu tranquei minha respiração quando subi meus olhos até os dele, sentindo o frio se instalar em minha barriga quando ouvi suas palavras. No mesmo segundo, Sunghoon abaixou o dedo de seus lábios e esticou o braço até a prateleira de livros ao nosso lado, pegando o mesmo livro que ele tinha em mãos há pouco tempo. O garoto havia feito tudo isso enquanto continuava com os olhos em mim, e eu já não lembrava se Riki continuava batendo na porta do outro lado.
— Eu queria de verdade conseguir não tentar me aproximar de você. — ele sussurra mais uma vez, se afastando de mim e pegando na maçaneta da porta, esperando que eu me desencostasse dela para abri-la, dando de cara com Niki.
— Que merda vocês estavam fazendo aí dentro? — a voz do japonês sai totalmente impaciente.
— O Sunoo não queria me emprestar o livro, foi mal. — Sunghoon diz, levantando o objeto em mãos e mostrando para o mais novo. — Eu precisei ameaçar ele aqui dentro, mas já resolvemos.
— Custava ter me respondido? — Nishimura faz uma breve careta.
— A porta estava literalmente destrancada, Niki. — Sunghoon aponta e solta uma risada fraca, negando com a cabeça e me encarando uma última vez antes de seguir até as escadas.
— Você 'tá bem, cara? — o mais novo pergunta ao se virar para mim.
Se estar bem significava que eu estava surtando internamente por não entender absolutamente nada do que acabou de acontecer, sim, eu estava bem.
Sunghoon me deixou parado igual um idiota dentro da sala de leitura.
Eu estava completamente confuso e com uma mistura de emoções correndo por todo o meu corpo, tentando fazer com que minha cabeça entenda e saiba separar todas as coisas que eu sentia por Sunghoon quando ele era apenas uma pessoa que não existia na vida real.
Ou na minha vida, para ser mais realista.
E se ele não sabia o porquê de não conseguir desistir de tentar se aproximar de mim, eu sabia exatamente quais eram os motivos que eu tinha para estar me mantendo cada vez mais longe. E isso era uma confusão total, porque assim como o professor de artes havia dito, estávamos em uma quebra de sintonia.
***
Chapter Text
Kim Sunoo.
— Vai mais devagar, você vai acabar caindo desse jeito. — reclamei para o garoto de cabelos escuros em minha frente. Ele escalava uma árvore e eu o acompanhava um pouco atrás, tentando não pisar em nenhum lugar errado que me fizesse cair.
— Sunoo... — ele dá uma pausa ao chegar no topo da árvore, se apoiando em um galho e então se virando para mim, estendendo sua mão para que eu segurasse. — O máximo que pode acontecer se você cair, é que você vai acordar.
— Exatamente por isso. — fiz uma careta ao segurar na mão do garoto, chegando no topo da árvore com sua ajuda. — Eu não quero acordar.
— Você sempre fala isso. — ele ri baixo. — Você deveria aproveitar mais. Esqueça o resto, Sunoo. — ele me dá espaço ao lado dele no tronco da árvore e levanta o braço ao apontar em direção da paisagem que estava em nossa frente. — Você consegue pensar em outras coisas mesmo estando de frente 'pra isso?
Quando me apoiei na árvore, segui o olhar para onde o mais velho apontava, e então, um sorriso não demorou para crescer em meus lábios, eu sentia o vento bater contra meu rosto.
Eu não fazia ideia de onde estávamos ou para onde deveríamos ir, eu apenas estava ali, em mais um de meus sonhos lúcidos.
Sempre que eu me tornava consciente de estar em um deles, não demoravam minutos para que a voz do garoto ao meu lado surgisse chamando por mim. E assim, eu e ele passávamos horas apenas vivendo as coisas mais incríveis e que nada no mundo real fosse capaz de me fazer sentir.
E agora, eu encarava uma das paisagens mais lindas de cima daquela árvore. Era uma daquelas imagens que você só pode encontrar em contos de fadas: a visão perfeita de uma ilha cheia de montanhas, nuvens e arco-íris... tudo isso cercado por um mar completamente azul e limpo. E eu tinha a sensação de que presenciava algo parecido com a Terra do Nunca, ou Terabítia, dependendo de cada interpretação.
Mas a minha interpretação dos meus sonhos era a mesma que eu tinha de Ponte Para Terabítia.
No filme, Leslie e Jesse fugiam para um mundo que eles criaram e, mesmo sendo somente imaginação, aquilo era o conforto deles, onde eles enfrentavam todos os seus problemas com a companhia um do outro naquele mundo mágico. E era assim que eu via aquele garoto, principalmente naquele momento onde minha vida estava um caos completo. Era a nossa conexão que me confortava, e eu não suportava a ideia de que todos os dias poderiam ser a última vez de nós em um lugar que apenas nós dois conhecíamos.
— Você ainda não vai me dizer o seu nome? Eu falei o meu. — virei o meu rosto para ele depois de ficarmos em silêncio por segundos, eu tinha um pequeno bico formado em meus lábios.
Ele ri.
— É melhor assim, por enquanto. — ele sorri para mim, se aproximando devagar de meu rosto, fazendo a sensação de borboletas no estômago se tornar presente. E quando eu encarei seus olhos com atenção, vi seu sorriso se entortar mais, e ele sussurrou: — Eu sinto que isso acaba me dando mais chances de te encontrar de novo.
***
Era o segundo horário da aula de educação física e toda a turma se encontrava espalhada pelo pátio da escola. Como tínhamos o horário livre, muitos estavam na quadra jogando futebol, enquanto outros se concentravam em uma pequena roda, jogando algum tipo de jogo que não seguia nenhuma regra do voleibol.
Eu não me encontrava em nenhum desses grupos. Na realidade, eu estava me sentindo completamente estranho e inquieto enquanto observava Heeseung e Sunghoon subindo em uma das árvores que ficavam atrás do prédio da Wall School.
— Se vocês dois caírem daí, eu juro que mato vocês. — gritei de onde eu estava, meu pescoço estava esticado enquanto eu olhava para cima. — É sério.
— Acho que a queda iria nos matar primeiro, Sunoo. — ouvi a risada de Heeseung lá de cima, acompanhada de Sunghoon.
— Por que não sobe também? — Sunghoon direciona a palavra a mim. — Da 'pra ver a escola inteira daqui.
— Porque eu não sou idiota. — fiz uma careta. — E porque é estranho demais ver você aí em cima. — sussurrei a última frase para mim mesmo, sabendo que era impossível me ouvir da altura em que os dois estavam.
Sentir como se já tivesse presenciado algum momento antes era um sentimento tão nostálgico, mas para mim, era uma mistura de sentimentos que eu não sabia explicar. E agora, vendo Sunghoon em um lugar que me trazia lembranças, me fazia perceber que tudo ainda estava fresco em minha mente, mesmo sendo algo que sonhei há muito tempo.
E as coisas só haviam ficado mais confusas desde o jantar em minha casa, dois dias atrás.
Depois que Sunghoon me disse todas aquelas coisas na sala de leitura, nós dois estávamos fingindo que nada havia acontecido. Ou melhor, ele estava fingindo que nada aconteceu e escolheu conviver comigo do mesmo jeito que as coisas estavam antes: eu e ele frequentando os mesmos lugares por causa das nossas amizades. Mas eu infelizmente não conseguia esquecer como me senti perdido com suas palavras confusas e sua mudança de comportamento, que só me deixava mais intrigado.
E apesar do climão que Jake havia deixado quando minha mãe quase escutou uma de nossas conversas, o jantar foi agradável e a mulher se encantou por todos os meus amigos, Jungwon em especial. Segundo a mais velha, ela havia sentido uma energia tranquila do garoto.
E quando eu pensei que me livraria de Sunghoon, minha mãe passou os últimos dois dias comentando sobre ele e Jake morarem juntos.
Naquela noite, depois que os meninos foram embora, eu expliquei para ela o porquê de Sunghoon estar na casa dos Shim temporariamente. A mulher ficou completamente indignada com os pais de Park, dizendo que ele era jovem demais para passar por algo como aquilo. E quando minha mãe cisma com alguma coisa, ela puxa o assunto sempre que pode, então ficou meio difícil não pensar nele nos últimos dois dias já que o assunto era sempre levantado.
Agora eu estava aqui, sentado em um banco debaixo de uma árvore enquanto Heeseung e Sunghoon desciam dela em desespero. Heeseung havia visto o professor caminhando em direção de onde estávamos.
— Tem certeza de que era ele? — Sunghoon pergunta quando pisa os pés no chão, o mais velho estava ofegante com o susto que ambos levaram.
— Tenho, cara. Mas acho que ele não viu a gente lá em cima. — Heeseung responde, se jogando ao meu lado no banco enquanto Park apoiava as costas na árvore, cruzando os braços.
— Então é melhor fingir que só estávamos aqui... conversando. — Sunghoon coça a garganta de forma exagerada e aponta com a cabeça para o outro lado.
O professor de educação física realmente caminhava em nossa direção.
— O que vocês três estão fazendo aqui atrás? E sozinhos. — ele tinha uma bola de basquete embaixo do braço e seu semblante era sério. — Vocês sabem que a regra é ficar apenas nas áreas permitidas, e aqui não é uma delas.
— Foi mal, professor. — falei, me levantando do banco em sincronia com Heeseung. — Mas não estávamos fazendo nada demais, eu juro. — tentei parecer o mais convincente possível, mas acho que aquela não era a melhor frase a ser dita.
— Eu imagino. — o mais velho, que tinha um olhar julgador, respirou fundo e se aproximou de mim, me fazendo dar um leve pulo de susto quando me entregou a bola de basquete. — Tem uma quadra livre do outro lado, vocês podem jogar por lá. Se forem rápidos, eu posso fingir que não vi vocês subindo aquela árvore.
Nós três nos entreolhamos no mesmo momento, e então, eu segurei a bola de basquete com firmeza, fazendo um leve cumprimento para o professor antes de sair. Em segundos, eu já caminhava apressado até o local que dava até a quadra indicada pelo mais velho, não percebendo o momento em que Heeseung e Sunghoon me alcançaram.
— Eu quase me ferro por causa de vocês dois. — eu quicava a bola de basquete no chão da quadra, e quando me virei, a joguei para Heeseung, que segurou.
— Você quem entregou tudo, falando daquele jeito. — Sunghoon diz e pega a bola das mãos de Heeseung, atirando-a na cesta mais próxima.
A bola entrou direto.
— ''Não estávamos fazendo nada de errado, professor.'' — Park muda o tom de voz para um que não era nada parecido com o meu, e eu o fuzilei com os olhos.
— Ele claramente já tinha visto antes mesmo de eu falar algo. — fiz uma careta e revirei os olhos devagar. — E a ideia de subir lá foi sua, então...
— Porra, vocês dois vão continuar implicando um com o outro o resto da semana? — Heeseung me corta, indo atrás da bola e quicando a mesma algumas vezes antes de arremessá-la em direção da cesta, assim como Sunghoon havia feito. — Eu não aguento mais.
Eu e Sunghoon nos encaramos, ignorando o que Heeseung havia acabado de falar.
Desde o começo, Sunghoon parecia ser muito confuso em relação a mim.
No primeiro dia, quando nos conhecemos, ele disse que me odiava e horas depois agiu como se estivesse se importando com o que eu havia comido ou não. Depois, ele veio com esse papo de que me faria gostar dele, até sobre Astronomia ele tentou aprender só para ser minha dupla no planetário. E agora, ele dizia não conseguir não tentar se aproximar de mim, isso tudo enquanto implica comigo desde aquele dia. Eu estava começando a desistir de entendê-lo.
— Relaxa, Heeseung. — Sunghoon ri, sem humor. A bola volta para a mão do garoto e ele a joga na cesta novamente. — Parei por aqui.
— Por favor. — Heeseung espera o rebote, e enquanto isso, eu os observo naquela troca de arremessos. — Já não basta eu ter que aguentar o meu pai de implicância comigo a semana inteira, ver vocês dois assim é no máximo frustrante. — ele faz uma careta quando arremessa a bola.
E ela não entra.
— Como assim? O que o seu pai fez? — juntei as sobrancelhas, me aproximando dos dois e pegando a bola que quicava em minha direção após bater em uma barra de ferro.
— Eu e ele discutimos no dia do jantar. — sua expressão não era a mais agradável. — Desde então ele não para de pegar no meu pé, ele quase me convenceu a não sair de casa naquele dia.
— Por que vocês discutiram? — Park agora se aproximava também, pegando a bola de minha mão enquanto tinha o mesmo tom de curiosidade e preocupação que o meu. O que me surpreendeu, porque até onde eu saiba, ele não estava ciente sobre a relação difícil de Heeseung e o pai dele.
— Porque eu descobri que ele entrou em contato com uma faculdade aqui de Odhen, me ligaram uns dias atrás perguntando se a visita estava de pé. — ele ri, incrédulo. — Ele acha que pode controlar até qual faculdade eu devo ir. — o garoto bufava, parecendo realmente frustrado. — O meu pai sabe que eu vou poder fazer as minhas próprias escolhas quando sair de casa, então ele quer continuar me prendendo aqui. E eu meio que... acabei dizendo tudo isso a ele.
— Você 'tá falando sério? — arqueei as sobrancelhas, fazendo uma breve careta. — Ele deve estar insuportável com você.
— Sim, cara. E eu sei que ele se importa comigo. Mas é foda, sabe? Não sou a merda de um fantoche.
A bola de minutos atrás começa a quicar novamente, Sunghoon pareceu ter feito isso por impulso.
— Essa foi a primeira vez que você disse tudo isso na cara dele? — Sunghoon pergunta, segurando a bola debaixo do braço agora.
— Sim. — Lee respira fundo. — As vezes eu queria que ele não desse a mínima 'pra mim, sendo sincero.
— Você se sentiria horrível da mesma forma. — A voz de Park faz meu olhar ir até ele, e o garoto entortava os lábios, parecendo pensar em algo.
Eu entendi no mesmo momento o que ele quis dizer com aquilo, e eu já não sabia se deveria me sentir mal por Heeseung ou por Sunghoon. Mas acho que era possível me sentir mal por ambos.
Enquanto um queria a atenção dos pais, o outro lado queria apenas ser invisível para o dele. Dois lados totalmente diferentes que acabavam compartilhando os mesmos sentimentos de angústia e tristeza. E aquilo não era uma competição para saber quem sofria mais, ambos estavam em situações de merda e que ninguém iria querer passar.
— Não quis dizer desse jeito, cara. Foi mal. — Heeseung tenta se recompor ao notar a expressão de Sunghoon.
— Eu entendi, relaxa. — Park sorri, sem muito ânimo. — Eu também já desejei o contrário do que você disse.
— Isso é uma merda. — Heeseung suspira. — Todo mundo deveria fazer uma boa terapia antes de pensar em ter filhos, assim os filhos não iriam precisar falar sobre eles em uma sessão.
— Várias sessões. — Sunghoon completa.
— Várias sessões. — Heeseung repete. — Enfim... — ele é o último a pegar a bola, se voltando para o outro lado. — Vamos 'pra outra quadra, daqui a pouco é a próxima aula e eu só quero que esse dia termine logo.
— Você não quer passar lá em casa depois da aula? — perguntei assim que nós três começamos a caminhar juntos em direção da outra quadra, era lá que o resto de nossos amigos estavam.
— Eu vou dormir na casa da minha tia hoje, mas valeu. — ele dá um pequeno sorriso em minha direção. — Aliás, eu nem sei se vou conseguir ir à festa de amanhã. Não sei até quando eu fico lá. E você sabe, o meu pai...
— Tenta ir, por favor. — fiz uma pequena careta. Heeseung era meu melhor amigo e eu me sentia muito mais confortável em qualquer lugar quando ele também estava, não era a mesma coisa sem ele. Ainda mais que: era ele quem lidava com as situações de uma forma muito melhor do que eu.
— Eu e o Jake podemos te dar carona, se for o problema. — Sunghoon sugere para o mais velho.
— Eu não iria contar que vou 'pra uma festa, se eu realmente for. Eu só diria que iria dormir na casa do Sunoo mesmo. — ele dá de ombros. — O problema é que agora ele 'tá muito em cima de mim e pode acabar não me deixando ir, mas vou tentar.
— Espero que dê tudo certo. — cruzei os dedos de ambas as mãos, vendo meu amigo dar mais um pequeno sorriso para mim e bagunçar meu cabelo, ele ria baixo enquanto negava com a cabeça.
E enfim, nós nos aproximamos dos outros meninos que estavam jogando futebol na quadra. Jay e Jake estavam completamente suados e jogados em um dos bancos, ofegantes de forma totalmente dramática. Enquanto isso, Jungwon bebia água tranquilamente, o mais novo estava parado ao lado do banco dos outros dois.
***
O intervalo havia começado há menos de 10 minutos, e agora eu me aproximava de uma das mesas da biblioteca, me sentando de frente para Yuna. Eu havia acabado de desistir de pegar um livro que eu pretendia começar a ler hoje e terminar daqui há alguns dias.
— Sinto que eu já li todos os livros interessantes desse lugar. — falei totalmente frustrado e deitei minha cabeça em cima dos meus braços cruzados. — E eu não consigo me concentrar em novos.
— Sunoo, você não procurou nem por cinco minutos. — a garota em minha frente solta uma risada fraca. — Quer dizer... você nem procurou, né? Apenas encarou todos os livros e voltou 'pra cá.
— É que eu já estou acostumado com o lugar, não preciso de esforço 'pra achar o que eu quero. — fiz uma breve careta, vendo Yuna semicerrar os olhos e se aproximar, me encarando séria.
— O que aconteceu? Desembucha.
— Como assim?
— Você parece irritado com alguma coisa, e está usando a biblioteca como desculpa. — ela fecha o livro que estava lendo e o empurra em cima da mesa. — A Daya literalmente recebeu novas doações de livros essa semana. É impossível você, Kim Sunoo, não ter se interessado por nenhum.
Talvez ela estivesse certa, mas isso era apenas um talvez.
Na verdade, eu estava incomodado com o fato de que Sunghoon passou a última aula inteira conversando com Yu-mi de novo. E eu sei, eu não deveria estar incomodado com isso, mas eu estava e muito. Eu não gostava de vê-lo tão próximo assim dela, e não era apenas uma conversa, os dois estavam flertando, eu tinha certeza. Ninguém ri daquela forma irritante no meio de uma aula de física.
Que inferno. Por que eu tinha que ficar tão incomodado só porque Sunghoon havia parado de me dar toda aquela atenção de dias atrás? Eu mesmo fiz com que isso acontecesse, então era tudo culpa minha. Mas eu infelizmente não conseguia controlar a merda dos meus sentimentos.
E eram óbvios os motivos de eu ter criado aquela barreira entre mim e ele: o rosto dele me lembrava demais de momentos que me faziam bem, e eu ainda não conseguia superar que tudo acabou. No final, eu tinha medo do quanto eu poderia me apegar a isso, para então tudo sumir de repente.
Era como eu já ouvi em algum lugar por aí: uma perfeita ilusão.
Mas eu confesso, eu estava um pouco arrependido de tê-lo afastado de mim daquela forma, mas eu não diria nada para Yuna, nem para ninguém. Muito menos para ele.
— Não aconteceu nada, é sério... — eu não soava nada convincente, mas não ligava mais.
— Você não vai mesmo me dizer? — Yuna entorta os lábios e leva a mão até meus cabelos, os bagunçando. Sua atitude faz uma careta aparecer em meu rosto, e então, minha postura volta a ficar reta na cadeira enquanto ela ri. — Pensei que fôssemos amigos, Kim Sunoo. — seu tom era de pura provocação.
— E somos. — apoiei as mãos na mesa, a encarando. — Você é quem está imaginando coisas.
— Certo, tudo bem. — ela se dá por vencida, levantando ambas as mãos em rendição.
Eu e Yuna passamos os últimos dias juntos, em todos os intervalos. As vezes conversávamos, já outras, ficávamos apenas em silêncio e lendo. Nenhum dos meus amigos gostavam de passar aquele tempo lá dentro, então como era algo que eu gostava, ter uma amiga era bom.
— Aliás, você vai na festa de amanhã, certo? — ela pergunta após alguns segundos em silêncio, parecendo realmente interessada e animada quanto a isso.
— Eu vou. — abri um sorriso. — Meus amigos só falam sobre isso, não me deixariam ficar em casa.
— Vai ser legal ver você lá. — a garota pega o livro que estava em cima da mesa e o segura em frente ao peito. — Espera... isso significa que o Jake vai, não é? — ela para de sorrir.
— Sim... — entortei os lábios. — Mas não acho que ele esteja procurando por algum problema, então fica tranquila.
— Acho que temos apenas uma missão amanhã, então. — ela ri fraco.
— Qual?
— Manter a Yeji longe do Jake e aproveitar a festa. — ela estende a mão em punho em minha direção, esperando que eu desse um pequeno soco contra ela.
— E se alguma coisa acontecer, eu vou apenas fingir que não é comigo. — eu ri baixo, dando um leve soco contra a mão da garota. — Porque realmente não é.
— E falando nisso, você não descobriu nada sobre aquilo que falamos? — ela questiona sobre a conversa que tivemos sobre Sunghoon e Yeji.
— Eu e ele não estamos nos falando muito. — não entrei em detalhes, mas respirei fundo. — Mas eu não vi nada demais até agora. Nada suspeito, sabe? E você?
— Eu também não. — ela diz, pensativa. — Ela só está do mesmo jeito, não querendo me contar muitas coisas.
Eu estava pronto para responder Yuna, mas algo chamou mais a minha atenção do que aquela conversa. E para ser mais específico, esse algo era uma voz.
Quando eu inclinei meu rosto para olhar entre os corredores, vi que Daya conversava com Sunghoon, que estava de frente para o balcão.
— Estranho, muito estranho. — sussurrei.
Yuna então arqueou as sobrancelhas, seguindo o meu olhar.
— O que ele está fazendo aqui? — ela pergunta.
— Como eu vou saber?
Minhas sobrancelhas subiram o máximo que puderam porque, após eu terminar de falar, Daya apontou em direção de onde eu e Yuna estávamos. E agora, eu e a garota estávamos presenciando Sunghoon caminhando em nossa direção.
— Finge que está falando comigo. — puxei o braço da mais velha em minha direção, fazendo ela se inclinar na mesa e seu livro deslizar até o outro lado.
— Mas eu estou literalmente falando com você. — ela sussurra após desviar o olhar de Sunghoon. — O que você está fazendo?
— Tentando ignorar ele. — sussurrei de volta, fixando meu olhar nela.
Eu e a garota estávamos com os rostos perto um do outro, como se uma fofoca estivesse sendo contada.
— Já te falaram o quanto você é esquisito? — ela tenta olhar disfarçadamente para o local de onde Sunghoon estava vindo. — Ele 'tá chegando.
— Esse livro é realmente incrível. — ajeitei minha postura, dando uma risada exagerada ao tentar agir normalmente e pegar o livro que havia deslizado pela mesa, mas eu nunca havia o lido. Era mais um desses livros de terror que Yuna gostava.
Eu realmente me odiava por estar agindo de forma tão patética, mas eu simplesmente não sabia o que fazer quando se tratava de Sunghoon. Eu queria conversar com ele, mas quando a conversa acontecia... eu queria fugir.
Estava em total fase de negação, e eu não sabia lidar com isso de jeito nenhum. Eu era patético, e estava envergonhado por isso.
— Posso falar com você? — Sunghoon é direto ao chegar na mesa em que estávamos, e eu já havia escutado aquela frase anteriormente. — Antes que o intervalo acabe.
O olhar de Sunghoon foi até Yuna por alguns segundos, e então, se voltou até meu rosto.
— Você veio aqui só 'pra isso? — arqueei as sobrancelhas e larguei o livro em cima da mesa.
— Por qual outro motivo eu viria até a biblioteca?
— Eu sei — revirei minimamente os olhos e encarei Yuna, que nos observava em silêncio. — Tudo bem por você?
— É claro, não tem problema. — ela diz rapidamente enquanto pega o livro que estava lendo, preparando para levantar-se, mas é interrompida por Sunghoon.
— Pode ficar, eu e ele vamos conversar lá fora. — ele apoia uma das mãos na mesa, seu corpo estava direcionado para mim, e ele sorri forçadamente. — Regras da Daya.
— Vejo você depois. — ignorei a encarada de Sunghoon e sorri para Yuna, que sorria de volta.
— Ou amanhã. — ela acena e se despede após eu me levantar da cadeira.
Sunghoon voltou a ter seu semblante sério quando se desencostou da mesa e se posicionou ao meu lado, me acompanhando até a saída da biblioteca. E nesse momento eu percebi que ele tinha um livro em mãos, o meu livro. Aquele que ele havia pegado da minha sala de leitura, há dois dias.
E eu sei que minutos atrás eu estava tentando fugir dele, mas como eu disse, eu estava arrependido. E confuso.
***
— Era realmente uma regra da Daya que não poderíamos conversar lá dentro? — perguntei ao chegarmos no pátio da escola, Sunghoon mais uma vez estava me arrastando para debaixo de uma árvore. Mas dessa vez, ela era pequena e o pátio estava bastante movimentado. O lugar era apenas um pouquinho isolado dos demais, mas nada exagerado.
— Não, mas eu não queria ficar lá. — ele dá de ombros e se senta embaixo da árvore, as costas apoiadas no tronco. Sunghoon agia como se tudo aquilo fosse normal e acontecesse todos os dias, fazendo sinal para que eu me sentasse também.
Eu hesitei, mas logo me sentei ao lado dele.
— Desde quando você é próximo daquela menina? — ele pergunta ao virar o rosto para mim. — Como é mesmo o nome dela?
— Yuna.
— Isso. — ele diz quase que em um sussurro. — Ela é amiga da Yeji.
— Eu sei... — me encostei no tronco da árvore atrás de mim. — Mas eu a conheci antes de saber de todas essas coisas. — comecei a arrancar a grama do chão ao meu lado, distraidamente. — Ela é legal.
— Não consigo imaginar alguém que conviva com a Yeji sendo legal. — ele faz uma careta.
— Você queria falar comigo 'pra falar sobre ela? — arqueei as sobrancelhas.
— Não... — ele umedece os lábios. — Eu só fiquei surpreso, vocês pareciam mesmo próximos. — pude notar seu maxilar travar, e então, ele olha para mim novamente. — Mas não é sobre isso que eu queria falar.
— Sobre o quê você queria falar, então? — perguntei, realmente curioso.
Sunghoon então estende o braço para mim, me entregando o livro de As Vantagens de Ser Invisível. Minhas sobrancelhas subiram mais uma vez naquele dia, e eu deixei o objeto em meu colo.
— Você leu tudo?
— Eu li.
— Em dois dias? — meu tom de voz aumentou um pouco.
— O livro não é grande, você acha que eu não conseguiria ler em um dia?
— Não é isso, eu só... sei lá, não pensei que você iria ler realmente. — dei de ombros, folheando o livro que estava em meu colo. — E por que você precisa me trazer até aqui só 'pra me entregar um livro?
— Sinceramente? — Sunghoon entorta os lábios. — Essa era a única desculpa que eu tinha 'pra falar com você.
Eu travei, vendo o garoto soltar uma risada fraca ao notar minha expressão, então ele continuou:
— Eu tentei ficar longe de você desde que conversamos na sua casa. — ele agora olhava para frente enquanto falava. — Mas é complicado quando nossos amigos são os mesmos.
Eu respirei fundo, fazendo uma careta quando virei meu rosto para ele.
— E por que você fez isso?
— Não é óbvio? — ele junta as sobrancelhas. — Você não queria mesmo se aproximar de mim.
Fiquei em silêncio por alguns segundos, agora também encarando a movimentação de pessoas que passavam por perto.
E depois de muita hesitação, eu falei:
— No dia do planetário... — sussurrei, voltando a puxar a grama do chão ao meu lado. — Você disse que só iria parar quando eu pedisse para me deixar em paz. Eu não lembro de isso ter acontecido.
Sunghoon logo voltou sua atenção até meu rosto novamente, mas como eu olhava para frente, não sabia qual era sua expressão.
— Eu só pensei que...
— Eu falei sério quando disse que ainda não te conhecia... não o suficiente. — agora eu fitava o chão, mais especificamente o lugar em que minha mão estava. — Mas isso não significava que eu não iria te conhecer, Sunghoon. Eu não pedi para você me deixar em paz. Você desiste tão fácil assim?
Eu não sabia de onde eu havia tirado tanta coragem para dizer aquelas coisas, mas as palavras saíram tão automaticamente que eu só tive tempo para me arrepender quando Sunghoon ficou em silêncio por muito mais tempo do que eu costumava ficar.
— Você é completamente complicado, Sunoo. — Sunghoon diz, e quando tomei coragem para me virar para ele, vi um sorriso no canto de seus lábios. O mais velho negava com a cabeça enquanto tinha os braços apoiados atrás do corpo. — Você diz uma coisa, mas parece querer o contrário. Eu não queria ser uma daquelas pessoas que... você sabe, forçam a barra.
— Você também é complicado. — mais um ato de coragem meu, ato esse que fez Sunghoon me olhar confuso. — Você disse todas aquelas coisas na minha casa e sumiu, além de ter começado a implicar com tudo o que eu faço desde então. E eu não sei por que você age assim.
— Bem, isso faz dois de nós. — ele entorta os lábios. — Também não sei o motivo de você ser assim... ou você só é introvertido mesmo. — ele dá de ombros. — Mas isso não explica você parecer me odiar as vezes.
Eu realmente era introvertido, o MBTI que eu mais me identificava era INFP, mas eu nunca fui muito afundo nisso, apenas fiz algumas pesquisas quando todos os meus amigos começaram a falar sobre isso, e eu não ficaria de fora do assunto.
Mas esse não era o ponto. Eu apenas não iria dizer para Sunghoon que o motivo de eu não me aproximar dele era porque, meses atrás, eu o encontrava em meus sonhos. Mas de qualquer forma, isso tudo já havia sido descartado há alguns minutos, quando eu disse não ter pedido para que ele me deixasse em paz.
Hipócrita? Talvez.
— Não sei o que dizer. — falei simples, soltando o ar pelo nariz quando encostei a cabeça na árvore atrás de mim.
— Tudo bem. — o mais velho usa as forças dos braços para pegar um impulso e se levantar do chão, batendo as mãos algumas vezes para retirar as folhas que grudaram em sua pele antes de estender a mão para mim. — Não vou desistir fácil, se é o que você quer.
— Eu não disse isso. — torci o nariz ao segurar na mão de Sunghoon, me levantando do chão com a ajuda dele enquanto minha outra mão segurava o meu livro. — Quer dizer... eu disse, mas sei lá... não necessariamente assim.
— Eu entendi, Sunoo. — o mais alto se divertia com minha confusão. — Não precisa se explicar.
— O que você achou do livro? — mudei brutalmente de assunto, soltando a mão de Sunghoon quando percebi que eu ainda a segurava.
Sunghoon soltou uma risada fraca com aquela mudança, e então, pensou por segundos antes de me responder:
— Foi mais interessante ler o Charlie descrevendo o que fazia ele se sentir infinito.
— Eu avisei.
— Eu sei. — ele ri, mais uma vez. — Você já sentiu isso antes?
— Se eu já me senti infinito?
Ele afirma com a cabeça para a minha pergunta, e eu respondo:
— Algumas vezes. — encarei o rosto do mais velho, me sentindo um pouco estranho ao lembrar que era em meus sonhos que eu costumava me sentir assim.
E enfim, o sinal que indicava o fim do intervalo tocou, fazendo o meu olhar e o de Sunghoon percorrer pelo pátio, vendo todos os alunos começando a se deslocar de volta para as salas de aula.
— O quê você vai fazer depois da aula? — ele pergunta, parecendo receoso.
— Vou direto 'pra minha casa, por quê?
— Quer ir em um lugar comigo? — sua pergunta me faz arquear as sobrancelhas, e então ele se corrige quando começamos a caminhar juntos até a sala de aula. — E o Jake. Ele também vai estar junto.
***
Eu não fazia a mínima ideia de onde eu estava.
Jake e Sunghoon me enfiaram dentro de um Uber, e agora, eu estava enxergando cada vez mais casas que valiam duas vezes o preço da minha, acho que até mais do que isso. E se eu achava que a casa de Jake era gigante, agora eu estava muito, mas muito mais assustado. Pessoas ricas me assustavam.
— É aqui que os ricos de Odhen se escondem? — sussurrei para Jake, que se sentava ao meu lado no banco de trás. Eu estava no meio, entre os dois garotos. — Vocês por acaso estão envolvidos com políticos? Onde estão me levando?
O australiano ri ao meu lado, me deixando mais perdido ainda.
— O Sunghoon não falou o que viemos fazer?
— Era 'pra ele ter me falado? — arqueei as sobrancelhas, virando o rosto para Park.
— Eu achei que a reação dele seria divertida. — Sunghoon diz para Jake, que ri mais uma vez após revirar os olhos.
E eles continuaram com aquele mistério. Park e Shim não me contaram nada, nem mesmo quando paramos em frente de uma casa que mais se parecia com um condomínio. Me deixando particularmente arrependido de ter aceitado vir.
— Se vocês não me contarem onde estamos, eu pego carona com o primeiro carro que aparecer. — falei firme, parando no meio do caminho em que estávamos depois de deixarmos o Uber.
Os dois então me olharam com diversão, porque no mesmo momento, me virei ao perceber que um carro estava mesmo passando na rua, e era uma Ferrari azul. E eu podia até não saber especificamente de qual modelo se tratava, mas aquilo era caro para um caralho.
— Essa casa é do meu primo. — Jake finalmente responde após ver o meu desespero. — Combinamos com ele de vir até aqui hoje, ele vai nos ajudar.
— O seu primo mora dentro disso daqui? — apontei com o dedo, em choque.
Eu realmente não fazia a mínima ideia do que a família Shim vivia, mas também não sabia que eles tinham tanto dinheiro, e isso me chocava ainda mais porque era totalmente fora da minha realidade. O que Jake estava fazendo no fim de mundo que era Odhen, se tinha todo esse dinheiro?
— Ele mora aqui sim, Sunoo. — o Australiano ri baixo, e então, toca a campainha várias vezes.
— O primo dele é um pouco caótico, então não se assusta. — Sunghoon diz ao se aproximar de mim, ele tinha ambas as mãos no bolso da calça e encarava o portão.
— Quantos anos ele tem? — perguntei enquanto tinha os meus olhos curiosos no lugar.
— Ele é só dois anos mais velho do que a gente, tem 20. — Shim responde, apertando a campainha mais vezes.
''Eu não sou surdo, Jake. Porra.'' uma voz surge de repente pelo interfone, me assustando por um segundo. ''Já 'tô descendo.''
— Anda logo, então. — Jake faz uma careta, soltando o botão da campainha.
— Como ele sabe que é você? — eu realmente não parava de fazer perguntas, mas era difícil não fazer naquele momento.
Jake então apontou com o indicador para uma câmera que estava apontada diretamente para onde estávamos. Meus lábios se entreabriram no mesmo momento, e eu concordei com a cabeça para indicar que havia entendido.
Segundos depois, um dos portões se abriu. Um carro preto saía da garagem enquanto ''Pick up the phone'' do Young Thug tocava lá dentro. Jake se aproximou do veículo e eu Sunghoon seguimos exatamente atrás do Australiano, observando o vidro do lado direito descer aos poucos, revelando um garoto de cabelos escuros e olhar um pouco intimidador; ele abaixou o volume da música ao nos ver.
— Quem é o amigo novo? — é a primeira coisa que ele pergunta, olhando diretamente para mim.
— É o Sunoo. — Jake aponta e se vira para mim. — Sunoo, esse é o meu primo, Yeonjun.
— Gostei do cabelo. — ele levanta o queixo em um cumprimento após me analisar.
— Obrigado, eu acho. — abri um sorriso fraco. E eu realmente gostava da cor atual do meu cabelo, mas já havia um tempo que eu repensava sobre ele.
— Porra, Sunghoon. — ele diz animado. — Eu falei que esse piercing transversal era uma boa ideia, ficou maneiro demais. — Sunghoon e Yeonjun fizeram um rápido cumprimento com as mãos.
E então eu percebi os piercings que o garoto também tinha. Um no supercílio, e alguns espalhados pela orelha.
— Vocês vão ficar aí me encarando ou vão entrar no carro? — ele faz uma careta depois de um tempo. — O Sunghoon vai na frente.
— Por que ele vai na frente? — Jake demonstra sua indignação.
— Jaeyun, eu já 'tô te fazendo um favor aqui. Então faz o que eu disser, por favor. — o garoto troca a música que estava tocando, me fazendo rir da expressão de ódio que Jake tinha em seu rosto.
Sunghoon se divertia também, principalmente quando entrou no carro e se sentou no banco da frente. Já eu e Jake apenas fizemos o que foi dito, entrando e nos sentando no banco de trás.
E naquela altura do campeonato, eu estava apenas seguindo os meus amigos, mesmo frustrado e sem saber o que exatamente estávamos prestes a fazer. Mas levou algumas músicas e algumas conversas entre os garotos enquanto Yeonjun dirigia, para eu respirar fundo e tomar coragem para perguntar:
— Já que o Jake e o Sunghoon não abrem a boca... — falei, vendo o mais velho me encarar pelo retrovisor interno. — Você pode me dizer exatamente 'pra onde e o que vamos fazer?
— Eles trouxeram você até aqui e não te falaram nada até agora? — o garoto olha feio para Sunghoon, que sorria amarelo. A atenção de Yeonjun então foi para mim novamente quando ele parou em um sinal fechado. — Os dois idiotas e menores de idade aqui — ele aponta com uma mão, segurando no volante com a outra. — Vão me fazer comprar mais de 100 bebidas 'pra uma festa de adolescentes que vai ter amanhã.
— Você fala como se fosse super velho, cara. — Jake revira os olhos ao meu lado. — E eu só vou levar porque perdi uma aposta, e infelizmente é difícil comprar tudo isso de bebida quando você ainda não é maior de idade.
— Então por que apostou? — Yeonjun volta a acelerar o carro.
— Você era muito pior do que eu no ensino médio, Yeonjun. — Jake dá risada.
— Era mesmo, e você não precisava de ninguém 'pra comprar bebidas, você fazia isso sozinho. — Sunghoon acompanha Jake nas risadas.
— Por isso vocês ainda tem muito o que aprender. — o mais velho sorri, orgulhoso. — Mais alguma pergunta, Sunoo?
— Se eu fosse você, eu não me perguntaria isso. Não agora. — falei enquanto tentava processar todas aquelas informações de uma vez só, não sabendo de qual eu achava graça primeiro, ou preocupante. — Mas tudo bem, desde que eu não me ferre, eu 'tô tranquilo. Sem mais perguntas.
— Gostei desse moleque. — Yeonjun diz, me fazendo dar uma leve risada. — E gostei mesmo do cabelo, me lembrou o Saiki Kusuo.
Eu acho que ele havia acabado de me comparar com um personagem de anime, o que me fez rir genuinamente. Eu realmente nunca havia pensado nisso antes, mas havia sido algo engraçado de se ouvir.
E depois de muitas conversas caóticas e histórias sobre as merdas que Yeonjun aprontava quando também estava no ensino médio, ele estacionou o carro em frente à uma distribuidora de bebidas, fazendo sinal para que Jake descesse também.
— Se eu entrar com todos vocês, eles podem achar estranho. — ele olha para trás e encara o uniforme que eu usava. — Principalmente com essa roupa. Então cuidem do carro aí, nós já vamos voltar.
Eu e Sunghoon concordamos com a cabeça, ficando sozinhos quando a dupla de primos abandona o carro e caminha até a distribuidora.
Minha perna imediatamente começou a balançar. Primeiro de tudo: eu ainda estava processando a conversa que eu e ele tivemos no intervalo, então eu não sabia como eu deveria agir a partir de agora. E segundo, Sunghoon estava me encarando pelo retrovisor, me deixando inquieto pelo silêncio constrangedor que se instalou no carro.
— Aquela menina vai amanhã? — sua voz me faz sair do transe, virando o rosto para o banco da frente em que ele estava.
— Quem?
— A sua amiga, a Yuna. — ele encosta a cabeça no banco, ainda me olhando pelo retrovisor interno.
— Ela vai, parecia animada até.
O silêncio entre as respostas um do outro era desconfortável.
— Então a Yeji vai também?
— Tudo indica que sim, já que elas são da 302. — respirei fundo. — Você está bastante curioso sobre elas, não é?
— Eu só 'tô garantindo menos problemas 'pro Jake. — ele dá de ombros. Seu discurso era quase o mesmo que o de Yuna. — No dia do passeio, lembra que ela me deixou irritado?
— Lembro sim.
— Então... — ouvi ele respirar fundo. — Ela quis insinuar que o Jake não me contava todas as coisas que fazia, disse até que eu poderia acabar descobrindo em outro lugar. — ele vira o rosto para mim dessa vez. — Por isso eu te perguntei se você sabia de alguma coisa lá no restaurante.
— E você descobriu o que era?
— Sim, o Jake me contou. — ele entortou os lábios, e então, lembrou que poderia ligar o rádio do carro, acabando com aquele clima silencioso quando ''Chanel'' do Frank Ocean começou a tocar na metade da música. E o volume estava baixo, mas mudou totalmente o ambiente.
— Eu descobri naquele dia também, mas sem querer. A Jang-Mi me contou. — falei em um sussurro, puxando a manga do meu uniforme por não saber o que fazer com as mãos. — O Jake deveria falar ao Jungwon sobre ele a Jang-Mi logo, o irmão dela vai ficar muito irritado se descobrir pela Yeji.
— Como assim sobre ele e a Jang-Mi?
Parei de mexer as mãos quando ouvi a pergunta de Sunghoon, subindo o meu olhar devagar até o garoto que me encarava com as sobrancelhas arqueadas. Porra, nós dois não estávamos falando sobre a mesma coisa.
Puta merda, Kim Sunoo.
Sunghoon continuou me encarando enquanto a música tocava, mas a porta logo foi aberta por Yeonjun, que se sentou no banco do motorista. O mais velho tinha a mesma animação de minutos atrás.
— Como é bom ser o mais velho, o idiota do Jake vai trazer tudo sozinho. — o garoto falava em um tom divertido, não percebendo que Sunghoon estava surpreso ao seu lado após a informação que eu havia acabado de soltar. — Aqueles caras nem verificam a identidade, vocês poderiam ter vindo sozinhos.
Eu fechei os olhos, me xingando mentalmente por ser tão desatento. E quando voltei minha atenção até o lado de fora, Jake realmente caminhava com duas caixas enormes em mãos. E diferente do que eu esperava, Sunghoon me encarou com uma expressão de quem estava muito confuso ainda, mas saiu do carro para ajudar o melhor amigo.
— Yeonjun...
— Fala, Sunoo.
— Você já aprontou várias coisas na escola, não é? — perguntei.
— Digamos que sim, por quê?
— Você já atropelou um estudante do ensino médio, de cabelo rosa e que levemente te lembra o Saiki Kusuo? — esbocei um sorriso para o mais velho.
***
Notes:
nem sei se alguém lê por aqui, mas vou continuar postando :)
Chapter 7: Euphoria
Notes:
Notas:
> !!! Alguns personagens citados nesse capítulo não irão agregar muito na história, mas foi necessário que eu os citasse.
> E eu fiz uma playlist com músicas que eu imagino que tocariam na festa, não é necessário que vocês escutem enquanto estão lendo, mas eu gosto de compartilhar com vocês :) link: https://open.spotify.com/playlist/1RHGa6cz1wmtY12ySFAXpa?si=hGqe3OhvSh2kQcQJwhgK_Qe
> E perdoem qualquer erro, escrevi esse capítulo pelo celular porque meu computador decidiu que não quer mais funcionar ):
#AttDejaVuBoa leitura!
Chapter Text
Kim Sunoo.
''Sunghoon, são quase três horas da manhã. Eu já falei, isso é a única coisa que eu sei.'' eu tinha o meu celular contra o meu ouvido enquanto estava em ligação com Sunghoon há mais de vinte minutos. O garoto havia me ligado horas depois de Yeonjun me dar carona até em casa.
''Mas você tem certeza disso? Eu só não entendo o porquê de ele não ter me contado.'' ouvi Sunghoon bufar do outro lado da linha.
''Você literalmente mora com ele, cara. Por que não vai até o quarto dele e pergunta?'' meu tom de voz era óbvio. ''E afinal, se não foi sobre a Jang-Mi que ele te contou, o que mais ele escondia de você?''
''Nada. Eu menti lá no carro.''
''Você o que?''
''Eu queria ter certeza de que você sabia de algo e não estava me contando.'' ele diz em um tom simples.
''Cara, você 'tá assumindo que me manipulou?'' perguntei, incrédulo.
''Manipular é uma palavra muito forte, prefiro chamar de: fazer o Sunoo me contar algo que eu não sei... mas eu acho que ele sabe.''
''Ou seja, manipulação.'' eu ri pelo nariz, ainda sem acreditar. ''Pelo menos agora eu não sou o único que sabe sobre isso.''
''E se realmente for verdade, não vai pesar tanto assim por ter sido algo que já passou. Mas a Yeji não pode abrir a boca antes do Jake contar.'' Sunghoon diz.
''Não acredito que eu vou passar essa festa tentando evitar que uma desgraça aconteça.'' respirei fundo.
''Você vai mesmo na festa?'' ele abaixa o tom de voz.
''Por que eu não iria?''
''Só para eu ter certeza. Assim eu deixo você longe do Jungwon, sabe? E você não abre a boca.'' seu tom demonstrava provocação, provavelmente ele estava me provocando por eu ter contado o segredo de Jake sem querer.
''Me erra, Sunghoon. E me deixa dormir agora, por favor.'' fiz uma careta, sabendo que ele não conseguiria ver. ''Boa noite.''
''Boa noite, Sunoo.'' eu não conseguia ver, mas diria que Sunghoon estava com o mesmo sorriso que tinha nos lábios sempre que me provocava.
E assim, a ligação terminou.
***
Heeseung:
14:45
minha tia vai me ajudar com o meu pai hoje
nem a pau que eu fico dentro dessa casa, eu vou pra essa festa sim.
você tá em casa agora?
16:12
kim sunoo, você tá vivo???
Heeseung havia me enviado aquelas mensagens há mais de duas horas, mas eu estava ocupado demais dormindo para ter respondido na hora exata. E espero que ele me entenda, já que era sábado e eu fui dormir tarde da noite por motivos de: Sunghoon me fez ficar em chamada com ele até as três da manhã, perguntando cada detalhe do que eu sabia sobre Jake e Jang-Mi.
Eu finalmente voltei a dormir bem depois de um tempo, principalmente naquela tarde. Geralmente meus amigos sempre costumam fazer algo nos finais de semana, seja pessoalmente ou em jogos online. Niki me fez criar uma conta em um aplicativo chamado Discord, lá ele criou um tipo de grupo com todos os nossos amigos e as vezes eu ficava os ouvindo enquanto jogavam, isso quando eu não jogava também.
Mas hoje tudo ficou silencioso, e eu acredito que seja porque todos estão tão cansados quanto eu, e também porque pretendem guardar suas energias para hoje à noite.
— Kim Sunoo, você vai dormir até amanhã? — minha mãe batia na porta, me fazendo sentar na cama imediatamente enquanto tinha meu celular em mãos, me apoiando no colchão com meu braço livre. E por mais que eu estivesse acordado, eu ainda não estava raciocinando o que estava acontecendo.
— Eu já acordei, mãe. — respondi em um tom alto para que a mais velha escutasse, e então, a porta é aberta por ela.
— O Heeseung ligou avisando que vai dormir aqui hoje, ele disse que você não o respondia. — ela é direta ao abrir a porta, a mulher segurava na maçaneta enquanto me encarava. — Ele vai a essa festa, não é?
— Eu estava prestes a responder ele nesse exato momento. — bocejei, levantando a mão que carregava o celular e mostrando para ela. — E sim, ele vai a festa.
— Ah, sim... fico mais tranquila que ele esteja junto. — ela diz enquanto ainda segurava a maçaneta. — Qual vai ser o horário da festa?
Os questionamentos de mãe começam.
— Mãe, eu sei muito bem me cuidar sozinho. — fiz uma careta, me levantando da cama e seguindo até meu armário, procurando roupas para eu tomar banho. — Vamos sair daqui as 21h.
— Tudo bem, Senhor Adulto. — ela ironiza ao fazer uma careta semelhante à minha. — Eu vou sair as 20h, tenho um jantar dos funcionários do trabalho hoje. Então vou confiar em você para ir em segurança, certo?
— Tudo bem, mãe. — curvei os lábios em um sorriso fraco e fechei o armário ao me virar para ela. — O Heeseung vai estar comigo, não tem com o que você se preocupar, não é? — ironizei o comentário que ela havia feito minutos atrás, vendo a mulher revirar os olhos.
— Engraçadinho. — ela aponta com dois dedos em minha direção após apontá-los para os próprios olhos, indicando que estava de olho em mim. — Diga exatamente as mesmas palavras para Heeseung.
— Sim, senhora. — falei como se estivesse recebendo ordens de um comandante do exército. — Eu e o Heeseung vamos nos comportar.
***
Heeseung estava bêbado.
Eu não sabia como, mas o garoto havia arranjado várias garrafas de uma bebida alcoólica que eu não fazia ideia de como se pronunciava o nome. Ele chegou em minha casa com umas seis dessas na mochila, três delas ele havia secado completamente durante o trajeto do Uber que nos levava até o local da festa. Eu sinceramente não sabia se me assustava ou achava aquilo engraçado.
— Cara, quem fica bêbado antes mesmo de chegar em uma festa? — perguntei incrédulo, eu e o mais velho caminhávamos em uma rua bastante isolada. Estrategicamente havíamos decidido que seria melhor o Uber nos deixar há alguns minutos da festa, mas isso foi antes de Lee encher a cara.
— Eu não 'tô bêbado, Sunoo. Estou no máximo animado, ou feliz, tanto faz. — ele ri e dá de ombros. — Só vivemos uma vez, não é? Então vamos viver! Eu quero aproveitar a festa.
— Pode aproveitar, mas me deixa aproveitar também. — puxei a última garrafa fechada da mão do garoto, evitando que ele ficasse pior do que estava. — Você só vai voltar a beber daqui há algumas horas, entendeu?
— Por que você 'tá falando comigo como se você fosse o mais velho?
— Porque você está agindo como se fosse o mais novo. — usei o tom mais óbvio possível. — Vem, vamos logo.
Eu segurava a bebida de Heeseung em minha mão quando notei a música alta que tocava há poucos metros de onde estávamos, tudo indicava que a festa era naquela casa enorme, cheia de pessoas e com carros estacionados em frente. Os carros já não eram algo para se impressionar, afinal, todos sabiam que pessoas além da escola estariam lá também.
Heeseung ao meu lado apenas resmungava enquanto eu o acompanhava, cada vez ouvíamos a música ficar mais alta, assim como vozes e gritos de pessoas da nossa idade começaram a ficar mais frequentes. E quando finalmente chegamos na entrada do lugar, comecei a reconhecer alguns rostos de alunos e colegas, mas eu não era próximo de nenhum para cumprimentá-los.
— Você falou com o Riki? O Jay? — ele pergunta após o momento de silêncio desde o nosso último diálogo.
— A última mensagem do Riki no nosso grupo foi nos avisando que já estavam aqui, você mesmo leu ela no Uber, cara. — falei, observando uma garota sair irritada pela porta enquanto gritava com o telefone, atropelando todos que estavam em sua frente, inclusive o meu amigo, que cambaleou para trás.
— É legal andar por onde anda, não é? — Heeseung resmungou ao se virar para ela, que apenas o encarou da cabeça aos pés e riu pelo nariz enquanto ainda tinha o celular no ouvido. E exatamente como ela havia aparecido, ela sumiu. Sem falar nada, a garota virou de costas e continuou a xingar alguém no telefone.
— Cala a boca e entra, Heeseung. — levei minha mão até as costas do mais velho e finalmente o empurrei para dentro, passando pela porta logo depois dele.
Eu agradeci mentalmente pela música alta, porque agora eu não iria precisar ouvir os resmungos de um Lee prestes a ficar mais bêbado ainda. Diferente disso, agora eu estava apenas ouvindo um coro de pessoas cantando a música que tocava, outras dançavam, e enquanto isso, não eram poucos que estavam aos beijos pelos cantos. E eu havia acabado de entrar lá dentro.
Pedir para adolescentes se comportarem em uma festa onde só adolescentes fariam parte dela era o mesmo do que nada. E eu não pensava assim porque queria ser legal, mas porque era exatamente assim que as coisas eram. E eu acreditava que isso não era recente, mas algo que vem se repetindo há anos, pode até ter começado quando nossos pais eram jovens também, ou antes disso, quem sabe?
E conforme fui observando mais as pessoas, passei a reparar mais na casa também.
Ela tinha dois andares e era realmente muito espaçosa, havia decorações espalhadas por todos os cantos, tudo bastante brilhoso, como fitas prateadas que estavam grudadas em pontos específicos do teto e escadas, luzes coloridas por vários cantos e algumas mesas com decorações semelhantes as fitas, onde ficavam bebidas livres para que qualquer um pegasse. E eu até tentaria descobrir quem era o proprietário de tudo, mas realmente não era um detalhe importante naquela noite.
— Vocês dois foram fabricar o Uber? — ouvi a voz de Riki, me virando para ver o mais novo exatamente ao nosso lado. Ele aumentava o tom de voz por conta da música. — Por que demoraram?
— Não tive culpa. — levantei as mãos em rendição, apontando para Heeseung ao meu lado. — Fale com o seu amigo que está... feliz.
Riki levou o olhar até Heeseung e fez uma careta.
— Por que ele 'tá sorrindo desse jeito esquisito? — o mais novo balança a cabeça e então volta a atenção até mim. — Enfim, estamos do outro lado, vamos lá.
O início de Make A Wish do NCT U se espalhava por todos os lados enquanto eu seguia Nishimura pelo meio de todas aquelas pessoas, não demorando muito para enxergar meus amigos reunidos em um sofá em volta de uma mesa, todos com um copo transparente que continha uma mistura de uma bebida da cor vermelha. Mas um dos garotos chamava mais a minha atenção, principalmente porque seu olhar foi diretamente ao meu quando ficamos à vista de todos, ele estava ao lado de Jake.
Sunghoon desviou o olhar em seguida, virando a bebida do copo e fazendo uma leve careta ao ingerir o líquido, enfim, deixando o vidro vazio em cima da mesinha.
— A dupla chegou. — Jake diz ao nos encarar, juntando as sobrancelhas quando sua atenção foi até Heeseung. — Ele 'tá bem?
— Ele está feliz. — repeti o que disse para Riki e respirei fundo, me jogando no sofá ao lado de Jungwon e ficando de frente para Sunghoon e Jake.
— Ele insiste em dizer que eu 'tô bêbado, mas eu 'tô melhor do que nunca. — Heeseung revira os olhos. — Bem melhor do que vocês aqui sentados em uma festa, não foram vocês quem disseram que iriam aproveitar hoje?
— E quem disse que não vamos? — Jake se levanta do sofá e vira o copo que tinha em mãos. — Estávamos esperando você e o Sunoo.
— A galera 'tá jogando na outra sala... vai ser divertido. — Jay se pronuncia. — Vamos 'pra lá.
— Por favor. — Heeseung diz animado e se aproxima de Jake, acompanhando o garoto em direção da sala ao lado.
Todos fazem o mesmo ao se levantarem dos sofás, e eu acabo por me levantar em sincronia com Sunghoon, ficando de frente para o mais velho e levantando o queixo até encarar seu rosto, que tinha o olhar preso no meu também.
— Oi. — diferente de todos, ele não estava falando alto e segurava outro copo cheio em mãos.
— Oi, Sunghoon. — o respondi, apertando a garrafa de vidro que eu havia tirado de Heeseung mais cedo.
Sunghoon solta uma risada baixa, encarando a bebida em minha mão.
— Pensei que você era fraco 'pra bebida.
— É do Heeseung, eu precisei tirar dele antes que ele exagerasse demais. — entortei os lábios. — Eu não quero beber muito hoje.
— Imaginei, eu só bebi energético até agora. — ele balança a cabeça e toma um pouco da bebida dele, me olhando novamente. — Você conseguiu dormir?
— O quê? — arqueei as sobrancelhas, só então percebendo que ele falava sobre a nossa última conversa, de madrugada. — Ah, sim... eu consegui sim. E você?
— Logo depois de você desligar, 'pra ser sincero. — ele diz, o olhar dele então se direcionando até o corredor que nossos amigos haviam entrado há alguns segundos. — Acho que estão esperando a gente.
— Antes disso... — fiz o garoto ter toda sua atenção em mim mais uma vez. — Sobre que eu contei ontem, isso fez você ficar irritado com o Jake? Vocês brigaram?
— Claro que não. — ele nega imediatamente. — Eu só não esperava, ainda nem comentei com ele que eu sei sobre isso.
— Certo. — afirmei com a cabeça, apontando com a mesma em direção do corredor. — Podemos ir então.
— Você iria fugir de nós dois a noite inteira se estivéssemos brigados?
— Sim... — fiz uma careta.
Sunghoon ri pelo nariz e pega a garrafa da minha mão, deixando-a na mesa mais próxima de onde estávamos.
— Uma hora alguém pega.
É a última coisa que ele diz antes de sair, e eu realmente não queria ficar segurando algo que eu não iria beber, então o acompanhei até o corredor ao apressar meus passos.
A casa parecia estar ficando mais cheia, e eu realmente já não estava reconhecendo tantas pessoas assim. E enquanto passávamos pelo corredor, observei uma porta que estava aberta, um grupo de garotos estavam reunidos lá dentro, todos animados e com celulares em mãos enquanto um rapaz virava um galão enorme e com uma mistura de uma bebida que eu não conseguia adivinhar, mas pela careta de quem bebia, não parecia ser algo muito saboroso.
E um detalhe, nenhum deles aparentava estar no ensino médio.
— Eles são universitários. Minutos antes de você chegar, o irmão mais velho do dono da festa chegou com eles. — Sunghoon diz quando percebe o meu olhar.
— E quem é o dono da festa? — perguntei.
— Eu não faço ideia, foi apenas o que o Jay me disse.
Quando finalmente chegamos na outra sala, nossos amigos já estavam reunidos com outros alunos da 302, assim como outras pessoas que também faziam parte da nossa turma, Yu-mi era uma delas. Mas o que eu não esperava mesmo, e acho que nem eles, era que Yeji e Jake estavam frequentando o mesmo lugar e nada estava acontecendo.
Mas eles estavam separados, exatamente como cada turma do terceiro ano. 301 estavam reunidos para o lado direto e a 302 para o esquerdo.
Hyunjin e Felix, dois garotos que eram do outro terceiro ano, organizavam vários copos em cima de uma mesa enquanto todos conversavam entre si. Meu olhar no mesmo momento percorreu pela sala, procurando por algum sinal de Yuna, mas não a encontrei.
— Vocês topam mesmo? — Felix, um garoto não tão alto e de cabelos loiros, encarava Jay e Jake.
Eu o conhecia porque era ele o garoto que eu fiz perder total interesse em mim quando desmaiei em uma festa, totalmente bêbado. Por muito tempo eu fiquei envergonhado por isso, mas ficou mais fácil de esquecer quando Felix começou a namorar o garoto ao lado dele e, desde então, nunca mais havíamos trocado uma palavra sequer.
— Sim, vamos jogar Beer Pong. 301 contra a 302. — Jake diz com um sorrisinho nos lábios quando eu e Sunghoon nos aproximamos. — Vocês dois irão jogar juntos. — ele aponta.
— Por que nós dois? — Sunghoon pergunta.
— Foi o que sobrou. — o Australiano dá de ombros e se volta para a mesa.
Beer Pong era o típico jogo que não podia faltar em festas, era ele quem dava início a uma noite longa e divertida. E se você fosse uma pessoa competitiva, iria se divertir mais ainda.
Copos eram colocados na mesa em formação de triângulo, a bebida escolhida para preenchê-los havia sido vodca pura.
O jogo em si não era nada complicado de se entender, você apenas precisava arremessar uma bola de Ping Pong e, se ela entrasse em um dos copos, o time adversário precisava beber. A dupla que acertasse todos os copos primeiro seria a vencedora.
E Haviam outras regras no jogo, mas a maioria ali procurava apenas diversão, então optaram por fazer o mais básico e não perder mais tempo.
A primeira dupla seria Heeseung e Jake contra Felix e Hyunjin. E eu até tentaria convencer meu melhor amigo de não beber muito, mas ele ainda parecia estar consciente do que estava fazendo ou não. Então apenas me afastei um pouco, ficando ao lado de Riki já que agora Yu-mi e Sunghoon conversavam do meu outro lado.
— Esse garoto não é do segundo ano? — Felix pergunta ao apontar para Riki. Ele e o namorado agora se posicionavam do outro lado da mesa, Heeseung e Jake estavam na outra ponta.
— Ele é, mas vai jogar com a gente. — Jay dá de ombros. — Vou pegar mais bebidas enquanto vocês começam o jogo.
E após Jay deixar a sala, o jogo começa.
A primeira rodada começaria com a dupla da 302. E todos em volta observavam em silêncio quando Hyunjin, que até então estava mais quieto, pegou a bolinha de Ping Pong e mirou em um dos copos, vibrando quando acertou de primeira. Mas diferente do que esperavam, Jake abriu um sorriso, não demorando segundos para pegar um dos copos da mesa e virar completamente, fazendo uma careta por se tratar de vodca pura.
— Sou o próximo, não é? — Felix pergunta.
Já que eles haviam acertado, o loiro se posicionou para jogar também, mas não teve muito sucesso quando sua bolinha bateu na mesa e caiu no chão. Dando a chance para que a outra dupla jogasse.
— Você pretende ficar até o final da festa? — a voz de Yu-mi insistia em chamar minha atenção, mesmo que eu tentasse focar apenas no jogo que acontecia em minha frente e no quão competitivo a dupla de namorados parecia ser. Mas os dois ao meu lado continuavam conversando.
— Se ela continuar interessante, eu acho que sim. — Sunghoon responde a pergunta da mais nova, que solta uma risadinha. — E você?
— Tenho o mesmo pensamento que o seu.
Meu rosto se virou teimosamente para encarar os dois ao meu lado. Sunghoon continuava com o mesmo copo de antes em mãos, agora vazio, seu corpo estava direcionado para a garota de cabelos escuros e ela fazia o mesmo.
No mesmo segundo, puxei Riki ao meu lado e o levei comigo até o outro lado da mesa, ficando mais próximo de Heeseung. O mais novo nem se manifestou, apenas me seguiu já que estava entretido demais com o Beer Pong para falar comigo.
E aquilo havia sido uma terrível escolha, porque agora eu não conseguia mais ouvir o que aqueles dois conversavam, mas tinha uma visão completa deles que sequer prestavam atenção no que estava acontecendo na mesa.
— Você deveria ser menos óbvio, Sunoo. — Riki diz após alguns segundos, mas seu olhar continuava no jogo ao falar comigo. E no momento em que levantei o meu rosto para ele, minhas sobrancelhas se arquearam.
— Do que você 'tá falando? — minha voz saiu baixa.
— Eu sou o mais novo, mas não sou ingênuo e também estou sóbrio. — ele ri baixo. — Ou é você quem está agindo assim sem nem perceber.
Nishimura falou todas aquelas palavras enquanto estava focado no Beer Pong, e quando entreabri os lábios para o questionar, o mais novo vibrou alto quando Jake e Heeseung acertaram mais uma bolinha, quase vencendo o jogo.
No mesmo tempo, vi que Sunghoon também voltou a prestar atenção no jogo, assim como a garota ao seu lado. E em uma fração de segundos os nossos olhares se encontraram, mas eu desviei rapidamente quando as palavras de Riki automaticamente ecoaram em minha cabeça. O mais novo não havia sido específico, mas eu sabia exatamente o que ele queria dizer com aquilo.
E eu fiquei tão perdido em meus pensamentos que não percebi o momento em que Yuna havia entrado na sala, mas lá estava ela. Ela sorriu para mim como se estivesse esperando que eu notasse sua presença, ela estava ao lado de Yeji enquanto segurava uma das garrafa que Jake havia comprado com a ajuda de Yeonjun, sua amiga segurava a mesma coisa. O engraçado era pensar que elas provavelmente não sabiam que Jake foi quem trouxe aquilo.
E para não acabar enlouquecendo com as palavras de Nishimura, me direcionei até Yuna, mesmo sabendo que ela estava acompanhada de sua amiga.
— Pensei que você não havia chegado ainda. — foi a primeira coisa que eu disse quando abri um sorriso para ela.
— Pensei o mesmo sobre você. Mas fui pegar bebidas para nós duas. — ela ri e então ergue a garrafa para mim, me oferecendo. — Quer?
— Não, valeu. — neguei com a cabeça. — Daqui a pouco vou precisar beber nesse jogo.
— É você quem vai jogar contra a gente? — me surpreendendo, Yeji fala comigo pela primeira vez, seu tom de voz parecia entediado.
— Vocês duas vão jogar contra a gente? — fiz praticamente a mesma pergunta, mas porque eu realmente esperava que seriam outras pessoas.
— Foi o que eu perguntei. — ela me olha estranho e dá um longo gole em sua bebida. — Enfim... tanto faz.
— Ignora ela, está emburrada porque... você sabe. — Yuna faz uma careta, mas logo volta a sorrir. Ela parecia muito mais alegre do que costumava ser, então eu apenas concluí que se tratava da bebida.
E ao mesmo tempo que eu pensava nisso, Heeseung e Jake haviam acabado de perder o jogo. Felix e Hyunjin comemoravam enquanto Heeseung bebia o líquido do último copo que havia sobrado.
— Vocês tiveram sorte. — Heeseung apoia a mão com o copo de plástico em cima da mesa, o amassando e virando o rosto em minha direção, sorrindo fraco. — Sunoo, vou confiar em você 'pra ganhar delas.
Heeseung não era um bêbado difícil de lidar, mas ele era o tipo de pessoa que ficava mais carinhoso e gostava de falar, o mundo aos olhos dele parecia ser maravilhoso. E era nítido que o garoto estava fazendo tudo isso porque queria fugir dos pensamentos que teria ao pisar dentro de casa. Mas ele não falava sobre isso, nem demonstrava de forma direta, nós só entrávamos no assunto quando ele se sentia confortável para fazê-lo.
— Você vem? — Sunghoon pergunta diretamente para mim quando se afasta de Yu-mi e para do lado da mesa em que nós dois jogaríamos.
— Boa sorte, não vou pegar leve com você. — Yuna dá uma risadinha que me faz revirar os olhos e rir também. Quem apenas revira os olhos é Yeji, que se afastou para seguir até a mesa.
Encarei as duas uma última vez, seguindo até o outro lado da mesa para me juntar com Sunghoon, que respirou fundo ao terminar de ajeitar os copos em um triângulo, todos preenchidos até a metade com vodca. E eu estava torcendo mentalmente para que ganhássemos aquilo, eu realmente não queria beber muito e passar alguma vergonha depois.
— Você é bom nisso? — o mais velho pergunta enquanto tinha uma bolinha de Ping Pong em mãos.
— Depende da sua visão do que é bom ou não. — fiz uma breve careta. — Mas eu não quero perder.
— Não vamos, eu espero. — Sunghoon diz, ele analisava bem os copos que teríamos que acertar.
Eu não iria mentir se dissesse que a amiga de Yuna não me intimidava, porque sim, ela me intimidava muito. Desde a primeira vez que a vi naquela sala enquanto discutia com o Jake, eu não conseguia interpretar nada sobre ela além das coisas que já me contaram. Sem tirar que, em todas as vezes que a vi, ela sempre parecia impaciente.
— Não consigo ficar aqui, vou levar o Heeseung 'pra beber uma água. — Jake diz baixo ao se aproximar de mim e Sunghoon, deixando claro que não iria assistir a ex dele jogando contra a gente. — E vocês viram o Jungwon?
— Ele saiu um pouco depois que o jogo de vocês começou, mas não sei 'pra onde. — Riki diz, e agora o japonês possuía um copo em mãos pela primeira vez.
— Vocês vão começar isso ou não? — Yeji aumenta o tom de voz do outro lado da mesa.
— Vou sair. — Jake diz após dar uma boa encarada em Yeji e revirar os olhos antes de puxar Heeseung com ele para a saída.
Riki e Yu-mi foram os únicos que sobraram para assistir quando o jogo começou. Felix e Hyunjin provavelmente haviam achado a primeira oportunidade para vazarem dali e curtirem a festa juntos, porque não os vi mais depois disso.
E enfim, o jogo começou quando Yeji pegou a primeira bolinha e tentou acertar em um dos copos, não tendo sucesso algum. Isso havia sido bom para nós dois, e eu deixei que Sunghoon fosse primeiro para que eu começasse a criar noção do espaço e força necessária para acertar os copos.
— Merda. — Sunghoon resmunga quando joga a bolinha e não acerta, dando mais uma chance para a outra dupla abrir vantagem.
E exatamente como eu não queria que acontecesse, Yuna acerta um dos copos em sua primeira tentativa, ganhando mais um arremesso para a sua dupla. A garota então abre um sorriso em minha direção, me fazendo entortar os lábios.
— Pode beber. — ela diz.
E assim eu fiz, pegando um dos copos e o levando até meus lábios.
Meus olhos se fecharam imediatamente quando inclinei a cabeça para trás, fazendo uma careta ao sentir minha garganta arder com a vodca pura que descia por minha garganta. Em seguida, respirei fundo sem encarar Sunghoon, mas eu sentia o olhar do mais velho em mim.
Quando peguei a bolinha e mirei em um dos copos, até tentei não usar muita força, mas a bola apenas bateu na mesa e caiu no chão em seguida.
— Muito fraco. — ouvi a voz de Yu-mi e encarei a mesma, vendo Riki concordar com a cabeça ao seu lado.
— Tentar acertar as mais próximas é mais difícil, tenta jogar no meio. — Sunghoon se abaixa em minha direção, sussurrando aquilo quase que em meu ouvido.
***
Dos dez copos na mesa, eu já havia bebido quatro.
A sensação era como se eu estivesse mais leve e eu sentia meus lábios um pouco dormentes. Era nesse momento que eu sabia que precisava parar, caso contrário, eu ficaria muito mais bêbado do que eu pretendia naquela noite. Mas como era um jogo, eu não tinha escolha a não ser beber mais.
— Você 'tá bem? — Sunghoon pergunta em um sussurro, ele tinha o olhar fixo em mim após ter acertado uma bolinha, fazendo Yeji beber.
— Por que eu não estaria? — dei uma leve risada. — Eu acho que eu consigo acertar a próxima, você acha que eu consigo? — perguntei ao pegar a bolinha que estava na mesa, e então, voltei a olhar para o mais velho. — Me desculpa, eu sou péssimo. Acho que não consigo, Sunghoon.
As palavras saíam facilmente, eu sentia como se apenas estivesse falando tudo o que eu pensava, não me importando se faria sentido todos aqueles questionamentos que eu mesmo estava respondendo.
— Você quer parar o jogo? — Sunghoon solta uma risada fraca. — Você vai ficar bêbado se continuar... se já não estiver ficando.
— Eu estou bem, eu juro. — o assegurei, me preparando para jogar a bola. — Só preciso acertar a bolinha.
Eu errei.
Suspirei em frustração, jogando a bola em direção de Yeji, que agora tinha um sorriso divertido nos lábios. Faltavam mais dois copos para as duas vencerem.
E com muita paciência, algo que eu não imaginava que ela possuía, a garota acertou um dos copos, quase fazendo o que estava ao lado virar por toda a mesa.
Era eu quem teria que beber mais uma vez, e mesmo que fosse o meu último copo, ainda era líquido o suficiente para me fazer passar para a próxima etapa da embriaguez.
Mas quando fui pegar a bebida, Sunghoon me interrompeu, sendo mais rápido do que eu quando segurou o copo de plástico e bebeu de uma vez só todo o líquido que havia lá dentro.
— Era a minha vez, Sunghoon. — falei incrédulo quando virei o meu corpo para o mais velho, que parecia não ter sentido nenhum efeito da vodca que havia acabado de virar.
— Eu sei.
Sunghoon se vira para as duas garotas em nossa frente, não falando mais nada para mim, mas ele continua para elas:
— Acho que não tem mais necessidade de continuarmos isso, não é? Vocês já ganharam de qualquer forma. — ele amassa o copo que tinha em mãos, o deixando na mesa.
— Você desiste tão fácil assim? — Yeji ri baixo enquanto tinha um sorriso no canto dos lábios.
— Na verdade, não. — Sunghoon é direto, mas ele olhava para mim ao responder. E então ele continua, agora alfinetando Yeji. — Mas você deveria, não acha?
— Você fala como se soubesse de alguma coisa, mas acabou de chegar aqui.
A garota retruca, e eu já não tinha tanta certeza se eles ainda estavam falando sobre o Beer Pong.
— Acho melhor a gente sair daqui. — Sunghoon ignora as palavras da garota, agora esperando que eu o respondesse.
— Por quê? — perguntei, eu ainda sentia a mesma leveza de minutos atrás, mas eu estava tentando não demonstrar tanto assim. Parecia mais fácil estando parado no mesmo lugar, mesmo que me sentisse levemente tonto.
— Porque nada positivo vai sair daqui e porque você não pode mais beber. — suas palavras me fizeram arquear as sobrancelhas.
— E quem disse que não?
— Você mesmo. — ele responde. — O Heeseung já exagerou demais também. E vocês vieram juntos, não foi? Não vou deixar você sozinho enquanto ele sumiu por aí com o Jake.
E quando percebi, Nishimura estava me encarando com um pequeno sorriso divertido no rosto, o mesmo sorriso que ele tinha quando me falou aquelas palavras mais cedo. E eu não sabia quais eram as intenções do mais novo com aquilo, então apenas ignorei.
— Vamos sair daqui logo. — entortei os lábios, me virando para Riki e Yu-mi. — Vocês vão ficar aí?
— Acho que eu e a Yu-mi vamos jogar um pouco, não é? — o Japonês abre um sorriso para a garota ao lado dele e toma um gole do copo que tinha em mãos.
— Nós vamos? — Yu-mi junta as sobrancelhas, confusa. E eu noto o olhar da garota correr até Sunghoon, como se ela estivesse tentando falar alguma coisa, ou querendo que ele falasse.
— Nós vamos. — Nishimura afirma e se posiciona ao lado da mesa. — 'Tô cansado de sempre me deixarem por último e desistirem depois, tudo isso porque sou o mais novo.
Eu não consegui mais ouvir a conversa porque, depois disso, Sunghoon segurou em meu pulso e me puxou com ele até a saída. Apenas tive tempo de encarar Yuna, que respirou fundo ao encarar a melhor amiga ao seu lado, fazendo um sinal com as mãos de que me procuraria depois.
— 'Pra onde você 'tá me levando? — aumentei o tom de voz por conta da música alta, achando tudo aquilo no máximo engraçado. Sunghoon não caminhava rápido, mas tudo à minha volta parecia estar em uma velocidade maior do que meus passos. E eu prestava bastante atenção em meus pés enquanto a mão de Sunghoon estava em volta de meu pulso, me guiando pelo meio de todas aquelas pessoas.
— Nenhum lugar, 'tô tentando achar o Heeseung e o Jake.
Puxei o meu pulso quando ouvi sua resposta, mas ele me segurava tão firme que apenas parou de caminhar, fazendo o meu corpo se chocar contra o dele quando ele se virou para me olhar, ainda me segurando.
— Você é muito chato. — levantei o rosto, puxando meu braço novamente, dessa vez tendo sucesso para me livrar da mão de Sunghoon. — Você já pensou em, sei lá, curtir a festa? É o que eles provavelmente estão fazendo também.
As palavras novamente saíam com facilidade, e por mais que eu quisesse mesmo procurar por meus amigos, eu ainda assim queria continuar ali, sem mais nenhum conhecido por perto. E eu já não sabia se esse tipo de pensamento tinha a ver com a bebida ou se eu apenas estava parando de ser teimoso da forma que eu estava sendo há alguns dias.
— E você quer curtir a festa comigo, por acaso? — ele arqueia as sobrancelhas.
— Somos amigos, não somos? Então por quê não?
Sunghoon pareceu surpreso com minha resposta, mas não contestou, apenas voltou a pegar em meu pulso e me puxou para um grupo de adolescentes que estavam reunidos em uma pista improvisada. Eu demorei alguns segundos para me soltar, mas bastou o refrão de Ready To Love do Seventeen começar para que eu começasse a acompanhar todos em nossa volta, que cantavam e pulavam como se fossem amigos há anos.
Mas eu tinha 90% de certeza de que nunca tinha visto aquelas pessoas na minha vida, e a iluminação do lugar não me deixava reconhecer ninguém muito bem além de Sunghoon, que também cantava e pulava juntamente com todos ali presentes.
Aquela provavelmente havia sido a primeira vez que eu enxerguei Sunghoon de forma tão espontânea. Era apenas ele se divertindo em meio à desconhecidos, e eu não o associava a nada além de ele mesmo: O Sunghoon que eu passei as últimas semanas tentando não conhecer.
E eu estava me sentindo tão bem, mesmo sabendo que tinha uma pequena influência da bebida. O meu corpo todo parecia flutuar, mas não era uma sensação agonizante, e sim leve. E eu queria muito acreditar que estava me sentindo assim por conta própria, e não por ter bebido aquela vodca barata.
— Você quer sair daqui? — Sunghoon pergunta ao se aproximar de mim, ele tinha um pequeno sorrisinho no canto dos lábios.
Eu sentia algumas pessoas batendo contra minhas costas enquanto dançavam, automaticamente me empurrando para mais perto de Sunghoon também.
— Para onde mais iríamos? — levantei o rosto para o encarar, éramos os únicos que não dançavam mais na pista.
Sunghoon pensa por alguns segundos, e sem me responder, ele pega em meu pulso novamente. Dessa vez eu apenas o deixei me guiar, não questionando para onde estávamos indo. O mais velho me segurava firme enquanto nos esbarrávamos por várias pessoas, algumas até resmungavam ou nos xingavam, mas nós dois estávamos achando aquilo tão divertido que não importava o suficiente para nos aborrecer.
— Sunghoon! Eu 'tava procurando vocês dois.
Uma voz feminina faz Park parar no meio do caminho, e quando eu me virei automaticamente para ver de quem se tratava, era Yu-mi. E eu não tinha certeza se eu conseguia esconder minhas expressões em situações como aquelas, mas aquilo não havia me agradado nem um pouco.
— Yu-mi, oi! — Sunghoon solta meu pulso no mesmo momento, tendo toda a sua atenção na mais nova. — Você deixou o Riki sozinho?
— Ele quem me deixou sozinha no caso, né? — a garota faz uma careta. — Ele encontrou o Heeseung e o Jake.
— E onde eles estão? — perguntei imediatamente. Eu realmente estava preocupado com o que o meu melhor amigo estava aprontando por aí.
— Vi eles subindo as escadas há alguns minutos. — ela me responde, mas volta a falar com Sunghoon. — Mas eu preciso mesmo falar com você, sobre aquilo... a sós.
Ela pareceu ter dado ênfase na última palavra, e eu particularmente havia me irritado com aquilo. Mas eu não sabia do que se tratava a conversa, e se realmente era uma conversa.
— Mas agora? — Sunghoon entorta os lábios, parecendo hesitar.
Yu-mi não o responde com palavras, mas seu olhar pareceu mais intenso e apelativo para o garoto. Sunghoon então me encarou, respirando fundo antes de falar:
— Você me espera aqui? Eu prometo que eu já vou voltar, não vai demorar cinco minutos.
O tom de voz de Park parecia apreensivo, principalmente sua expressão quando eu fiquei em silêncio por alguns segundos, mas então afirmei com a cabeça, falando:
— Tudo bem, eu espero.
— Certo! Não sai daqui, por favor.
Ele abre um pequeno sorriso em minha direção e Yu-mi faz o mesmo. Segundos depois, os dois desaparecem no meio daquelas pessoas, e eu acabo por nem ver qual caminho eles haviam seguido.
***
Dez minutos se passaram.
E eu fiquei ali, encostado em uma parede enquanto pessoas passavam em minha frente. Alguns eram casais, já outros estavam sozinhos e passavam cantarolando exageradamente a música que tocava.
Eu podia sentir o efeito da bebida começar a passar aos poucos, e eu odiava quando isso acontecia, principalmente porque minhas emoções começavam a se misturar e a confusão entrava na minha cabeça, era uma sensação parecida com um choque de realidade, ou quando você acorda de um sonho muito bom.
E as emoções se fizeram mais presentes quando eu já não conseguia mais contar o número de pessoas que passavam em minha frente enquanto eu esperava por Sunghoon, e isso indicava que já haviam passado mais de cinco minutos, e até mais do que dez.
Imediatamente comecei a lembrar da conversa que Sunghoon e Yu-mi tiveram mais cedo, quando ambos disseram que ficariam até o final da festa se ela continuasse interessante.
Eu estava me sentindo um idiota completo, como eu poderia ter sido tão estúpido? As trocas de olhares e essa "conversa a sós" só deixava claro que aquilo havia sido uma desculpa para se livrarem de mim.
Sunghoon não iria voltar porque provavelmente estava em algum lugar mais interessante com Yu-mi. E eu não iria me torturar pensando nisso, mas era difícil quando tudo indicava que aquilo estava mesmo acontecendo.
— Ei, cabelo rosa. — virei meu rosto imediatamente quando ouvi alguém chamar por mim, me desencostando da parede quando notei ser Yeji.
— 'Tá falando comigo? — apontei para mim mesmo, vendo a garota se aproximar.
— Tem mais alguém de cabelo rosa aqui?
Eu olhei em volta, mas parei no rosto da garota, observando as mechas rosas em seu cabelo.
— Não exatamente...
— Você viu a Yuna? — ela é direta, mas diferente de antes, seu olhar parecia um pouco triste. Mas poderia ser apenas impressão minha. — Ela disse que iria atrás de você, mas sumiu.
— Atrás de mim? — arqueei as sobrancelhas. — Não vi ela desde o Beer Pong.
Yeji respira fundo, não perdendo a pose impaciente que costumava ter. Eu estava esperando por alguma provocação dela antes que aquele diálogo acabasse, mas ela apenas olhou em volta novamente e virou o rosto para mim, dizendo:
— Se você ver ela, avisa que eu fui embora.
Yeji se prepara para sair dali, mas eu acabo segurando em seu braço por um impulso, me arrependendo quando vejo a garota me olhar sério.
— Desculpa... eu... — prendi meu lábio inferior entre os dentes e balancei a cabeça devagar, me recompondo. — Ela 'tá bem? Você 'tá bem?
— E isso importa? — ela ri sem humor. — Eu só cansei dessa festa sem graça, e ela não atende as minhas ligações.
— Tudo bem. Se eu me encontrar com ela, eu aviso. — falei.
E sem dizer mais nada, ela vai embora.
As coisas realmente estavam estranhas, porque eu nunca iria me imaginar tendo um diálogo, mesmo que curto, com Yeji.
Mas ignorei esse pensamento quando voltei a me encostar na parede atrás de mim.
E eu não sabia explicar, mas o tempo parecia sempre passar mais rápido em festas. Quando peguei meu celular, o horário indicava que eram 3:44 da manhã. Mas não haviam mensagens e nem ligações perdidas na barra de notificações, parecia que o tempo não havia passado e ninguém procurava por mim, estavam entretidos demais com outra coisa.
E eu realmente havia desistido de esperar por Sunghoon, porque guardei o celular em meu bolso e comecei a caminhar pela festa, sem rumo. Meus olhos passeavam perdidos por todos aqueles desconhecidos, e eu lembrava que eu estava me divertindo tanto quanto eles há alguns minutos também. Até pensei em procurar por meus amigos, mas eu sabia que não estaríamos mais na mesma sintonia se eu os encontrasse, então eu continuei andando.
Depois de um tempo, parei exatamente de frente para uma porta que dava até os fundos da casa, me assustando quando a mesma foi aberta por duas garotas. Ambas estavam rindo, e meu olhar foi direto para uma cartela de fotos que uma delas segurava, parecendo ter sido tirado em uma cabine de fotos, ou Photobooth, como outros costumavam chamar também.
Eu segurei a porta para que ela não fechasse, esperando as garotas passarem completamente para só então seguir até o lado de fora, ouvindo a música da festa ficar abafada quando o vento frio da madrugada bateu contra o meu rosto, e a porta atrás de mim fechou.
Não haviam tantas pessoas lá fora como eu esperava, eram apenas algumas que estavam reunidos em uma pequena roda enquanto fumavam, já mais para o lado, um casal se beijava contra uma parede.
O lugar era como um terraço, mas não ficava em um. Haviam fios com luzes que iluminavam o pátio e a grama verde, enquanto mais isoladamente ficava o que eu estava curioso para ver: a cabine de fotos. Ela estava encostada em uma parede, ao lado de uma árvore iluminada com mais fios de luzes.
Aquilo era um entretenimento comum nas festas em Odhen, em qualquer comemoração que você fosse, haveria uma. E eu queria ter chamado meus amigos para tirarem fotos lá também, mas eu sequer sabia onde estavam e eu estava me sentindo estranho por isso.
Me sentia assim principalmente por eu ter bebido e mesmo assim estar me sentindo mais sóbrio do que deveria, sabendo que minutos atrás eu sentia que poderia fazer as coisas mais loucas do mundo por estar me sentindo nas nuvens. Mas talvez eu estivesse confundindo as coisas.
Eu encarava o céu quando entortei os lábios em uma breve careta, o som da música abafada que começou a tocar dentro da casa me fez reconhecer que se tratava de Euphoria, do BTS.
Eu normalmente iria gostar de estar ouvindo aquela música, mas naquele momento eu só conseguia pensar em todos os casais e amigos que estavam dentro daquela casa, provavelmente bem mais felizes do que eu estava lá fora, sozinho, perdido e cheio de questionamentos, desejando ter bebido mais para não lembrar de nada no outro dia.
"Eu ainda não sei o que são essas emoções, eu ainda estou sonhando?" dei uma leve risada quando ouvi aquela frase da música, observando duas garotas que saíam da cabine de fotos, ambas davam risadas e pareciam estar cambaleando, embriagadas. E mais uma vez, desejei estar assim no momento.
A música da festa então fica alta por um momento, meu corpo automaticamente se vira para a porta, revelando um Sunghoon preocupado. O mais velho fecha a porta atrás dele ao me ver, fazendo a música ficar abafada novamente quando ele apressa os passos até mim.
Eu não tive tempo para ter uma reação sobre aquilo.
— Por que você saiu de lá, Sunoo? — senti meu coração palpitar, observando a figura do garoto, que agora estava parada em minha frente. — Você se sentiu mal? Por que veio aqui 'pra fora? Você 'tá bem?
Ele me dispara com perguntas, e eu o encaro por alguns segundos, não entendendo como ele ainda conseguia perguntar todas aquelas coisas.
— Você disse que seriam cinco minutos, Sunghoon. — foi a primeira coisa que eu disse, não me importando em demonstrar minha irritação. — Foram mais de vinte. Pensou que eu iria te esperar 'pra sempre?
— Me desculpa por isso. — ele entorta os lábios, passando a mão atrás da nuca. — Eu não sabia que ela iria me chamar, mas ela realmente precisava da minha ajuda e eu...
— Não precisa se explicar. — o cortei, me virando para a frente e voltando a encarar o céu. — Não tem problema algum você querer curtir a festa com outra pessoa, mas seria menos idiota da parte de vocês se não me pedissem para ficar esperando.
— Mas eu não queria ter deixado você lá, Sunoo. Eu só... — o garoto tentou continuar, mas eu o cortei novamente.
— Que merda, Sunghoon. — respirei fundo. — Eu realmente 'tô me sentindo um idiota por ter esperado mais do que deveria, e falar isso 'pra você é mais humilhante ainda. Então finge que eu não falei nada.
O mais velho fica em silêncio após minha fala, mas logo se para ao meu lado e respira fundo, seguindo o meu olhar até o céu. E eu pensei que ele não diria mais nada, mas sua voz chama minha atenção:
— Você 'tá chateado comigo?
Eu não o respondi com palavras, apenas neguei com a cabeça devagar, desviando o meu olhar até a cabine de fotos. Pelo horário, era compreensível ela já não estar mais sendo ocupada.
— Acho que a minha decepção é só com essa festa. — dei de ombros, querendo fugir daquela situação que eu provavelmente iria sentir vergonha ao amanhecer.
— Você passou quase toda a festa comigo.
O tom de Sunghoon sai baixo, e meu olhar segue até o dele, vendo que ele estava olhando para mim também, mas eu não tinha certeza se ele já estava assim antes.
Em um ato rápido e diferente do que ele havia feito antes, Park segurou em minha mão, não me dando tempo para falar alguma coisa quando me puxou com ele até a cabine de fotos.
— O que você está fazendo? — perguntei, meu olhar imediatamente descendo até nossas mãos.
— Tentando deixar essa festa melhor 'pra nós dois. — ele responde quando puxa a cortina vermelha da cabine, me dando espaço para entrar também.
Eu hesitei um pouco, mas senti uma sensação de vazio e um frio bater contra minha mão quando Sunghoon a soltou. Com isso, eu entrei dentro da cabine, me sentando no banco que havia lá dentro.
Sunghoon fechou a cortina quando entrou também e se sentou ao meu lado. Eu ouvi o mais velho respirar fundo, sentindo sua perna encostada na minha, assim como nossos ombros também estavam. E eu não sabia se era possível com a temperatura que estava lá fora, mas minhas mãos agora estavam começando a suar.
— Como fotos iriam deixar a festa melhor? — quebrei o silêncio que havia se instalado após entrarmos lá dentro.
— Elas não vão, mas eu quero deixar registrado antecipadamente. — Sunghoon diz, virando o rosto para mim. — Para depois que saírmos daqui.
Eu não conseguia o encarar diretamente, pelo menos não enquanto estávamos lá dentro. Eu me sentia agitado e com vontade de virar dez copos de vodca para criar a coragem de falar alguma coisa, mas o meu corpo não estava sob nenhum efeito de álcool, mas sim de nervosismo.
— Afinal, como você me achou aqui fora? — o questionei.
— Duas garotas disseram ter visto um garoto de cabelo rosa passando pela porta. — ele diz mais uma vez. — Eu pensei até que você pudesse estar com a Yuna, já que ela deixou claro o que queria.
— Como assim? — arqueei as sobrancelhas, me virando para ele em um impulso.
— A Yuna gosta de você, você realmente não percebeu? — ele balança a cabeça, rindo sem humor. — Eu vi ela te procurando mais cedo.
— Você ficou maluco. — foi a minha vez de rir. — Seria mais provável eu beijar você do que ela.
Eu nunca havia presenciado alguém mudar de expressão tão rápido quanto Sunghoon, e eu me arrependi de ter dito aquilo no mesmo momento. Foi uma frase dita no automático, até porque eu acreditava ser óbvio para a maioria que eu não beijava garotas.
Eu estava até me questionando se Yuna havia sido legal comigo daquela forma porque tinha segundas intenções: me beijar.
— Você me beijaria?
O questionamento de Sunghoon faz meu coração voltar a bater mais rápido, e eu realmente me odiava por falar coisas sem pensar antes. Eu havia me colocado em uma situação onde eu teria que me explicar para o garoto ao meu lado.
— Não quis dizer isso... quer dizer, eu disse. Mas não nesse sentido, sabe? — eu parecia mais perdido do que o normal. — É que eu não beijo garotas, entende? Pensei que era óbvio até 'pra ela.
— Entendo. — Sunghoon balança a cabeça em afirmação, e parecendo ignorar toda aquela informação, ele volta a questionar a mesma coisa: — Mas então você não me beijaria?
— Por que isso importa? Eu acho melhor tirarmos essas fotos logo. — tentei mudar de assunto, mesmo sentindo que aquilo não iria acabar ali.
Meu olhar se voltou até a câmera em nossa frente no mesmo momento, ignorando totalmente o garoto ao meu lado. Eu tentava entender como aquilo funcionava, e quando li uma placa que continha algumas instruções, apertei um botão que dava início às fotos, observando uma contagem de 5 segundos aparecer na tela.
Forcei um sorriso para a câmera imediatamente, fazendo um coração com meus dedos quando o flash se espalhou pela cabine, tirando a primeira foto.
Quando olhei para a nossa imagem no aparelho, Sunghoon não havia feito pose nenhuma, ele estava apenas olhando para mim.
— Você deveria fazer alguma pose. — eu tentava falar normalmente, mas a agitação em meu corpo era nítida.
E quando mais uma contagem começou, tomei a coragem para levar uma de minhas mãos até o rosto de Sunghoon, o virando em direção da câmera e tentando dar mais um sorriso, sentindo meus dedos se afundarem em suas bochechas quando mais um flash se fez presente dentro da cabine, tirando outra foto.
Antes de outra contagem começar, Sunghoon segurou em meu pulso, puxando minha mão que estava em seu rosto e automaticamente fazendo meu olhar seguir até o dele. Seu semblante era sério, e eu já não tentava adivinhar o que ele pensava, estava sem jeito demais para isso.
— Engraçado. — Sunghoon finalmente diz alguma coisa, e a contagem nova começa, me fazendo virar o rosto novamente.
— O que é engraçado? — eu já não sabia mais qual pose fazer para a câmera, então imitei a mesma que eu havia feito da primeira vez.
— Eu beijaria você.
Eu abaixei a mão quando o ouvi, virando o meu rosto para o encarar no mesmo momento, vendo que Sunghoon tinha seu olhar fixo em mim.
Nossos rostos estavam tão perto que nossas respirações se misturavam, e por mais nervoso que eu estivesse, continuei encarando o mais velho, tentando entender se aquelas palavras realmente haviam saído da boca dele.
Eu não sabia o que fazer, muito menos o que dizer. Eu estava apenas ali, trocando olhares com o garoto ao meu lado, esse que havia acabado de admitir que me beijaria.
E acredito que aquele silêncio foi a resposta que ele precisava, porque Sunghoon me beijou.
O mais velho levou a mão até minha nuca, puxando-a e acabando com qualquer distância existente entre nós dois ao colar nossos lábios em um beijo. Apenas o som do último flash da cabine deu para ser escutado, mas já não importava mais. Não quando eu sentia a outra mão de Sunghoon em minha cintura, onde ele segurava firme e afundava os dedos, me puxando mais contra o corpo dele, era como se apenas o beijo não fosse o suficiente.
O beijo não era agressivo e nem tão delicado assim, mas era um beijo intenso. Minha mão direita se encontrava ao lado do pescoço do mais velho e eu acariciava o local com a ponta dos meus dedos, os subindo delicadamente até encontrar seus fios de cabelo, onde puxei devagar. Após isso, um frio se instalou em minha barriga quando Sunghoon deu uma leve risadinha em meio ao beijo, e até o momento, acho que aquela havia sido uma das coisas mais atraentes que eu já escutei.
Nada mais passava por minha cabeça naquele momento, era apenas eu e ele. Beijar Sunghoon era melhor do que eu poderia imaginar, e eu não fazia ideia de como iria reagir depois disso, e muito menos ele. Mas ali, enquanto nos beijávamos, eu tive a certeza de que eu estava certo em todas as vezes que tentei fugir dele, porque seria difícil demais tentar escapar de uma coisa que se encaixava tão bem quanto aquilo. Aquele beijo.
Mas infelizmente, quando senti Sunghoon puxar meu lábio inferior entre seus dentes, eu sabia que o beijo iria acabar ali. E assim aconteceu, ele juntou nossos lábios por longos segundos após seu ato, finalizando o beijo com dois selinhos demorados.
E eu demorei um tempo, mas finalmente abri os meus olhos, dando de cara com um olhar tão intenso quanto o seu beijo havia sido. E eu não sabia o que dizer, mas mantive minhas mãos em sua nuca, fazendo uma leve carícia com meus dedos enquanto estávamos em um silêncio nada constrangedor, acreditando que ambos ainda estavam tentando raciocinar o que havia acabado de acontecer.
— Acho que no final, a festa ficou mesmo interessante. — ele sussurra para mim, nossos lábios ainda próximos.
E quando eu iria responder, uma voz soou do outro lado da cortina, parecendo ser o de um garoto bêbado. E eu logo me afastei de Sunghoon, observando o mais velho também ajeitar sua postura e levantar do banco, se virando para mim ao dizer:
— Acho que devem estar esperando 'pra entrar aqui. — ele coça a nuca, mas seus lábios rosados pelo beijo de segundos atrás era a única coisa que chamava minha atenção.
— Melhor a gente sair. — balancei a cabeça e Park apenas concordou, se certificando de pegar a cartela de fotos que a máquina havia liberado e só então abrindo a cortina, saindo de dentro da cabine e me esperando.
E em pouco tempo, passamos pelo garoto bêbado que estava do lado de fora, seguindo juntos até a parte de dentro da casa novamente quando Sunghoon segura em minha mão.
A música alta voltou a tomar conta dos meus ouvidos, e eu passava pelo meio de todas aquelas pessoas enquanto estava sendo guiado pelo garoto em minha frente.
"Eu realmente acabei de beijar Park Sunghoon?" era a única coisa que passava em minha cabeça, e eu não sabia o que ele estava pensando sobre isso, mas também não queria descobrir tão cedo.
A cada semana que se passava, eu descobria algo novo sobre ele, e ele insistia em me surpreender cada vez mais. No final de tudo, como ele mesmo disse, a festa realmente havia ficado mais interessante. Principalmente porque Sunghoon me guiou até as escadas que davam até o segundo andar, e quando passamos por várias portas de um corredor, entramos em um quarto isolado.
Antes que eu raciocinasse mais uma vez, Sunghoon fechou a porta atrás de mim, não demorando para me empurrar contra ela, fazendo minhas costas se chocarem contra aquela madeira.
— Eu não faço ideia se você vai fugir de mim amanhã, ou se vai agir como se nada tivesse acontecido. Mas eu quero ter a certeza de que você não vai esquecer disso. — ele apoiou uma das mãos na porta, ao lado da minha cabeça. E ele iria continuar, mas eu não o deixei quando o segurei pela corrente prateada de seu pescoço, o puxando para mais perto de mim e iniciando nosso segundo beijo da madrugada.
Dessa vez, ambas as mãos dele seguraram firme em minha cintura, mas ele pressionava o corpo contra o meu, mais uma vez buscando o máximo de contato possível comigo. Enquanto isso, minha mão que segurava em sua corrente, desceu até o topo de sua camiseta, segurando firme no local na intenção de também manter o garoto mais perto de mim.
E eu não fazia ideia de quanto tempo havíamos ficado daquele jeito, mas foi tempo o suficiente para me fazer desejar que tivéssemos nos beijado mais cedo. Mas tudo indicava que aquilo não acabaria ali, não depois de toda a tensão acumulada que nos fizeram chegar naquele momento.
***
Heeseung:
5:34
eu não sei quem é você, mas parece ser a pessoa mais confiável
eu tô com o seu amigo na sala principal da festa, eu preciso ir embora e ele tá dormindo no sofá... em cima do meu celular
Eu e Sunghoon descíamos as escadas juntos, isso havia sido alguns minutos depois de eu ter recebido aquela mensagem. E eu estava quase achando que aquilo havia sido um tipo de brincadeira dos meninos, mas quando chegamos na sala principal, Heeseung estava mesmo deitado com a cabeça no ombro de uma garota, mas a garota era familiar para mim.
— Você é o Sunoo? — a garota pergunta para Sunghoon, parecendo aliviada.
— Na verdade, sou eu. — levantei o celular que eu tinha em mãos.
E após alguns segundos, lembrei de onde eu reconhecia o rosto dela. Ela era a garota que estava gritando com alguém no telefone, no começo da festa.
— Como isso aconteceu? — perguntei imediatamente, me apressando para me sentar ao lado de Heeseung no sofá e o chacoalhar, o puxando para se deitar para o outro lado. — Acorda, cara.
A garota em nossa frente solta uma risada.
— Se eu soubesse, eu teria o acordado assim. — ela levanta do sofá e ajeita a alça de sua bolsa no ombro. — Eu encontrei com ele há algumas horas, e ele estava muito bêbado. Eu até teria deixado ele sozinho, mas foi bom ouvir alguém me elogiando de cinco em cinco minutos... ainda mais hoje.
Ela se abaixa no sofá e pega o celular dela que estava embaixo de Heeseung, abrindo um leve sorriso para mim.
— Enfim, já tive o meu entretenimento da noite depois de apenas me estressar com homens irritantes. — ela respira fundo, digitando algo no celular. — Foi bom ver vocês, espero que o seu amigo acorde sem muita ressaca.
— Espera, qual o seu nome? — perguntei quando ela se preparava para sair dali.
— Você provavelmente o diria para o seu amigo amanhã, não é? — ela sorri de forma divertida.
— Ele provavelmente me perguntaria...
— Então é melhor deixar como está. — ela ri fraco e dá um tchauzinho com a mão, seguindo até a saída do local.
A festa não estava tão cheia quanto estava antes, mas ainda tinha um bom número de pessoas espalhadas por lá.
Heeseung agora estava deitado com a cabeça em meu colo, enquanto Sunghoon estava sentado no encosto do sofá.
— Eu posso zoar ele amanhã e dizer que ela pediu o número dele? — ele pergunta de repente, me fazendo rir.
— Seria engraçado. — falei, mas logo fiz uma breve careta. — Eu acho que vou pedir um Uber, não posso deixar ele aqui sozinho.
— Você quer que eu acompanhe vocês? — Sunghoon levanta imediatamente, olhando de forma curiosa para Heeseung.
— Não precisa, seria longe 'pra você ir até a minha casa e depois ir até a do Jake. — abri um pequeno sorriso, voltando a encarar Heeseung em meu colo. — Eu tenho até medo de perguntar 'pra ele amanhã o que mais ele fez...
Depois disso, Sunghoon me ajudou a chamar um Uber e a acordar Heeseung, que não parava de falar sobre a garota sem nome mesmo que estivesse apenas resmungando coisas desconexas.
— Onde vocês dois estavam? — Lee pergunta, e aquela havia sido uma das únicas frases que fizeram sentido da boca dele.
Nós caminhávamos para o lado de fora e meu melhor amigo estava apoiado em meu ombro, enquanto Sunghoon também servia de apoio do outro lado.
— Estávamos por aí... — Sunghoon vira o rosto para mim no mesmo momento em que eu viro para ele, vendo que ele tinha um pequeno sorriso no canto dos lábios.
Eu respirei fundo ao olhar para frente novamente, tentando conter um pequeno sorriso que tentava crescer em meu rosto.
E eu não sabia o que iria acontecer a partir dali, mas eu com certeza não iria esquecer tão fácil de tudo o que aconteceu naquela madrugada.
***
Chapter 8: Teenage Dream
Chapter Text
Kim Sunoo.
Sunghoon:
6:23
"vocês chegaram bem?"
Park Sunghoon definitivamente era um cara de palavra, porque eu realmente não havia esquecido nada do que aconteceu naquela festa.
"Eu não faço ideia se você vai fugir de mim amanhã, ou se vai agir como se nada tivesse acontecido. Mas eu quero ter a certeza de que você não vai esquecer disso." era como se a voz dele estivesse dentro da minha cabeça, apenas me provocando para que eu continuasse pensando nele.
E todos sabem o que acontece no dia pós festa, não é?
Você e seus amigos relembram das coisas que fizeram e, em algum momento, sempre acontece o famoso diálogo: "lembra de quando você fez isso? Foi hilário!", isso quando não era algo como: "você realmente beijou aquele cara?" e então, vocês passam horas dando risada e desejando voltar para a noite anterior (ou não).
Eu voltaria, eu acho.
Mas enquanto eu estava deitado em minha cama e encarando a mensagem que eu não havia respondido (porque eu estava dormindo), minha cabeça continuava pensando em tudo o que aconteceu entre eu e ele.
Eu realmente não esperava que Sunghoon fosse me beijar, ou que ele sequer me olhava daquela forma, mas quando ele me beijou... foi como se eu já estivesse esperando por aquilo. Eu não sabia explicar, mas era exatamente esse o meu sentimento.
Geralmente você se surpreende, e só então, retribui o beijo. Mas comigo foi diferente, eu apenas o beijei de volta.
E naquele momento, o nervosismo estava maior ainda para ir até a escola no outro dia, e não fazia nem 24 horas desde a última vez que eu tinha visto Sunghoon. Então, como eu sempre costumava fazer, eu estava me questionando:
Como eu deveria agir? O que eu deveria falar? O que ele iria fazer? E como um beijo poderia mexer tanto comigo daquela forma? Eu odiava esse sentimento, mas o odiava porque eu não queria parecer patético na frente dele por causa de um beijo.
— Sinto que a minha cabeça vai explodir, puta merda.
Heeseung havia acabado de passar pela porta do meu quarto, o mais velho saiu do banho após acordar às quatro da tarde. Aquela havia sido a primeira coisa que ele disse para mim desde o momento em que acordou com uma cara de quem passaria o resto do dia de ressaca.
— Você 'tá péssimo, cara. — eu ri baixo ao me sentar na cama e apoiar uma das mãos no colchão, observando Lee se sentar na cadeira giratória que ficava em frente ao meu computador.
— Me diz algo que eu não saiba. — ele resmungou enquanto massageava a cabeça com ambas as mãos ao me responder.
— Você dormiu no ombro de uma garota desconhecida, quase no final da festa. Ela disse que você a elogiou o tempo todo, então não teve coragem de deixar você sozinho. — joguei todas aquelas informações, bloqueando a tela do meu celular e o deixando ao meu lado na cama. — Aliás, você sumiu do mapa a festa inteira, você e o Jake.
— Como assim uma "garota desconhecida"? — o mais velho faz uma careta. — Cara, eu não lembro de nada além de momentos, é como se tivesse um flash com alguns deles na minha cabeça. Quem era essa garota?
— Ela não quis dizer o nome, mas era aquela que a gente esbarrou no começo da festa, lembra? — dei de ombros.
— Aquela doida que 'tava gritando com alguém no telefone? Por que eu ficaria elogiando ela? E por que ela 'tava comigo? — Heeseung realmente não parecia lembrar de nada.
— Eu me pergunto a mesma coisa, eu só encontrei você lá. Porque como eu falei, você sumiu do mapa. — entortei o nariz e me encostei na cabeceira da cama. — Eu avisei 'pra você não beber tanto, agora vou ficar sem saber o que mais você aprontou ontem.
— Somos dois então, porque eu não lembro... e eu provavelmente não elogiaria ela estando sóbrio. — ele começa a girar devagar na cadeira, mas para de repente, olhando curiosamente para mim. — E onde você 'tava, afinal?
Eu congelei no mesmo momento e encarei Heeseung, ele mantinha o olhar curioso em cima de mim. Um pequeno sorriso quis crescer em meu rosto, e não pelo o que aconteceu na festa, mas porque eu estava nervoso em falar sobre isso com meu melhor amigo, eu não era o melhor em mentir. Sem tirar que ele provavelmente iria me encher de perguntas que eu infelizmente ainda não tinha respostas para nenhuma delas.
— Eu estava na festa, e bem mais sóbrio do que você. — tentei desconversar. — Você realmente não lembra de nada?
— Não. — ele faz uma careta, felizmente não percebendo que eu estava mudando de assunto. — Quer dizer... eu lembro que eu e o Jake fomos até alguns universitários que estavam na festa e eles nos desafiaram a beber tudo o que restava em um galão, e eu bebi. Depois disso, eu não lembro de nada.
— Você bebeu? — arqueei as sobrancelhas. — Por que você bebeu tanto desse jeito? E o Jake?
— Ah, Sunoo. Sei lá, eu 'tava curtindo o momento. — ele dá de ombros. — Nós vamos 'pra faculdade depois que isso tudo acabar, e pode ter certeza que as festas de lá não são muito diferentes disso. Mas eu não vou mais exagerar como ontem, acho que eu só precisava me distrair um pouco mesmo.
— E você acha que valeu a pena?
— Talvez. — ele dá um pequeno sorrisinho enquanto virava a cadeira de um lado para o outro. — Pelo menos eu não lembro de nada.
— Não consigo ver o ponto positivo disso. — fiz uma careta. — Como é mesmo a frase daquela série que você gosta? "Nada é lendário se os seus amigos não estiverem lá."
— "Não importa o que você faça na vida. Não vai ser lendário, a menos que os seus amigos estejam lá para ver."
Heeseung repete uma das frases famosas de seu seriado favorito: How I Met Your Mother. O garoto então pensa por alguns segundos, voltando a falar:
— Tudo bem, talvez não tenha sido tão lendário assim. Mas pelo menos eu fiquei bêbado e não pensei no quão frustrante a minha vida 'tava ontem. — ele dá de ombros novamente. — E eu ainda não acredito que você prefere Friends.
Sua última frase me faz rir.
— Eu não vou começar essa briga com você de novo, Heeseung. — falei enquanto me levantava da cama. — Podemos ir comer alguma coisa logo? Eu 'tô morrendo de fome.
— Vamos, por favor. — ele levanta também e entorta os lábios. — Espero que a sua mãe não perceba que eu 'tô de ressaca.
— As mães sempre sabem, Hee. — me aproximei do mais velho, dando leves tapinhas contra as costas dele. — Mas se você quiser pelo menos disfarçar, eu mudaria essa sua cara de sofrência.
— Você é muito idiota.
E nós dois seguimos juntos até o andar de baixo. Eu não sabia onde minha mãe estava, então eu e Heeseung apenas decidimos que naquela tarde iríamos pedir uma pizza e assistir filmes de comédia, tudo enquanto eu precisava aguentar meu melhor melhor amigo resmungando de dez em dez minutos por conta da ressaca. E eu, obviamente, não perdia uma oportunidade de o provocar.
***
Eu achei que conseguiria agir normalmente ao chegar na escola no outro dia, mas não, eu estava evitando Sunghoon. E eu tentava ser discreto quanto a isso, mas eu não sabia como meus amigos iriam interpretar o fato de eu estar lendo um livro de física em uma aula de inglês.
Eu havia esquecido completamente de trocar os livros da minha mochila, então todas as matérias de sexta-feira estavam lá dentro ainda. Eu estava sendo um péssimo aluno, eu sabia disso, mas as coisas daquele final de semana realmente me distraíram. Para a minha sorte, não estávamos em semana de provas ainda.
E como eu não tinha outra coisa para focar e me fazer não encarar Park Sunghoon na sala de aula, eu estava lendo um texto sobre eletromagnetismo, mesmo que meu cérebro não estivesse absorvendo bulhufas das palavras que estavam naquela folha.
— Você sabe que não temos aula de física hoje, não sabe? — a voz de Jungwon me assustou de repente, e então, meu olhar subiu até o mais novo. Ele se encontrava em pé, de frente para minha mesa.
— Eu sei. — fiz uma careta, fechando meu livro e voltando minha atenção até o garoto. — Eu só não tenho muito o que fazer 'pra me distrair.
— E você quer se distrair do que? — ele pergunta.
E só então eu percebi que o horário já havia trocado, a professora de inglês já não estava mais na sala de aula.
— Não queira saber. — fiz uma breve careta, observando o mais novo se sentar na cadeira em minha frente, me fazendo lembrar que mal havíamos nos falado no sábado. — Você sumiu na festa.
— Eu também não vi você depois do Beer Pong. — ele ri baixo. — Depois que nós encontramos o Heeseung e o Jake, foi hilário. Você precisava ver.
— Nós?
— É, eu e o Jay. — ele diz. — Eu fui pegar bebidas com ele enquanto vocês estavam jogando... mas um grupo de universitários nos chamaram 'pra jogar verdade ou desafio com eles. Foi engraçado, melhor ainda quando o Jake e o Heeseung chegaram.
Todos haviam tido contato com aqueles caras nessa festa? Aparentemente era eu quem havia sumido enquanto todos estavam reunidos.
E enquanto eu refletia sobre isso, Jungwon continuou:
— Mas o Jake sumiu depois, eu só lembro de ter visto o Heeseung com uma garota loira. — ele ri baixo. — Foi engraçado.
— Você também a viu, então? — perguntei, imaginando que se tratava da mesma garota do final da festa.
— Viu quem? — a voz de Heeseung se aproxima quando o garoto senta ao meu lado, exatamente no lugar dele na sala de aula. — Você finalmente parou de ler esse livro de física? A cada dia que passa você se comporta mais estranho.
— Estávamos falando de você. — Jungwon chama a atenção de Heeseung, que agora parecia mesmo interessado no assunto.
— Falando o que de mim?
— Da garota da festa. — meu tom estava cheio de diversão. — Jungwon disse que também a viu com você.
— Vocês estão zoando com a minha cara, não é? Eu não lembro de nada que envolva essa garota. — ele agora tinha uma careta no rosto. — O Sunghoon até disse que ela pediu o meu número.
— Ela pediu? — Jungwon dá risada. — Me surpreende já que ela repetiu várias vezes que você era apenas um garotinho do ensino médio, mas bonitinho.
Naquele momento, Heeseung tinha a maior cara de nojo que eu já o vi fazer. E foi hilário.
— Vocês estão mesmo tirando uma com a minha cara.
O mais velho revira os olhos, e então, ele vira o corpo em direção do outro lado da sala, fazendo algo que fez todo o meu esforço até o momento ser em vão:
— Sunghoon, vem aqui. Agora.
Pela primeira vez em horas, meu olhar seguiu até ele. Sunghoon estava com os dois braços cruzados e apoiado em uma mesa enquanto conversava com Jake. O garoto virou o rosto quando seu nome foi chamado, e sem hesitar, ele falou algo para o australiano em sua frente e seguiu até onde estávamos.
Em que lugar o próximo professor havia se enfiado quando eu mais precisava?
— O que foi? — Sunghoon pergunta assim que para ao lado da mesa de Heeseung. O olhar do moreno rapidamente cai em cima de mim, me deixando imediatamente inquieto na cadeira.
— Como era a garota que supostamente pediu o meu número?
A expressão séria de Sunghoon rapidamente muda quando o garoto solta uma risada baixa ao escutar Heeseung, mas ele respira fundo antes de responder:
— Loira, e até que era bonita. — ele diz.
— Não, idiota. Como ela era... de personalidade. — Heeseung insiste na pergunta, fazendo Sunghoon arquear as sobrancelhas.
— E eu lá vou saber? Quem repara nesse tipo de coisa em uma festa? — Sunghoon parecia estar achando aquele questionamento muito engraçado. — Você se apaixonou por ela, foi?
— Não tem como eu me apaixonar por uma pessoa que eu sequer me lembro. — Heeseung entorta os lábios. — Mas esquece, não vai fazer diferença de qualquer forma.
— Pergunte isso ao Sunoo. — Sunghoon diz, de repente. — Ele deve se lembrar muito bem da festa, e da garota.
Meu rosto levantou até Sunghoon no momento em que meu nome saiu de sua boca. Ele sabia muito bem o que queria dizer com "ele deve se lembrar muito bem da festa."
Meus dedos se apertaram contra um lápis que estava em cima da minha mesa, e acho que Park havia reparado, porque ele abriu um pequeno sorriso em minha direção. Eu não estava errado, ele estava me provocando.
— Que merda isso quer dizer? — Heeseung pergunta ao me encarar.
— Infelizmente... — soltei o ar pelo nariz ao começar a falar, desviando devagar o meu olhar de Sunghoon até o meu melhor amigo. — Eu não falei com ela o suficiente 'pra saber de alguma coisa.
— Em conclusão... vocês estavam tirando uma com a minha cara. — Heeseung apoia ambas as mãos na mes, afastando a cadeira que estava sentado e se levantando. — Odeio vocês.
— Será que estávamos? — Sunghoon apoia uma mão no ombro do garoto de cabelos castanhos. — De qualquer forma, você não lembra de nada...
Heeseung tira a mão de Sunghoon de seu ombro e revira os olhos enquanto eu, Jungwon e Sunghoon dávamos risadas.
— Eu não tenho nada a ver com isso. — Jungwon se levanta e volta para onde estava sentado no começo da aula.
A professora responsável pela próxima aula entrou na sala na mesma hora, obrigando Sunghoon a fazer o mesmo que Jungwon: voltar ao lugar que estava sentado antes. E por incrível que pareça, o garoto não falou mais nada, muito menos me provocou novamente, ele apenas voltou para onde estava.
A mais velha da sala então se desculpou pelo atraso, justificando que havia sido porque o diretor reuniu alguns professores para conversar sobre atividades futuras, mas ela não entrou em detalhes do que se tratava, apenas começou a passar uma matéria nova ao pedir silêncio da parte dos alunos.
***
Eu amava os intervalos da Wall, eles eram longos e te davam um ótimo tempo para descansar a mente de informações e palavras difíceis que costumamos escutar na sala de aula.
E sim, é engraçado eu pensar assim quando eu sei que passaria horas lendo palavras difíceis em livros de ficção. E sendo sincero, eu prefiro mil vezes lê-las em algum clichê/não clichê que envolve vampiros ou qualquer ser sobrenatural... e eu não estou falando da Saga Crepúsculo dessa vez.
O sinal do intervalo havia acabado de tocar, e como sempre, eu estava me preparando para fazer o que eu fazia de melhor: fugir de Park Sunghoon.
Eu era um covarde, desde o começo eu sempre fui um, mas as coisas pareciam mais difíceis agora que eu sabia qual era a sensação de beijar aquele garoto. E ficou mais complicado ainda quando eu soube o quão bom era.
— Você 'tá me evitando. — a voz de Sunghoon surge atrás de mim enquanto eu caminhava pelo corredor. O meu destino era óbvio: a biblioteca.
Eu não me assustei com o fato de Sunghoon estar atrás de mim, porque no momento em que o sinal tocou, eu sabia que ele viria. Eu percebi que ele me olhava com uma certa ansiedade, a forma que ele me olhava com certa ansiedade minutos antes de eu levantar da cadeira deixava claro que ele queria falar comigo e estava esperando o intervalo para tomar uma atitude. E pelo jeito, minhas habilidades de uma pessoa observadora estavam melhorando, porque eu estava correto.
— E você 'tá me seguindo. — respondi enquanto continuava caminhando pelo corredor, percebendo Sunghoon aumentar os passos até me alcançar.
— Então você assume que 'tá me evitando?
Quando chegamos na porta da biblioteca, eu apoiei minha mão na maçaneta, virando o meu rosto para o mais velho e falando:
— E você assume que 'tá me seguindo?
Sunghoon ri sem humor e encara minha mão na maçaneta. O moreno então coloca a mão por cima da minha, me fazendo abrir a porta e, só então, respondendo minha pergunta:
— A biblioteca é livre para todos, não é? — ele força um sorriso e afasta a mão da minha, passando primeiro pela porta.
Eu fiquei ali parado por alguns segundos, mas respirei fundo e entrei na biblioteca também. Quando passei por Sunghoon, o encarei realmente sério, recebendo o mesmo olhar do mais velho que, mais uma vez, me acompanhou, dessa vez até o balcão onde Daya costumava ficar.
— Você chegou no momento perfeito, Sunoo. — a voz da mais velha fez eu me sentir um pouco aliviado, de certa forma. — Recebemos novas doações, imaginei que você fosse gostar de algum livro. — ela iria continuar, mas para quando vê Sunghoon. — Oi, Sunghoon! Você está por aqui mais uma vez?
— E aí, Daya. — Sunghoon a cumprimenta ao levantar uma das mãos.
— Livros novos? Onde estão, Daya? — perguntei em um tom animado ao apoiar minhas mãos no balcão, mas juntei as sobrancelhas ao olhar para trás e olhar para Sunghoon. — Ele já veio aqui antes?
— Sim, ele procurou por você. Vocês não conversaram? — ela questiona, só então me fazendo lembrar de quando ele realmente me procurou na biblioteca há alguns dias. — E os livros estão aqui. — ela arrasta duas pilhas de livros pelo balcão, os deixando à minha vista. — Eu estava agora mesmo terminando de organizar eles no sistema da biblioteca. Eu só preciso colocar eles nas prateleiras agora.
— Eu faço isso 'pra você. — sugeri imediatamente. Qualquer oportunidade para adiar a conversa com Sunghoon, eu aceitaria. — E não aceito não como resposta.
— Na verdade, isso me ajudaria bastante. — ela ri baixo. — O sistema da escola está mudando, então estou cheia de coisas para entregar até hoje.
E ela abre um sorriso, e eu não demoro para puxar uma das pilhas de livros para mais perto de mim, ficando aliviado por não ser tão pesado assim.
— Eu ajudo com a outra. — sem esperar por uma resposta, Sunghoon simplesmente se aproxima do balcão também e puxa a outra pilha para si, a segurando firme em seus braços. Quando meu olhar foi até o dele, ele riu pelo nariz, voltando a falar com a bibliotecária. — Tem alguma regra ou posso colocar em qualquer lugar?
— O Sunoo já está acostumado com isso, então pode fazer exatamente o que ele fizer, tudo bem? Mas eles são separados por categorias!
Daya realmente parecia estar agradecida pelo o que estávamos fazendo, porque não percebeu o clima estranho que estava entre eu e Sunghoon, não percebeu nem quando eu abri um sorriso para a mulher e, em silêncio, segui em direção dos corredores de livros. Esperando que Park apenas me acompanhasse e não falasse mais nada.
— Esses livros ficam nesse corredor. — apontei para um corredor onde a categoria era de romance, que eram os livros que Sunghoon carregava. — Os meus ficam nesse. — apontei com a cabeça para o corredor ao lado e Park apenas concordou.
Sem prolongar, eu entrei no corredor que eu havia indicado e, só então, comecei a encarar todos os livros espalhados pela prateleira. Do outro lado, pude ver os olhos curiosos de Sunghoon que fazia o mesmo, eu conseguia enxergar o garoto pelos espaços que ficavam entre um livro e outro.
E eu não percebi que estava o encarando, pelo menos não até o momento em que seu olhar encontrou o meu, fazendo um frio se instalar em minha barriga, um sentimento que estava começando a ser normal há algumas semanas.
Eu desviei o meu olhar após aquele rápido segundo, encarando o primeiro livro que eu segurava e o colocando na prateleira, pensando por alguns segundos antes de perguntar:
— Não foi você quem disse que esse seria um lugar que você não iria frequentar?
Sunghoon estava colocando um livro na prateleira, e então, ele parou no meio do caminho. Com o olhar voltando a estar fixo em mim, ele fala:
— Eu disse isso?
— Disse, no dia em que o Heeseung te apresentou a escola.
— Ah, eu disse. — ele dá de ombros, indiferente. — Talvez eu tenha mudado de ideia.
Eu não respondi mais nada depois daquilo, apenas voltei a ficar em silêncio. Sunghoon fez o mesmo, pelo menos por um tempo, porque ambos estavam colocando cada livro em seu devido lugar, chegando cada vez mais perto do final do corredor.
E quando apenas dois livros faltavam, meu olhar foi novamente até o corredor do outro lado, mas o pouco tempo de distração me fez perder Sunghoon de vista.
Quando me virei para o lado, vi que o mais velho havia acabado de entrar no corredor que eu estava e, assim como eu, ele estava com dois livros restantes.
— Esses dois não são de romance, provavelmente ficam nesse corredor também. — ele se aproxima cada vez mais de onde eu estava, olhando bem para a etiqueta em seus livros antes de os colocar na prateleira.
E eu queria muito saber o que ele estava pensando naquele momento, porque de repente, Sunghoon respirou fundo, e como quem não estava mais aguentando guardar um sentimento para si mesmo, ele perguntou:
— Você não gostou de me beijar?
Eu segurei os livros que eu tinha em mãos com firmeza quando a pergunta dele me pegou de surpresa. Sunghoon estava sério, mas seu olhar demonstrava curiosidade e confusão. Eu sabia disso porque era o mesmo sentimento que eu costumava ter sempre que estava perto dele.
Era óbvio que eu havia gostado de beijar ele, eu havia gostado tanto que não conseguia parar de pensar naquele beijo. Mas eu tinha esse problema onde eu me encontrava em desespero sempre que eu sabia das chances de eu acabar me envolvendo demais com alguma coisa ou pessoa... e então, eu fugia.
Evitando a decepção.
Eu estava quase adotando a frase da MJ em Spider Man: No Way Home, onde ela diz que se você já espera a decepção, você não se decepciona.
— Você quer mesmo falar sobre isso aqui? — eu perguntei.
— E onde mais eu falaria? Você me evitou o dia inteiro. E eu imaginei que isso fosse acontecer. — Sunghoon entortou os lábios, parecendo realmente chateado.
Eu respirei fundo quando percebi isso, mas me virei para a prateleira, colocando nela os últimos livros que eu tinha em mãos.
— Você já parou 'pra pensar que eu talvez esteja confuso? — perguntei, demorando alguns segundos para me virar para ele novamente. — Você me beijou, Sunghoon. Mais de uma vez.
Meu tom de voz era baixo, primeiro porque estávamos na biblioteca, e segundo porque eu ainda achava estranho falar aquilo em voz alta, mas continuei:
— Há poucos dias eu pensava que você era hétero e que talvez estivesse se divertindo comigo, ou que realmente estivesse tentando ser apenas meu amigo. — eu respirei fundo. — Eu não sei o que você quer de mim, muito menos sei como você costumava se envolver com outras pessoas em Seul, mas eu não sou assim, entende? Sou um garoto de Odhen que quase não consegue se abrir com uma pessoa que acabou de beijar.
— Eu entendo. — o tom de voz dele sai tão baixo quanto o meu. — Mas o que te fez pensar que eu fosse hétero?
O fato de que isso tenha sido a única coisa que ele se importou em perguntar me deixou um pouco chateado, mas eu respondi:
— Foi o que o Jake confirmou no refeitório uma vez.
— Ele estava sendo irônico, na verdade. — Sunghoon faz uma breve careta. — Foi mais como uma piada interna entre eu e ele, mas eu não sou hétero.
— Acho que isso não é mais uma dúvida minha, não é? — fui totalmente sarcástico, me preparando para desistir daquela conversa.
— Calma, eu sei que o ponto não é esse, mas eu realmente quis ser seu amigo no começo, eu não 'tava brincando com você nem nada do tipo. — ele parecia apreensivo. — Eu ainda não 'tô, pra ser sincero. Você acha que eu te beijei por diversão?
— É o que as pessoas costumam fazer em festas, não? Beijar por diversão.
— Você me beijou só por diversão, então? — Sunghoon pergunta, ele realmente estava sério sobre isso.
— Como eu disse, eu não sou esse tipo de pessoa.
Eu não iria responder àquela pergunta explicitamente, eu não queria que Sunghoon me achasse um garotinho emocionado que espera viver uma história de amor com um garoto que beijou apenas uma vez em uma festa.
E eu realmente não pensava que as coisas fossem ser desse jeito, eu estava mantendo os meus pés firmes no chão quanto a isso. Mas eu não era alguém que beijava por diversão e conseguia agir normalmente no outro dia, pelo menos não com uma pessoa que fazia parte do meu dia a dia.
— Eu não beijei você por esse motivo. — ele diz baixo, se aproximando mais de meu corpo e ficando tão próximo que eu senti minhas costas encostarem na prateleira quando eu me afastei um pouco. — Posso te assegurar que eu 'tô tão confuso quanto você, não 'tava nos meus planos sentir tanta vontade assim de te beijar, Sunoo.
— Nem nos meus, Sunghoon. — eu apoiei minha mão em cima do peito do mais velho, fazendo ele se afastar de mim, mesmo que o mínimo. — Você não deveria ficar tão perto assim, tem câmeras aqui dentro.
O olhar de Sunghoon então se perde pela biblioteca, mas somente até ele encontrar uma das câmeras que ficavam no topo da parede. O mais velho solta uma risada fraca em seguida, voltando a ter a atenção em mim ao falar:
— Acho que ninguém ficaria monitorando as câmeras da biblioteca desse jeito, esse lugar é silencioso demais 'pra acontecer alguma coisa. — ele sussurra exageradamente, se inclinando devagar em minha direção e voltando a falar do assunto anterior. — Então quer dizer que você sente muita vontade de me beijar também?
— Você soa convencido demais 'pra uma pessoa confusa.
As palavras saíram imediatamente após a pergunta dele, e eu o encarava fixamente quando o vi abrir um pequeno sorriso no canto dos lábios.
Era complicado ficar perto de Sunghoon, ele sempre aparentava estar se divertindo e gostando de perceber o quanto as mínimas atitudes da parte dele mexiam comigo. E eu tive a certeza disso quando ele voltou a falar:
— Eu não diria que sou convencido, mas quando eu gosto de algo, eu vou atrás. — ele diz. — E eu gostei de beijar você, mesmo confuso.
A cada palavra dele, a sensação que eu costumava sentir de que meus sonhos pareciam mais reais do que a minha vida ao acordar, não existia mais. Eu me sentia muito estranho em relação a isso, mas porque eu demorei para me lembrar de como era se sentir assim.
— Você ainda sente essa vontade mesmo sabendo que eu posso voltar a fugir da situação a qualquer momento? — eu ri sem humor. — Você mesmo já falou o quão complicado eu sou, Sunghoon.
— Eu sei disso. Caso contrário, eu nem aqui estaria. — ele dá de ombros. — Você disse que não é como as pessoas de Seul, e eu também não sou. Mas eu quero que você me mostre como são as coisas do jeito Kim Sunoo.
— Como assim?
— Eu quero que você saia comigo.
Eu imaginava ouvir Sunghoon dizendo qualquer coisa durante aquela conversa, mas não esperava ouvir ele me chamando para sair. E acho que ele percebeu, porque ele parecia estar prestes a retirar o que havia dito, mas eu não o deixei falar nada antes de mim.
— Você quer sair comigo? Mesmo sabendo de tudo o que eu acabei de falar? — minhas sobrancelhas estavam arqueadas.
— Eu não 'tô pedindo que você saia comigo hoje, nem que você namore comigo ou algo do tipo. — ele ri, parecendo estar nervoso e se perdendo nas próprias palavras. — Mas eu não vou conseguir ignorar o que aconteceu, e acredito que nem você. Então eu quero saber até onde isso vai.
Eu pensei por alguns segundos, mas nada que fizesse um silêncio se instalar entre a conversa por muito tempo até ele ter uma resposta minha.
— Hipoteticamente falando, se eu também quisesse saber até onde isso vai, como as coisas iriam acontecer?
Sunghoon abre um pequeno sorriso, me respondendo:
— Nós dois iríamos sair, como amigos. Você não deixaria de responder as minhas mensagens... — ele começa a falar. — Também não iria fugir de mim e, em algum momento, eu não iria me importar em beijar você de novo. Hipoteticamente falando.
Sunghoon estava certo porque, assim como ele, eu não iria conseguir ignorar o que havia acontecido. E algo lá no fundo me dizia que aquilo poderia acabar dando errado, mas eu não conseguia raciocinar muito bem quando Park estava há centímetros de distância de mim, dizendo mais uma vez que me beijaria.
— Eu acho que... talvez isso não seja uma ideia ruim. — minhas palavras fazendo Sunghoon sorrir novamente.
— Você não vai mais fugir de mim, então? — ele se aproxima mais, apoiando uma das mãos ao lado da minha cabeça, na prateleira.
— Se você continuar me colocando contra os lugares, talvez eu fuja... ou não. — tentei soar divertido, mas o meu corpo todo estava agitado com aquela proximidade novamente.
Sunghoon não diz nada, ele apenas se aproxima cada vez mais, em silêncio. Eu havia até esquecido o fato de estarmos na biblioteca, mas estarmos mais afastados das outras pessoas me deixava mais tranquilo com o pensamento de ser visto ali.
E como uma lembrança da madrugada da festa, senti uma mão de Park subir até minha nuca, meus olhos se fecharam imediatamente quando as pontas geladas de seus dedos fizeram meu corpo se arrepiar e, quando eu pensei que ele me beijaria, ele parou.
— Tem câmeras aqui, Sunoo. — sua voz faz meus olhos abrirem, dando de cara com um Sunghoon sorridente, mas um sorriso provocativo.
— Você é completamente idiota. — revirei os olhos e respirei fundo, empurrando o garoto pelo peito, o afastando. Ele continuava me olhando com diversão.
Sunghoon então se estica, olhando para o lado de fora do corredor por alguns segundos. Em seguida, ele se volta para mim, me puxando pela mão e não me dando tempo para raciocinar quando ele encara uma das câmeras, deixando um selinho rápido contra meus lábios assim que nos esconde atrás de uma prateleira.
Meu olhar foi até o dele, e se eu pudesse ver, diria que meu rosto havia ficado vermelho com a força que eu fiz para que um sorriso não crescesse em meus lábios.
— Vejo você depois. — ele sussurra e se afasta ao soltar minha mão. — Espero que você não mude de ideia até lá.
E assim, ele me deixa sozinho no corredor.
Quando levei minha mão até o meu peito, eu senti meu coração bater forte, várias vezes. Sunghoon havia me deixado sozinho depois de mexer completamente comigo, e eu havia acabado de aceitar que iríamos tentar ver até onde as coisas iriam.
Será que era isso que Katy Perry queria dizer quando cantou que alguém a fazia sentir como se estivesse vivendo um sonho adolescente?
E eu não iria fugir dessa vez porque, mesmo que eu não tenha prometido, eu deixei claro que queria isso tanto quanto ele.
Mas quem eu estava querendo enganar? Eu quase deixei que ele me beijasse dentro da biblioteca.
— Vocês colocaram tudo no lugar? — Daya falava comigo quando me aproximei do balcão. — O Sunghoon cansou de ficar na biblioteca, é? Ele saiu daqui com tanta pressa, mas parecia sorridente.
— Parecia? — eu ri pelo nariz. — E sim, coloquei tudo no lugar.
— Bastante. — ela sorri para mim e aponta para o outro lado da biblioteca. — Sua dupla chegou assim que ele saiu, deve estar procurando por você também.
— Minha dupla? — me virei para o lugar apontado, observando que Yuna estava sentada em uma das mesas. Ela mexia no próprio celular enquanto tinha os dois airpods no ouvido.
Aquela era a primeira vez que eu a via desde a festa, e eu ainda estava pensando sobre o que Sunghoon havia me dito. Será que ela gostava mesmo de mim? Isso era tão estranho, eu realmente gostava da amizade da garota. E eu não iria mudar o meu comportamento com ela por conta disso, eu não era nenhum babaca.
Yuna era uma garota legal, acredito que até uma das pessoas que eu mais havia gostado de me aproximar nas semanas que se passaram. Eu não iria arriscar perder isso por conta de algo que eu não tinha certeza, até aquele momento.
— Livro novo? — perguntei assim que me sentei de frente para Yuna.
— Sunoo! — a garota abre um sorriso e retira um dos fones do ouvido, provavelmente não tendo escutado o que eu havia dito. — Eu fiquei preocupada com você na festa.
— Preocupada comigo? Por quê?
— Você sumiu a festa inteira. — ela ri baixo. — Pelo jeito você se acertou com o Sunghoon.
— Você não é a primeira a me dizer isso. — eu ri também. — Mas como assim eu me "acertei" com o Sunghoon?
— Na biblioteca, lembra? Você chegou a comentar que não estavam se falando muito. — ela tira o outro fone do ouvido e os deixa em cima da mesa. — Mas parecem mais próximos do que nunca, eu vi ele saindo daqui há alguns minutos. — ela parecia estar hesitando, mas continuou: — 'Tá rolando alguma coisa entre vocês?
Sua pergunta me faz voltar para a última conversa que tive com Sunghoon, mas eu não iria dizer nada, não quando as coisas estavam tão recentes. Mas era no máximo curioso ela estar me perguntando aquilo de repente, já que nunca havíamos tocado nesse assunto antes.
— Eu e ele somos amigos, acho que isso é normal. — eu dei de ombros.
— Você deveria dizer isso a ele então. — Yuna ri sem humor e nega com a cabeça, me fazendo arquear as sobrancelhas, confuso. Então, ela completa: — Quando eu estava te procurando na festa, eu esbarrei com o Sunghoon e perguntei por você.
— E o que isso tem a ver com sermos amigos?
— Ele me falou que se eu não tomasse logo alguma atitude ao seu respeito, ele iria. — ela diz enquanto tinha um sorriso envergonhado nos lábios, e eu estava realmente surpreso com aquela informação. — E acho que ele tomou, não é?
— Yuna...
— Eu confesso que eu tenho uma quedinha por você, mas não queria que você descobrisse assim. — ela faz uma careta, mas logo volta a sorrir fraco. E então, a garota falante que eu conheci na livraria voltou a aparecer. — E eu gosto de ser sua amiga ao mesmo tempo, então eu acho que consigo conviver com isso.
— Você sabia sobre a minha sexualidade? — foi a primeira coisa que eu consegui pensar em falar.
— Eu cheguei a pensar sobre isso, mas não queria ser inconveniente e te perguntar. — a garota pega o celular que estava na mesa. — E não se preocupe com isso, tudo bem? Não é como se eu estivesse apaixonada por você. — ela ri baixinho. — Você é muito bonito, acho que ele sabe disso também.
"Ele", ela estava falando sobre Sunghoon.
Eu nunca havia dado um fora em ninguém, não daquela forma. Então estar ali enquanto a garota falava todas aquelas coisas era completamente esquisito, principalmente porque eu não sabia qual era a melhor frase a se dizer nesse tipo de situação. Por que isso parecia ser tão difícil?
— Você não vai mudar comigo, vai? — levei minha mão até minha nuca, esfregando aquele local enquanto tinha uma pequena careta em meu rosto. — Eu realmente gosto da sua amizade.
— Nunca, Sunoo. — ela levanta o dedinho da mão. — Mesmo que eu continue te achando bonito, eu ainda sou sua amiga. Prometo. — ela dá risada.
— Não exagera. — fiz uma careta, juntando o meu dedinho ao dela. — Eu não sou tão bonito assim.
Eu ri baixo e ajeitei minha postura, só então me lembrando de mais uma coisa sobre a festa, e foi o que eu perguntei:
— Aliás, a Yeji também estava procurando por você, ela esbarrou comigo e pediu que eu dissesse que iria embora. Ela 'tava bem?
— Ah... — Yuna entorta os lábios. — Eu e ela discutimos, mas nos resolvemos. — ela respira fundo. — Acho que ela ainda se sente mal em ver o Jake seguindo em frente. Quando ela bebe, o ódio dela some e a faz mostrar o lado adolescente que ainda sofre por um garoto.
Do outro lado, Jake apenas sentia ódio.
E essa história entre os dois ainda parecia muito confusa, era como se ambos estivessem em uma guerra por algo que ninguém sabia ao certo o seu tamanho.
Mas eu e a garota não entramos em detalhes porque, um tempo depois, o sinal tocou e cada um voltou para sua sala de aula.
***
O tão esperado final da aula havia chegado, todos os alunos estavam espalhados pelos corredores da Wall School e se preparavam para ir embora.
Eu não era diferente deles, mas a minha cabeça se mantinha pensando na mesma coisa desde que voltei do intervalo: Sunghoon havia deixado claro para Yuna quais eram suas intenções comigo e, enquanto isso, eu sequer conseguia falar para o meu próprio melhor amigo que eu tinha sentimentos por Park. E se as coisas realmente fossem mudar entre mim e ele, eu não iria conseguir deixar de contar para Heeseung.
Afinal, não era um segredo, mas eu gostava de contar sobre as coisas no meu tempo, principalmente quando eu tinha 100% de certeza de que realmente estava acontecendo. E eu conversaria com Sunghoon sobre isso.
— Preciso conversar com você. — falei para o mais velho quando tive a certeza de que meus amigos estavam entretidos demais conversando pelo corredor, enquanto eu e Sunghoon estávamos alguns passos atrás deles.
— Essa frase nunca é boa. — Sunghoon faz uma careta. — Você não vai me dar um fora, vai?
— Não vou. — revirei os olhos quando ouvi um suspiro de alívio vindo do garoto. — Mas é sério, eu quero mesmo conversar.
— Você volta sozinho 'pra casa hoje? — ele questiona e leva o olhar até Heeseung, que conversava entretido com Jake.
— Eu volto todos os dias com eles...
— Hoje você volta comigo, então.
Eu não contrariei Sunghoon.
Em segundos, nós dois esperamos que mais alunos passassem em nossa frente para que seguíssemos juntos até outra saída da escola, despistando nossos amigos de algum jeito.
Eu teria que inventar uma bela desculpa para explicar o meu sumiço aos meus amigos, mas eu realmente não havia pensado nisso quando Sunghoon tomou a iniciativa de irmos embora juntos. Eu apenas o segui.
Mas no final de tudo, ao invés de irmos para casa, eu e Park resolvemos parar em uma praça que ficava há alguns minutos da escola.
Se alguém nos reconhecesse, veria um Sunghoon se movimentando devagar em um balanço enquanto eu também estava sentado em um, ao lado dele.
— Sobre o que você queria conversar? — Sunghoon toma a iniciativa da conversa, já não balançando mais e apenas me encarando enquanto segurava nos dois ferros do balanço.
— Por que você disse a Yuna que se ela não tomasse uma atitude sobre mim, você iria tomar? — eu fui direto ao ponto.
Sunghoon arqueou as sobrancelhas ao me ouvir, soltando uma risada baixa quando voltou a balançar devagar, quase que de forma imperceptível.
— Essa menina é fofoqueira, hein? — ele faz uma careta. — Eu falei porque era a verdade, e foi o que eu fiz, não foi? — ele pensa um pouco, voltando a me encarar. — Você não gostou? Me desculpa, eu...
— Não, não é isso. — o cortei, respirando fundo. — Você falou que queria que eu mostrasse as coisas do meu jeito, lembra?
Ele balança a cabeça em afirmação.
— Então... eu ainda não sei como eu me sinto em deixar outras pessoas saberem sobre você e eu. — falei enquanto encarava os meus próprios pés. — Você sabe, eu gosto de ter certeza sobre algo antes de qualquer coisa. E não quero que pense que eu tenho vergonha de você, nossa, eu nunca seria esse tipo de pessoa, eu só...
— Tudo bem, Sunoo. — Sunghoon me corta quando percebe que comecei a acelerar as palavras. O mais velho então levanta do balanço, se agachando em minha frente e apoiando ambas as mãos em meus joelhos, olhando para cima para poder me encarar. — Eu realmente acabei falando demais na festa, me desculpa por isso. Mas isso foi antes de eu beijar você, eu não sabia que estaríamos nessa situação agora.
— Eu sei, por isso eu resolvi conversar contigo. — falei baixo, sentindo as mãos do mais velho se pressionarem contra o meu joelho, e então, seus dedos deslizarem devagar pela região em uma leve carícia.
— Era só sobre isso que você queria falar? — ele arqueia as sobrancelhas, mantendo o olhar em mim.
— Eu acho que sim.
Quando Sunghoon apareceu na escola pela primeira vez, eu nunca imaginei que eu estaria desse jeito com ele agora. Era estranho pensar que passei as últimas semanas tentando evitar alguém que agora me deixava nervoso, mas em um bom sentido.
— Você acha que o que estamos fazendo é uma boa ideia? — perguntei, de repente.
Sunghoon piscou algumas vezes, parecendo pensativo, mas respondeu:
— Eu acho que só vamos ter a resposta 'pra essa pergunta depois que tentarmos. — ele continuava agachado em minha frente, mantendo as mãos exatamente onde estavam antes.
— Eu só tenho um pouco de medo, não sei.
— Medo do que, Sunoo?
— Medo do quanto eu possa acabar gostando de você, Sunghoon.
Sunghoon abaixa a cabeça ao me ouvir, me mostrando um pequeno sorriso em seu rosto quando volta a me encarar.
Ele rapidamente afasta as mãos de meus joelhos e as leva até meu rosto, não perdendo tempo para me puxar contra o dele, assim colando os nossos lábios em um selar demorado.
Eu não estava acostumado com isso ainda, e ficaria difícil se continuasse acontecendo tão de repente. Mas eu não diria nada, não quando eu realmente gostava de sentir aquela proximidade e o toque dos lábios dele nos meus.
— Esqueça o resto, Sunoo. — ele sussurra contra minha boca, fazendo um frio se instalar em minha barriga. — Aproveitar o momento é o melhor que podemos fazer.
— Você vai me beijar com tanta frequência assim? — perguntei, meu tom de voz era o mesmo que o dele.
— Só quando eu precisar te convencer a não desistir disso daqui.
***
Chapter 9: Sakura
Chapter Text
Kim Sunoo.
Dizem que ler é como viver mil histórias diferentes em uma única existência.
Eu sempre concordei com isso, até porque passei boa parte da minha adolescência vivendo inúmeras histórias, sejam elas em livros ou nos meus próprios sonhos. E como Lara Jean já citou em Para Todos os Garotos que Já Amei, é assustador quando as coisas são reais. Quando não é só na sua imaginação, sabe? Ter uma pessoa bem à sua frente com expectativas e vontades, é bizarro. Principalmente quando você nunca viveu algo assim antes, e era o meu caso.
Há exata uma semana, alguém passou a ter expectativas sobre mim, e esse alguém era Park Sunghoon. Mas tinha um detalhe importante: era mútuo.
As coisas estavam diferentes depois da nossa conversa na praça, mas diferentes de um jeito... divertido.
E apesar de ser difícil arrumar uma desculpa para todas as vezes que nós desaparecíamos ao mesmo tempo, seja durante os últimos intervalos ou momentos pós escola, eu nunca iria saber explicar como era a sensação de olhar para Sunghoon em meio às aulas e saber que apenas eu e ele estávamos cientes do que acontecia entre a gente. E eu estava começando a refletir que, eu só passei a me sentir confortável com essa situação porque Sunghoon demonstrava ser paciente com a grande confusão que eu era, mesmo eu dando inúmeros motivos para ele desistir, ele insistia.
Isso nunca havia acontecido comigo antes, eu já estava acostumado com pessoas indo embora na primeira oportunidade.
— Deixa eu ver se entendi, você 'tá me dizendo que sumiu depois da aula porque precisou fazer compras que a tia Kim pediu? Por que não chamou a gente?
Riki perguntava diretamente da bancada da cozinha da minha casa, o japonês estava passando o dia comigo porque havíamos combinado de comer sushi, e também porque iríamos juntos ao festival comemorativo do aniversário da cidade. Odhen estava completando 245 anos naquela semana.
O lado bom disso? Era segunda-feira e não teríamos aula.
— Eu não queria incomodar vocês, então fui sozinho. — eu dei de ombros, não olhando para o garoto quando levei a comida até minha boca, usando meu hashi.
— Você não se importou em incomodar o Sunghoon então, não é? — Riki dá risada, mas ele falava tão naturalmente que chegava a me assustar.
— Por que você insiste nisso? — larguei o hashi ao meu lado na mesa, terminando de comer a minha parte.
— Eu particularmente acho ridículo os meninos me zoarem tanto por ser o mais novo, mas eles não conseguem nem perceber que você e o Sunghoon estão escondendo alguma coisa. — ele faz uma careta, mas parecia estar se divertindo com minha reação. — E tenho certeza que isso aconteceu na festa, acertei?
Eu fiquei encarando o garoto, não conseguindo acreditar que ele realmente já havia entendido tudo antes mesmo de eu ter certeza, até porque foi Riki quem me fez ter certeza de que eu estava agindo estranho na festa por causa de Sunghoon.
— Será que você consegue manter a boca fechada? Por enquanto. — me dei por vencido, não deixando explícito mas também não negando que ele estava certo. — Eu não falei nada ainda por um motivo...
— Eu sabia! — ele parecia feliz por estar certo. — Na verdade, eu não tinha tanta certeza assim... mas você acabou de entregar tudo. — ele continua, terminando de comer também e se inclinando na mesa. — Qual é o motivo? O Heeseung sabe? Vocês dois estão namorando? Quero detalhes, mas não muitos, por favor.
Nishimura parecia uma criança ao descobrir algo novo pela primeira vez, e ele sempre foi assim, até mesmo quando nos conhecemos.
Ele me fez contar sobre toda a minha vida quando cheguei na vizinhança, Heeseung e Jay até me pediram desculpas na época por medo de eu achá-los intrometidos, mas eu achei engraçado.
— Vai com calma, muita calma... — meus lábios se entortaram após todas as perguntas do garoto. — Não estamos namorando, e não, o Heeseung não sabe. Estamos apenas nos conhecendo.
— Às vezes você fala como um velho de 60 anos. — Riki tinha uma careta no rosto, agora se encostando na bancada, de braços cruzados. — Você não disse isso ao Sunghoon, disse?
Eu fiquei em silêncio, fazendo Riki rir imediatamente.
— Eu não disse, beleza? — revirei os olhos. — Nós dois estamos tentando ver até onde as coisas podem ir, você sabe que eu gosto de ter certeza de algo. E só estamos nessa há uma semana, não posso sair afirmando as coisas assim.
O garoto parecia me julgar com o olhar, o que estava me deixando um pouco agoniado por não saber o que ele pensava. Mas de repente, ele balança a cabeça em afirmação, falando:
— Tudo bem, isso realmente parece com você. — ele finalmente diz. — E eu não vou contar nada, fica tranquilo.
— Obrigado. — respirei fundo. — Ah, e ele vai estar no festival hoje, então é sério... fecha a boca.
— Eu não vou abrir a boca, mas vocês precisam cuidar mais do que eu, são óbvios demais. — ele ri baixo. — A sua sorte é que o Heeseung ainda deve estar com o álcool da festa no corpo, porque ele anda com a cabeça nas nuvens ultimamente. — ele dá uma pausa. — Pelo menos vai ser engraçado assistir vocês dois sendo péssimos atores.
— Eu mato você se fizer qualquer gracinha, garoto. — fiz uma careta novamente.
— Sou tão não confiável assim? É a terceira vez que você pede que eu não conte. — o garoto empurra a cadeira para trás, se levantando enquanto tinha ambas as mãos no balcão. — Que horas vamos ao festival?
— Daqui a pouco, minha mãe foi buscar o meu pai no aeroporto. — falei. — Então precisamos fechar tudo antes de sairmos.
— Vamos, então.
***
Eu amava o começo da primavera, era a época em que as árvores floresciam e Odhen ficava em um clima leve e agradável aos nossos olhos, principalmente em um final de tarde.
A flor que simboliza essa estação na Coréia, é a cerejeira, ou Sakura (em Japonês), como Niki costumava chamar. Era a minha flor favorita.
O Uber havia deixado eu e Riki no lugar mais próximo do festival, precisávamos apenas atravessar uma rua para chegar lá. Mas não éramos os únicos, havia inúmeras pessoas que também seguiam o mesmo caminho que o nosso. E para realmente ter acesso às coisas, precisávamos atravessar uma pequena ponte que dava acesso à enorme praça.
Um sorriso cresceu em meu rosto quando observei as árvores cor-de-rosa que cercavam a ponte, dando de cara com todas as atrações quando chegamos no final. Uma mistura de músicas também ocupavam nossos ouvidos, assim como as vozes das pessoas ali presentes. O aniversário de Odhen realmente unia todo mundo, diferente de várias outras cidades que eu já ouvi falar, era realmente um evento.
De um lado, você poderia encontrar barraquinhas com comidas típicas, artesanatos e coisas que eu não sabia identificar. Já do outro lado, ficava o lugar preferido dos meus amigos: jogos de vários tipos, aqueles que você encontra em uma área isolada de parques de diversões.
E como esperado, era lá que eles estavam. E além dos mesmos garotos de sempre, outra pessoa estava presente.
— Pensei que você não viria, Saiki. — Yeonjun diz animado ao me ver, eu já estava começando a me acostumar com aquele apelido. Ele não pararia de me chamar assim de qualquer forma.
— E eu não sabia que você viria. — dei uma leve risada.
Meu olhar automaticamente percorreu por todos que estavam ali, parando em Sunghoon. Ele estava concentrado ao lado de Heeseung, os dois estavam no tiro ao alvo. Meu melhor amigo parecia aflito, era engraçado a competitividade que ele tinha em momentos como esses.
— Ele não iria vir, ele odeia esse tipo de festival. — Jake revira os olhos, não olhando para o próprio primo porque estava entretido com Sunghoon e Heeseung. — Yeonjun veio aqui porque 'tá afim de uma pessoa.
— O Jake só fala merda, Sunoo. Eu não 'tô afim de ninguém. — Yeonjun dá um tapa na cabeça de Jake, fazendo o Australiano resmungar. — Os negócios da nossa família estão patrocinando o evento, então eu precisei vir também.
E eu não sei o que aconteceu ao certo, mas de repente, ouvimos Heeseung gritar, recebendo a atenção de todos que estavam ali presentes.
— Porra, o alvo é ali na frente, Sunghoon. Por que você olhou 'pra trás? — Lee reclamava.
Park havia acertado o teto da barraca, acabando por fazer um pequeno furo na mesma, mas nada que prejudicasse o dono. Mesmo assim, Sunghoon se virou para o homem, fazendo várias reverências em direção dele enquanto pedia desculpas.
— Eu me distraí, me desculpa. — ele faz uma leve careta, olhando diretamente para mim em seguida. — Vocês chegaram faz tempo?
Heeseung respira fundo quando percebe que Sunghoon já não estava mais ligando para o jogo, então ele pega a arma de brinquedo da mão de Park, virando de costas e voltando a se entreter sozinho.
— Chegamos agora, na verdade. — respondi a pergunta do mais velho.
Eu não sabia o que Park Sunghoon entendia com "ser discreto", porque ele estava agindo o oposto disso. E mesmo eu achando fofo, precisávamos parar por ali antes que Riki começasse com as gracinhas.
— Quer saber, cansei. Será que a gente pode comer alguma coisa? Desisto de tentar ganhar aquele prêmio, é difícil demais. — Heeseung parecia mais impaciente do que decepcionado.
Ele sequer esperou uma resposta nossa, apenas deu o primeiro passo e esperou que fôssemos atrás dele. E assim aconteceu, todos começaram a caminhar juntos até a outra parte do festival.
Em um lugar mais afastado, quase no centro da praça, havia um palco onde bandas e outros talentos se apresentavam para a plateia. E enquanto nos aproximávamos das outras barracas, uma banda tocava um cover de alguma música que provavelmente era mais velha do que eu.
— Esse é o lugar perfeito 'pra sumir sem que sintam nossa falta. — ao se certificar que nossos amigos estavam há alguns passos à frente de nós, Sunghoon sussurra em meu ouvido, não parando de caminhar ao meu lado.
— Você adora arriscar, não é? — revirei os olhos, soltando uma leve risada em seguida.
— É divertido. — ele dá de ombros, sorrindo de lado. — Mas vamos fazer isso depois, você acabou de chegar.
— O Jungwon não vem? — Riki pergunta quando nos aproximamos das barracas de comida.
E eu não havia percebido até o momento, mas Jungwon realmente não estava lá. Geralmente o víamos com Jay, mas ele estava sozinho dessa vez. E foi ele quem respondeu:
— Ele vem mais tarde, disse que precisou resolver algumas coisas em casa antes. — o garoto dá de ombros.
Eu não lembrava o momento exato em que Jay e Jungwon haviam ficado tão próximos assim, mas como eu era uma pessoa que tinha os meus "segredos", eu imaginava que os dois garotos também não estavam contando algo sobre eles. Porém, diferente de mim e Sunghoon, eles não faziam tanta questão de não deixar explícito, era óbvio tanto na escola quanto em momentos em que estávamos todos reunidos, eles não desgrudavam um do outro.
Eu chegava a me perguntar se eu e Sunghoon poderíamos ser interpretados dessa forma também, mas acho que todos já estavam acostumados em nos assistir implicando um com o outro para cogitar que algo acontecia. O Riki não contava.
— Eu sinceramente não 'tô com fome, eu comi com o Niki antes de vir. — falei enquanto meus amigos aguardavam em uma fila.
Eles iriam comer o famoso cachorro-quente Coreano, aqueles no palito. Ele era muito gostoso, e diferente do Corn Dog (como chamam nos EUA), que é feito de massa de milho, o Coreano é feito de massa de pão, com recheio de queijo e é empanado. Era a comida perfeita para aquele tipo de festival, mas eu realmente não estava com fome naquele momento.
— O chato desses festivais é a fila enorme 'pra qualquer coisa, desde quando Odhen tem tanta gente? — Yeonjun reclamava, o mais velho não parava de balançar a perna.
— É normal, até parece que você nunca pegou um ônibus lotado antes e precisou esperar o próximo. — Heeseung dá risada.
Yeonjun fica em silêncio e abre um sorriso amarelo, o que logo faz Jay reagir antes de todo mundo, perguntando:
— Meu Deus. Você nunca pegou um ônibus antes?
— Não exatamente... — ele diz e todos se entreolham, parando o olhar em Jake.
— Não olhem 'pra mim, eu já andei de ônibus. — ele levanta as mãos. — O Yeonjun que vive em outro mundo mesmo.
— Com o que a família de vocês trabalha, afinal? — Riki pergunta, e todos sabiam o quanto o Japonês estava se segurando para perguntar aquilo desde o momento que pisamos na casa do Jake.
— Sabe o prédio principal? — Yeonjun pergunta.
— Aquele que parece com uma galeria? Eu fui lá essa semana, é enorme. — Jay responde.
— Então, ele foi um dos últimos projetos da nossa família na cidade. Meu pai foi quem projetou. — ele ri baixo quando todos os meus amigos, inclusive eu, arregalam os olhos. — Vocês provavelmente não conhecem a empresa da nossa família, a fama é maior na Austrália do que na Coréia.
— Caralho, isso explica muita coisa... — Riki diz, ele parecia estar feliz por acabar com a própria curiosidade.
Yeonjun continuou dando mais detalhes sobre como as coisas funcionavam, e eu até teria prestado atenção em suas palavras, mas algo fez com que eu me distraísse daquela conversa.
Ao nosso lado, um pouco mais afastado da barraca, havia uma cerejeira, mas ela estava enfeitada com inúmeras fitas amarelas. E conforme o meu olhar percorreu pelo tronco, ele parou em uma senhora, ela me encarava também.
Minhas sobrancelhas arquearam quando reparei que ela sorria para mim, não hesitando em fazer um sinal com a mão como se quisesse que eu fosse até ela.
Eu olhei em volta algumas vezes, apontando para mim mesmo e a vendo afirmar com a cabeça, confirmando minhas dúvidas de que ela realmente falava comigo.
— Acho que ela 'tá falando com você... — Sunghoon diz ao meu lado, ele também olhava para o mesmo lugar que eu. — Vamos lá.
Sunghoon aproveita que nossos amigos continuavam conversando e me puxa com ele até a mulher. Eu o acompanhei sem contestar, encarando a senhora curiosamente quando paramos de frente para ela.
— A senhora queria falar comigo? — perguntei.
Eu estava começando a pensar que ela não falava, porque ela se virou de costas para nós dois e mexeu em uma pequena caixa, tirando duas fitas amarelas de lado. Só então ela se virou novamente, nos entregando as fitas e falando:
— Pegue uma fita e amarre na árvore. — ela diz simples, sorrindo genuinamente para nós dois.
Sunghoon e eu nos entreolhamos.
— Na árvore? Por que? — perguntei ao segurar a fita, encarando-a confuso.
— Isso, e façam um pedido. Quando se realizar, voltem aqui, desamarre a fita e agradeçam. — ela balançava a cabeça, gesticulando para que fizessem o que ela havia dito.
— Agradecer a árvore? — Sunghoon arquei as sobrancelhas. — Obrigado, mas eu não acredito muito nessas coisas... com todo o respeito, é claro.
A mulher sorri novamente.
— Amarre mesmo assim, e se nada acontecer, você pode apenas... esquecer. — ela diz de forma tranquila, era como se ela falasse assim naturalmente. — É uma árvore dos desejos, ela foi uma das primeiras árvores plantadas em Odhen, várias gerações já fizeram pedidos a ela que foram realizados.
Sunghoon e eu não tentamos contrariar a mulher, afinal, era uma senhora de idade que aparentava estar na casa dos 70 anos, que mal ela faria? Nenhum.
Eu então peguei a fita, me aproximando de um dos galhos da árvore e amarrando aquele pequeno pano ali, mentalizando o meu pedido, que era: "Eu desejo que as coisas continuem seguindo o caminho certo para a felicidade."
E quando olhei para Sunghoon, ele terminava de amarrar a fita na árvore também, abrindo um pequeno sorriso para mim, que logo foi retribuído.
— O que fazemos agora? — Park pergunta para a mulher.
— Agora deixem a natureza trabalhar, só não esqueçam de voltar ao se realizar. — ela diz. — Se você for uma boa pessoa, a árvore dos desejos nunca falha.
E a conversa acabou ali porque, depois disso, Sunghoon e eu voltamos juntos até a fila que nossos amigos estavam, e nenhum havia realmente sentido a nossa falta nesses poucos minutos que passamos com aquela mulher.
— Isso foi uma das coisas mais estranhas que já me aconteceram. — Sunghoon solta uma risada. — Ela parecia ser a pessoa mais tranquila do mundo, como isso é possível?
— Só vamos saber depois que os pedidos se realizarem. — eu ri baixo. — Espero estar tão tranquilo quanto ela se isso acontecer.
— E o que você pediu, Kim Sunoo?
— Se eu contar, não vai se realizar. Você também.
***
Depois de uma boa espera, finalmente havia chegado a vez dos meninos na fila, e como ótimos amigos que éramos, estávamos os acompanhando ali. Mas Heeseung e Jay eram péssimas pessoas para acompanhar nesses momentos, ambos esperavam o último minuto para decidirem o que iriam querer comer. Era tão mais simples decidir enquanto estavam na fila, facilitaria muito mais a vida das pessoas que estão ali para os atender. Até um cachorro-quente criava um debate entre eles.
— Posso ajudá-los? — uma garota de cabelo curto aparece do outro lado da barraca, ela usava um uniforme com a estampa do lugar que trabalhava. E quando ela levanta o rosto para nos encarar, seus olhos se arregalaram, assim como os meus e de Sunghoon. Era ela, a garota da festa.
— Eu e ele vamos querer dois cachorros quentes, o meu é sem queijo. — Heeseung explica, ele realmente não havia reconhecido a garota.
— Mais alguma coisa? — ela pergunta.
— Só isso mesmo, valeu.
— A gente avisa 'pra ele? — Sunghoon sussurra para mim.
— Espera um pouquinho... — abri um sorriso, me divertindo com aquilo.
— Certo, e vocês? — ela pergunta ao olhar para mim e o garoto ao meu lado.
— Não vamos pedir nada, só estamos acompanhando. — Sunghoon explica.
— Certo, eles ficam prontos em alguns minutos!
Ela anota o pedido dos outros meninos, entregando-os para a pessoa responsável em fritar tudo, já que era tudo feito na hora. E foi naquele momento que um silêncio constrangedor se instalou entre todos ali, nem mesmo Riki falava alguma coisa. E acredito que foi isso que fez Heeseung reparar mais na garota em sua frente, porque ele pergunta:
— Eu conheço você de algum lugar?
Ela ri.
— Me senti ofendida agora, você me elogiou tanto na festa. — ela balança a cabeça em negação.
Demorou segundos para ele entender, e quando entendeu, Heeseung se virou em minha direção. Eu e Sunghoon imediatamente seguramos as risadas que queriam sair, e meu melhor amigo voltou a encarar a garota.
— Impossível... — ele diz. — Você tem alguma irmã gêmea? Você 'tá completamente diferente.
Ela realmente estava, mas eu consegui a reconhecer no mesmo momento, o fato de eu estar sóbrio no dia pode ter me ajudado em relação a isso. A garota, que antes era loira, estava morena e havia cortado o cabelo acima dos ombros. Foi uma mudança bastante radical.
— É... sabe como é, 'tô seguindo o clichê de mudar bruscamente de visual depois de uma decepção amorosa. — ela ri sem humor. — Você não é o primeiro a falar isso.
— Mas então... você realmente pediu o meu número? — Heeseung pergunta, fazendo a garota rir imediatamente.
— Eles falaram isso 'pra você?
— Os cachorros-quentes já ficaram prontos, Minjeong. Tem gente na fila, você conversa depois. — um garoto de cabelos escuros e longos aparece atrás da garota, ele tinha os lanches dos meninos nas mãos. — Vou falar 'pro nosso pai que você anda de conversa com cliente.
Então aquele era o nome dela.
— Ai, Beomgyu. Deixa de ser chato. — ela revira os olhos, pegando os lanches da mão dele e os entregando para os meninos. — Não vão querer mais alguma coisa mesmo?
— Beomgyu? — Jake fala algo coisa pela primeira vez em minutos. — Ah, agora eu entendi tudo.
— Você conhece o meu irmão? — a garota pergunta.
— Não, mas o meu primo sim.
— E quem é seu primo? — o irmão de Minjeong pergunta, não parecendo muito animado em ouvir a resposta.
— O Yeonjun. — ele ri. — Ele 'tava aqui agora mesmo, mas não aguentou esperar na fila.
— Você é primo desse cara? — Beomgyu entorta os lábios, se encolhendo atrás da irmã. — Não falem 'pra ele que me viram aqui, por favor.
— Por que não? — Jay pergunta antes de dar uma mordida no próprio lanche.
— Só não falem. — o garoto diz, se afastando dali para atender mais pessoas.
— Vocês podem me fazer um favor? — Minjeong pergunta e todos concordam, então ela continua: — Falem ao Yeonjun que viram o meu irmão aqui.
***
O sol já estava começando a se pôr, a iluminação do festival ficava cada vez mais bonita. Algumas pessoas carregavam balões luminosos em mãos, principalmente crianças, deixando tudo visualmente mais bonito. Depois do que aconteceu na barraca, nós fizemos Yeonjun enfrentar novamente aquela enorme fila para que ele conseguisse falar com Beomgyu, o garoto que ele gostava. Pelo menos era o que Jake dizia.
Enquanto isso, Heeseung não parava de falar de Minjeong desde que saímos da barraca dela, mas ele falava da garota porque estava com raiva por termos o feito passar vergonha perguntando sobre ela ter pedido o número dele. Mas ninguém estava levando ele a sério, pelo contrário, estávamos rindo do quão inocente ele havia sido para acreditar naquilo.
Nós voltamos até a área de jogos também, eu e Riki fizemos uma competição no tiro ao alvo, e eu venci. Eu finalmente havia vencido Nishimura Riki em alguma coisa, e ele odiava ter que ouvir minhas provocações, mas eu não me importava, afinal, eu havia vencido.
E eu estava começando a achar que Sunghoon talvez quisesse mesmo passar um tempo apenas comigo, e era o que eu queria também. Mas nossos amigos estavam em volta o tempo inteiro, dificultando bastante que tivéssemos qualquer contato que não fosse amigável.
Mas naquele momento, nós estávamos todos reunidos em meio a plateia do palco, já havíamos passado por todos os lugares e agora já não tinha muito o que fazer, e nossos amigos estavam decidindo sobre isso.
Meu olhar agora estava em uma apresentação de música que havia acabado de começar, uma garotinha havia subido no palco com um violino, começando a tocar um cover de Hold My Hand da IU, sendo acompanhada por um instrumental. Eu estava encantado, principalmente por amar aquela música.
— Essa música é tão bonita, o instrumental em violino fica mais lindo ainda. Eu amo ela. — eu tinha um sorriso nos lábios, não conseguindo parar de assistir aquilo mesmo que meus amigos estivessem em uma discussão sobre algo que eu não prestava atenção. Mas então, percebi que Sunghoon me encarava ao meu lado, ele tinha um pequeno sorriso nos lábios quando virei o rosto para ele. — O que foi?
— Nada. — Sunghoon nega com a cabeça, rindo baixo. — É que você sempre fala de um jeito intenso quando gosta de algo, é bonitinho.
Eu ainda não havia me acostumado com aquilo, então sorri sem graça com o elogio inesperado, dando uma leve batida no ombro de Park, usando o meu ombro.
— E você anda reparando demais em mim, não acha?
— Você sabe que sim.
Park Sunghoon parecia sempre ter uma resposta na ponta da língua, e era sempre a resposta certa para me deixar sem palavras.
Os meninos não prestaram muita atenção naquilo, quando prestei atenção no que eles falavam, estavam decidindo se iriam ou não até a roda gigante do evento, ela ficava localizada do outro lado da praça, era o mais perto de um parque de diversões que tínhamos no festival.
— Qual é a graça disso? Tem todos os anos. — Riki dizia.
— Por incrível que pareça, eu concordo com o Riki. — Jay diz.
— Vocês são chatos, já fizemos tudo o que poderíamos fazer aqui, o que mais querem fazer? — Heeseung revira os olhos.
— Você quer mesmo ir? Tá pensando em chamar a Minjeong 'pra subir lá com você? Tão romântico... — Jake provoca Heeseung, o fazendo revirar os olhos mais uma vez.
— Cala a boca, cara. Eu vou com o Sunoo então.
— Por que eu? — juntei as sobrancelhas.
— Porque ninguém quer ir comigo.
— Eu sou a sua última opção? — aumentei o tom de voz, indignado.
— Não, não. Nunca. — Heeseung se atrapalha, me fazendo revirar os olhos. — Mas sério, vamos juntos.
Meu olhar se perdeu pelos garotos, parando em Sunghoon, que abriu um pequeno sorriso, mas não parecia ser verdadeiro.
Se fosse para irmos até a roda gigante, eu gostaria de ir com ele, não com outra pessoa. Mas eu não podia falar nada, muito menos ele. Eu estava começando a odiar algo que eu mesmo havia deixado como regra. Não contar para ninguém sobre a gente era mais difícil do que eu esperava.
— Esquece. Eu vou com você, Heeseung. — Riki respira fundo, se parando ao lado de Lee.
O Japonês então me lança um olhar suspeito, e se eu não estava vendo coisas, acredito que Nishimura estava me ajudando com Sunghoon.
— Boa sorte, então. Eu vou manter meus pés no chão, longe daquela máquina gigante. — Jay diz, direcionando o olhar até a roda gigante que dava para ser vista de onde estávamos.
— Eu também, aquilo é sem graça demais. — Jake diz, se apoiando no ombro de Jay. — A gente pode ir atrás do Yeonjun enquanto isso.
— Eu quero ir também... na roda gigante. — falei em um tom baixo, recebendo a atenção deles.
— Você pode ir com a ge... — Heeseung iria dizer algo, mas é cortado.
— Eu vou com você. — Sunghoon diz, e eu sabia que o tom de indiferença em sua voz era encenação.
— Se vocês não acabarem empurrando o outro lá de cima, tudo bem. — Lee dá de ombros.
Eu apenas vejo Riki revirar os olhos enquanto negava com a cabeça.
E foi questão de tempo para que todos se separassem, Jay e Jake foram atrás de Yeonjun, enquanto eu e os outros seguimos até a roda gigante. Estávamos esperando enfrentar mais uma fila, mas não foi o que aconteceu, as coisas até estavam andando rápido.
O melhor de tudo foi que havíamos escolhido o melhor horário para aquilo, eu sempre quis assistir o pôr do sol de cima uma roda gigante, e eu esperava que fosse tão lindo quanto descreviam por aí.
— Você quer um? — Sunghoon pergunta quando um homem para ao nosso lado, ele estava vendendo algodão doce para as pessoas da fila, nossa vez de entrar na cabine estava quase chegando.
— Pensando bem... — entortei os lábios, observando Heeseung e Riki entrando em uma das cabines do brinquedo. E então, olhei para Park novamente, afirmando com a cabeça. — Eu quero.
— Tudo bem. Me vê um, por favor. — ele diz para o homem.
— Rosa ou azul?
— Rosa. — ele responde por mim.
O homem entrega o doce para mim após Sunghoon pagar, e eu iria contestar, mas o mais velho não deixou.
— Eu te envio o dinheiro depois, beleza?
— Para com isso, Sunoo. — ele faz uma careta. — Eu te enviaria de volta.
Nossa vez de subir na cabine chega, éramos praticamente os últimos já que todas as outras estavam ocupadas. Eu me sentei assim que passei pela pequena porta, sentindo o vazio ao meu lado ser preenchido pelo corpo de Sunghoon, que respirou fundo quando o funcionário nos trancou lá dentro.
O brinquedo era todo iluminado com a cor roxa, luzes piscavam do lado de fora quando um barulho indicou que iríamos começar a subir, e meu olhar automaticamente foi para o lado de fora quando isso aconteceu, eu observava com atenção as pessoas que ficavam cada vez mais longe conforme nossa cabine ficava mais alta.
— 'Tá tudo bem? — perguntei após ajeitar minha postura, virando o meu rosto para Sunghoon, que agora também me olhava.
— Finalmente eu consegui ficar sozinho com você, então sim. — ele diz, me fazendo entortar os lábios.
— Me desculpa por isso, eu não pensei que fosse tão difícil assim. — soltei um rápido suspiro.
— Nem eu... — ele diz, fazendo um pequeno frio se instalar em minha barriga. O pensamento de que ele pudesse acabar desistindo por conta disso me deixava um pouco inseguro. — Vou precisar chamar você 'pra sair só comigo desse jeito.
— Você ficou incomodado?
— Com o que?
— Com isso, sabe? Eu sei que é chato que precisamos fingir na frente dos nossos amigos. — eu sussurrei, pegando um pouco do algodão doce e o levando até minha boca.
— Eu 'tô seguindo o seu tempo, foi o que eu falei que iria fazer. — ele ri baixo. — Então é um problema que eu consigo aguentar, vai ser diferente depois que as coisas mudarem entre a gente.
— Mudar?
— É... na verdade, eu espero que mudem. — ele leva uma mão até a nuca, rindo de forma embaraçosa.
— Se você não desistir até lá, talvez mudem. — eu ri também, sem humor dessa vez.
— Por que eu sinto que você espera que isso aconteça? — ele volta a olhar para mim, sua mão então vai até a minha, ele segura a mesma e entrelaça nossos dedos, não me deixando pegar mais do meu doce.
— Eu não espero, só me veio isso na cabeça hoje. — entortei os nariz. — Eu vi que você não parecia muito feliz com essa ideia de não podermos agir assim na frente dos outros. — falei ao encarar nossas mãos.
— É óbvio que eu não estava, Sunoo. — ele ri fraco, voltando a falar — Mas isso não significa nada, eu continuo querendo ficar com você.
— Ficar comigo... — repeti as palavras dele e soltei uma leve risada, sentindo a cabine parar de repente, mas aquelas paradas que sempre acontece em rodas gigantes, estávamos quase no topo do brinquedo. — Eu ainda não me acostumei com o fato de qu...
Sunghoon me beijou.
Ele não deixou que eu terminasse de falar, apenas juntou nossos lábios em um beijo. E mesmo que aquilo acontecesse com mais frequência nos últimos dias, ainda me deixava surpreso. E era um beijo calmo, calmo e com gostinho de algodão doce.
Precisei desvencilhar nossas mãos para levar a minha até a nuca dele, dando continuidade ao beijo enquanto nossas línguas deslizam uma contra a outra, tudo em um ritmo perfeito para o momento.
A cada vez que Sunghoon me beijava, passava a se tornar o meu novo beijo favorito. E aquele com certeza era. Ele me beijava com delicadeza, era possível sentir que, mesmo sendo algo simples, aquilo demonstrava o quão sério ele estava sobre não desistir de mim tão fácil. E a sensação era tão boa que eu odiava quando chegava ao fim.
— O que você 'tava falando mesmo? — ele sussurra contra meus lábios, abrindo um pequeno sorriso.
— Que eu ainda não me acostumei com você me beijando do nada. — minha frase faz ele rir. — Você vai ver, eu ainda vou te surpreender desse mesmo jeito.
— Ah, você vai? — ele pergunta de forma provocativa.
— Eu vou. — fiz uma careta e peguei um pouco do meu algodão doce, levando até a boca dele. Sunghoon a abriu no mesmo segundo e comeu.
Aproveitei o momento para segurar novamente na nuca do mais velho, colando nossos lábios em um selinho demorado, me afastando apenas para comer mais um pouco do doce.
— Eu não gostava muito de algodão doce. — ele entorta o nariz. — Mas acho que agora eu gosto.
— Você é tão fácil de manipular assim? — perguntei divertido.
— Sou difícil, na verdade. É preciso ser muito bom 'pra isso.
Revirei os olhos com o comentário dele, voltando a juntar nossas mãos quando virei meu rosto para o lado de fora da janela, observando que já estava totalmente escuro lá fora, a cidade era apenas iluminada pelas luzes.
E eu ficaria ali por muito mais tempo, mas como nem tudo era mil maravilhas, esses brinquedos dos dias atuais duravam no máximo cinco minutos, ou até menos do que isso. Mas dizem que o tempo passa mais rápido quando você aproveita o momento, então foi como se o que aconteceu lá dentro tivesse durado muito, muito pouco.
— Foi tão rápido assim? Eu queria que isso durasse mais. — bufei, jogando o palito do meu algodão doce no lixo enquanto caminhávamos até a saída.
— Infelizmente não dá pra esperar muito desses brinquedos. — Park dá de ombros, me acompanhando.
Eu nem me lembrava mais que Heeseung e Riki estavam no brinquedo também, mas quando eu e Sunghoon chegamos na saída, demos de cara com os dois. Fomos os últimos a sair, assim como havíamos sido os últimos a entrar no brinquedo, então eles estavam nos esperando há mais tempo.
Mas alguma coisa estava estranha quando chegamos mais perto, Heeseung parecia ansioso para chegarmos logo até onde eles estávamos. Com Riki não era diferente.
— Cara, vem comigo. Vocês precisam vir logo. — Heeseung diz imediatamente, me deixando um pouco assustado com o tom de voz que ele estava usando.
Sunghoon e eu não tivemos tempo para tirar conclusões, apenas seguimos os dois em passos rápidos. Heeseung pisava firme no chão, e eu não conseguia imaginar nada que o deixasse daquela forma, pelo menos não até chegarmos em uma pequena multidão, todos estavam reunidos enquanto dois garotos brigavam, mas não eram desconhecidos.
Se tratava de Jake e Jungwon.
E eu não fazia ideia de quando ele havia chegado no festival.
— Que porra, Jungwon? — Jake tinha a mão no rosto, ele e Yang se encaravam com raiva enquanto Yeonjun e Jay os seguravam para que não avançassem um no outro.
— Calma, Jungwon. Que merda é essa? Ficou maluco? — Jay falava alto, puxando Jungwon pelo braço e o afastando mais ainda de Jake.
— Calma é o caralho, Jay. — Yang não demora para sair dos braços de Jay novamente, voltando a se aproximar de Jake e empurrando o Australiano pelo peito. — Que porra de fotos são aquelas? O Jake 'tava esse tempo todo de gracinha com a minha irmã. Bem debaixo do meu nariz. Porra, você era um dos meus melhores amigos, cara.
A expressão de todos ali era de pura surpresa, diferente de mim e Sunghoon, que nos encaramos no mesmo momento. Aquilo estava mesmo acontecendo.
— A gente ia te contar, Jungwon... — Jake ainda tinha a mão no local em que Jungwon provavelmente havia dado um soco. — Eu só não achei o momento certo. Eu...
— A gente? — Jungwon ri sem humor. — Eu conheço o teu histórico, Jake. Você só pensa em você mesmo e poderia ter achado o momento certo a qualquer momento. Mas não, você preferiu ficar provocando a Yeji e usando a minha irmã 'pra isso. Você é um babaca.
— Calma aí. Eu não usei a Jang-Mi, você ficou maluco? — Jake parecia realmente irritado em ouvir aquilo. — Eu realmente gosto dela, isso você vai ter que aceitar. Quer você queira ou não.
— Você não gosta de ninguém, Jake. Você sabe muito bem disso depois que enrolou a Yeji por meses e prometia coisas que não iria cumprir 'pra ela. — Jungwon ri sem humor mais uma vez, negando com a cabeça. — Então quer dizer que todo esse inferno que a Yeji fez a minha irmã passar nos últimos tempos foi por sua causa?
O silêncio de Jake entregava tudo, e não tinha o que ele pudesse fazer. Afinal, ele estava mesmo errado.
Já Jungwon estava irritado, então nada de bom iria sair daquela discussão de qualquer forma.
— Foi o que eu pensei. — Jungwon respira fundo, se aproximando de Jake novamente. — Eu posso ser o cara mais legal do mundo quando eu quero, mas no momento em que as coisas afetam a minha irmã, eu não sou nada legal.
Jake tinha o maxilar travado enquanto continuava encarando Jungwon em silêncio, sendo empurrado novamente quando Yang o afasta com as mãos, o Australiano imediatamente choca o corpo dele com o de Yeonjun, que volta a segurar o primo para que não partisse para cima de Jungwon.
— É melhor vocês conversarem outra hora, nada se resolve de cabeça quente. — Yeonjun tenta convencer Jungwon, enquanto Jay parecia segurar o mais novo com mais firmeza, tentando evitar mais problemas.
— Eu não tenho nada 'pra conversar com ele, eu só quero que ele fique longe da minha irmã. — Jungwon diz rispidamente. — Eu 'tô cansado de pessoas que pensam que a vida é um filme. Só porque a vida dele já 'tá ganha não significa que ele precisa estragar a de todo mundo. A Jang-Mi se meteu em problemas com nossos pais de novo, tudo por causa da merda dessas fotos de vocês dois naquela maldita festa.
Aquelas foram as últimas palavras de Jungwon porque, em seguida, ele puxou o braço com força para se afastar de Jay e deu as costas, sumindo quando se enfiou no meio das pessoas que assistiam a briga. Jay não perdeu tempo para correr atrás do garoto, olhando com desaprovação para Jake antes de sair.
E foi nesse momento que eu e Sunghoon nos aproximamos dos que restaram.
Jake parecia frustrado com aquela situação, tão frustrado que bagunçava os próprios cabelos enquanto xingava a si mesmo. Yeonjun já não o segurava mais.
— Que merda foi essa, Jake? Logo a Jang-Mi, cara? — Heeseung pergunta, o mais velho parecia o mais perdido entre todos.
— Sim, Heeseung. A Jang-Mi. Vai me bater também? — Jake pergunta impaciente. — Não preciso ouvir sermão de mais ninguém.
O garoto então se prepara para sair dali, mas é puxado por Sunghoon, que segura no braço do Australiano imediatamente.
— 'Pra onde você vai?
— Vou atrás da Jang-Mi.
— Não, você não vai. Fica na sua. — Sunghoon o puxa, deixando Jake entre eu e ele. — O Jungwon 'tá na razão dele e só disse aquelas coisas porque 'tava irritado, amanhã vocês conversam melhor.
— O que você sabe sobre razão, Sunghoon? Você e o Sunoo eram os únicos que sabiam dessa merda. E eu tenho certeza que não foi a Jang-Mi quem contou 'pra ele.
— Você presta atenção no que fala, Jake? — Sunghoon faz uma careta. — Eu e o Sunoo nunca iríamos fazer esse tipo de coisa, a única coisa que sabíamos era que vocês já se beijaram antes. Ninguém sabia que continuavam enfiando a língua dentro da boca do outro às escondidas.
— Espera, então vocês dois sabiam? — Riki pergunta.
— Foi o que eu disse, não sabíamos que eles ainda estavam ficando. — Sunghoon explica.
— Beleza, se eu não posso ir atrás dela, vou embora então. Não quero mais ficar nesse lugar. — Jake diz, respirando fundo.
— Eu vou com você, não quero que faça mais nenhuma merda.
— Tanto faz, como quiser. — Jake dá de ombros e sai na frente, soltando palavrões que eu não iria citar.
— Eu levo vocês dois, meu carro 'tá estacionado há algumas quadras daqui. — o primo de Jake diz, sendo o segundo a sair.
— Eu te mando mensagem depois, tudo bem? — Sunghoon sussurra discretamente em meu ouvido, seguindo atrás de Jake logo após se despedir dos meninos.
Eu, Riki e Heeseung provavelmente voltaríamos para casa também, já não havia mais clima nenhum para continuarmos lá.
Os dois garotos estavam sem reação para o que havia acabado de acontecer, e confesso que eu também estava, ninguém esperava que Jungwon fosse reagir daquela maneira, muito menos que Jake estivesse escondendo aquelas coisas até hoje.
Agora ele teria que lidar com as consequências, até se uma delas fosse a amizade de Jungwon e a divisão do nosso grupo de amigos.
A minha esperança era que tudo se resolvesse no dia seguinte, até porque aquilo não se parecia nem um pouco com o que eu havia pedido ao amarrar a fita naquela árvore.
***
Chapter 10: Hope Ur Ok
Chapter Text
Kim Sunoo
"Não é novidade para ninguém que Jake Shim tem um histórico extenso por aí, mas beijar a irmã de um amigo às escondidas estava incluso na lista de Jake?" aquelas eram as palavras escritas em um post do Instagram, esse que eu encarava na tela do meu celular.
A conta só possuía aquela publicação, não havia mais nenhuma informação nela, nem uma foto de perfil, nada. Era apenas uma postagem com uma foto de péssima qualidade onde Jake e Jang-Mi estavam aos beijos.
— Será que essa pessoa sabe que isso daqui é a vida real? Não estamos em um Spin-off mal feito de Gossip Girl. — Sunghoon fala ao meu lado, parecendo frustrado quando apoia os braços na mesa do laboratório em que estávamos.
Aquele havia se tornado um dos lugares que ficávamos juntos na escola sem que ninguém nos atrapalhasse. Sunghoon descobriu que a sala ficava totalmente desocupada durante o intervalo, o acesso era fácil e só precisávamos cuidar o horário, saindo cinco minutos antes da sirene tocar para não darmos de cara com nenhum professor. Câmeras também não eram uma preocupação, nenhuma havia sido instalada naquela sala.
E quanto aos nossos amigos, eles estavam ocupados demais se evitando para se importarem com nós dois. Palavras de Riki, não minhas.
— E você esperava o que de alunos do ensino médio? — fiz uma careta ao bloquear o meu celular, deixando o aparelho em cima da mesa e encarando Sunghoon. — Mas você e eu sabemos que essa aluna tem nome.
— Yeji. — a voz de Sunghoon sai irritada novamente. — Eu até discuti com o Jake no caminho até em casa, o Yeonjun teve que pedir 'pra gente calar a boca.
— Você brigou com ele também? — fiz uma careta e me virei de costas para a mesa, apoiando meus braços nela quando peguei um impulso para me sentar em sua superfície. — O Jay não sentou com a gente hoje, o Heeseung não sabia se falava com o Jungwon, cada um ficou de um lado... — respirei fundo. — E eu fiquei entre todo mundo.
— Não foi uma briga séria, mas alguém precisava colocar algum juízo na cabeça dele. — o garoto entorta os lábios, se virando para mim quando se afasta da mesa e se encaixa no espaço entre minhas pernas, pousando as mãos em minha cintura. — Essa divisão de hoje 'tá me irritando, é um saco quando dois amigos brigam e você precisa ficar de um lado só. Agora nem desculpa 'pra falar com você eu tenho.
— Ei, eles vão se resolver, tudo bem? O Jake pisou na bola, mas eles não podem brigar 'pra sempre. — sussurrei quando envolvi meus braços no pescoço do mais velho, brincando com meus dedos nos fios de cabelo de sua nuca. Ele se mantinha sério. — O que você vai fazer depois da aula?
— Eu não sei, provavelmente ouvir o Jake reclamando de não ter visto a Jang-Mi hoje, já que ela faltou. — ele respira fundo, mas dá um pequeno sorriso quando sente os meus dedos em seu cabelo. — Por que a pergunta?
— É que eu pensei em fazermos alguma coisa, você sabe... apenas nós dois. — eu digo em um sussurro, observando um sorriso crescer no canto dos lábios de Sunghoon.
— Você 'tá me chamando 'pra um encontro, Kim Sunoo?
Eu revirei os olhos.
A risada de Sunghoon ocupa meus ouvidos, e antes que eu o afastasse de mim pela provocação, ele segura mais firme em minha cintura, fazendo meu corpo deslizar na mesa e se aproximar mais dele. E só então, ele fala:
— Eu quero, de verdade. — ele sussurra, afastando as mãos para apoiar uma em cada lado do meu corpo, agora se inclinando em minha direção. — Eu só pensei que eu seria o primeiro a sugerir isso, não você.
— Não é um encontro, eu só iria chamar você 'pra assistir um filme lá em casa. — eu disse, levando minhas mãos até as dele e fazendo com que ele voltasse a posicioná-las onde estavam antes. — Por que? Você tinha alguma coisa em mente?
— Não precisa ser nada extravagante 'pra ser um encontro. — Sunghoon faz uma careta adorável, me fazendo sorrir por ele pensar daquela forma. — E sim, eu tinha algo em mente. Mas preciso confirmar antes, então não vou te contar ainda.
— Sunghoon! — juntei as sobrancelhas. — O que você quer dizer com isso? Não me deixe curioso, por favor.
— Nada, deixa 'pra lá. — ele balança a cabeça, rindo baixo. — Você vai saber depois.
— Eu te odeio. — fiz uma careta e afastei as mãos dele do meu corpo. — De verdade.
— Você odeia, é? — ele pergunta e volta a apoiar as mãos em cada lado de meu corpo na mesa.
Me sentir confortável com Sunghoon já estava se tornando um costume. Mesmo que o meu corpo reagisse a todos os toques dele, eu queria mais. E mesmo que nenhum de nós falasse explicitamente, eu sabia que aquilo estava começando a ir além de um "vamos ver até onde isso vai dar", nós dois já estávamos envolvidos, mas continuaríamos indo devagar.
Não tínhamos pressa para nada.
— Sim, eu odeio. Você não vai mesmo me falar o que é? — tentei perguntar mais uma vez, vendo o mais velho negar com a cabeça várias vezes.
— Não é nada demais, relaxa. Eu só... — ele para de falar de repente, seus olhos se arregalam em direção da porta e, em seguida, ele rapidamente afasta o corpo do meu. Antes que eu tentasse falar algo, Sunghoon se esconde por trás da mesa e leva o dedo indicador em frente aos lábios, apontando discretamente para a porta com a outra mão.
Foi nesse momento que o meu olhar automaticamente seguiu até a porta.
Uma professora estava parada do outro lado enquanto conversava com alguém. E quando peguei o meu celular na mesa, verifiquei o horário, vendo que ainda faltavam quinze minutos para o intervalo terminar. De todo jeito, ela estava lá e nós dois não poderíamos ser vistos sozinhos e sem uma explicação.
Eu usei as minhas mãos para descer da mesa em que eu estava sentado, ouvindo no mesmo momento o barulho da porta sendo aberta. Meus olhos se fecharam em um rápido segundo enquanto eu me xingava mentalmente por ser pego ali, mas eu teria que agir normalmente para que ela não acabasse vendo que Sunghoon estava embaixo de mim, ainda escondido.
— O que está fazendo aqui, Sunoo? — a mulher segurava a maçaneta com uma mão enquanto alguns materiais estavam na outra. — Não é permitido que alunos fiquem nas salas durante o intervalo.
— Professora, eu... — tentei procurar as palavras corretas, mesmo sabendo que eu era um péssimo mentiroso. — Eu estava procurando pela senhora, na verdade. Me disseram para esperar aqui, então eu achei que não iria ter nenhum problema, me desculpa.
— Por mim? — ela arqueia as sobrancelhas, se aproximando da mesa em que eu estava. — Qual sua dúvida?
Eu pensei por alguns segundos, observando a mulher arquear mais ainda as sobrancelhas enquanto se aproximava.
— Lá fora! — aumentei o tom de voz por impulso, acabando por dar um pulo que certamente assustou a mulher, porque ela parou de andar no mesmo segundo. — Eu quero conversar com a senhora lá fora, é isso! — eu agora tinha um sorriso desajeitado em meu rosto.
— Tudo bem, eu acho — ela me olha estranha. — Mas por que lá fora?
No mesmo momento, me aproximei e a fiz virar em direção da porta, levando minhas mãos até o ombro da mais velha e a guiando até a saída enquanto uma risada nervosa escapava entre meus lábios. Ela provavelmente estava me achando maluco.
— Não quero arrumar nenhum problema 'pra senhora. Nenhum aluno é permitido nas salas durante o intervalo, não é? — virei o rosto para trás ao falar, observando os olhos curiosos de Sunghoon quando o garoto tenta espiar por trás da mesa. Em seguida, comecei a acenar com a cabeça em direção da porta que ficava do outro lado da sala, fazendo sinal para que ele passasse por ela enquanto eu distraía a mulher.
— Isso foi antes de você... — ela dá uma pausa. — Poderia me soltar, por favor? — minhas mãos se afastam dos ombros dela no mesmo momento, então ela continua: — Isso foi antes de você me dizer o que queria, mas é até melhor aqui fora. O que você queria me perguntar? Eu preciso preparar a minha aula antes do intervalo terminar.
Continuei a agir da forma mais atrapalhada possível quando apoiei minha mão na parede, respirando fundo antes de respondê-la:
— É que eu acabei lembrando de uma das aulas que tivemos aqui no laboratório... — meu olhar foi até Sunghoon, o garoto levantou em silêncio e parecia pisar delicadamente no chão quando começou a caminhar até o outro lado da sala. — E sabe, eu acho que realmente passei a me interessar mais por química.
— Mesmo? — ela parecia animada, mas logo voltou a ficar séria. — Bem, isso é bom. Assim você pode focar mais em melhorar as suas notas do ano passado.
Que humilhação. Já não bastava eu estar tentando esconder um garoto dela, eu também estava ouvindo o quão ruim eu era em química.
— É, professora, eu acho que finalmente caí na real, sabe? — soltei uma risada fraca, coçando a garganta quando vejo que Sunghoon estava saindo pela porta, torcendo mentalmente para que a mulher não virasse para o outro lado e o enxergasse ali.
Eu estava olhando para ela, mas quando tentei olhar para dentro do laboratório novamente, ele estava completamente vazio. Sem sinal de Sunghoon.
— E como você pretende começar com isso? Eu tenho algumas atividades que seriam ótimas, eu posso te mostrar e... — a mulher é interrompida por barulhos de passos no corredor, esses que são substituídos por uma voz bastante familiar:
— Sunoo! Cara, eu finalmente te encontrei. Onde você se enfiou? — Sunghoon se aproxima mais de onde estávamos, e eu não fazia a mínima ideia de onde ele havia saído, mas lá estava ele. — Oi, professora. Acho que não nos conhecemos muito bem, sou Park Sunghoon, me transferi há um tempo.
O garoto passou um dos braços por meu ombro, se parando ao meu lado e encarando a professora com um sorriso cínico nos lábios. Ele poderia ganhar um Oscar pela cara de pau de fazer aquilo depois de praticamente quase ser pego.
— Eu sei quem você é, Sunghoon. Mas seja bem vindo, de qualquer forma. — ela parecia confusa com a mudança de assunto, mas volta a me encarar. — Acho melhor conversarmos depois, Sunoo. Eu preciso mesmo organizar as coisas, mas o laboratório vai sempre estar aberto para te receber. — ela dá uma pausa, mas finaliza: — Para estudos.
— Claro, para estudos. — repeti as palavras dela, mantendo o sorriso em meu rosto. — Até mais, professora.
Soltei um suspiro de alívio quando a mulher virou de costas e seguiu para dentro da sala, em seguida, levei o meu olhar devagar até o garoto ao meu lado. Ele tinha um sorriso ladino nos lábios, como sempre parecendo estar se divertindo com qualquer situação em que se encontrava.
— Desde que eu conheci você qualquer situação nessa escola é caótica e engraçada. — ele começa a falar. — Sempre foi assim?
— Engraçado você falar isso, porque só começou a acontecer depois que você chegou. — entortei o nariz e afastei o braço do mais velho de meu ombro, olhando em volta daquele corredor silencioso e vazio. — É a segunda vez que eu preciso mentir pra um professor por sua causa. — sussurrei em um tom divertido e peguei no braço de Sunghoon, puxando o garoto para longe do laboratório.
— E você mente muito mal, garoto. É sério. — Sunghoon diz, me fazendo revirar os olhos. — Chega a ser engraçado.
— Da próxima vez eu vou deixar você ser pego, garoto. — dei ênfase na última palavra, imitando o jeito que ele havia me chamado. — Qual é a próxima aula mesmo?
Quando soltei o braço de Sunghoon, já não estávamos mais no corredor, e sim no refeitório. Meus olhos percorreram por todos os alunos que estavam espalhados naquele espaço, não fazendo a mínima ideia de onde meus amigos estavam, ou melhor, onde cada grupo sentou.
De qualquer forma, não iria demorar muito para eu precisar ir embora dali já que faltavam poucos minutos para o intervalo terminar.
***
Eu usava o uniforme de educação física, mais especificamente o do time de basquete, já que era o que iríamos jogar.
O professor decidiu que iríamos começar a focar em apenas um esporte por mês, e depois de um sorteio, foi decidido que seria basquete.
O uniforme era todo branco, com detalhes da cor verde e amarelo nas mangas enquanto "Wall" ficava escrito no centro da camisa, exatamente como qualquer outro uniforme padrão.
As aulas de educação física da nossa turma eram sempre um caos, mas naquele dia em específico as coisas pareciam mais bagunçadas ainda. Sunghoon estava certo quando disse que desde que me conheceu, as situações em que se encontrava eram sempre caóticas e engraçadas, mas dessa vez, não havia nada engraçado. Era apenas um clima estranho que acabou piorando quando o professor separou os times do dia:
— O time termina com Sunghoon, Jungwon e Jake. — o homem diz enquanto segurava o apito que estava preso em um cordão em seu pescoço. — Sunoo, Heeseung e Jay ficam do outro lado, entendido?
Encarei Sunghoon no mesmo momento, ele estava acompanhado dos outros meninos, do outro lado da quadra. Do meu lado, Heeseung e Jay conversavam sobre quem marcaria quem com os outros dois garotos do nosso time. Não era um jogo tão sério assim, ninguém ali era especialista no esporte, então o professor apenas explicou o básico para que ninguém se perdesse no que iria acontecer. Mas eu sabia que a competitividade dos meus amigos iria falar mais alto.
Park respirou fundo por um momento, e acredito que o mais velho pensava a mesma coisa que eu sobre a escolha do professor: aquilo já estava cansativo antes mesmo do jogo começar. Mas não pelo esporte, e sim pelo jeito que Jake e Jungwon se encaravam no momento, ambos com raiva por estarem no mesmo time.
Haviam se passado poucos dias desde que Jungwon descobriu sobre Jang-Mi e Jake, e sinceramente, nem eles deveriam estar aguentando mais aquela situação, mas eles continuavam e nada acontecia, nem uma conversa.
Era a segunda vez na semana que a garota estava faltando aula e ninguém sabia ao certo o que estava acontecendo. Para ser sincero, não é muito que se saiba sobre a relação da família Yang, o mais próximo de saber algo era Jake, e agora eles estavam em pé de guerra.
— Isso não vai dar bom. — Heeseung diz ao se aproximar de mim, apoiando uma das mãos em meu ombros. — Anota o que eu 'tô falando. — o tom de voz dele era baixo, como se estivesse contando um segredo para mim. E então, ele se afasta novamente e dá uma rápida corrida até o meio da quadra.
— Certo, vamos começar. — o professor diz. Ele segurava a bola de basquete com as duas mãos.
Sunghoon e Heeseung foram os escolhidos para o lançamento da bola no ar que dava início à partida, os mais altos de cada time eram sempre os preferidos nesse momento. Então ao ser jogada para cima, o mais rápido a pegar a bola começaria com vantagem.
Eu não era o melhor jogador de basquete do mundo, apenas entendia regras básicas do tempo em que eu acompanhava o meu pai em jogos. Ele sempre foi fascinado pelo esporte, até jogava quando mais novo, o que acabou sendo uma das coisas que o influenciou a trabalhar com jornalismo, ele costuma ser da área de esportes no trabalho.
— Quer fazer uma aposta? — Sunghoon pergunta de forma desafiadora para Heeseung, os dois se encaravam no meio da quadra.
— Qual? — Lee parecia interessado.
— O time perdedor vai pagar os lanches do time vencedor até o final da próxima semana, todo intervalo. — Park responde.
Heeseung solta uma risada.
— Isso é injusto, esqueceram que vocês são os ricos do grupo? — ele pergunta.
— É melhor se esforçarem 'pra ganhar, então. — Sunghoon diz em um tom divertido, dando uma piscadinha para o garoto.
— Beleza, não vamos perder. — Heeseung entra na brincadeira, abrindo um sorriso para o outro time.
— Deixando claro que eu nunca concordei com isso. — Jay se intromete na conversa ao se posicionar no lugar dele na quadra.
E quando a bola foi jogada no ar, Sunghoon foi quem saiu na vantagem ao pular e conseguir entregar a bola para Jake, oficialmente dando início ao jogo.
***
Estávamos perdendo por cinco pontos.
O professor deu o tempo de vinte minutos para jogarmos, depois disso teríamos que misturar os times e fazer tudo de novo, então apenas aquela rodada iria estar valendo na aposta.
O problema era que Jake realmente era bom, o Australiano estava fazendo quase todas as cestas como se fosse a coisa mais fácil do mundo, e aquilo estava me frustrando. Eu não era competitivo em jogos como esses, mas ninguém gosta de perder.
— Passa a bola! — Jake gritava para Jungwon.
Shim era o único livre, e era eu quem estava marcando Yang enquanto ele quicava a bola sem parar em minha frente. Eu já não sabia mais se aquilo era permitido, então tentei tirar a bola das mãos dele, que em um ato de desespero acabou jogando a bola para Sunghoon, que foi impedido de pegar quando Jay agiu mais rápido e roubou a bola, levando-a até a linha de três pontos e completando a jogada com sucesso quando faz uma cesta.
Meu time automaticamente começa a comemorar.
— Qual é a merda do seu problema, cara? Eu 'tava livre. — a voz irritada de Jake se espalha pela quadra, o Australiano encarava Jungwon, que apenas deu de ombros de forma debochada e correu até um dos garotos do time rival, marcando-o segundos antes do jogo voltar.
Jake respirou fundo, ele parecia estar tentando se controlar. Jungwon tinha os motivos dele para agir assim, mesmo eu achando que descontar suas frustrações no jogo não era a melhor opção. Mas quem sou eu para julgar, não é? É melhor aquilo acontecer durante o jogo do que fora dele, eu acho.
— Cara, só se liga no Heeseung e fica na sua, não quero ninguém indo pra detenção hoje. — Sunghoon diz em um tom impaciente para Jake, não se importando se iriam o escutar.
Após a cesta de Jay, Sunghoon passa a bola para Jake e o jogo volta a acontecer.
Shim era rápido, o que dificultava a minha tentativa de acompanhá-lo, mas eu continuei tentando tirar a bola dele enquanto ele quicava a bola no chão. E quando tentei novamente, ele passou a bola para o outro garoto do time dele, me fazendo suspirar e voltar a correr novamente.
Os segundos seguintes foram tão rápidos que eu quase não consegui acompanhar com os meus olhos. Heeseung conseguiu roubar a bola e a levou até o outro lado, todo o time o acompanhou. Em um descuido do rival, o meu marcador me deixou sozinho e Lee aproveitou o momento para passar a bola para Jay, que passou a bola para mim e, só então, eu não perdi tempo em arremessar para a cesta, torcendo para que eu não errasse.
Heeseung e Jay vibraram, eu havia acertado.
— Nada mal, Kim Sunoo. — Sunghoon diz ao passar por mim, sorrindo de forma provocativa enquanto caminhava de costas em direção da tabela, recebendo do professor a bola que eu havia acabado de acertar na cesta.
E eu não sabia que alguém conseguia ficar tão atraente jogando basquete até ver Park Sunghoon em ação, além de tudo me provocando no meio de uma partida. Mas eu iria ignorar isso por enquanto, meu foco ali era ganhar o jogo e não precisar pagar lanche para ninguém por uma semana depois.
Mas algo me dizia que alguma coisa daria errado, e eu tive essa confirmação quando Jake e Jungwon não estavam onde deveriam estar na quadra. De repente, os dois garotos estavam empurrando um ao outro pelo ombro, disputando quem receberia a bola que Sunghoon tinha em mãos. Eu esperava ver aquela cena em qualquer turma, menos no último ano.
— Vocês têm cinco minutos. — o professor aumenta o tom de voz, chamando a atenção dos garotos. — É melhor pararem com isso.
— Desculpa, professor. — Jungwon é o único que responde, lançando um olhar nada amigável para Jake ao se afastar e deixá-lo livre para receber a bola.
Confusão e mais confusão.
Depois que tudo volta ao "normal", o tempo do professor começa a diminuir cada vez mais. O nosso time precisava de apenas três pontos para virar o jogo e ganhar a aposta, e tudo parecia mais fácil agora que Jake e Jungwon continuavam implicando um com o outro e não focando no jogo como estavam no começo.
E foi nesse momento que em um descuido, o jogo não teve como continuar.
Jake estava com a bola e precisava passá-la para alguém, mas acredito que seu ego resolveu dar o troco em Yang que estava livre, e como se eu já tivesse visto aquela cena antes, ele passou a bola para Sunghoon, que ao tentar pular para não perder para Jay novamente, pisou em falso e torceu o pé, dando apenas para escutar o barulho do impacto de seu corpo com o chão da quadra, sendo acompanhado por um gemido de dor.
Eu me assustei no mesmo momento, não hesitando em correr em direção de Park, que tinha uma careta no rosto enquanto segurava o próprio tornozelo com força.
— Porra, Jake. Que merda você fez? — Jungwon diz e me acompanha em direção de Sunghoon, se agachando em frente à ele. — Você 'tá bem, cara?
— Ah, eu 'tô ótimo, melhor impossível. — Sunghoon diz em um tom completamente irônico, fazendo uma careta de dor logo em seguida.
— Eu não fiz nada, eu só passei a bola 'pra ele, quem começou foi você. — Jake se aproxima dele também, e quando eu percebi, todos estavam em volta de Sunghoon, inclusive o professor.
— Agora não importa de quem foi a culpa, ajudem o Sunghoon! — o professor se irrita com a pequena discussão dos dois garotos. — Levem ele até a enfermaria, rápido!
Sem discussões, Jake e Jungwon deixam a intriga de lado para ajudar Sunghoon.
O garoto de cabelos escuros foi carregado por eles, sendo levantado do chão para apoiar os dois braços em cada um deles.
E assim, todos seguiram até a enfermaria.
Ela ficava propositalmente próxima do ginásio onde estávamos, a maioria das pessoas que precisam ir até lá eram os alunos que se machucavam em alguma aula de educação física, e foi o caso de Sunghoon.
O garoto já estava visivelmente irritado com a briga de Jake e Jungwon, então eu não conseguia imaginar o quanto isso havia aumentado depois dele se machucar por conta deles.
— Vocês todos estão acompanhando ele? — a enfermeira pergunta, Sunghoon estava sentado em uma maca de frente para ela. Ela tinha uma bolsa de gelo em mãos e a aproximava do tornozelo do garoto.
— Estamos. — Heeseung é quem responde.
Quando meu olhar segue até o nosso reflexo no espelho da enfermaria, Jay, Jake, Jungwon, Heeseung e eu estávamos todos parados um do lado do outro enquanto encarávamos Park, que tinha uma expressão visivelmente irritada no rosto.
— Vou pedir que somente um de vocês fique com ele aqui, vocês precisam voltar 'pra aula. — ela diz após passar o olhar por todos nós. — Ele apenas torceu o tornozelo, não foi nada demais e vai melhorar logo. Só peço que fique um, é regra da enfermaria em casos como esse.
— Tudo bem, vocês podem ir. — Jake diz ao se virar para todos nós.
Sunghoon solta uma risada logo em seguida, mas não havia humor nela.
— Não, eu não quero nenhum de vocês aqui. — ele faz uma careta enquanto segurava a bolsa de gelo contra o tornozelo. — Eu quero que o Sunoo fique.
Meus olhos se arregalaram assim que o escutei, observando os meus amigos fazerem a mesma coisa.
— O que foi? — Sunghoon dá de ombros. — Eu machuquei o meu tornozelo por causa de vocês dois. — com a bolsa que segurava, ele aponta para Jake e Jungwon, fazendo respingar um pouco de água neles.
— E vocês. — ele aponta para Jay e Heeseung. — Podem consolar eles lá fora. O Sunoo não me fez nada.
— Palavras dele, não minhas. — levantei às mãos.
E enfim, todos fazem o que a enfermeira manda, me deixando sozinho com Sunghoon quando voltam para o resto da aula de educação física.
— Você 'tá bem? — foi a primeira coisa que perguntei ao me aproximar da maca, a enfermeira também nos deixou sozinhos, mas estava na sala ao lado.
— Eu 'tô sim. — ele diz, batendo ao lado dele na maca para que eu me sentasse ali, e eu me sentei. — Eu só não queria eles perto de mim, eu realmente me irritei.
— Eu também me irritaria, aposta quanto que devem estar discutindo agora sobre quem foi o culpado deles terem sido expulsos da enfermaria? — eu ri baixo e levei o olhar até o local que ele havia machucado, fazendo uma careta. — Deve estar doendo.
— Sim, mas 'tá doendo menos do que há alguns minutos. — ele vira o rosto para mim. — Mas se você pretende cuidar de mim... — ele solta um gemido falso de dor. — Nossa, 'tá doendo muito, eu acho que não vou conseguir andar hoje.
Eu revirei os olhos.
— Você consegue ser idiota até em momentos como esses? — falei em meio à uma risada, dando um pequeno empurrãozinho em seu ombro. — Mas é sério, podemos remarcar o filme de hoje 'pra outro dia.
— Não precisa, é sério. — ele insiste. — Eu 'tô contando com isso 'pro meu dia não ser totalmente ruim e eu não acabar xingando o Jake quando chegar em casa. — ele ri baixo. — É sério.
— Tudo bem. — abri um pequeno sorriso. — O filme está de pé, então.
***
Eu só havia aceitado pegar um Uber até a minha casa porque Sunghoon estava com o tornozelo machucado.
Como combinado, ele iria até a minha casa após a aula e iríamos assistir a um filme juntos, ou apenas iríamos jogar conversa fora já que não tínhamos tempo o suficiente para isso na escola. E sim, eu estava um pouco nervoso quanto a isso, não iria mentir.
Primeiro porque eu e Sunghoon nunca havíamos feito nada disso antes, nós nunca ficamos sozinhos por tanto tempo assim, nem quando estávamos na festa, lá rolaram mais beijos do que conversa. E segundo, foi eu quem tomou coragem e o convidou para vir até a minha casa. Isso já diz muita coisa, eu realmente não queria que ele acabasse desistindo daquilo por pensar que eu não tinha tanto interesse quanto ele tinha em mim, então eu precisava demonstrar de alguma forma, mesmo que do meu jeito.
Mas havia uma terceira coisa que eu não cheguei a pensar antes de convidá-lo: os meus pais estariam lá. E se ele me achasse um maluco por fazê-lo conhecer os meus pais? Tudo bem que ele já conhecia a minha mãe, mas era diferente, não é? Não sei.
— Ah, e eu esqueci de um detalhe... — falei enquanto caminhávamos juntos até a porta de entrada da minha casa, me parando em frente a ela e me virando para Sunghoon, o garoto já caminhava normal, apenas mancava de leve de vez em quando.
— Qual detalhe? — ele pergunta.
— O meu pai voltou de viagem, então você provavelmente irá vê-lo hoje. — soltei uma risada nervosa, logo ficando sério. — Mas isso não quer dizer nada, tudo bem? Eu só estou avisando, não chamei você aqui porque queria te pressionar em conhecê-los nem nada do tipo, eu nem lembrav...
— Sunoo. Fica calmo. — Sunghoon me interrompe e leva a mão até o meu ombro. — Eu entendi, de verdade. — ele ri baixo. — Só vai ser estranho encarar os seus pais depois de beijar você, mas eu acho que consigo lidar com isso.
— Tudo bem. — soltei todo o ar que eu guardava em meus pulmões, agora segurando na maçaneta da porta. — A minha mãe é super tranquila, mas talvez isso mude um pouco quando ela 'tá com o meu pai, então...
Encarei Sunghoon uma última vez antes de abrir a porta, dando espaço para o garoto entrar e o seguindo logo depois.
De primeira, pareceu que a casa estava vazia, mas quando nos aproximamos mais da sala, duas risadas se misturavam com as vozes da televisão. Minhas sobrancelhas arquearam e eu olhei para Sunghoon por um momento, apontando com a cabeça para que ele me seguisse até aquelas vozes.
— Você era exatamente assim quando nos conhecemos, amor. — o meu pai falava, isso segundos antes de eu aparecer no campo de vista deles.
Minha mãe e meu pai estavam sentados um ao lado do outro no sofá, e aquilo me deu uma nostalgia gigantesca de quando nós três fazíamos o mesmo. Costumávamos assistir séries coreanas por horas enquanto comíamos Pepero, um doce em forma de palito coberto de chocolate que meu pai sempre trazia para mim, mas perdemos o costume de fazer todas aquelas coisas conforme os anos se passaram.
— Oi meu amor, você chegou! — minha mãe abre um sorriso assim que me vê passando pela porta, mas parece surpresa quando vê Sunghoon ao meu lado. — Ah, os meninos irão vir aqui hoje?
— Na verdade, só o Sunghoon veio. — abri um sorriso fraco. — Pai, esse é o meu amigo, Park Sunghoon. Ele se transferiu há um tempo de Seul.
— Finalmente, a sua mãe vivia falando que você fez amigos novos, algum deles eu precisava conhecer. — meu pai se levanta do sofá juntamente com minha mãe, ambos estavam com um sorriso no rosto. Pareciam estar de bom humor naquele dia. — Já se acostumou com Odhen, Sunghoon?
— Sim, senhor. — Sunghoon solta uma risada baixa, e pela primeira vez, ele parecia estar nervoso. — Eu costumava vir aqui algumas vezes já que o meu melhor amigo mora na cidade.
— E você está se dando bem com a casa nova? — minha mãe pergunta.
Eu sabia onde aquilo iria terminar, meus pais às vezes perguntavam coisas além do necessário e eu não queria que Sunghoon se sentisse desconfortável, mesmo que a intenção deles fosse boa. Minha mãe provavelmente já havia comentado com o meu pai sobre a situação dos meus amigos, eles contavam tudo um ao outro.
— Mãe, não queremos atrapalhar vocês. — me intrometi na conversa, sorrindo desajeitado. Em seguida, apoiei a minha mão no ombro de Sunghoon. — Então nós vamos subir 'pra sala de leitura, podem voltar a assistir o programa de vocês, tudo bem? Amo vocês.
— Mas... — minha mãe fala.
— Prazer em conhecê-los, Sr. e Sra. Kim. — Sunghoon faz uma rápida reverência para os dois antes de eu puxá-lo comigo até as escadas.
— Deixe eles, Nabi. Os jovens de hoje em dia não passam muito tempo conversando com adultos. — aquelas são as últimas coisas que eu escuto do andar de baixo.
Não demorou para finalmente estarmos dentro da sala de leitura, e assim que Sunghoon passou pela porta, eu a fechei, não deixando de rir ao falar:
— Sim, senhor. — tentei imitar a forma que o garoto havia falado com o meu pai, vendo Park revirar os olhos dramaticamente.
— Calado, Kim Sunoo. — ele diz no momento em que se joga em uma das almofadas gigantes que estavam espalhadas no chão, deixando a mochila que ele carregava logo ao lado. — Os seus pais devem me achar um antipático por ter saído daquela forma. — ele faz uma breve careta.
— Eu quem puxei você comigo, eles não vão pensar assim. — falei enquanto deixava a minha mochila em um canto da sala, me jogando ao lado de Sunghoon na almofada. — Eu salvei você de inúmeros questionamentos, acredite. Eu conheço os meus pais.
Estávamos ambos deitados de barriga para cima e com as mãos em cima da barriga, encarando o teto da sala. Alguns dias depois que ela ficou pronta, eu colei alguns adesivos que brilhavam no escuro, todos eram em formato de estrelas. Eu tive essa ideia porque lembrei do quanto eu gostei de olhar para elas no planetário.
— O seu tornozelo 'tá melhor? — perguntei após alguns segundos, virando o rosto para ele.
— Nada insuportável, não 'tô sentindo mais nada. — ele dá uma pausa, me olhando como se estivesse curioso. — Onde você aprendeu a jogar basquete?
Soltei uma risada.
— Aquela cesta foi sorte, eu sei apenas o básico. — respirei fundo. — O meu pai é fã do Bulls, então eu assistia alguns jogos com ele. Mas seria mais confiável eu te dizer que tudo o que eu aprendi foi assistindo High School Musical. — meu tom de voz era divertido. — Vai, Wildcats! Sabe?
— Wildcats? — é a vez de Sunghoon rir.
— O quê? Vai me dizer que você nunca assistiu High School Musical? — olhei para ele sem acreditar.
— Eu tenho medo da sua reação depois de ouvir a minha resposta. — ele diz, me fazendo entreabrir os lábios, chocado.
— Não acredito que eu já beijei você, cara. — me sentei na almofada, ouvindo Sunghoon rir com o drama que eu estava fazendo.
— Ah, qual é? — ele me puxa pelo braço, me fazendo apoiar uma mão no chão quando caí por cima dele, nos deixando cara a cara. — Você me beijaria de todo jeito, Sunoo.
— Cara, de onde você tira toda essa confiança? — soltei uma risada, totalmente incrédulo. O garoto abriu um sorriso.
— Não sei, cara. — ele imita a forma que eu frequentemente o chamava. — Mas eu também beijaria você, até se me dissesse que nunca assistiu Star Wars.
— Eu literalmente nunca assisti Star Wars. — fiz uma careta.
— Como assim você nunca assistiu Star Wars? — ele me olha tão incrédulo quanto eu estava antes. — Como eu já beijei você?
Aquilo me fez dar uma gargalhada sincera.
— Você é muito idiota. — revirei os olhos, o empurrando pelo ombro ao sair de cima dele, me sentando novamente ao seu lado. — Vamos fazer assim... você assiste High School Musical, eu assisto Star Wars.
— Já achamos o que assistir hoje. — ele abre um sorriso nos lábios. — Star Wars primeiro, por favor.
— Nunca! Vamos começar com High School Musical. — abri um sorriso para ele, que apenas jogou a cabeça para trás e suspirou, não indo contra o que eu havia decidido.
Me levantei rapidamente de onde eu estava e fui procurar pelo controle da televisão. Enquanto isso, Sunghoon ajeitava a almofada bem em frente da tela.
Como um bom apreciador dos antigos musicais da Disney, eu estava animado em assistir aquele filme com ele, principalmente por ser um dos meus favoritos.
E quando apaguei as luzes, observei o teto ser iluminado pelos adesivos de estrelas, me fazendo abrir um pequeno sorriso no momento em que me sentei no puff ao lado de Sunghoon, entrando no aplicativo da Disney Plus pela televisão.
— Você acha que a briga entre os garotos vai durar? — Sunghoon pergunta após um breve silêncio. — Aquilo já 'tá um saco.
— Olha, eu só comecei a ser próximo do Jungwon recentemente, então não sei como ele lidaria com esse tipo de situação. — entortei os lábios. — Mas eles não parecem querer dialogar tão cedo.
— O Jake até queria no começo, mas acho que desistiu. — Sunghoon entorta os lábios e leva a mão até o tornozelo.
— Você quer que eu pegue um gelo? Deve estar doendo ainda. — perguntei.
— Não, 'tá tudo bem. — ele me assegura. — Mas é sério, acho que eles deveriam conversar. Eu quero tentar fazer isso acontecer.
— E como você vai fazer isso?
— Eu não sei, mas eu vou. Eles não podem ser tão orgulhosos assim, são amigos há anos. — Sunghoon suspira.
— A Jang-Mi tem sorte de ter um irmão, principalmente um que se importa com ela. — falei, me aconchegando na almofada. — Querendo ou não, o Jungwon só quer tentar proteger ela, sempre. Eu só não sei exatamente de quem. Eu queria que alguém tivesse feito isso por mim.
— Como assim? Vocês tem o Heeseung, não é? ele também parece querer te proteger. — as palavras dele me fazem abrir um pequeno sorriso.
— Eu tenho, é claro. — respirei fundo. — O Heeseung é como um irmão mais velho 'pra mim, mas é diferente, sabe? Tem coisas que eu passei antes de conhecer ele, e eu não tinha ninguém além de eu mesmo 'pra segurar a minha mão, eu era muito novo.
— Você quer falar sobre isso? — o garoto pergunta no tom de voz mais atencioso possível.
Eu não queria, mas porque eu nunca falava sobre isso. Eu não chegava nem a pensar sobre, era algo que sempre me deixava triste se eu acabasse pensando demais. Eu sempre arranjava um jeito de correr para um lugar onde eu me sentia confortável sempre que meus dias me faziam voltar para aqueles dias.
— Eu não queria pesar o clima. — soltei uma risada sem graça. — Mas eu posso dizer que os meus pais não têm mais contato com os meus avós por minha causa. — agarrei a barra da minha camisa, procurando manter as minhas mãos ocupadas.
— Eles moram aqui em Odhen?
— Eles moram em Seul. — respondi. — Segundo eles, eu estava me tornando uma criança cada vez mais "afeminada" — fiz aspas com as mãos. — E eles me tratavam muito mal sempre que me pegavam falando ou fazendo qualquer coisa, era horrível. A minha mãe tentava ao máximo me proteger, mas eu não entendia o motivo daquele ódio, eu tinha o quê? 11 anos?
— Sunoo... eu sinto muito. — Sunghoon parecia realmente chateado e afetado ao ouvir aquilo.
— O que me conforta é saber que os meus pais nunca deixaram de me defender, nem mesmo quando nem eu entendia sobre a minha sexualidade. — respirei fundo.
Continuei contando para Sunghoon que, na época, o meu pai já não tinha um bom relacionamento com os próprios sogros, então eles brigaram 'pra valer em um dia, foi muito feio.
A minha mãe não hesitou em aceitar uma proposta de trabalho em Odhen quando tudo ficou mais difícil entre a nossa família, e foi assim que começamos uma vida nova aqui. Eu sentia que aquela atitude radical dos dois foi porque eles já haviam passado por coisas na infância que não queriam me ver passando também, meus avós sempre foram complicados.
Às vezes eu me sentia mal por ter afastado todos eles, mas ao mesmo tempo me sentia aliviado. Já havia se passado sete anos.
— Sete anos? — Sunghoon se surpreende. — Sunoo, eu sinceramente sinto muito por isso, ninguém merece passar por algo assim. — ele leva a mão até a minha, segurando-a firmemente e logo me puxando para deitar com a cabeça em seu colo. — Me desculpa por fazer você falar sobre isso. — ele começa a passar os dedos entre meus fios de cabelo no mesmo momento.
— 'Tá tudo bem, eu falei por vontade própria. — abri um pequeno sorriso, mesmo que triste. — Acho que nunca é bom guardar tudo 'pra si mesmo, parece que uma hora aquilo vai te sufocar.
— Eu imagino o quão ruim deve ter sido 'pra você. — ele continuava a fazer carinho no meu cabelo. — Os meus pais sabem sobre a minha sexualidade, mas acho que eles ignoram isso até que acabam esquecendo sobre, sabe? Quando eles descobriram, o clima ficou estranho por semanas, e pela primeira vez eu presenciei eles se importando com algo relacionado à mim. — Sunghoon ri sem humor. — Eu também nunca tive ninguém 'pra segurar a minha mão, sempre fui eu por eu, então eu aprendi a lidar com tudo sozinho.
— Eu sinto muito por você também. — prendi meu lábio inferior entre os dentes. — Eu acho que todo mundo diz que precisamos de alguém 'pra segurar a nossa mão em momentos como esses, mas o mais importante é ter a própria companhia, sabe? Não desistir de si mesmo é importante.
Sunghoon concorda em silêncio, mas então volta a falar:
— Mesmo assim, você me promete uma coisa?
— Que coisa? — perguntei enquanto meus olhos estavam fechados.
— Que você não vai passar por nada totalmente sozinho e que sempre que precisar de alguém, você vai falar comigo. — ele dizia enquanto passava os dedos por meus fios de cabelo novamente.
— Não posso prometer isso, mas eu posso tentar. — sussurrei ao abrir os olhos devagar.
— Você tem a mim, o Heeseung e os meninos. Mesmo que eles estejam agindo feito dois idiotas agora, você não 'tá sozinho, Sunoo.
Eu diria que meu coração doeu ao ouvir aquilo, assim como uma vontade de chorar cresceu em mim, mas eu não chorei.
A conversa levou outro rumo de repente, eu estava literalmente trocando desabafos com Sunghoon sobre coisas que vivemos no passado. E eu me sentia confortável com isso, principalmente quando as palavras "você não está sozinho" saiam da boca dele e, naquele momento, eu realmente não sentia que estava.
— Obrigado por isso. — abri um pequeno sorriso.
Por impulso, acabei por levantar a minha mão até a nuca de Sunghoon, puxando o garoto para mais perto de mim. Ele se curvou no mesmo momento já que eu ainda estava deitado no colo dele, e então, nossos lábios se colaram em um selar demorado. Não aconteceu nada além disso, mas era bom do mesmo jeito.
E tudo isso me faz voltar até o dia em que eu e Sunghoon fizemos dupla na aula de artes pela primeira vez.
Ele disse que sua nova meta era me fazer gostar dele, e mesmo que na época não fosse em um sentido romântico, aquilo estava começando a acontecer sem que eu percebesse.
— O que foi? — ele sussurra para mim após o meu silêncio, eu estava o encarando depois que nossos lábios já não estavam mais colados.
— Nada, eu só 'tava pensando — abri um pequeno sorriso, usando meus dedos para acariciar os fios de cabelo do mais velho, aproveitando que minha mão ainda estava lá. Em seguida, deslizei a ponta dos meus dedos pelo rosto dele, passando o meu indicador devagar pelo piercing no canto de sua boca, o que me fez balançar a minha cabeça lentamente. — Acho melhor começarmos o filme.
Sunghoon solta uma risada fraca, mas logo concorda com a cabeça ao se afastar de mim.
Já eu, me mantive deitado com a cabeça no colo dele quando dei início ao filme, prestando atenção em silêncio.
***
— Por que tudo se transforma em uma cena musical dramática em um corredor vazio? — Sunghoon pergunta, me fazendo rir.
— É uma coisa de High School Musical, você não entenderia... — respondi divertido. — Às vezes, tudo o que uma pessoa precisa é surtar e cantar no meio de um campo de golfe vazio, exatamente como o Troy Bolton no segundo filme.
— Em um campo de golfe, é sério? — ele ri alto.
— Eu realmente não consigo acreditar que você nunca assistiu, Sunghoon. — forcei o melhor tom de voz dramático que eu poderia. — Mas tudo bem, ainda vou fazer você assistir todos comigo.
— Isso é muito engraçado — ele ri, me fazendo arquear as sobrancelhas.
— O que é engraçado? — perguntei.
— No dia em que você dormiu no meu ombro no ônibus, no planetário, lembra? — ele começa a falar, e era óbvio que eu lembrava. Eu morri de vergonha quando descobri. — É sério, começaram a tocar umas músicas que eu nunca ouvi na minha vida enquanto dividíamos o fone, mas eu 'tô escutando todas elas nesse filme.
— Cara, que tipo de coisa você costumava assistir e escutar durante a infância? — perguntei incrédulo. Até o Heeseung conhecia aquelas músicas, mesmo implicando comigo por escutar até hoje.
— Eu escutava Paramore, Avril, Evanescence... — ele diz baixo enquanto olha para o filme, mas o meu olhar estava preso nele. — Esse tipo de música.
— Ai, meu Deus. — falei, chamando a atenção do garoto. — Não acredito que você foi uma criança emo, Sunghoon.
— Ai, Kim Sunoo. — Sunghoon revira os olhos, me fazendo rir alto. — Presta atenção no filme.
Sunghoon realmente havia demonstrado interesse em Paramore no dia do passeio, ele até chegou a comentar que não imaginava que eu escutasse, mas eu não dei continuidade ao assunto. Eu estava preocupado demais em fugir dos pensamentos que eu tinha sobre ele naquela semana.
E eu realmente consegui fazer o garoto assistir o filme inteiro comigo, Sunghoon me fez esquecer completamente da conversa tensa que havíamos tido anteriormente. E aquele era um lado que eu não conhecia sobre ele, mas eu havia mesmo gostado, aquele momento sozinhos foi importante. Eu acho que assistiria Star Wars inteiro se fosse para sentir de novo aquela sensação de conforto somente por estar ali sozinho com ele, mesmo que eu não entendesse nada do filme. Mas eu não diria isso à ele.
Tudo passou muito rápido depois do nosso último diálogo, porque depois de um tempo, já estava tarde e ele precisava ir embora. Segundo ele, os pais de Jake iriam se reunir em casa. E aquela passou a ser a parte mais chata do dia para mim.
— Eu não acredito que vou dormir hoje com uma música de High School Musical na cabeça. — Sunghoon dizia enquanto descíamos as escadas da minha casa.
— Posso te mandar uma playlist com outras, você vai adorar. — o provoquei e ouvi o garoto respirar fundo, o que me fez rir.
— Já está de saída, Sunghoon? — minha mãe aparece de repente na sala, ela segurava um prato em mãos. — Eu iria convidá-lo para o jantar.
— Eu agradeço muito, senhora Kim. — Sunghoon se curva em uma reverência. — Mas eu realmente preciso ir, prometi aos pais do Jake que estaríamos mais cedo em casa hoje.
— Tudo bem, querido. — ela sorri. — Mas volte sempre que quiser, tudo bem? Podemos marcar para você vir novamente e ficar para o jantar.
— É claro, eu iria adorar. — ele abre um sorriso, não parecendo que estava aos beijos comigo há poucos minutos no andar de cima. — A comida estava muito boa da última vez.
E confesso, eu gostava até da forma que Sunghoon conversava com a minha mãe, eu não havia reparado o quão educado o garoto era. Nem os meus próprios amigos agiram assim quando estávamos começando a nos conhecer.
— 'Pra onde o meu pai foi? — perguntei.
— Ele foi ao mercado, mas volta logo. — ela explica. — Eu o aviso que Sunghoon foi embora.
E assim, nós nos despedimos do garoto.
Eu perguntei a ele milhares de vezes sobre o estado de seu tornozelo, mas Sunghoon me assegurou em todas que estava bem, então acreditei. Mesmo o vendo caminhar até o Uber sem colocar muito peso em uma das pernas.
***
Minha mãe guardava a louça do jantar enquanto eu rolava a timeline do twitter sem prestar atenção em nada, fazendo aquilo apenas por não ter exatamente o que fazer. Eu me ofereci para ajudar a mulher com a louça, mas ela não deixou, apenas mandou eu descansar.
— É bom que você esteja se aproximando daquele menino, ele parece um bom garoto. — ela diz, me fazendo arquear as sobrancelhas pelo assunto levantado de repente. — No jantar eu pensei que vocês não eram tão próximos assim.
— Era tudo um pouco recente, mas nós dois nos aproximamos recentemente. — bloqueei a tela do meu celular, deixando-o em cima da mesa.
— Espero que ele se adapte, moderadamente. — ela continuava guardando as coisas nos armários. — Não é bom se apegar em algo quando se é temporário, os problemas com os pais já devem o afetar demais. — ela falava com se estivesse com pena de algo.
— Como assim, mãe? — levantei as sobrancelhas.
— O que, filho? — ela questiona e se apoia no balcão da cozinha, olhando para mim. — Os pais dele não vão deixar ele na cidade 'pra sempre, Sun. Mesmo que eles não liguem muito 'pro próprio filho.
As palavras de minha mãe me fazem ficar em silêncio. Eu nunca havia parado para pensar nisso, mas Sunghoon realmente havia deixado isso claro, principalmente quando contou para mim e os meninos que moraria com os Shim por tempo indeterminado.
Se me falassem aquilo há algumas semanas, eu não iria me preocupar nem um pouco, mas as coisas estavam diferentes agora. Eu me importava com Sunghoon e tinha sentimentos por ele.
O pensamento de que ele poderia ir embora a qualquer momento me deixava enjoado, e eu não queria ter essa informação, não agora que eu estava me sentindo bem em estar com ele. Mas o que mais me incomodava sobre isso era saber o quão incrivel Park Sunghoon era e, mesmo assim, os pais dele não enxergavam isso no próprio filho, preferindo colocar o trabalho acima dele, como se família fosse apenas sangue e nada além disso.
Talvez Sunghoon procurasse em outras pessoas o que ele não tinha dos pais, e isso era triste. Se apegar em pessoas temporárias era triste, mas eu não queria que ele passasse por isso de novo, não sozinho. Porque assim como ele disse que eu não estava, ele também não estava sozinho.
— Eu acho que eu vou 'pro meu quarto, 'tô com um pouco de sono. — falei em um tom baixo e apoiei os braços na mesa para me levantar da cadeira, pegando o meu celular. — Boa noite, mãe. Diz 'pro meu pai que eu desejei boa noite também.
— Boa noite, Sun. — ela sorri fraco, acredito que percebendo minha mudança de humor. — Não esqueça de fechar as janelas, vai chover amanhã.
— Pode deixar. — assenti com a cabeça, recebendo um beijo rápido em minha bochecha antes de sair pela porta da cozinha.
Eu subi às escadas até o segundo andar, não demorando para me jogar de bruços em minha cama enquanto segurava o meu celular com ambas as mãos.
Eu sentia uma sensação estranha, nada confortável. A minha vontade era de ligar para Sunghoon, dizer tudo o que eu estava sentindo no momento e ouvi-lo fazer alguma piada sobre eu estar me importando com ele, me provocando como ele sempre costumava fazer. Mas ao invés disso, eu apenas desbloqueei a tela do aparelho que eu segurava, entrei no aplicativo de mensagens e percebi que havia uma de Sunghoon. Eu imediatamente ajeitei a minha postura na cama, entrando em nosso chat e lendo as palavras escritas na tela:
Sunghoon:
00:44
obrigado por hoje, de verdade. foi bom desabafar e passar esse tempo com você :) te vejo na escola... wildcat.
***
Chapter 11: They Don't Know About Us
Chapter Text
Kim Sunoo
S ete anos atrás
A neve caía cada vez mais forte do lado de fora do trem, eu estava parado em frente a uma janela enquanto observava árvores que eram deixadas para trás, mas parecia que tudo estava se movimentando mais rápido conforme o tempo passava, tão rápido que eu estava começando a ficar confuso e enjoado.
Era possível um trem se movimentar tão rápido assim?
A não ser que... eu estivesse sonhando.
Meu Deus, aquilo era realmente um sonho.
E eu estava consciente disso. Que incrível.
Parei de encarar a janela quando me virei para o outro lado do vagão, começando a caminhar até a porta que dava acesso até outro setor. Estava tudo vazio, parecia que eu realmente era o único presente ali. Será que por ser um sonho, eu poderia controlar o que iria acontecer daqui para frente?
Mas o vazio durou pouco tempo, porque quando cheguei no último vagão, avistei uma pessoa.
Era um garoto.
— 'Pra onde esse trem vai? — perguntei com certo receio, era estranho a sensação de estar ciente de que aquilo não era real.
O garoto se virou para mim no mesmo segundo, ele parecia tão perdido quanto eu. E ele não me respondeu de imediato, pelo contrário, ele tombou a cabeça para o lado como se estivesse me analisando e, então, arqueou as sobrancelhas antes de falar:
— Eu não sei, não lembro como cheguei aqui. — a voz dele saiu tão baixa que precisei fazer um esforço para escutar, além de que o barulho do trem dificultava um pouco. — Quem é você? — ele pergunta.
— Sunoo, meu nome é Kim Sunoo. — falei enquanto me aproximava dele. — E o seu?
Recebi um olhar dos pés a cabeça, ele parecia estar me julgando. Imediatamente aquilo me fez entortar os lábios em uma breve careta.
— Eu sou apenas alguém que quer sair daqui. — ele volta a olhar para frente, e agora eu estava ao lado dele, observando a mesma coisa que ele: a neve lá fora.
— E por que você quer sair daqui? — perguntei com certa curiosidade, ignorando se eu iria soar estranho por tentar continuar uma conversa.
— Você sempre faz tantas perguntas assim? — ele questiona e, mais uma vez, eu fiz uma careta.
O garoto então começou a mexer na janela, parecia que ele estava procurando alguma forma de abri-la. Eu particularmente achava aquilo estúpido já que, se ele abrisse a janela, o vagão todo se encheria de neve. Mas eu não diria nada a ele por enquanto.
— Foi mal, eu só 'tô tentando entender esse sonho. — dei de ombros, não ligando em falar o que eu pensava, afinal, nada daquilo era real. — O que você 'tá fazendo?
Só então eu reparei que havia feito mais uma pergunta, recebendo um olhar de poucos amigos do menino.
— Desculpa... — sussurrei, resolvendo ficar em silêncio a partir daquele momento.
— Você disse sonho? — ele desiste da janela, voltando a me encarar.
— Sim, isso é um sonho, certo? — perguntei. — Se eu quiser, a neve vai parar nesse exato momento.
Deu tempo apenas de eu finalizar a frase para que realmente acontecesse o que eu havia falado. Quando encarei o lado de fora do trem, a neve começou a ficar mais fraca, até que parou.
— Como... — o garoto junta as sobrancelhas, confuso. — Como você fez isso?
Eu também estava surpreso, eu não imaginei que iria funcionar.
— Como eu disse... é um sonho. — dei de ombros, fingindo estar acostumado com aquilo. — Você não consegue?
Ele apenas negou com a cabeça, não me respondendo com palavras. Mas sua voz me chamou a atenção depois de um tempo:
— Se você realmente controla as coisas, você não tinha um sonho melhor do que um trem descontrolado? — ele fez uma careta, o garoto parecia não gostar mesmo de estar em um trem.
— Eu não controlei isso, 'pra ser sincero. — o respondi. — Eu assisti a um filme antes de dormir, talvez o meu subconsciente me levou até esse lugar depois de assisti-lo.
— Que tipo de filme era esse? — ele pergunta.
— O Expresso Polar. — respondi.
Os meus pais me fizeram assistir a esse filme depois de eu falar que não acreditava no Papai Noel.
Mas qual é? Eu acabei de completar 12 anos, eu já sou um homem grande para acreditar nesse tipo de coisa, não é mesmo?
Mentira, uma colega de aula me contou que ele não existia.
Apesar disso, a mensagem do filme era legal, eu realmente gostei. O filme conta a história de um garoto que não acreditava na existência do Papai Noel, mas, conforme algumas coisas acontecem, ele muda de ideia após embarcar em um trem "mágico".
E uma frase do filme me deixou pensativo.
Em um momento, o condutor do trem fala: "Ver é acreditar. Mas, às vezes, o que existe de mais real no mundo são as coisas que não podemos ver."
Mas o que é real e não podemos ver? Isso não fazia sentido algum.
E depois de um tempo, isso virou um assunto entre mim e o garoto do trem. Nós dois havíamos cansado de tentar entender o que estava acontecendo, então apenas nos sentamos de frente para a janela e começamos a conversar. Ele não me falava muita coisa sobre si mesmo, a única coisa que descobri foi que ele era alguns meses mais velho do que eu.
— Isso não faz sentido, como eu iria acreditar em algo que não consigo ver? — eu perguntei.
— Se pensar bem, nós não enxergamos a amizade e nem o amor, mas eles existem por aí... — ele dá de ombros. — De qualquer forma, eu não gosto do amor. Adultos beijando é nojento. Eca.
Ele faz uma careta, e eu também.
Realmente era nojento, eu odiava quando os meus pais faziam aquilo na minha frente.
— Mas não existe amor apenas entre adultos, eu amo a minha mãe, por exemplo. — falei de forma simples. — Mas no final, talvez a frase faça mesmo sentido, não é preciso enxergar o amor para acreditar nele. Você apenas sente.
Não recebi uma resposta dele, o silêncio voltou a se fazer presente por mais alguns longos segundos, só depois sendo substituído pela voz do menino:
— Você é estranho e fala muito — ele vira o rosto para mim com um semblante sério, mas um sorriso logo abre nos lábios dele. — Vamos ser amigos.
Foi a minha vez de ficar em silêncio, eu apenas encarava o menino, ele tinha a mão estendida para mim. Mas como eu não tinha nada a perder, apenas estiquei o meu braço e apertei a mão macia dele, balançando-a juntamente à minha.
— Vamos ser amigos. — repeti as palavras ditas por ele com um sorriso nos lábios.
A única coisa que eu não sabia naquele momento, era que aquela não seria a última vez que eu o encontraria em meus sonhos, muito menos que eu estaria consciente em todos eles.
Nem que iríamos nos tornar o lugar seguro um do outro.
***
Dias atuais
Já fazia um tempo desde a última vez que associei Sunghoon ao garoto dos meus sonhos, mas isso voltou a se fazer presente em meus pensamentos depois da conversa que eu tive com ele em minha casa. O primeiro sonho que tive com ele não saiu mais da minha cabeça, e eu não sabia o porquê. Assim como a conversa com a minha mãe, parece que tudo me fez voltar a pensar sobre isso.
Mas era diferente de quando eu estava confuso ao vê-lo em Odhen pela primeira vez, eu não sentia vontade de chegar em Sunghoon e dizer que o que estávamos fazendo era uma má ideia, pelo contrário, eu me sentia grato pelo garoto dos meus sonhos e o quanto fazíamos bem um ao outro quando estávamos juntos, mesmo nos em que éramos somente duas crianças.
Seria possível isso ter relação com a forma que eu me senti bem quando estava com Sunghoon no outro dia?
Mas por que ele?
Por que precisava ser o rosto dele?
Talvez os sonhos ainda fossem um assunto sensível para mim, mas depois que conheci o verdadeiro Sunghoon, a vontade de conhecê-lo além do que eu já sabia aumentou mais e, acho que assim, eu poderia esquecer completamente das memórias que já tive com alguém que se parecia muito com ele.
— Você estava certa quando disse que hoje iria chover. — comentei enquanto observava o lado de fora da janela do carro, a chuva caía um pouco forte naquela manhã, exatamente como a minha mãe havia dito no dia anterior. — Mas eu precisava mesmo vir mais cedo 'pra escola? — respirei fundo.
— Você prefere se molhar enfrentando a chuva na parada de ônibus, filho? — ela ri baixo enquanto presta atenção no trânsito. — É só dessa vez, você deveria me agradecer, mocinho.
Ela estava certa, mas eu poderia ter descansado os olhos por mais trinta minutos, ou até faltar a aula de hoje para continuar dormindo. Chuva e a minha cama eram a combinação perfeita para um bom e demorado sono.
Mas como a minha mãe acordava bem mais cedo do que eu para trabalhar, eu precisava seguir as ordens da minha comandante.
— Te vejo mais tarde, se cuida — falei assim que fechei a porta do carro e ajeitei a mochila em minhas costas, observando a minha mãe acenar em minha direção antes de arrancar com o carro. Ela havia me deixado exatamente em frente à Wall School.
Como eu imaginava, a maioria das salas estavam vazias quando entrei no prédio da escola, observando o corredor também vazio que agora eu atravessava.
Uma música de batida animada e letra profunda tocava em meus fones de ouvido no momento em que passei em frente à biblioteca, eu estava oficialmente no mundo de Kim Sunoo.
E até pensei em esperar lá dentro até a escola encher, mas aquilo levaria no máximo dez minutos para acontecer, então decidi seguir até a sala de aula de uma vez, a biblioteca poderia esperar até o intervalo.
E falando em biblioteca, eu queria acreditar que aquilo era alguma paranóia minha, mas Yuna não apareceu mais por lá desde que tivemos aquela conversa sobre ela ter uma queda por mim. Eu fiquei um pouco chateado com isso, não queria que ela se afastasse dessa forma, eu realmente gostava de ter uma amizade para me acompanhar na leitura. Talvez eu realmente fui bobo em acreditar que ela seria a mesma pessoa comigo, ou eu apenas esteja exagerando e ela irá aparecer a qualquer momento.
Mas precisei sair dos meus próprios pensamentos quando cheguei na sala de aula porque, assim que passei pela porta, percebi que o lugar não estava vazio. Jungwon estava lá.
Eu então retirei os meus fones de ouvido, deixando-os caídos em meus ombros.
— Ei! — tentei chamar a atenção do garoto, ele estava olhando distraidamente para o celular que tinha em mãos, mas olhou imediatamente para mim ao notar minha presença.
— Ah, oi, Sunoo! — ele abre um pequeno sorriso nos lábios, parecendo um pouco surpreso em me ver ali. — Você chegou cedo, não?
— Eu 'tô tão surpreso quanto você. — me sentei na mesa que ficava em frente a dele e deixei a minha mochila em meu colo. — Peguei carona com a minha mãe por conta da chuva, e você?
— Eu sempre chego nesse horário. — ele solta uma risada fraca. — A escola sempre parece abandonada quando eu chego. Aqui seria um ótimo lugar para cenas de uma série apocalíptica, não acha?
— Tipo All of Us Are Dead? — ri juntamente a ele. — Eu passo, eu seria o primeiro a morrer nesse tipo de série, ou seria o alívio cômico.
— Eu também não iria muito longe. — ele faz uma careta. — Zumbis são bizarros.
Jungwon estava com uma aparência cansada, mas não hesitou em conversar comigo durante aquele tempo em que ficamos sozinhos. E eu observava o quanto ele parecia estar se distanciando dos outros garotos depois do que aconteceu com Jake, mesmo que sem perceber. Mas eu queria entender o porquê, afinal, nós nunca fomos amigos antes, mesmo estudando juntos há um tempo.
— Vem cá, você já pensou em conversar com o Jake? — perguntei após um tempo em silêncio, mesmo estando encolhido por medo de estar sendo intrometido demais.
— Você e o Sunghoon estão de complô? — ele torce o nariz.
— Como assim? — perguntei.
Jungwon não diz nada, apenas desliza o dedo pelo próprio celular por rápidos segundos e então vira a tela para mim. Era uma mensagem de Sunghoon dizendo exatamente as seguintes palavras: ''Você já pensou em conversar com o Jake?''
Um sorriso amarelo cresceu em meus lábios quando encarei Jungwon.
Sunghoon havia mesmo mencionado que queria arranjar um jeito de fazer os dois garotos ter uma conversa, mas não havíamos combinado nada.
— Vocês devem estar me achando um idiota birrento, não é? — ele ri sem humor. — Mas é mais complicado do que parece, pelo menos 'pra mim e 'pra Jang-Mi. — ele faz uma careta. — Mas eu não joguei a culpa toda no Jake, beleza? A Jang-Mi sabe muito bem o que faz ou não, o maior problema foi eles não me contarem e isso ter chegado nos meus pais.
— Mas como isso chegou neles? Não faz sentido.
— As redes sociais são mais rápidas do que você imagina, Sunoo. — ele bufa. — Eu não lembro se te contei, mas os meus pais são separados.
— Sim, você me contou que era filho de mãe solteira. — o incentivei a continuar falando.
— Então, os meus pais têm essa briga pela guarda da minha irmã... — o tom de voz dele sai baixo, como se ele não quisesse que ninguém escutasse. — Já tem um tempo que o meu pai espera o primeiro deslize da minha mãe 'pra levar a minha irmã embora com ele, agora as chances de ele fazer isso aumentaram.
— Ela iria 'pra tão longe assim?
— Ela iria para o Japão, o meu pai mora lá com a nova família. — ele respira fundo. — Eu e a Jang-Mi já nos afastamos várias vezes durante a nossa infância, eu não queria que isso acontecesse de novo.
— Eu sinto muito, deve ser horrível os pais de vocês brigando por essa guarda. — entortei os meus lábios ao falar.
— Ele não é meu pai biológico, eu o chamo assim porque perdi o meu quando eu ainda era um bebê, ele foi minha única figura paterna por um tempo. — ele falava aquilo como se estivesse soltando todas aquelas palavras sem se importar se eu estava ouvindo ou não, era como se ele apenas quisesse me contar. — Mas enfim, eu só 'tô te falando isso porque não quero que pense que eu exagerei com o Jake, eu só queria que não tivessem exposto a minha irmã desse jeito.
— Eu entendo, de verdade. — o respondi. — Você acha que tem chances da sua irmã se livrar dessa?
— Se ela não se envolver em mais nada até a minha formatura, acho que sim. — ele diz. — Temos alguns meses até lá, qualquer coisa pode acontecer nesse tempo.
Qualquer coisa mesmo, afinal, eu nunca iria imaginar que estaria vivendo tudo o que eu estava vivendo nos últimos dias. A vida é completamente imprevisível.
Pelo menos agora eu entendia melhor um dos lados daquela briga.
Depois da nossa conversa, alguns alunos começaram a chegar, deixando a sala com um ambiente menos silencioso do que antes. Quando Jay chegou, ele nos cumprimentou e conversamos um pouco também, mas eu optei por deixar ele e Jungwon sozinhos quando me levantei e segui até o meu lugar na sala.
Respirei fundo ao me sentar na cadeira, cansado apenas por lembrar de todas as aulas que teríamos naquele dia, a chuva caindo do lado de fora da janela me deixava mais arrependido ainda por não ter dormido o suficiente naquela madrugada.
— Eu não sei, mas ele falou que era 'pra chamar você. — a voz de Jake chama a minha atenção na sala de aula. — Você sabe, o Yeonjun é maluco.
Quando virei o rosto, Jake e Sunghoon haviam acabado de passar pela porta, eles estavam conversando sobre algo que eu não consegui compreender.
E parecendo procurar por mim, o olhar de Sunghoon se encontrou com o meu.
E como sempre, o garoto me fez rir sozinho quando, em minha direção, ele faz menção de bola de basquete sendo jogada em uma cesta, recebendo um olhar confuso de Jake pela referência que apenas eu e ele iríamos entender sobre o filme que assistimos juntos.
Virei o meu rosto para frente no mesmo momento, eu tentava segurar o sorriso que queria crescer em meu rosto.
— Do que você 'tá rindo? — a voz de Heeseung me assusta.
O garoto havia acabado de sentar ao meu lado e deixar a mochila em cima da mesa, me encarando curiosamente.
— Que susto, Heeseung. — fiz uma careta e balancei a cabeça algumas vezes. — Não era nada, eu só lembrei de um vídeo que assisti no Tik Tok. — menti.
Heeseung pareceu acreditar, porque ele entrou no assunto ao dizer:
— Eu lembrei de você esses dias por causa de um vídeo que apareceu 'pra mim, era sobre teorias de livros. — ele começa a falar. — Você deveria investir na carreira de Tiktoker, sabia? Você é bonito e tem carisma, assim eu não iria precisar me matar estudando para uma faculdade, o meu melhor amigo rico e famoso iria me bancar.
Eu não acreditei que estava ouvindo aquilo, apenas ri baixo e revirei os olhos dramaticamente.
— Nos seus sonhos, Heeseung. — falei. — Você leva mais jeito 'pra isso do que eu, e eu 'tô falando sério. — o empurrei de leve pelo ombro. — E não é fácil assim.
— Eu discordo, as pessoas iriam gostar dessas teorias que você faz sobre qualquer livro que lê... — ele parecia falar sério, mesmo eu achando aquilo engraçado. — Lembro que você me contou uma bizarra sobre Coraline, eu até li o livro por causa disso! E você sabe que eu sou muito mais dos filmes.
— Eu não vou ser Tiktoker, cara... desiste.
— Tudo bem, mas pelo menos eu tentei — ele faz uma careta e se vira para frente na mesa, mas volta a me encarar quando parece lembrar de algo. — Ah, e o que você vai fazer depois da aula?
— Ir 'pra casa e dormir, com certeza. — abri um sorriso, aquela chuva duraria o resto do dia.
— Não mais, nós vamos sair com o primo do Jake. — ele diz naturalmente.
— Eu realmente não tenho liberdade de escolha com você, não é? — meu tom de indignação era nítido.
— Ele vai nos bancar, você não poderia perder esse momento também. — ele dá alguns tapinhas em meu ombro, me fazendo rir.
Quando me dei conta, a aula já havia começado. E lá estávamos nós, aguentando mais um dia do ensino médio.
***
Se Jake pudesse, ele se esconderia dentro de algum buraco nesse momento.
Depois da aula, ficou combinado que Yeonjun iria nos buscar em frente à escola. A chuva havia parado por um tempo, então eu, Jake, Heeseung e Sunghoon estávamos todos reunidos na entrada da Wall enquanto vários alunos saíam e passavam por nós.
E foi nesse exato momento que Yeonjun chegou de carro, não passando despercebido por ninguém quando o refrão de Baby do Justin Bieber ecoou por todos os lados, no último volume do carro dele.
— Ah não, ele não 'tá fazendo isso... — Jake leva a mão até a própria testa, morrendo de vergonha.
Quando olhei para o lado, Heeseung e Sunghoon estavam se acabando de tanto rir, e eu me juntei a eles quando Yeonjun parou com o carro à nossa frente.
— E aí priminho e companhia. Não vão entrar? — todos os vidros do carro estavam abaixados e o mais velho balançava a cabeça no ritmo da música, ele tinha um sorriso divertido no rosto. — Por que vocês estão rindo? E que cara é essa, Jake?
— Cara, eu te odeio muito. — Jake tinha uma careta no rosto e se apressou para entrar no banco de trás, mas Yeonjun trancou as portas.
— Nada disso, você vai na frente, Jaeyun. — ele continuava sorrindo, provavelmente se divertindo em zoar o próprio primo com aquela música alta, chamando a atenção de todos que passavam.
Jake olhou para Yeonjun como quem iria avançar em cima dele, mas fez o que o primo mandou e se sentou no banco da frente. Sem parar de rir, eu e os outros garotos fizemos a mesma coisa ao nos sentarmos nos bancos de trás, Sunghoon ficou no meio e Heeseung do outro lado.
Quando olhei para fora, algumas pessoas que passavam pareciam estar achando engraçado a situação com aquela música, já outras passavam e cantavam um trecho, achando aquilo incrível. Eu era uma dessas pessoas, a diferença é que eu estava dentro do carro.
— Você é ridículo, cara, ridículo. — Jake diz depois que Yeonjun dá a partida com o carro. Ele não estava irritado de verdade, era notável o humor no tom de voz dele. — Eu nunca mais vou deixar você me buscar na escola.
— Que pena, eu já tava planejando a próxima música. — ele faz um pequeno bico. — Pensei em algo como, não sei, One Direction?
— O Sunoo iria gostar. — Heeseung diz, me fazendo encará-lo.
— Por que você me expõe sempre que tem oportunidade? — arqueei as sobrancelhas, recebendo um olhar divertido de Sunghoon ao meu lado.
— Espero que alguém tenha filmado a cara do Jake, eu pagaria 'pra ver de novo. — Sunghoon diz ao meu lado, acompanhado por Heeseung na risada. — Ele merece passar vergonha depois do caos que criou e por me fazer torcer o tornozelo.
— Você não vai superar isso nunca, Sunghoon? — Jake faz uma careta, o provocando. — Quer que eu beije os seus pés pedindo desculpas?
— Olha, não seria uma má ideia. — Sunghoon abre um sorriso divertido.
— Eu só quero saber 'pra onde nós vamos. — Heeseung corta a conversa dos dois amigos e se apoia no banco de Jake para encarar Yeonjun. — Você disse que teria comida de graça.
— Eu concordo, também quero saber. — falei. — Vocês têm essa mania de me enfiar em carros e não dizer o destino.
Sunghoon me olhou assim que falei aquilo, ele tinha um pequeno sorriso nos lábios, mas não dizia nada. Eu era sempre o primeiro a quebrar o contato visual, talvez por não saber como reagir sem parecer muito óbvio.
— Nós vamos em um restaurante muito bom, não se preocupem. — Yeonjun responde, acelerando mais o carro.
***
O primo do Jake me surpreendia a cada vez que eu o encontrava.
Nós realmente fomos até um restaurante, mas tinha um pequeno detalhe que ele não nos contou sobre o lugar, nós mesmo descobrimos quando saímos do carro e paramos em frente ao estabelecimento. Jake foi quem falou o que eu estava pensando:
— Fechado? — o garoto ri ao ver a placa colada na porta do lugar. — Esse não é o restaurante que vendeu aqueles cachorros-quentes naquela barraquinha? No aniversário da cidade, não foi?
— Nossa, é verdade. — Heeseung diz. — Era muito gostoso.
— Eu não acredito que você veio atrás do Beomgyu e usou a gente como desculpa. — Jake olha para Yeonjun e solta uma risada. — Ele vai fazer um cover de Obsessed da Mariah Carey especialmente 'pra você daqui a pouco.
— Cala a boca, Jake. — Yeonjun revira os olhos. — A Minjeong sabe que eu viria.
— Ela 'tá te apoiando nessa frescura de vocês dois? — Shim pergunta.
— Vocês dois vão continuar com esses enigmas e mistérios? Ninguém aqui é da turma do Scooby-doo. — Sunghoon se aproxima deles. — Que história é essa?
— Lembra do irmão da menina da festa? — o Australiano pergunta e Sunghoon afirma com a cabeça. — Ele e o meu primo tinham um rolo há alguns anos, mas terminaram.
— E o que isso tem a ver com o agora? — foi a vez de Heeseung perguntar. — E por que ninguém me avisou que aquela garota estaria aqui? Eu já passei vergonha o suficiente na frente dela.
Segundo o Jake, Yeonjun e Beomgyu são colegas de faculdade e namoraram por um tempo, mas a vida de ambos acabou atrapalhando o relacionamento e eles terminaram. Mas Yeonjun era insistente, ele sabia que vacilou e agora estava tentando conquistar o garoto de novo.
Mas Beomgyu tinha algumas condições: Yeonjun teria que provar que realmente estava disposto a conquistá-lo, afinal, o irmão de Minjeong não queria ter um relacionamento instável e disse que só voltaria com ele se ele provasse que estava disposto a enfrentar tudo o que viesse. Desde então, o primo do Shim estava se esforçando para fazer tudo acontecer.
— E onde a gente entra nisso? — perguntei.
— Só finjam que chegamos aqui por acaso. — Yeonjun me lança uma piscadinha e, então, toca a campainha do andar de cima do restaurante, que era onde ficava a casa dos dois irmãos.
— Não seria mais fácil convidar ele 'pra sair? Como uma pessoa normal faria? — Jake pergunta.
Antes de Yeonjun responder, a porta do estabelecimento se abre, fazendo todos se assustarem com o pequeno barulho, inclusive a própria garota que estava do outro lado, mas acredito que ela na verdade se assustou com a gente.
— Pensei que você chegaria mais tarde. — Minjeong diz enquanto estava com o braço apoiado na porta, o olhar dela em seguida desvia até eu e meus amigos. — Oi, meninos.
— Vai voltar a chover daqui a pouco, então resolvi vir mais cedo. — Yeonjun explica. — E que história é essa de fechado?
— Os meus pais precisaram viajar, então fechamos hoje. — ela dá de ombros. — Mas vocês podem entrar de todo jeito, venham. O meu irmão 'tá lá em cima.
Ela dá espaço para todos entrarem, esperando em silêncio até Yeonjun ser o primeiro a passar por ela, sendo seguido por todos nós.
Quando entrei, a garota nos indicou uma escada que dava acesso ao segundo andar, que era onde realmente ficava a casa deles.
E quando chegamos lá, se tratava de um apartamento bastante rústico. Não era enorme, mas também não era pequeno, nem um pouco. Eu achei o lugar lindo, os detalhes combinavam com a personalidade da garota, mesmo eu a conhecendo pouquíssimo.
— Beomgyu, temos visitas! — a garota diz em um tom bastante alto.
— Já vou! — uma voz forçadamente grave surge de algum lugar da casa, nos fazendo rir.
A garota nos guiou até a sala após chamar o irmão dela, agora todos estavam reunidos no sofá enquanto aguardávamos pelo caos que provavelmente iria se iniciar ali, até porque era do primo de Jake que estávamos falando.
Depois de alguns segundos esperando, passos se aproximaram da sala, fazendo todos ali se virarem em direção deles, tendo a visão da figura do mesmo garoto que nos atendeu na festa do aniversário da cidade.
— O quê você 'tá fazendo aqui? — ele pergunta imediatamente, não olhando para mais ninguém além de Yeonjun.
— E lá vamos nós... — Minjeong sussurra.
— Estávamos aqui por perto e resolvemos parar 'pra comer, mas sua irmã disse que 'tava fechado... — Yeonjun coça a nuca enquanto sorri amarelo.
— Ele obrigou vocês a virem aqui, não foi? — Beomgyu olha para mim, Jake e Sunghoon.
Todos nós concordamos com a cabeça.
— Qual parte de me ajudar vocês não entenderam? — o primo de Jake nos lança um olhar incrédulo, enquanto isso, nós tentávamos não rir.
— Vem, Yeonjun. — Beomgyu respira fundo e aponta para algum lugar da casa. — Precisamos ter uma conversinha.
Foi engraçado assistir a cena dele completamente perdido e tentando se explicar, mas não demorou muito para ele levantar do sofá e seguir Beomgyu até um dos quartos, eles provavelmente iriam conversar em particular.
— Isso é tudo atuação do meu irmão, ele 'tava surtando horas antes porque o Yeonjun não mandou mensagem 'pra ele. — Minjeong ri para nós três. — Acreditem, eu lido com eles dois há muito mais tempo, vocês se acostumam.
— Não sei como você ainda aceita ajudar o meu primo. — Jake faz uma careta.
— Ele me pagou, é óbvio que eu aceitaria. — ela ri. — Mas ele me pagou pelo lanche de vocês, então eu iria trabalhar de toda forma.
— É sério? — perguntei.
— Sim, aliás, vou preparar tudo agora. — ela apoia as mãos no sofá e levanta. — Vocês podem jogar no video-game do meu irmão aqui na sala, eu vou fazer tudo enquanto isso, okay?
— Espera, eu posso te ajudar. — falei ao me levantar também. — São muitas pessoas.
— Eu ajudo também. — meu olhar segue até o dono da voz, era Sunghoon. Ele tinha um sorriso pequeno nos lábios. — Quanto mais pessoas melhor, não é?
— Vocês preferem mesmo me ajudar do que jogar video-game? — ela arqueia as sobrancelhas.
Eu e Sunghoon nos entreolhamos e, então, respondemos ao mesmo tempo:
— Sim.
A garota não pensa duas vezes antes de nos guiar com ela até a cozinha, mas com certa pressa. Segundo ela, ela não queria que acabássemos mudando de ideia.
***
— Você trocou o jogo por isso aqui ou eu 'tô maluco? — provoquei Sunghoon enquanto esperávamos sentados um de frente para o outro na mesa da cozinha. Minjeong havia ido até o andar de baixo para pegar algumas coisas que faltavam.
— Aqui parecia mais interessante do que ficar na sala, o que eu poderia fazer? — ele dá de ombros, me fazendo rir baixo.
— Você é tão óbvio, Sunghoon. — neguei com a cabeça, me levantando da mesa para ir até a pia da cozinha lavar as mãos.
— Eu sou esperto, é diferente. — ele levanta também, seguindo até onde eu estava. — Eu vou deixar eles jogarem em paz, esqueceu que eu e o Niki ganhamos todas na casa do Jake?
— Como esquecer de você impaciente porque eu não sabia jogar? — revirei os olhos, ouvindo o garoto rir.
Sunghoon apoiou uma mão ao lado do meu corpo na pia, jogando a cabeça para o lado enquanto olhava para mim ao falar:
— E como esquecer de você fugindo de mim desde que me conheceu? — ele pergunta, me fazendo abaixar o olhar sem jeito, nem eu sabia como responder aquilo.
— Eu não fugi. — fiz uma careta.
Sunghoon riu mais uma vez e se inclinou em minha direção ao afastar a mão da pia e colocar as duas no bolso da calça dele, ficando bastante próximo do meu rosto e falando:
— Pelo menos agora você pode continuar fugindo de seja lá o quê for, mas eu vou estar lá com você. — ele diz, me fazendo encarar os olhos dele com atenção.
Mas eu não pude responder, porque a voz de Minjeong se aproximou da cozinha e Sunghoon se afastou, me fazendo dar um pequeno pulo e apoiar ambas as mãos na pia atrás de mim.
— Vocês gostam de lámen picante? — a garota pergunta animada, deixando todas as coisas em cima da mesa. Para a nossa sorte, não percebendo nada.
— Eu amo, é meu favorito. — falei, observando Sunghoon fazer uma careta.
— Eu não, comida picante não é comigo. — o garoto se aproxima da mesa novamente e eu o acompanho.
— Tudo bem, o meu e o do... — ela dá uma pausa. — Desculpa, eu sou péssima, qual é o nome de vocês mesmo?
— O meu é Sunoo, o dele é Sunghoon. — apontei para Park com o polegar.
— O nome de vocês tem a pronúncia bem parecida, não é? — ela sorri. — Mas como eu 'tava dizendo, só o meu e o do Sunoo serão picantes, então.
Nós começamos a preparar as coisas.
Minjeong parecia se divertir comigo e Sunghoon, porque separava o que cada um precisava fazer e parecia fingir estar nos julgando mentalmente, mas no final, nós acabávamos rindo de algo engraçado que Sunghoon dizia. Quando me dei conta, o cheiro da comida estava começando a me deixar com fome e eu estava sentado no final da mesa enquanto a mais velha contava sobre como era lidar com o irmão dela.
Ela era uma garota legal, totalmente diferente da pessoa intimidadora na festa em que a vi pela primeira vez. E acredito que ela gostou de mim e de Sunghoon, porque nós três estávamos conversando casualmente como se já estivéssemos acostumados com a presença um do outro.
— Vocês tem esse costume de sempre estarem juntos? — a mais velha pergunta enquanto pega alguns potes no armário. — Quer dizer, vocês dois e os outros meninos.
— Quase isso, estamos quase sempre juntos. — Sunghoon a responde. — Acho que você já deve ter reparado.
— Na festa, no aniversário da cidade e agora aqui. — eu ri baixo. — Todas as vezes que encontramos você.
— Acho que essa é a única coisa do ensino médio que eu sinto falta. — ela entorta os lábios. — Eu me sentia bem melhor quando me reunia na casa das minhas amigas, e não com com trabalhos acumulados enquanto algum babaca me tira do sério. — a voz dela sai impaciente e ela quase derruba um dos copos em cima da mesa, levando um rápido susto e nos encarando. — Foi mal...
— Eu 'tô começando a ficar curioso sobre esse cara que fez você até mudar de visual. — Sunghoon diz o que eu estava querendo dizer, mas não tive coragem.
Minjeong dá risada.
— Você tem uma boa memória, né? — ela balança a cabeça. — Mas é só um ex-namorado que eu infelizmente conheci na faculdade, não vale a pena entrar em detalhes.
— O seu ódio falando sobre ele já diz muita coisa, então acho que entendemos. — foi a minha vez de falar.
— Bem, garotos só querem o amor se ele for tortura, Sunoo. — a garota solta uma risada baixa, agora separando a comida de cada um. — Taylor Swift me avisou e eu não escutei. — ela então olha para nós dois, um de cada vez. — É um pouco irônico eu estar reclamando sobre isso para dois garotos.
Sunghoon e eu não sabíamos como reagir sobre aquilo, apenas nos encaramos e soltamos risadas desajeitadas que se misturaram naquela cozinha.
***
O resto da noite foi divertida, todos nós nos reunimos na sala para comer o lámen maravilhoso e com a receita especial do restaurante da família dos dois irmãos que havíamos conhecido naquela noite. Mas Yeonjun e Beomgyu pareciam um pouco agitados, ambos estavam agindo de um jeito estranho e suspeito demais, mas ninguém comentou nada sobre isso o resto da noite.
Tudo ficou um pouco mais divertido quando começaram a beber soju, menos eu e Heeseung.
O meu melhor amigo provavelmente estava traumatizado e não queria passar vergonha na frente da mesma garota de novo, principalmente na casa dela. E sim, ele foi zoado por isso, por ela.
— Você era mais divertido quando me elogiava a todo segundo. — ela diz, virando o pequeno copo que segurava e bebendo tudo.
— Eu servi para alimentar o seu ego, não foi? — Heeseung faz uma careta e ela apenas concorda com a cabeça. — Você já sabe que é bonita, por que precisa de alguém dizendo isso?
Ele fica em silêncio após perceber que havia acabado de elogiar a garota novamente.
— E olha que você nem bebeu... — Jake dá alguns tapinhas no ombro de Heeseung, rindo exageradamente.
Sim, Jake era o menos sóbrio entre todos naquela sala.
— O Jake é tão tapado, ficar bêbado antes do final de semana é preocupante. — Yeonjun diz, recebendo um Jake de olhos fechados deitando com a cabeça no ombro dele.
— Isso porque você não viu o jeito que ele 'tá agindo na escola desde que brigou com o Jungwon. — Sunghoon diz, ele havia bebido apenas um pouco.
— Eles ainda 'tão nessa? — o mais velho questiona.
— Sim, eu e o Sunghoon estávamos tentando pensar em um jeito de fazer eles sentarem 'pra conversar, mas não conseguimos pensar em nada. — respirei fundo. — Eles não conseguem ficar juntos em um lugar por muito tempo.
— Vocês estavam quando? — Heeseung vira o rosto para mim, me deixar perdido por alguns segundos.
— Mais cedo, na cozinha. — Sunghoon me salva. — Também somos amigos, sabia? — ele diz em um tom divertido.
— Enfim, estávamos pensando, mas não vai dar certo. — respirei fundo.
No meio da conversa, Beomgyu e Yeonjun trocam olhares, parecendo que eles se entenderam apenas pelo o olhar.
— E se eles forem com a gente? — Beom pergunta.
— 'Pra onde? — Heeseung se apoia no sofá atrás dele, ele estava sentado no chão.
— O Beomgyu vai acampar com alguns amigos nesse final de semana, ele tinha me convidado. — o primo de Jake explica. — Podemos convidar o Jake e o Jungwon sem que eles saibam da presença um do outro.
— O Jake 'tá literalmente com a gente agora. — Sunghoon aponta para o australiano no ombro de Yeonjun.
— O corpo dele é quem 'tá aqui, a cabeça já foi 'pra bem longe depois de beber. — o mais velho dá de ombros. — Mas e aí, o que me dizem?
— Se não der certo, pelo menos acampar é legal. — Sunghoon é o primeiro a apoiar a ideia.
— O Yeonjun tem mais chances de estragar o acampamento do que esse tal de Jungwon e o Jake. — Beomgyu diz.
— Cara, qual é o seu problema comigo? — Yeonjun pergunta indignado.
— Bem, eu posso começar citando o fato de que você...
Ele é interrompido.
— Foi uma pergunta retórica! — o primo de Jake faz uma careta, recebendo outra do garoto.
— Ah, acampamento? — Heeseung se manifesta. — Isso me lembra de quando eu fui pescar com o meu pai, 'tô fora.
— Ah, qual é? É mais pelo Jake e pelo Jungwon do que por nós, vai ser divertido. — Sunghoon diz diretamente para Heeseung.
— Eu acho que não seria uma má ideia, eu sempre quis acampar. — Minjeong diz, recebendo a atenção de todos. Eu tinha até esquecido que ela estava ali.
— Ah, tudo bem. — Heeseung milagrosamente muda de ideia. — Se todos vão, eu vou também.
— Você vai, não é, Sunoo? — Yeonjun olha para mim.
— Eu vou sim, vai ser legal. — curvei os lábios em um pequeno sorriso.
Um acampamento seria muito divertido, eu sempre quis acampar e nunca tive realmente a oportunidade, eu era muito novo nas vezes que eu fui em um e não lembro de quase nada. Então sim, seria divertido.
***
Depois de decidido, os garotos chegaram na conclusão de que também iríamos assistir à um filme naquela noite. E também após muita insistência de Minjeong, todos aceitaram assistir um filme de terror que a garota estava ansiosa para ver.
Alguns estavam espalhados pelo chão, outros em algumas almofadas, Minjeong e Heeseung não paravam de se provocar e bater um no outro com elas. Beomgyu e Yeonjun estavam deitados de barriga para baixo bem em minha frente. Já eu, estava no sofá ao lado de Sunghoon. O lugar mais confortável dali.
Mas bastou apenas vinte minutos de filme para que o meu celular vibrasse no meu bolso. Quando o peguei, vi que se tratava de uma mensagem de Park Sunghoon.
Sunghoon:
19:43
é mais legal assistir a filmes
quando só tem eu e você
Dei uma rápida olhada para Sunghoon ao meu lado, rindo baixo antes de responder.
Sunoo:
19:43
eu sei
mas você precisa ser mais discreto
Sunghoon:
19:44
seria muito discreto se eu
chegasse mais perto de você agora?
Levei o meu olhar para Sunghoon no mesmo momento, observando ele também olhar para mim. E então, voltei a minha atenção até a tela do meu celular, dando uma rápida olhada nos nossos amigos que assistiam o filme antes de responder a mensagem do garoto ao meu lado.
Sunoo:
19:46
talvez seja um pouquinho óbvio demais
O escutei dar uma risadinha e, só então, recebi mais uma mensagem:
Sunghoon:
19:46
tudo bem...
então eu vou ser só um pouquinho menos óbvio
Em poucos segundos, Sunghoon deslizou a mão direita pelo sofá, me fazendo encarar as nossas mãos quando a dele encostou na minha. Sem dizer nada, ele entrelaçou nossos dedos e abriu um pequeno sorriso em minha direção que foi retribuído por mim.
Ninguém viu, afinal, alguns estavam bêbados e outros atentos demais ao filme para olhar para trás.
E sabe, eu sempre fui uma pessoa que ama pequenos detalhes.
E talvez ele não soubesse disso, mas, até o encaixe da mão de Park Sunghoon com a minha conseguia ser perfeito, assim como todas as vezes que ele me beijou.
Porém havia o detalhe mais importante: ninguém era capaz de entender o meu sentimento, nem se soubessem sobre nós. Afinal, isso era algo que apenas eu e ele tínhamos o poder de sentir, era algo especial só nosso.
E eu queria falar isso para ele, queria falar para todo mundo.
Mas nós ficamos daquele jeito até o filme acabar.
***
Chapter 12: Sun and Moon
Chapter Text
Kim Sunoo
Eu me sentia como um personagem de Camp Rock. Eu estava oficialmente indo acampar com os meus amigos.
E eu sei, não era um acampamento de música, muito menos um acampamento como aqueles de filmes, mas eu não seria Kim Sunoo se não estivesse associando o dia de hoje com mais um musical que eu gosto.
No momento, uma música dramática tocava no carro, Minjeong conseguiu convencer Yeonjun de que ela seria a responsável pela playlist da viagem mas, para irritar o mais velho, ela decidiu colocar aquele tipo de música. E eles levaram pelo menos vinte minutos para entrar naquele acordo, e sério, eu nunca vi uma pessoa com tantos argumentos bons como aquela garota.
— Você não tem uma música mais animada nessa playlist? — Yeonjun pergunta, claramente julgando a irmã de Beomgyu.
— Eu não sei, preciso procurar. — ela abre um sorriso e começa a digitar algo no próprio celular. — Na verdade, não tenho, é essa mesmo.
Isso durou o caminho inteiro.
E até me diverti um pouco mais, me fez até ignorar totalmente como seria quando chegássemos no acampamento e Jake descobrisse sobre Jungwon e Jungwon descobrisse sobre Jake.
E por isso, estava decidido: iremos culpar o Yeonjun e o não-namorado dele se algo acontecer. Pelo menos foi o que Sunghoon, Heeseung e eu concordamos antes de entrar naquele carro, ele tinha sete lugares, o primo de Jake o alugou para o final de semana.
Yeonjun e Beomgyu estavam ocupando os dois bancos da frente. Atrás de mim ficaram Minjeong, Jake e Heeseung, nessa ordem.
Sunghoon e eu conseguimos usar uma boa desculpa para sentarmos juntos nos últimos bancos que sobraram.
Na verdade, nós apenas enrolamos o suficiente para sermos os últimos a entrar no carro. Não foi uma desculpa tão boa assim.
— Vocês ricos nunca acamparam do jeito raiz? — Beomgyu pergunta para Yeonjun. — Nada contra ricos, se mais alguém nesse carro for. — ele se vira para os bancos de trás, olhando diretamente para Jake. — Mas o Yeonjun disse que acampava em um trailer, vocês tem noção?
— Em um trailer? Como nos filmes? — Minjeong pergunta tão chocada quanto o irmão. — É tão divertido a sensação de chegar e procurar um lugar para se montar uma barraca, vocês vão gostar.
— Dessa vez eu não posso nem culpar o Yeonjun, éramos apenas crianças na época em que nossos pais nos levavam 'pra acampar em trailers. — Jake entra no assunto para defender o primo. — E no final, vai ser divertido, eu precisava mesmo desse tempo de distração.
No mesmo momento, todos no carro se entreolharam discretamente. Sabíamos que a última coisa que Jake teria naquele final de semana era distração.
Mas enquanto eu e Heeseung tínhamos olhares de desespero, Yeonjun e Sunghoon pareciam se divertir com a situação. Já os dois irmãos apenas fingiam que aquilo não era com eles. E realmente não era, se pensar bem.
— É claro, priminho. Você vai se distrair bastante. — Yeonjun solta uma risada baixa e recebe um olhar ameaçador de Beomgyu.
— Foi o que eu disse. — Jake faz uma breve careta e olha confuso para o outro Shim.
— Então, gente. — Sunghoon chama a atenção de todos, tentando mudar o assunto. — Vocês já sabem o lugar exato em que vamos ficar?
— Os meus amigos já estão lá, então não se preocupem com isso. — Beomgyu diz. — É próximo a um lago, vocês vão gostar.
— Ainda vamos fazer aquilo? — Sunghoon sussurra ao se aproximar do meu ouvido, e então, encarei o rosto dele, apenas concordando com a cabeça.
Sunghoon e eu ainda estávamos naquela dinâmica onde fazíamos tudo escondido dos nossos amigos, então naquele acampamento, decidimos que seria divertido nos encontrarmos do lado de fora das barracas quando todos estivessem dormindo. Eu gostei da ideia, principalmente porque deve ser incrível observar as estrelas do lugar que iríamos ficar.
Eu não tinha pensado nisso, mas Sunghoon sugeriu porque lembrou que eu gostava.
***
Levamos mais ou menos meia hora para estarmos no local do acampamento.
A única coisa que eu enxergava do lado de fora da janela eram árvores e mais árvores, mas isso somente até Yeonjun entrar com o carro em uma estrada de chão que nos levou exatamente até a beira de um lago.
O lugar era rodeado por árvores, era lindo.
O clima estava ótimo para um acampamento, não era atoa a primavera ser considerada a melhor estação para passeios, os coreanos sempre aguardam ansiosamente pela chegada dela por conta da temperatura amena. E naquele dia, o sol estava refletindo perfeitamente na água do lago, era o dia perfeito.
E foi assim que começamos aquele dia.
Ao chegarmos, duas barracas já estavam montadas enquanto uma ainda estava pela metade. Eu não sabia quem eram os donos das outras, mas Riki e Jay pareciam realmente entretidos no que estavam fazendo quando todos nós saímos do carro.
Mas como Jungwon e Jake não podiam saber sobre a presença um do outro, convencemos Jay a entrar nessa com a gente. Ele deu um jeito de arrastar o Jungwon para aquele lugar, e depois de muito esforço, ele e Nishimura conseguiram.
— Quantos amigos você tem? — Jake pergunta para Beomgyu enquanto todos se preparam para sair do carro. — Eles já montaram três barracas.
— Então, sobre isso... — Yeonjun começa a falar ao sair do carro. — Esquecemos de te contar um pequeno detalhe.
— Qual detalhe? — o australiano pergunta.
Antes que Yeonjun completasse a frase, ouvimos vozes se aproximando de onde estávamos. Mas ao mesmo tempo que eram vozes desconhecidas, uma delas eu conhecia muito bem, principalmente quando essa voz estava xingando em japonês.
— Merda, Jay, eu já falei que não é assim. — Riki segurava um lado de uma das barracas enquanto Jay encarava o outro, estava tudo caído no chão. — Se você me escutasse, já teria terminado isso.
— Eu fiz exatamente como você me explicou, garoto. — Jay faz uma careta para o mais novo. — Você que não sabe explicar direito.
— Tudo bem, então faz sozinho. — Riki respira fundo e revira os olhos, ameaçando soltar a barraca. — Você é um chato.
Jay então solta uma risada e se aproxima de Riki, bagunçando os cabelos do garoto enquanto tinha um sorriso divertido nos lábios.
— Não fica bravo, eu 'tô brincando, Riki. — Jongseong parecia achar a situação divertida, não reparando que estavam sendo assistidos. — Vou fazer como você falou.
— Vocês dois querem ajuda com mais alguma coisa?
Um garoto bastante alto e que eu nunca vi antes se aproximou do japonês, mas ele logo parou o que estava prestes a fazer quando levou o olhar até o carro de Yeonjun. E assim, um sorriso se abriu no rosto dele no mesmo momento, ele parecia animado.
Quando percebemos, ele estava apoiado no ombro de Beomgyu e encarava todos nós de forma amigável, não demorando para ser apresentado pelo garoto de cabelos longos.
— Esse é o Soobin, um dos meus amigos. Ele quem deu a ideia do acampamento. — Beomgyu diz. — Soobin, esses são os garotos que eu te falei, e claro, a minha irmã. — ele aponta para Minjeong.
Depois de apresentados, Soobin explicou que veio com outros três amigos, o namorado dele, o melhor amigo e a irmã mais nova de um deles. Eles deixaram as barracas prontas assim que chegaram e foram pegar madeira para que pudéssemos fazer uma fogueira mais tarde. Eles realmente queriam aproveitar aquele final de semana e fazer um "acampamento raiz", como Beomgyu havia dito.
Todos nós achamos aquilo divertido, então não hesitamos em pegar nossas coisas no carro para nos juntarmos à Riki e Jay, que agora tinham um semblante preocupado no rosto com a presença de Jake, esse que ainda não sabia que Jungwon iria aparecer a qualquer momento. E eu não fazia ideia de onde ele estava.
— Onde 'tá o Jungwon? — Sunghoon pergunta discretamente quando Jake se afasta para ajudar o primo com a barraca dele.
— Eu convenci ele a ir com os outros garotos, eu sabia que vocês chegariam a qualquer momento. — Jay explica e vira o rosto para mim e Sunghoon. — É melhor esse plano de vocês dar certo, mas eu ainda acho que eles vão matar vocês.
— Eu concordo, eles vão matar todos nós. — Riki faz uma careta. — Se não acabarem matando um ao outro antes. — ele respira fundo. — Mas será que vocês poderiam ajudar a gente com essa barraca antes de tudo?
Riki realmente falava sério, então nós ajudamos.
Deixamos nossas coisas de lado e seguimos o pequeno tutorial que Nishimura falava, e eu não sabia se ele tinha tanta certeza do que estava dizendo mas, no final, nós conseguimos montar a barraca que antes era o motivo da pequena discussão entre os dois garotos.
Depois de terminar, os garotos começaram a conversar sobre o quão legal era aquele lugar. Riki teve a ideia de todos entrarem no lago mais tarde, e boa parte dos que estavam ali concordaram com a ideia, menos Minjeong, a garota continuava dizendo que era assim que filmes de terror começavam: jovens adultos sozinhos em um acampamento na beira de um lago.
E bom, aquilo estava realmente prestes a se tornar um filme de terror, porque o que todos estavam com receio de que finalmente acontecesse, finalmente aconteceu. Após um tempo de conversa, vozes se aproximaram de onde estávamos e, quando segui o meu olhar até elas, três rostos desconhecidos acompanhavam Jungwon.
E como diria Kesha: esse lugar está prestes a explodir.
— O que esse garoto 'tá fazendo aqui? — Jungwon apressa os passos na frente dos dois garotos e da garota que o acompanhava.
— Merda. — Jay respira fundo e se aproxima do mais novo, ficando na frente dele e atrapalhando a visão do mais baixo. — Fica calmo, o Jake veio com os outros meninos.
— Que merda é essa? — Jake, que estava ao lado de Sunghoon, tinha um semblante confuso e irritado ao mesmo tempo. — O que ele 'tá fazendo aqui?
— Isso só pode ser brincadeira. — Jungwon ri sem humor. — Me diz que isso não foi combinado por vocês, por favor.
Todos ficam em silêncio e alguns desviam o olhar, a única coisa que ouvimos foi um longo e irritado suspiro de Yang, depois um de Jake. E assim, estava declarado que não dava para voltar atrás.
— Até você, Jay? — Jungwon arqueia as sobrancelhas para Jongseong, que apenas encolhe os ombros. — Será que alguém pode me responder? Que merda.
— Eu... — Jake ia começar a falar, mas Jungwon levanta a mão como um sinal para ele parar.
— Você não.
Jake faz uma careta, mas seguindo a ordem de Jungwon, o australiano realmente não diz nada.
— Foi mal, Jungwon. — Yeonjun se intromete na conversa. — Eu convidei todo mundo e acabei não lembrando dessa briga de vocês, ficaria chato desconvidar apenas um, não é?
Jungwon não pareceu acreditar muito nas palavras do primo de Jake, ele apenas afastou Jay dele e respirou fundo mais uma vez antes de falar:
— Que seja, eu só vou pegar as minhas coisas e ir embora. — ele revira os olhos e se vira para sair dali, mas Jay segura no braço dele antes disso.
— Ei, calma. — Jongseong começa a falar, e Jungwon interrompe alguém pela segunda vez.
— Se você me pedir calma de novo, eu juro... — ele solta o ar pelo nariz. — Eu realmente não dou a mínima pro Jake, mas porra, vocês sabiam que eu não queria conversar e me trouxeram aqui mesmo assim? Custava respeitar o meu espaço?
Jungwon não deixa ninguém responder, ele apenas dá as costas e segue até uma das barracas que já estavam montadas quando chegamos, entrando na mesma e provavelmente preparando as coisas para ir embora.
E assim, nós voltamos a nos entreolhar. Ninguém pensou daquela forma antes, mas era nítido que todos haviam entendido o quão egoísta aquela ideia foi.
— Que saco, eu sabia que isso ia dar merda. — Jay bagunça o cabelo, frustrado.
— É, nós só queríamos o nosso grupo de volta e acho que acabamos piorando as coisas. — Riki entorta os lábios. — Estamos sendo péssimos amigos.
— Isso é culpa minha. — Jake diz. — Por mim eu até converso com ele, mas não depende só de mim.
— Realmente é culpa sua. — Sunghoon dá algumas batidas no ombro de Jake, que o olha incrédulo. — Agora todos nós devemos um pedido de desculpas 'pro Jungwon também. Fomos péssimos.
No meio de toda aquela situação, nós acabamos esquecendo que estávamos sendo observados esse tempo inteiro, e ainda por cima eram desconhecidos. Pelo menos até o momento.
— 'Tá legal, o que acabou de acontecer aqui? — um garoto loiro pergunta, ele estava ao lado de Soobin.
— Eu acho que foi uma briga. — o outro diz, parecendo se divertir com a cena que acabou de ver.
— Vocês dois são muito fofoqueiros. — a única garota entre eles revira os olhos, ela era estranhamente parecida com o garoto loiro.
E assim, no meio daquele caos, eles foram apresentados: Kai, Taehyun e Bahiyyih. Nessa ordem.
Kai era o namorado que Soobin citou, ele tinha uma irmã mais nova, a Bahiyyih. Já Taehyun era apenas um amigo. Todos ali se conheciam da faculdade, inclusive Yeonjun, e estavam precisando de um final de semana em um acampamento para desestressar. Talvez eles se arrependam disso depois de nos conhecer.
Jay foi atrás de Jungwon logo depois das apresentações, nenhum de nós tentou impedi-lo, mas estávamos todos pensando em como resolver aquele problema que nós mesmo criamos.
E sabe, eu me sentia mal por Jungwon depois do que ele me contou sobre a irmã dele, então eu não iria criticar nenhuma atitude do garoto.
***
Todos se espalharam por aquele enorme espaço, ele seria apenas nosso naquele final de semana, e acho que todos levaram aquilo à sério, porque estavam realmente aproveitando como se fossem os donos do lugar.
Enquanto Jay convencia Jungwon a ficar, Riki fez amizade com o casal de namorados e agora todos eles se preparavam para pular juntos no lago, tudo isso enquanto eu ajeitava a minha barraca e a de Heeseung, iríamos dividir. Por outro lado, Jake e Sunghoon montavam a deles.
Minjeong e a outra garota, Bahiyyih, se juntaram já que eram as únicas garotas presentes. Beomgyu foi obrigado pela irmã a ajudá-las.
— Como é o nome daquele garoto mesmo? — um dos garotos pergunta para Yeonjun, se eu não me engano, seu nome era Taehyun. Os dois estavam me guiando no que fazer.
Todos nós seguimos o olhar dele para saber de quem se tratava, ele estava perguntando sobre Sunghoon.
— É o Sunghoon, melhor amigo do Jake. — Yeonjun responde, mas ele junta as sobrancelhas quando volta a olhar para Taehyun. — Você parece interessado até demais, hein?
— Eu só achei ele bonito. — o garoto responde.
Eu juro que tentei agir normalmente quando senti o meu rosto começar a esquentar. Mas eu não me movi, apenas fiquei quieto enquanto escutava a conversa deles, afinal, eu estava incluso nela.
— Boa sorte se for tentar alguma coisa. — Yeonjun apoia a mão no ombro do garoto e ri baixo. — Eu conheço ele há muito tempo por causa do Jake, ele sempre foi bastante difícil, digo por experiência própria. — ele dá uma pausa. — Na verdade, acho que eu realmente nunca o vi com alguém antes, só presenciei ele dar alguns foras. Ele sempre foi meio... sei lá, reservado.
— Então ele é seletivo? — Taehyun ri. — Bem, nós viemos aqui buscando diversão, então talvez seja um pouco divertido. — ele vira o rosto para mim. — Você é amigo dele?
"Sou, somos amigos que se beijam" foi o que eu pensei.
— Quase isso, somos amigos. — foi o que eu disse.
— Você acha que consegue falar com ele sobre mim? Só 'pra eu saber quais as minhas chances. — ele pergunta de forma amigável, mas eu estava o odiando por isso.
Eu sabia que ele não tinha culpa, ele realmente não sabia de nada. A minha vontade era de pedir para ele desistir daquela ideia, mas eu fiz o contrário.
— Claro, eu falo sim. — eu ri sem graça.
Por que eu concordei com isso?
Era incrível, eu sempre conseguia fugir de toda situação possível, mas em momentos como esses eu travava e acabava fazendo tudo o que eu não deveria fazer.
— Gostei de você. — ele dá uma piscadinha em minha direção, me fazendo rir desajeitadamente.
— Você não precisa fazer nada, Saiki. — Yeonjun ri e se aproxima de mim, bagunçando o meu cabelo devagar com uma mão. — Eu ainda não conheci alguém que tenha feito o Sunghoon ficar tão interessado assim, não vai ser agora que isso vai acontecer.
Ele disse aquilo ainda com a mão na minha cabeça, mas o jeito que ele falava de Sunghoon me deixava confuso. Será que nós conhecemos a mesma pessoa?
Fiquei parado refletindo sobre isso quando eles se afastaram.
— Certo, ele não é meu namorado. — eu balancei a cabeça quando sussurrei para mim mesmo, eu queria colocar na minha cabeça que eu não podia sentir ciúmes de alguém que não era nada meu, e isso era consequência de uma escolha minha.
Tudo bem, eu e Sunghoon realmente fazíamos coisas que namorados fazem, mas não estávamos em um relacionamento ainda, não oficialmente, não é?
Nós assistíamos a filmes juntos, existia ciúmes, nós até conversávamos quando algo não parecia correto, sem tirar que o resto do mundo parecia não existir quando estávamos juntos. Aquilo definitivamente significava alguma coisa, principalmente as borboletas no estômago que eu sempre sentia quando estava perto dele.
Droga, quem eu queria enganar? Eu estava morrendo de ciúmes apenas com aquele garoto claramente interessado em Sunghoon, mas eu não podia fazer nada sobre isso porque eu escolhi que fosse assim. Eu me sentia um idiota.
— Que cara é essa, Sunoo? — Heeseung pergunta quando coloca a cabeça pro lado de fora da barraca que havíamos acabado de montar. — Acho que terminamos aqui.
— O quê? Não é nada. — eu forcei uma risada fraca e me abaixei para olhar a parte de dentro da barraca, sorrindo com o espaço que teríamos lá dentro.
***
Eu tentei deixar a situação com Taehyun de lado, mesmo que ele ficasse encostando em Sunghoon mais do que o necessário, ele sempre arrumava alguma desculpa para falar com ele. E eu sei, eu estava ali para me divertir com os meus amigos e o garoto que eu – não – namorava, então eu tentei fingir não me importar até esquecer.
E foi assim que eu consegui aproveitar aquela tarde.
Jungwon não teria como ir embora por conta do horário, então ele ficou. Jay queria se desculpar com ele e estava fazendo de tudo para agradá-lo. Já Yang apenas ignorava a existência de Jake, mas o australiano não parecia se importar muito com isso, ele já havia aceitado que Jungwon só iria conversar com ele quando sentisse que era a hora.
Passamos a tarde inteira no lago, eu caí na pilha de Nishimura e entrei também, assim como todos. A água estava gostosa e um dos amigos de Beomgyu, o Kai, trouxe uma caixa de som enorme, passamos todo aquele momento escutando músicas de todos os tipos, foi realmente divertido.
Também era divertido quando Sunghoon implicava comigo em meio à risadas, fazíamos guerrinha de água e ele ria da minha cara quando eu não conseguia ser mais rápido do que ele. Mas Heeseung e Sunghoon eram dois idiotas que se juntavam contra mim enquanto eu soltava gritos dramáticos, xingando-os de todos os nomes possíveis.
Era em momentos como esses que eu lembrava o quanto gostava dos meus amigos. A chegada de Jake e Sunghoon deu um pequeno brilho a mais porque, mesmo que alguns brigassem, eles não percebiam o quanto um fazia bem ao outro. Jungwon nem percebeu que estava completamente sorridente enquanto jogava água em Jake também, mas quando percebeu, fechou a cara e voltou a dar atenção à outra pessoa.
Agora, diferente de como estava naquela tarde, um vento um pouco gelado estava batendo contra o meu rosto, mas apenas porque estava começando a escurecer. Todos estavam reunidos em volta da fogueira que o namorado de Soobin acendeu, alguns enrolados em toalhas e outros apenas bebendo energético.
***
— E se jogarmos o jogo do sussurro? — Minjeong sugere com um sorriso divertido nos lábios enquanto segurava uma garrafa na mão. — Vai ser interessante.
O famoso jogo do sussurro.
Esse era um jogo que eu nunca havia participado antes, mas eu o conhecia por já ter visto em K-dramas. Esse jogo estava começando a se popularizar entre os jovens da nossa idade, então talvez fosse mesmo interessante, mas me deixava um pouco nervoso mesmo assim.
O jogo era simples: A pessoa ao seu lado sussurra uma pergunta em seu ouvido, em seguida, você responde a pergunta em voz alta. Se alguém se interessar em saber qual foi a pergunta, essa pessoa precisa beber. A pergunta é revelada em voz alta apenas se todos beberem.
Mas Minjeong, não satisfeita com as regras do jogo, inventou mais uma: a pessoa com a pergunta revelada para todos teria que cumprir um desafio.
Se a minha vida fosse um livro, esse provavelmente seria o momento em que algo dá muito errado. Mas eu estava agradecendo mentalmente por não ser um personagem de Extraordinary You... eu espero.
— Voltamos para o ensino médio? — Beomgyu dá risada, fazendo a irmã revirar os olhos.
— Você só diz isso porque tem medo. — ela abre um sorriso provocativo. — E a maioria aqui ainda está no ensino médio, eles precisam aproveitar.
— Os únicos que sentem medo são aqueles que tem algo a esconder. — Heeseung apoia a ideia da garota, que logo abre um sorriso para ele no mesmo momento. — Eu não tenho, então eu quero.
— Eu sabia que você não iria me decepcionar, bêbadozinho. — a garota levanta de onde estava sentada e encara todos nós. — O que me dizem?
O meu olhar encontrou o de Sunghoon por um momento, ele estava sentado do outro lado da fogueira. Eu não fazia ideia das perguntas que seriam feitas para mim, mas eu sabia muito bem que Park Sunghoon poderia ser a resposta para quase todas elas. E era isso que estava me deixando nervoso.
Mesmo assim, eu aceitei jogar, assim como todos os meus outros amigos.
— Certo, vamos começar. — Minjeong era a mais animada entre todos, ela estava sentada ao lado de Bahiyyih. — Heeseung, já que você gostou da ideia, você começa.
— Eu? — ele arqueia as sobrancelhas, mas dá de ombros. — Tudo bem.
Heeseung encarou todos que estavam em volta da fogueira, cada um segurava uma garrafa de ice, Soobin e os outros meninos trouxeram várias delas. E então, Lee se aproximou do ouvido de Yeonjun, sussurrando algo que ninguém ouviu, mesmo alguns tentando.
— Três. — Yeonjun responde e Heeseung arqueia as sobrancelhas.
O olhar de todos vai até Beomgyu, e então, todos bebem.
— Eu perguntei quantas pessoas dessa roda ele já beijou. — Heeseung diz, fazendo todos ali se olharem mais uma vez, tentando achar os rostos mais suspeitos.
— Pois é, gente. — Yeonjun dá risada. — Isso é passado, hoje quem eu quero beijar de novo se faz de difícil.
Ele não esconde que estava falando de Beomgyu, o garoto revirou os olhos ao escutá-lo. Mas quem seriam as outras duas pessoas?
— O seu desafio é dizer o nome de uma dessas três pessoas. — Minjeong sorri, ela queria mesmo provocar o irmão naquela noite.
— Soobin. — Yeonjun não hesita em responder. — Mas foi há muito tempo, antes mesmo dele começar a namorar. E foi só uma vez.
— Você não precisa se explicar. — Beomgyu diz.
E o jogo continua.
— Minha vez. — Yeonjun sorri divertido e olha para todos da roda, o sorriso do Shim se abre mais quando ele caminha até Jake, sussurrando algo no ouvido dele.
Quando Yeonjun se senta novamente, Jake responde:
— Nunca, ela não faz o meu tipo.
Mais uma vez, todos bebem.
— Eu perguntei se em algum momento ele já tentou beijar a Minjeong. — Yeonjun ri, fazendo Beomgyu o encarar chocado.
— E quem seria o seu tipo, Jaeyun? — Minjeong não parecia ofendida, mas estava achando aquilo engraçado.
— Eu pensei que irmãs de amigos fossem o tipo dele. — Jungwon dá uma leve risada e vira a bebida que tinha em mãos.
— Não tenho um tipo específico. — Jake ignora o comentário de Jungwon.
— Certo, se você não tem mesmo um tipo... — Minjeong sorri. — O seu desafio é escolher uma das pessoas sentadas ao seu lado para dar um selinho.
Jake, eu e Heeseung arregalamos os olhos no mesmo momento. Jake estava sentado entre mim e Heeseung.
Taehyun, Kai e Bahiyyih não estavam tão inclusos naquela conversa, mas os três encaravam a cena com muita diversão, assim como todos os outros ali presentes. O único que parecia um pouco confuso no momento era Sunghoon, confuso e incomodado.
— Isso é sério? — Jake pergunta.
— Nunca estive tão séria. — a garota diz.
E assim, Jake hesita várias vezes enquanto intercala o olhar entre mim e Heeseung. Eu fiquei realmente nervoso quando o australiano me olhou como se já tivesse decidido o que fazer, e quando ele ia se aproximar de mim, ele virou para o outro lado, segurou o rosto de Heeseung e colou os lábios nos dele em um selinho.
Um, dois, três, quatro, cinco.
Cinco segundos depois, os dois se afastam e Jake pisca algumas vezes ao olhar para frente, Heeseung estava quase com a mesma expressão do australiano.
— Acho que acabamos de fortalecer a nossa amizade. — Jake ri sem graça. — Foi mal, cara.
— Isso 'tá realmente muito interessante. E eu conheci vocês hoje. — Kai fala e dá mais alguns goles da bebida dele.
Yeonjun não conseguia parar de rir, as vezes eu achava que zoar Jake era a alegria da vida dele. Mas depois disso, em meio a risadas e bebidas, o jogo continuou.
— Minha vez. — Jake se direciona até Sunghoon e se inclina até o ouvido dele. Então, ele sussurra algo que faz Park arquear as sobrancelhas e curvar os lábios em um pequeno sorriso.
— Só uma pessoa. — Park responde.
— O quê? Quem? — Jake pergunta surpreso, recebendo uma careta de Sunghoon.
— Uma pergunta de cada vez. — Park dá de ombros e vira um gole da própria bebida. Em seguida, ele olha nos meus olhos por segundos que eu considerava longos. Mas talvez fosse apenas o meu nervosismo.
E é nesse momento que todos começam a beber para descobrir a resposta. Todos menos Nishimura e eu, que agora éramos encarados por todos daquela roda.
— Vocês dois não querem descobrir? — Jake pergunta em um tom desconfiado.
— Eu quero. — menti.
Eu não tive opção além de beber também, sentindo o resto da bebida da minha garrafa descer pela minha garganta. Eu agradecia por ela não ser forte, caso contrário, eu estava ferrado.
— Sinto que se eu beber mais eu vou acabar vomitando. — Riki faz uma careta, mas eu sabia que ele estava mentindo para me ajudar.
E o jogo voltou.
Eu não sabia que era possível passar por tanta coisa na faculdade, mas todos ali presentes me provaram o contrário. Apenas nessa brincadeira, descobri que Yeonjun era realmente um cara muito fora da casinha, mas Beomgyu não parecia surpreso em nenhuma revelação sobre o Shim, ele sempre estava ciente de tudo.
Já Kai e Soobin eram o oposto, havia coisas que eles ficavam chocados em saber sobre o outro. Bahiyyih ainda era a mais quieta entre todos.
Quanto mais as pessoas bebiam, mais revelações aconteciam. E sério, estava ficando cada vez mais óbvio.
— Não é verdade. — Jungwon responde para o sussurro de Riki, tudo isso enquanto encarava Jay. — Não ainda, e nem sei mais.
Aquela foi a primeira vez que todos beberam para saber sobre alguma pergunta feita para Jungwon.
— Eu perguntei se era verdade que ele e o Jay estavam namorando. — Riki diz em voz alta.
Jay arqueou as sobrancelhas ao ouvi-lo, e se não fosse noite, eu diria que o rosto dele estava corado. Mas ele soube esconder isso bem porque, pelo o que eu conhecia de Jay, ele odiava se expor daquela forma, principalmente na frente de pessoas que ele conheceu há menos de vinte e quatro horas. Porém, ele manteve a postura e soltou uma risada sem graça quando todos se entreolharam de forma divertida.
— O seu desafio é sentar ao lado do Jay, vai lá. — Riki leva as mãos até os ombros de Yang. — Eu sei que você quer.
Nishimura arranca risadas de todos. Mas era verdade, Jungwon e Jay queriam sentar um ao lado do outro, mas eles se estranharam no começo do dia pela situação envolvendo Jake.
Só que, vocês sabem, tudo passa e eles já haviam voltado ao normal deles.
— Taehyun. — Minjeong chama pelo garoto ao fazer sinal com o dedo indicador. — Minha vez de sussurrar 'pra você.
— Pode mandar. — o garoto abre um sorriso, diferente de mim.
Taehyun passou o jogo inteiro soltando indiretas para Sunghoon, e elas aumentaram quando ele começou a beber mais. Ele estava sendo um pouco irritante, ou não sei, muito irritante. Sunghoon era indiferente em todas as tentativas, mas ele sempre olhava para mim quando recebia algum flerte. Sempre.
— Eu nem preciso responder essa pergunta, mas sim. — Taehyun responde após o sussurro de Minjeong, que logo soltou um gritinho de animação. Ela não estava muito sóbria.
— Por favor, bebam, por favor. — Minjeong implora quando volta a se sentar.
Todos fazem o que ela pede, inclusive eu, dando mais um gole na bebida.
— Eu perguntei se tem alguém que ele quer muito beijar essa noite. — a garota diz. — Então, como desafio, ele vai ter que escolher essa pessoa 'pra passar 7 minutos no paraíso com ele. — ela sorri de forma divertida. — Mas o paraíso é a sua barraca.
Ah, não. Mil vezes não.
— Você ouviu, Sunghoon? — Taehyun pergunta. — É 'pra você ir até a barraca comigo.
Ele era direto, muito direto. E eu não sabia se era por conta da bebida, mas ele falava tudo sem vergonha de ser rejeitado.
Sunghoon olhou para ele sem expressão, piscou algumas vezes e então respirou fundo quando encarou a bebida que segurava em mãos, deixando-a no chão antes de levantar de onde estava sentado.
O vento estava frio, a fogueira não estava ajudando em nada, mas o meu rosto continuava esquentando. Sunghoon me olhou mais uma vez, como se esperasse que eu fosse falar alguma coisa, mas eu apenas forcei um sorriso nos lábios, me juntando a todos que estavam achando aquilo divertido.
— Quando acabar o tempo, eu chamo vocês. — Yeonjun diz enquanto segurava o celular com o cronômetro na tela.
— Você não vem? — Sunghoon pergunta para Taehyun e segue na frente, indo em direção da barraca.
Aquilo realmente era consequência de uma coisa que eu escolhi, então não tinha nada que eu pudesse fazer. Mas eu estava me sentindo péssimo em ver o garoto que eu gostava prestes a entrar em uma barraca com outro garoto, e eu nem sabia se algo realmente iria acontecer lá dentro.
Eu queria acreditar que não, mas algo ficava sussurrando no meu ouvido que eu talvez devesse ser tão direto quanto Taehyun. Se eu fosse assim, eu não estaria me odiando nesse exato momento.
Jealousy, Jealousy da Olivia Rodrigo deveria ser a trilha sonora da minha vida. A comparação estava me matando lentamente.
***
Foram os sete minutos mais longos da minha vida.
O jogo sequer continuou depois daquilo, todos começaram a apostar sobre Sunghoon e Taehyun. Uns diziam que eles não iriam voltar, outros diziam que eles ficariam um pouco mais do que sete minutos. Mas eu não, eu fiquei em silêncio, virando todo o líquido da minha garrafa.
Minjeong e Bahiyyih ligaram a música na caixa de som de Kai, agora estavam todos dançando e cantando exageradamente enquanto continuavam bebendo.
— Vai com calma. — Nishimura senta ao meu lado de frente para a fogueira, pegando a garrafa da minha mão. — Ele não deve ter feito nada, você sabe né?
— Sei lá. — dei de ombros e peguei a minha garrafa de volta. — Não sei do que você 'tá falando.
— Você sabe sim. — Riki revira os olhos. — E deveria parar de fingir que não liga, Sunoo.
Eu respirei fundo. Eu não estava querendo ouvir sermão de ninguém, principalmente de Riki. Ele sempre estava certo.
Eu realmente precisava parar de fingir.
E isso ficou fácil quando observei a figura de Sunghoon sair de dentro de uma das barracas, como esperado, acompanhado de um Taehyun com uma expressão muito suspeita.
— Eu acho melhor eu sair daqui. — falei rapidamente, entregando a minha garrafa de volta para Nishimura ao me levantar.
— 'Pra onde você vai? — Riki aumenta o tom de voz, mas eu não respondi.
Não respondi porque Sunghoon estava caminhando em minha direção. Ele parecia realmente determinado no que fazia, o que acabou me deixando com o olhar perdido enquanto eu observava ele chegar mais perto.
A minha cabeça nem conseguia processar qual música estava tocando naquele momento, e quando eu consegui sair do meu pequeno transe, Sunghoon estava parado de frente para mim, parecendo receoso.
— A gente pode conversar? — ele pergunta, fazendo o meu estômago revirar.
— Agora?
— É, agora.
Eu não queria conversar com ele, não naquele momento. Eu não estava entendendo nada do que estava acontecendo e eu precisava muito falar com alguém, caso contrário, eu iria surtar. Mas esse alguém não poderia ser Park Sunghoon.
— Eu acho melhor não, não agora. Foi mal. — eu falei, evitando olhar nos olhos dele quando forcei um pequeno sorriso e passei por ele, o deixando para trás.
Eu passei o meu olhar por todos que estavam naquele lugar, e sim, eu estava procurando por alguém específico. E esse alguém era ninguém mais ninguém menos do que Lee Heeseung.
Ele estava entretido em uma conversa com Soobin e Kai quando me aproximei, recebendo toda a atenção logo de cara.
— Você precisa vir comigo, tipo, agora. — eu iria implorar, mas Heeseung logo se virou para mim.
— Aconteceu alguma coisa? — ele logo se demonstra preocupado.
Heeseung me acompanhou sem hesitar quando o puxei pelo braço, passamos por todos e seguimos juntos até a nossa barraca. Ele sempre esteve acostumado com momentos onde eu simplesmente precisava de alguém para me escutar, e eu estava me sentindo tão agoniado com aquele sentimento dentro de mim que eu não conseguia pensar em outra pessoa além dele para me ouvir.
E então, eu me certifiquei que a barraca estava totalmente fechada antes de encarar Heeseung. Ele parecia completamente confuso e perdido, e isso não mudou quando eu respirei fundo, bem fundo mesmo, e falei:
— Eu gosto do Sunghoon.
— Você o quê?! — Heeseung exclama.
— Isso mesmo, eu gosto do Sunghoon. — soltei uma risada nervosa. — Eu gosto muito dele, nós nos beijamos naquela festa em que você ficou bêbado, nos beijamos dentro de uma cabine de fotos. Desde então, ele sugeriu que nós dois tentássemos ver até onde isso daria, mas eu não quis contar sobre isso 'pra ninguém. — fiz uma careta. — Você me conhece, não é? Eu acabei me envolvendo muito mais do que eu imaginava, agora eu 'tô surtando porque acabei de ver ele com outro cara. E além disso, era 'pra eu me encontrar com ele hoje de madrugada quando todos estivessem dormindo. — falei tudo sem uma pausa, e então, soltei todo o ar que eu ainda segurava.
Heeseung me encarava sem expressão, como se estivesse totalmente em choque com toda a informação que eu havia dado. Então ele balança a cabeça algumas vezes e leva a mão até a testa, realmente confuso.
— Você 'tá falando sério? — ele arqueia as sobrancelhas.
— Eu queria não estar.
— E você simplesmente me fala assim?! — eu não sabia dizer se ele estava irritado, em choque ou feliz. Ao menos até o momento. — Isso é incrível!
— Incrível? — fiz uma careta. — Você ouviu tudo o que eu acabei de dizer?
— Ouvi. — ele afasta a mão da cabeça. — E foi a maior loucura que eu já escutei na minha vida, mas eu sempre desconfiei que alguma coisa aconteceu entre vocês dois.
— E onde isso é incrível? Eu 'tô literalmente surtando nesse exato momento, cara! — apoiei as minhas duas mãos no chão e soltei um longo suspiro. — Eu me odeio.
— Espera, não é recíproco? — ele entorta o nariz. — Você disse que foi ideia dele isso de ver até onde as coisas dariam, qual o problema então?
— Eu sou o problema, Heeseung. — falei. — Você sabe mais do que ninguém que sentimentos me assustam. Eu sempre vivi dentro do meu próprio mundo, e agora tem um garoto específico me tirando dele.
Heeseung logo mudou de expressão, voltando a parecer preocupado. Não demorou para ele se aproximar de mim e passar um dos braços por meu corpo, me abraçando de lado.
— Por que você nunca me contou? Você não deveria ter guardado tudo isso 'pra si mesmo, Sunoo. — ele nega com a cabeça. — Se o motivo desse surto for o Taehyun, eu não acho que tenha acontecido alguma coisa. O Sunghoon passou o dia inteiro dando foras nele, e nossa, agora eu entendi o motivo. — ele ri fraco. — Eu sinceramente acho que você deveria falar com ele.
— Eu meio que acabei de negar uma conversa com ele e puxei você até aqui comigo... — falei receoso.
— Sunoo! — ele diz incrédulo. — O que eu faço com você, hein? — ele respira fundo. — Certo, você disse que vocês iriam se encontrar quando todos estivessem dormindo, não é?
Eu concordei com a cabeça.
— Eu dou um jeito de que ninguém descubra, mas você tem que me prometer que vai estar lá. — ele bagunça o meu cabelo. — Você é realmente uma caixinha de surpresas, garoto. Eu nunca pensei que você, Kim Sunoo, estaria vivendo um romance escondido.
Pela primeira vez, eu soltei uma leve risada.
— Nem eu, Heeseung, nem eu.
— Você deve gostar mesmo dele, não é? — ele ri fraco, ainda parecendo meio em choque. — Se ele fizer qualquer coisa que machuque você, ele vai se ver comigo. Mas eu espero que vocês resolvam isso.
— Obrigado, Hee. — eu sorri minimamente. — Desculpa por ter escondido isso de você.
— Você não precisa pedir desculpas 'pra mim. — ele balança a cabeça. — Mas precisa pedir desculpas 'pra si mesmo, você se priva de sentir coisas incríveis por ter medo.
Heeseung tinha razão, mesmo que aquilo fosse difícil de ouvir. Eu sempre evitava fazer as coisas. Eu fugia para o meu próprio mundo, em um lugar confortável, tudo isso por medo do quão trágica a vida real poderia ser.
E isso precisava mudar.
O primeiro passo? Conversar com Park Sunghoon sobre seja lá o que ele queria quando me chamou.
***
A lua refletindo no lago durante aquela madrugada silenciosa deixava o ambiente muito calmo, o que era o oposto de como estava a minha cabeça no momento em que eu decidi sair da barraca que eu dividia com Heeseung, ele estava no décimo sono.
Sim, o cara que disse que daria um jeito de ninguém descobrir sobre a minha saída estava no décimo sono.
Todos estavam dormindo, demorou um bom tempo para cada um resolver seguir até sua barraca. Minjeong provavelmente foi quem mais aproveitou, mas eu não vi mais nada desde que entrei na minha barraca mais cedo. Eu pedi que Heeseung dissesse que eu estava me sentindo mal e resolvi ir dormir.
E agora eu estava nervoso enquanto caminhava até o lugar marcado com Sunghoon. E se ele não estivesse lá? E se aquela "conversa" fosse sobre algo negativo? Eu sentia vontade de correr apenas por imaginar tantas possibilidades.
Mas diferente do que eu pensava, assim que cheguei perto do lago, observei Sunghoon parado de frente para ele, mas de costas para mim. Ele jogava algumas pedras na água como se estivesse esperando o tempo passar.
Quando eu me aproximei mais, senti como se o meu coração tivesse parado por um segundo ao ouvir a voz de Sunghoon.
— Antes de você falar qualquer coisa, me deixa falar primeiro. — a voz dele sai baixa, ele diz aquilo ainda de costas para mim, mas parecia mesmo saber que eu estava ali. — Eu não sei se você pensou alguma coisa de mim, mas eu realmente não fiz nada com aquele garoto. Assim que entramos na barraca, a primeira coisa que eu falei foi que eu não iria fazer nada com ele. — ele respira fundo e se vira para mim, olhando bem para o meu rosto. — Eu deixei claro que a única pessoa que eu queria comigo lá dentro 'tava lá naquela fogueira, provavelmente pensando em coisas que não deveria pensar.
Sunghoon parecia chateado e perdido, enquanto isso, eu apenas o encarava sem saber o que dizer, mas eu nem tive tempo, porque ele continuou falando:
— E eu falei tudo isso porque eu gosto de você.
— O quê? — eu sussurrei por impulso, Sunghoon parecia aliviado em falar aquilo.
— E eu juro, eu não pensei que fosse gostar tanto assim. Não pensei que eu estaria aqui hoje, com medo por não saber se você apareceria. Mas eu te esperei mesmo assim. — Sunghoon prende o lábio inferior entre os dentes. — Eu nunca me senti assim antes, então eu não sei como lidar com esse sentimento. É diferente, mas eu não consigo odiar isso, pelo contrário, eu gosto muito. — ele repete. — Eu gosto muito de você, Sunoo.
Eu não sabia que o meu coração conseguia bater tão rápido como estava batendo naquele momento. Sunghoon estava se declarando para mim? Eu não estava preparado para ouvir aquelas palavras saindo da boca dele, não horas depois de eu assumir que gostava muito mais dele do que eu imaginava.
— Eu não sei o que você fez comigo, mas eu penso em você o tempo inteiro. Eu me preocupo com você, me preocupo tanto que quero sempre ter a certeza de que você 'tá bem. Você me fez gostar de um sentimento que era desconhecido pra mim. — ele suspira. — E sei o quão aleatório isso pode soar 'pra você agora, mas eu sinto que precisava falar. Eu quero ser transparente contigo. — e então, ele finaliza. — Uma vez você disse que gosta de ter certeza sobre as coisas, então eu 'tô aqui, te dando a certeza de que eu gosto de você.
Sunghoon suspira mais uma vez, mas eu não consegui dizer nada para ele, nunca me disseram nada parecido antes.
Ele parecia um garoto que tinha muita dificuldade em se abrir daquela forma. Ele conseguia ser direto sobre qualquer coisa, mas quando envolve sentimentos reais, não é tão fácil assim. Mas lá estava ele, se esforçando por mim.
E lá estava eu, me aproximando de Park Sunghoon sem dizer nada, apenas segurando o rosto dele com ambas as mãos e acabando com a distância existente entre nós dois quando colei os nossos lábios em um beijo.
Eu não sei se ele esperava por isso, mas Park retribuiu o beijo no mesmo momento. As mãos dele se firmaram em minha cintura quando nossas línguas se encostaram, me causando um frio no estômago, aquele frio que eu tanto amava sentir quando ele me tocava. E como sempre, nada parecia existir à nossa volta, era apenas eu e ele.
Quando afastei nossos lábios, os meus dedos deslizaram delicadamente pelo rosto dele, já os dedos do garoto continuavam firmes em minha cintura, como se ele não quisesse se afastar de mim. E eu não me afastei, continuei sentindo nossas respirações se misturarem enquanto encarava os olhos dele, sussurrando em seguida:
— Eu também gosto muito de você.
Ele sorri contra os meus lábios, automaticamente me fazendo sorrir também. E eu voltei a falar:
— Me desculpa por antes. — torci o nariz, começando a falar sem pausa. — Eu queria ter escutado você, mas eu 'tava surtando internamente por não saber como lidar com a minha própria cabeça primeiro, então eu acabei falando tudo pro Heeseung e ele surtou também, e assim nós dois começamos a surtar e agora...
— Espera. — Sunghoon me interrompe. — O Heeseung sabe sobre nós? Você contou a ele?
— Contei. — eu sorri amarelo. — Desculpa, eu deveria ter falado com você antes mas...
— Eu contei ao Jake. — ele me corta. — Antes de vir até aqui.
Sunghoon e eu ficamos nos encarando em silêncio, e então, o silêncio foi substituído por nossas risadas que se misturaram.
— Desculpa, mas eu precisava falar com alguém sobre hoje e ele é o meu melhor amigo. — ele afasta as mãos da minha cintura. — Ele não é a melhor pessoa 'pra dar conselhos no momento, mas ele não me deixaria sair da barraca se eu não falasse. Principalmente depois daquela pergunta no jogo do sussurro, ele perguntou quantas pessoas eu beijei desde que cheguei em Odhen.
— Bem, eu acho que isso significa apenas uma coisa. — falei.
— O quê?
— Talvez não seja uma má ideia eles saberem sobre nós.
Não sei se Sunghoon estava surpreso com a minha frase, mas ele claramente ficou feliz em ouvir aquilo. Ele era péssimo em fingir, mas eu também era. Então seríamos péssimos juntos.
***
Depois da nossa conversa, Sunghoon e eu caminhamos juntos até o estacionamento dos carros do acampamento. Estavam os dois sentados na caçamba da caminhonete de Kai, nós observávamos as estrelas em silêncio, exatamente como combinamos no começo do dia.
O céu estava bastante estrelado, eu balançava a minha perna devagar enquanto permanecia em silêncio, esperando Sunghoon falar alguma coisa. Eu ainda estava processando tudo o que ele disse há alguns minutos, porque por mais que eu sentisse o mesmo, aquilo continuava sendo algo novo.
Sunghoon então pega o próprio celular, conecta o fone de ouvido no aparelho e coloca um deles em mim, não dizendo nada enquanto fazia isso. Eu apenas o encarei sem dizer nada quando ele colocou o outro fone no ouvido dele também.
— Eu quero que você escute essa música. — ele diz. — Depois você me mostra alguma que tenha algum significado 'pra você. Sobre qualquer coisa, pode ser até a sua música de conforto, pode ser?
Eu afirmei com a cabeça, observando ele curvar os lábios em um pequeno sorriso.
E bastou apenas aquela afirmação minha para que Sunghoon desse play na música. E eu me senti estranho, mas de um jeito bom, quando um toque tranquilo e suave ocupou um lado do meu ouvido, revelando ser Scary Love do The Neighbourhood. Eu conhecia aquela música, então saber o que a letra dizia foi o que mais mexeu comigo.
Park não disse nada, mas eu sabia que ele não escolheu aquilo à toa. E assim, eu automaticamente senti borboletas começarem um grande espetáculo em meu estômago.
"Não sabia que a gente iria tão longe
Mas isso é apenas o começo
Querido, você me deixa preocupado
Seu amor está me assustando
Ninguém jamais se importou comigo
Tanto quanto você se importa
Ooo, sim, eu preciso de você aqui."
Quando a música acabou, Sunghoon desviou o olhar do meu e encarou o céu mais uma vez naquela madrugada. E diferente de antes, eu estava me sentindo um pouco mais calmo, aquela música sempre me deixava assim, nas nuvens. Mas pela primeira vez eu não estava me sentindo assim apenas por causa dela.
— Eu sempre amei essa música. — Sunghoon diz. — Mas comecei a gostar um pouco mais agora. — ele ri sem graça e abaixa a cabeça, ele estava com os braços apoiados nos joelhos. — Eu não sou bom com palavras como você, mas é, acho que é isso.
Aquilo me fez sorrir.
Não era bom com palavras? O garoto que acabou de me deixar nervoso com elas?
— Eu também amo ela, é linda. — eu sussurrei, sem saber muito o que dizer. — Bem, acho que é a minha vez, não é?
— Confesso que 'tô ansioso 'pra ouvir a sua, vai em frente. — ele abre um pequeno sorriso e me entrega o celular dele, estava desbloqueado e no aplicativo de música.
Quando o peguei, rapidamente comecei a digitar o nome que eu queria, finalmente achando a música.
Eu queria mostrar algo que realmente era o meu conforto, então escolhi a única música possível para isso, eu queria compartilhá-la com ele também. Era irônico escutar ela enquanto olhávamos para a lua, mas ao mesmo tempo fazia sentido, afinal, é depois dela que vem o sol.
"Lá vem o Sol, e eu digo
Está tudo bem
Queridinho
Tem sido um inverno longo, frio e solitário
Queridinho
Parece que fazem anos desde que ele esteve aqui
Lá vem o Sol, lá vem o Sol
E eu digo, está tudo bem"
Sunghoon escutava a música em silêncio, mas ele tinha um pequeno sorriso nos lábios, provavelmente ele também conhecia ela. Eu percebi isso quando ele começou a cantarolar o final, não parando até que a música terminasse.
— Quando eu era mais novo, a minha mãe costumava dizer que essa música era minha, eu sempre escutava ela quando me sentia triste. — soltei uma risada baixa quando comecei a falar. — Ela sempre falava que a única coisa que me deixava calmo na barriga dela durante a gravidez, era quando essa música tocava. Por isso ela sempre me chama de Sun.
Here Comes The Sun é uma música dos Beatles. A minha mãe falava com frequência que eu era o sol da vida dela por causa disso. Era algo brega de mãe, mas eu realmente gostava de ouvir, isso fazia eu me sentir especial de alguma forma.
Apesar disso, eu sempre fui um amante da lua. Admira-lá era um passatempo que eu gostava muito, e para provar isso, bastava apenas abrir a galeria do meu celular. Eram fotos e mais fotos de todas as vezes que eu achava que a lua estava linda.
— Here Comes The Sun? Por causa do seu nome? — Sunghoon pergunta.
— Touché. — abri um pequeno sorriso, voltando o meu olhar para Sunghoon. — Mas é engraçado pensar, os nossos nomes começam com as mesmas letras.
— Sun e Sun. — Park fala quase que para ele mesmo, refletindo sobre o que eu havia acabado de dizer. — Até que é bonitinho.
Nossas risadas se misturaram, e então, Sunghoon voltou a falar:
— Eu gosto do sol, principalmente o pôr do sol. — ele leva o olhar até o céu, o que automaticamente me faz acompanhá-lo quando encarei aquele ponto brilhante no meio de todas aquelas estrelas. — É bonito e, não sei, reconfortante. Mas talvez eu combine mais com a lua.
— Você sabia que as chances de o sol e a lua darem certo são mínimas? — virei o rosto para ele, sentindo um frio na barriga quando o meu olhar encontra o de Sunghoon. — Existem tantas lendas sobre os dois, eu achava interessante ler sobre, era legal.
Sunghoon me olha desacreditado, provavelmente achando engraçado eu entrar com aquele assunto do nada.
— Ah, é mesmo? — ele faz uma careta dramática. — Espero que você não esteja tentando me dizer nada com isso.
— Não estou. — soltei uma risada fraca. — Mas como eu estava dizendo... — me ajeitei no chão enquanto falava. — Entre todas as que eu conheço, tinha uma que eu gostava mais, acho que é a mais famosa também.
— Qual?
— A lenda que fala sobre como o sol e a lua se apaixonaram à primeira vista, assim começando a história de amor mais linda do universo. — eu virei o rosto para encarar o céu assim que comecei a falar. — Mas o mundo ainda não existia quando eles se encontraram, e então, no dia em que o mundo foi criado, foi decidido que a lua iluminaria a noite e o sol iluminaria o dia. Sendo assim, eles seriam obrigados a viverem separados, para sempre.
— E por que essa é a sua versão favorita? — Sunghoon pergunta incrédulo.
— Porque foi criado o eclipse depois disso. — falei. — Os dois sofreram tanto longe um do outro que Deus criou o eclipse. E agora, o sol e a lua passam todos os dias esperando por esses momentos raros onde podem se encontrar. — eu tinha um sorriso bobo no rosto enquanto falava. — Não é bonito?
— É sim, muito bonito. — Park me olhava ao dizer aquilo, eu sabia disso porque o peguei de surpresa ao virar o meu rosto para ele, que logo se recompôs. — Então você realmente acredita nesse tipo de coisa?
— Em lendas? — soltei uma risada enquanto negava com a cabeça devagar. — Às vezes é bom termos algo que nos faça acreditar e sonhar. Se você pensar bem, algumas histórias, como essa, são apenas metáforas que podem se relacionar com a vida real, e assim, elas te ajudam a acreditar em alguma coisa.
— Até que faz sentido. — Sunghoon diz, o olhar dele entregava o quão pensativo ele estava.
— Eu falo muita besteira, não é? — entortei os lábios, ouvindo uma risada do garoto.
— Não é besteira, eu gosto de ouvir. — ele diz. — Isso me faz lembrar de quando o Heeseung me apresentou a escola. — ele continuava me olhando. — Quando chegamos na biblioteca, lembra? Ele falou que tinha um amigo que gostava de falar sobre as histórias que já leu. — Park ri pelo nariz. — Quem diria que estaríamos aqui hoje?
— E quem diria que o garoto que não frequentava a biblioteca estaria ouvindo essas histórias? — o provoquei, lembrando das palavras dele naquele dia.
— Você não vai esquecer disso, né? — ele revira os olhos, mas não se aguenta e ri também. — Eu comecei a frequentar aquilo mais vezes por sua causa mesmo. Pronto, era isso que você queria ouvir?
— Você é realmente péssimo em disfarçar. — o provoquei mais uma vez e soltei uma risada quando ele revirou os olhos.
E naquele momento com ele, apesar de tudo o que eu senti durante aquele dia, as minhas preocupações anteriores haviam sumido, mesmo que no fundo eu ainda me importasse com elas. E eu sabia que precisava de tempo para que isso melhorasse em mim, afinal, nada muda assim do dia para a noite. Mas o mais importante era que Sunghoon estava ali do meu lado, ele me ajudava sem perceber.
— Então, como nós vamos contar aos outros? — perguntei após ficarmos um tempo em silêncio.
— Não vamos contar, não exatamente. — ele olha para mim, me deixando confuso. — Mas eles vão saber.
Heeseung e Jake já sabiam, mas esse ainda não era o maior problema. Eu estava me preparando para responder a todas as perguntas que o meu melhor amigo me faria no dia seguinte, ele não iria descansar até que eu detalhasse como tudo começou.
— O que você quer dizer com isso? — fiz uma breve careta.
— Que não precisamos esconder mais nada, mas também não precisamos contar. — ele dá de ombros. — Pelo menos não até você namorar comigo.
Eu quase me engasguei com o ar.
— Namorar? — soltei uma risada nervosa e senti o meu rosto começar a esquentar. — Você fala esse tipo de coisa com muita naturalidade.
Eu tentei esconder o meu nervosismo com aquela frase, Sunghoon apenas riu.
— Eu gosto de como você reage, é divertido. — ele abre um sorriso.
É isso, ele gostava de me provocar. Park Sunghoon sempre sabia o que estava fazendo. E quando digo isso, é porque ele realmente sabia, principalmente quando ele voltou a falar:
— Mas isso não significa que eu não estava falando sério. — ele me olha de forma intensa, e assim, eu prendi a minha respiração.
***
Chapter 13: Eclipse
Chapter Text
Kim Sunoo
Reciprocidade é uma das melhores coisas do mundo, e sim, talvez eu seja suspeito de estar falando sobre isso, mas a sensação de ter sentimentos retribuídos é incrível.
É parecida com a sensação de viajar de madrugada enquanto escuta a sua música de conforto, ou como aquele último pedaço da sua comida favorita, sabe? Você saboreia por muito mais tempo e é tão gostoso, te deixa querendo mais. Também é como ler a última página daquele livro específico que você adora e leu mais de uma vez, e então, você percebe o quanto palavras podem melhorar o seu humor.
O que eu quero dizer é que, é como uma junção de coisas que te fazem bem, exatamente como aquela pessoa específica que não sai da sua cabeça e você sempre associa a coisas boas.
Mas eu ainda estava nervoso, afinal, é de Park Sunghoon que eu gosto, o único garoto que me permite sentir mais de cinco emoções em poucos minutos. Ele era uma caixinha de surpresas, e apesar de eu não gostar de coisas inesperadas, eu gosto – muito – dele. E ele gosta de mim, como já dissemos.
Depois que confessamos o quanto gostávamos um do outro, eu e Sunghoon ficamos a madrugada toda conversando sobre todos os assuntos possíveis. E era incrível como o tempo passava rápido quando eu estava com ele, mas nem isso atrapalhava o nosso momento, nós ficamos juntos até o nascer do sol.
Ficamos até depois disso também, mas somente porque eu acabei adormecendo no ombro dele. E assim, os dois adormeceram juntos na caçamba da caminhonete de Kai, nenhum dos dois voltou para as barracas naquele dia. Sequer percebemos o que havia acontecido, apenas dormimos, mas eu fui o primeiro a abrir os olhos quando as vozes dos nossos melhores amigos tomaram conta dos meus ouvidos.
— Eu falei que eles estavam aqui. — a voz de Jake me desperta no mesmo segundo, e então, uma careta imediatamente se forma em meu rosto quando a luz do sol bate contra os meus olhos. — Então é verdade mesmo?
— É óbvio que é verdade, Jake. — Heeseung estava parado ao lado dele, os braços do garoto estavam cruzados e ele nos encarava com um sorriso nos lábios, parecendo feliz com o que estava vendo.
Demorou alguns segundos para eu raciocinar em que situação eu estava, e quando finalmente aconteceu, eu me afastei rapidamente do ombro de Sunghoon, apoiando ambas as mãos no chão e observando Jake e Heeseung darem um pulo de susto.
— O que vocês estão fazendo aqui? — perguntei e logo levei a mão até o ombro do garoto ao meu lado, o balançando de leve. — Ei... Sunghoon, acorda.
— Essa pergunta é nossa. — Heeseung faz uma careta e descruza os braços. — O que vocês estão fazendo aqui?
— Vocês decidiram assumir o namoro de vocês assim? Estavam esperando que todos encontrassem vocês aqui? — Jake ri de forma provocativa.
— Primeiro, não estamos namorando. — falei enquanto encarava Jake. — E segundo... Sunghoon, acorda! — balancei o garoto novamente.
Sunghoon resmungou, eu sabia que ele estava acordado, ele era um péssimo ator. E conhecendo o garoto ao meu lado, era óbvio que ele queria saber como eu iria lidar com a situação sozinho, e isso foi comprovado quando ele finalmente abriu os olhos e me encarou com um sorriso nos lábios.
— Vocês são tão barulhentos. — as palavras dele me fazem arquear as sobrancelhas, e então, ele encara os garotos. — Alguém nos viu aqui além de vocês dois?
— Não, o Heeseung ficou todo estranho quando citei o nome de vocês. — o australiano ri. — Mas então nós percebemos que ambos já sabiam sobre esse namoro, então deixamos a barraca e viemos procurar vocês. E se vissem vocês aqui?
Eu até negaria sobre o namoro novamente, mas Jake já estava decidido sobre aquilo, não tinha mais nada que eu pudesse falar.
— Bem, tinha chances de ser pior, eles poderiam ter nos encontrado em uma situação mais pessoal. — Sunghoon abriu um pequeno sorriso em minha direção, e sério, eu tinha certeza que o meu rosto estava prestes a ficar vermelho.
— Situação mais pessoal? — levantei mais ainda as minhas sobrancelhas.
— Que nojo. Vocês dois fizeram alguma coisa inapropriada na caçamba do carro do Kai? — Heeseung aumenta o tom de voz imediatamente e se afasta do veículo. — Quer saber? Sem detalhes, por favor.
— O quê?! — os meus olhos estavam arregalados e eu não demorei para me afastar de Sunghoon, o garoto ria como se tivesse escutado a melhor piada do mundo, mas ele logo para quando recebe um tapinha meu contra o braço dele. E então, o meu olhar volta até os garotos. — Nós só estávamos aqui conversando durante a madrugada, e então...
— Sem detalhes, por favor! — Heeseung insiste, o que me faz respirar fundo.
Não tive opção, apenas desisti de tentar explicar. Heeseung estava claramente me provocando.
— Não fizemos nada diferente do que vocês dois fizeram na fogueira. — Sunghoon os provoca. — O Jake beija bem, Heeseung?
Eu precisei segurar a risada. Heeseung arregalou os olhos ao ouvir Sunghoon, parecendo perdido quando trocou olhares com Jake, que logo coçou a garganta e começou a falar:
— Vocês se resolveram então? — o australiano troca o assunto. — E quando vão explicar isso tudo pra gente? Quando começou? Onde? Por quê?
— Não tem o quê explicar. — Sunghoon parecia sério pela primeira vez, e então ele se aproxima de mim, passa um dos braços por meu ombro e me encara por um segundo antes de virar o rosto para Jake. — Eu gosto do Sunoo, ele gosta de mim. O que mais vocês precisam saber?
Era diferente, mas bom, ouvir aquilo sendo dito para outras pessoas além de mim.
— Certo, então isso é oficial? — Jake mais uma vez com esse assunto.
— Vocês vão saber quando isso acontecer, relaxa. — Sunghoon afasta o braço de mim. — Acabamos de acordar e já estão fazendo um interrogatório. Vocês não disseram que só despistaram os outros? Onde estão?
— Ainda estão dormindo. — Heeseung explica. — E acho melhor saírem daí antes que o Kai acorde e veja vocês no carro dele.
— Ele 'tá certo, é melhor mesmo. — falei para Sunghoon, o mais velho apenas concordou com a cabeça e ficou de pé na caçamba, me estendendo a mão para que eu segurasse.
E assim eu fiz, com um impulso, me levantei do chão ao pegar na mão de Sunghoon. Em seguida, nós dois pulamos para o lado de fora do carro, nos parando de frente para os nossos amigos. Heeseung e Jake estavam em silêncio quando viraram a cabeça para o lado ao mesmo tempo, algo parecido como dois cachorrinhos quando estão confusos.
— O quê foi? — eu perguntei.
— Nada, mas vou precisar de um tempo 'pra me acostumar com vocês dois, você sabe, assim. — Heeseung responde.
Sunghoon ri.
— Eu demorei 'pra me acostumar também, você chega lá. — o garoto dá alguns tapinhas nas costas de Heeseung. — Vejo vocês dois na fogueira.
Sunghoon os provoca mais uma vez antes de se afastar de todos, sendo o primeiro do quarteto a seguir até as barracas em que os nossos amigos estavam dormindo. Ainda era cedo, então tínhamos o resto do dia para aproveitar antes de voltarmos para Odhen no final da tarde.
***
Já era segunda-feira.
Todos os finais de semana passavam em um piscar de olhos, o último não foi diferente. Em compensação, ele foi memorável. Já não era novidade para mim que, ultimamente, muitas das coisas que andavam acontecendo na minha vida foram coisas que eu não iria esquecer tão facilmente.
99% dessas ''coisas'' envolviam Park Sunghoon.
E quando eu pisei na escola, mais especificamente no corredor extenso e cheio de alunos, senti como se todos estivessem olhando para mim. E eu sei, eu não estou em uma série clichê daquela plataforma de streaming vermelha. Ninguém me conhece além dos meus amigos, muito menos ligam para o que eu faço ou deixo de fazer, mas não eram todos os dias que dois garotos chegavam de mãos dadas publicamente na Wall School.
Eu não tive reação quando senti a mão quente de Sunghoon se envolver em meus dedos, mas eu não me afastei. De primeira eu me assustei com a presença repentina do garoto ao meu lado, depois eu apenas continuei o que eu estava fazendo: caminhando até a sala de aula, agora acompanhado.
— Eu me pergunto como você conseguiu ser discreto por tanto tempo. — eu ri sem humor. — Chegar de mãos dadas na escola é o principal clichê de filmes adolescentes.
— Você fala como se clichês fossem ruins, mas todo mundo adora um. — ele sorri de lado. — Eu vi o tipo de livro que tinha na sua sala de leitura, você é o clichê em pessoa.
— Então você admite que conhece os livros?
— Não, mas eu vi os filmes. — ele dá de ombros, me fazendo entreabrir os lábios em choque com tamanha sinceridade do garoto.
Mas eu não era o único a estar em choque naquele momento.
Quando chegamos na sala de aula, demos de cara com nossos amigos. Eu realmente estava curioso sobre as reações deles, principalmente da reação de Jay. Entre os meus amigos mais antigos, ele era o único que ainda não sabia sobre aquilo.
Sunghoon soltou a minha mão quando eu precisei deixar as minhas coisas na mesa, ele foi fazer o mesmo. E eu juro, eu estava tomando coragem para olhar para os meninos, então fiz tudo em passos de tartaruga, enrolando o máximo possível.
Eu não tive muito sucesso nisso, Jay logo sentou na mesa em minha frente e cruzou os braços, não falando nada mas esperando que eu olhasse para ele. Em seguida, Jungwon fez a mesma coisa e parou ao lado de Jongseong.
— O quê foi? — eu virei o rosto devagar para eles.
— Vocês dois eram um casal esse tempo inteiro? — Jay é o primeiro a perguntar.
— Eu falei 'pra você, eu tinha visto dois garotos idênticos a eles dançando juntos naquela festa. — Jungwon apoia a mão no ombro de Jay, os dois falavam como dois detetives desvendando um mistério.
— Vocês dois não tem vergonha? — eu fiz uma careta. — Vocês dois também apareceram juntos do nada.
— Não foi do nada. — Jungwon pisca algumas vezes enquanto tenta se explicar. — Quer dizer, coisas aconteceram.
— Ei, Kim Sunoo. Não mude de assunto! — disse Jay, mudando de assunto.
Quando olhei para o lado, Riki nos encarava com diversão no olhar. Ele com certeza estava aliviado por não precisar mais guardar aquele segredo por mim. Ao lado dele, Heeseung e Jake também nos olhavam, enquanto Sunghoon agora se aproximava da minha mesa junto à eles.
— Será que vocês podem deixar o coitado do Sunoo em paz? — Sunghoon passa um dos braços por meu ombro. — Parecem aqueles casais de vizinhos fofoqueiros.
Riki não aguenta e começa a rir.
— Vocês dois já sabiam disso? — consegui escutar Jay perguntar para Jake e Heeseung, que já não estavam mais surpresos. — O quê 'tá acontecendo?
— Você se acostuma, eu 'tô quase lá. — Heeseung o responde. — Eu também não sei explicar como isso aconteceu. Mas eles foram mais rápido do que você e o Jungwon.
Jay e Jungwon trocaram olhares após a fala de Heeseung, mas nada foi dito, todos tivemos que calar a boca quando o primeiro professor do dia entrou na sala. E então, cada um seguiu para o seu devido lugar.
Os meus amigos se entreolharam durante a aula inteira e cochichavam coisas que eu não conseguia escutar, Jay até chegou a jogar uma bolinha de papel em mim e, quando eu abri, estava escrito ''PARK SUNGHOON????'' tudo em maiúsculo.
Eu devolvi com outra bolinha de papel mas, diferente dele, eu escrevi: ''YANG JUNGWON!!!'' e recebi um dedo do meio direcionado para mim.
Após isso, eu foquei em prestar atenção na matéria explicada pelo professor. A semana de provas estava chegando e eu não queria ficar de recuperação, infelizmente a vida não era apenas viver no meu próprio mundo, mesmo às vezes eu querendo que fosse.
***
Existe algo que os meus amigos costumam fazer sem perceber, mas eu reparo nisso desde que passei a conviver com eles.
Esse ''algo'' significa que, todos os dias, existe o assunto principal das nossas conversas. Por exemplo, em algum momento, algo acontece e nós passamos a falar sobre isso até o dia acabar.
Eu lembro que, uma vez, no primeiro ano, o Heeseung organizou vários papéis com fórmulas para a prova de química. Ele tinha a intenção de colar, mas acabou ficando nervoso durante a troca de professores e deixou todos os papéis voarem pela sala. O professor viu, chamou a atenção dele e quase fez ele zerar a prova. E foi assim que eu, Jay e Riki passamos o dia inteiro fazendo todas as piadas possíveis que envolvessem colar.
Mas nesse dia, o assunto principal entre os meus amigos no refeitório era eu mesmo, Kim Sunoo. E claro, Park Sunghoon.
— Você me deve 5 mil wones. — Riki sorria para Jay, que revirava os olhos na mesa quando eu e Sunghoon chegamos.
— Eu não acredito que você ganhou isso. — Jongseong leva a mão até o próprio bolso e retira o dinheiro de lá, deslizando-o pela mesa até chegar em Riki.
— Vocês apostaram no quê? — Sunghoon pergunta.
— Eu apostei que vocês dois não tinham nada. — Jay diz de forma simples — Já o Nishimura apostou que alguma coisa acontecia entre vocês.
Eu não sabia o que me deixava mais chocado.
— Mas você sempre soube que eu e o Sunghoon tínhamos algo. — eu sussurrei para Riki quando me sentei ao lado do garoto.
— O Jay não precisa saber disso. — Riki sussurra de volta e dá algumas batidinhas em minhas costas. — Pelo menos eu ganhei dinheiro.
E foi nesse momento que Sunghoon pegou o dinheiro da mão do japonês, que tentou impedi-lo, mas falhou.
— Ei! — Nishimura exclama.
— O meu nome 'tava envolvido, eu tenho o direito de receber metade do dinheiro. — Sunghoon senta de frente para mim e pisca para Riki, que entorta os lábios em uma careta. — Eu te devolvo o troco.
A situação com os dois estava tão engraçada que eu demorei para perceber algo diferente naquela mesa. Jungwon e Jay estavam sentados com a gente.
Depois da briga entre Jake e Jungwon, o grupo se separou e sempre estávamos em um clima estranho quando reunidos. Mas, pelo jeito, a curiosidade dos meus amigos falou mais alto e eles se juntaram naquela mesa para saber mais sobre o que acontecia entre mim e Sunghoon.
Só que nem tudo era perfeito, é claro, Jungwon ainda continuava ignorando a presença de Jake, mas não era nada que fizesse criar um conflito na mesa. Eles só estavam ali.
Quando eu olhei em volta do refeitório, o meu olhar parou em uma mesa de garotas do segundo ano. Depois de alguns dias, Jang-Mi finalmente deu as caras na escola, a garota não parava de olhar para a nossa mesa, mais especificamente para Jake. O australiano não olhava de volta, parecia até que estava ignorando a garota da mesma forma que Jungwon fazia com ele. Talvez o Shim realmente estivesse decidido a se acertar com o Yang.
E no meio da minha distração, recebi uma notificação no meu celular, notando que se tratava de Sunghoon.
Sunghoon:
10:11
quer ir até a biblioteca?
eles vão falar sobre isso o dia inteiro
Não respondi a mensagem, mas olhei para Sunghoon e fiz que sim com a cabeça, mesmo que discretamente. Ele entendeu na hora, porque levantou da mesa e chamou a atenção dos nossos amigos, que conversavam distraidamente.
— Vou roubar o Sunoo de vocês agora, mas vejo vocês na aula. — ele olha para mim. — Vem comigo?
— Vão 'pra onde? — Jake pergunta.
— Nos beijar em algum lugar da escola, quer vir junto? — Sunghoon pergunta sarcasticamente.
Jake nega com a cabeça várias vezes enquanto gesticula para irmos logo, os outros apenas dão risada, mas não dizem nada sobre a nossa saída.
Quando percebi, eu estava caminhando ao lado de Sunghoon pelo refeitório, nós seguíamos o nosso caminho até a saída.
— Eu não vou beijar você na biblioteca. — sussurrei para ele no meio do caminho.
— Quer me beijar aqui, então? — ele pergunta quando empurra a porta, a abrindo e me dando espaço para passar.
— Você é impossível, é sério. — eu ri baixo e revirei os olhos ao passar por ele, que logo me alcançou ao dar uma leve corrida até mim.
O humor de Sunghoon era algo a se admirar, ele sempre tinha as respostas na ponta da língua. Eu acho que era isso que me deixava tão nervoso sobre ele, e ao mesmo tempo também era esse pequeno charme que fazia eu me sentir atraído.
E sabe, desde que ele falou aquilo sobre namorar comigo, eu não conseguia tirar isso da minha cabeça. E eu juro, essa ideia estava ficando cada vez melhor dentro da minha cabeça. Mas eu não sabia se eu era confiante o suficiente para dar o primeiro passo e pedi-lo em namoro. Eu nunca fiz isso antes, como eu deveria começar?
Eu não percebi que me perdi novamente em pensamentos quando Sunghoon começou a me cutucar no meio do corredor, mas ele me cutucava como se alguém estivesse se aproximando de nós dois. E realmente tinha alguém, era Yuna, como sempre, acompanhada de Yeji.
As minhas sobrancelhas arquearam quando o meu olhar encontrou o dela, já tinha um tempo desde que a nossa última conversa aconteceu. E quando ela estava próxima o suficiente, senti o calor da mão de Sunghoon contra os meus dedos, ele havia entrelaçado os dele nos meus novamente.
— Ah. Oi, Sunoo! — Yuna abre um sorriso para mim, mas ele diminui quando ela olha para Sunghoon. — Oi, Sunghoon.
— Oi, Yuna. — Sunghoon acena rapidamente com a cabeça. — E Yeji.
— Você sumiu. — foi a primeira coisa que eu falei — Senti a sua falta na biblioteca.
— Eu andei um pouco ocupada, mas senti a sua falta também. — ela sorri fraco, e então, olha para Yeji. — Nós duas precisamos entregar esses papéis para a diretora. — ela levanta a mão que segurava várias folhas. — Mas vejo vocês por aí?
— Claro, claro. — afirmei com a cabeça. — Te vejo por aí.
Yeji não falou nada, mas ela não parecia irritada e nem nada do tipo. Pela primeira vez, ela não agiu como se a nossa presença fosse um incômodo. Diferente do que eu estava acostumado, a garota de mechas rosas curvou bem pouco os lábios em um sorriso e acenou rapidamente com a cabeça antes de continuar a andar acompanhada de Yuna, deixando eu e Sunghoon para trás.
— Ela... sorriu 'pra mim? — eu inclinei a cabeça para o lado, confuso sobre Yeji.
— Eu espero não ver ninguém por aí. — Sunghoon resmunga quando tem certeza de que elas estavam longe o suficiente para não ouvir.
— Isso tudo é ciúmes? — eu ri baixo.
— Não tenho ciúmes. — ele pega em minha mão novamente e volta a seguir o caminho até a biblioteca. — Mas eu não confio nelas.
— Você por acaso sabe de alguma coisa que eu não sei? — eu o questionei quando passamos pela porta da biblioteca.
— Não, esse é o problema. — ele faz uma careta. — Eu não sei de nada, mas eu sei que alguém postou aquelas fotos do Jake e da irmã do Jungwon e as duas são as principais suspeitas.
— Você 'tá certo. — falei em um tom mais baixo. — Mas eu não consigo tratar ninguém mal, ainda mais a Yuna. Ela sempre foi legal comigo.
— Você não precisa tratar ninguém mal, Sunoo. — ele bagunça o meu cabelo devagar e eu afasto a mão dele por impulso, fazendo uma breve careta. — Mas também não pode deixar que ninguém se aproveite disso.
Eu iria argumentar, mas não tive tempo. Nos aproximamos da recepção onde Daya estava e ela nos cumprimentou como sempre fazia. Porém, como todos estavam fazendo naquele dia, a mulher também se surpreendeu com a presença de Sunghoon, principalmente porque eu sempre chegava lá sozinho. Sempre fui eu e os meus livros.
***
A biblioteca estava longe de entrar para a lista de lugares favoritos do Sunghoon, eu sabia disso, mas naquele dia eu tive a confirmação. Eu e Sunghoon fomos para a biblioteca com o objetivo de ler alguma coisa, mas eu fui o único que realmente estava tentando. O mais velho pegou o primeiro livro que encontrou em uma das estantes, mas não leu mais do que dez páginas.
Quando me dei conta, ele estava com os braços cruzados na mesa e com o rosto escondido sobre eles. Depois de um tempo, Park batucava os dedos na mesa como se estivesse entediado, e eu juro que tentei prestar atenção nas palavras do livro que eu segurava, mas nada fazia sentido na minha cabeça, não com Sunghoon inquieto em minha frente.
— Sunghoon! — chamei a atenção dele.
O garoto levantou o rosto e me encarou, o olhar dele estava perdido.
— O que foi?
— Você 'tá tão entediado assim? — inclinei a cabeça para o lado e deixei o meu livro em cima da mesa. — Você não parou por um segundo.
— O quê? — ele arqueia as sobrancelhas. — Não, claro que não. — ele balança a cabeça em negativo várias vezes e afasta as mãos da mesa. — Eu só 'tava pensando.
— Pensando em quê?
Ele soltou uma risada sem graça antes de me responder, o que me deixou mais curioso ainda para saber o motivo de toda aquela inquietação da parte dele. E então, o moreno respirou fundo e umedeceu os lábios antes de falar em um tom mais baixo do que ele costumava usar:
— Sabe, outro dia, quando eu disse que tinha algo em mente sobre eu e você — ele parecia tímido com aquela pergunta, eu gostava quando ele demonstrava esse lado ainda desconhecido por mim. — Quando você negou que me convidar para a sua casa era um encontro, você lembra?
— Eu lembro, mas realmente não era. — eu ri baixo. — Eu tenho uma interpretação diferente de encontros, você deve saber como é um.
Sunghoon me encarou confuso, como se não soubesse do que eu estava falando. Em seguida, o garoto levou uma das mãos até a própria nuca e esfregou o local despretensiosamente.
— Espera, você já teve um encontro antes, não teve? — arqueei as sobrancelhas.
— É claro que eu já tive. — ele coça a garganta e ajeita a postura na mesa. — Quem nunca teve um?
E então, automaticamente lembrei da conversa entre Yeonjun e Taehyun no acampamento. O primo de Jake comentou sobre o quão reservado Sunghoon era com relacionamentos, e isso me fez perceber que eu não sabia tanto assim sobre o passado de Sunghoon, eu apenas conhecia o que ele decidiu compartilhar até o momento. Nós nunca tivemos aquela conversa.
— Ai, meu Deus. Você nunca teve um encontro. — o meu tom de voz sai surpreso. — Impossível.
Sunghoon entortou os lábios, mas não negou. O olhar dele se perdeu pela biblioteca por alguns segundos e, só então, ele se inclinou em minha direção na mesa.
— Certo, nunca me deram motivos o suficiente para sair em um encontro. — ele sussurra, o que me faz abrir um pequeno sorriso. — Vai em frente, pode rir. — ele gesticula com as mãos.
— Por que eu riria? — perguntei. — Eu fiquei, no máximo, curioso. O que convenceria Park Sunghoon a aceitar ir em um encontro?
O olhar tímido de Sunghoon sumiu quando um sorriso surgiu em seus lábios. Eu realmente estava gostando de vê-lo daquela forma, era bom sentir aquela aproximação com ele.
— Bem, é preciso muita coisa. — ele começa a falar. — Mas se essa pessoa tiver o cabelo rosa, ter as três primeiras letras do nome idênticas ao meu e gostar de passar o tempo livre na biblioteca, já posso considerar sair com ela.
Simples assim, o Sunghoon que eu conhecia voltou.
— Você é tão brega. — eu neguei com a cabeça.
Ele sorriu.
— Tá bem. — ele apoia um dos braços na mesa. — Eu sempre tive certa dificuldade em me relacionar desse jeito, eu observava os meus amigos vivendo o momento da vida deles, mas eu sentia uma barreira enorme que não me permitia fazer o mesmo. Então eu não fazia. — ele dá de ombros. — É difícil demonstrar afeto quando não se cresce com isso. Pelo menos foi o que já me disseram antes.
— Eu nunca imaginaria isso de você. — pisquei algumas vezes. — Você sempre foi tão, sei lá, direto comigo.
— Isso era o que mais me deixava confuso, sabia? — ele me olha. — Eu não sentia essa barreira com você. Só quando você me evitava, é claro.
Eu revirei os olhos e ri fraco.
— Será que podemos superar isso? — perguntei.
— Claro, claro. — ele ri, mas fica sério após uns segundos. — Mas enfim, como eu 'tava dizendo... — Park continua. — Eu consegui dois ingressos para uma exposição que vai acontecer em uma galeria, nesse final de semana. Eu queria ter te convidado antes, mas eu não tinha certeza se iria conseguir, a Yu-mi falou com o tio dela mas...
— Espera, a Yu-mi? Kim Yu-mi? — o interrompi.
— É, longa história. — ele ri fraco. — Eu descobri que o tio dela é dono da galeria de artes de Odhen, essa cidade é realmente pequena, você sabia? — ele diz incrédulo. — É óbvio que você sabe, você mora aqui há mais tempo do que eu. — o garoto continua. — Então, eu a ajudei na festa que fomos naquele dia porque eu queria os ingressos. Eu queria ter explicado isso naquela noite mas você não me deixava falar.
Eu estava me sentindo patético. Todos os diálogos entre os dois na festa estavam fazendo sentido agora, eu senti ciúmes à toa?
— Você ajudou ela em que? — a minha curiosidade falou mais alto.
— Você vai achar engraçado, mas eu fingi ser o namorado universitário dela. — ele explica. — Tinha um ex namorado perseguindo ela em todos os lugares e eu ajudei a dar um susto nele. Ela disse que os meus piercings o deixariam intimidado.
Eu realmente gargalhei, mas então lembrei que eu estava na biblioteca e levei a mão até a boca, assustado.
— Eu não acredito que você fez um papel de bad boy por causa de um ingresso. — eu sussurrei ao me inclinar na mesa. — Isso é a última coisa que você é.
— Pelo menos eu a ajudei — ele entorta os lábios. — É sério, qual é o problema desse tipo de cara?
Sunghoon estava indignado, e com razão. Mas ele não insistiu naquele assunto. Ele voltou ao que estávamos falando antes quando perguntou:
— Mas enfim, você quer ir comigo na galeria de artes? — ele volta a batucar os dedos na mesa, o que me leva a colocar a minha mão por cima da dele para que ele parasse.
— É claro que sim. — abri um pequeno sorriso antes de provocá-lo. — Eu não recusaria o seu primeiro encontro.
Sunghoon revira os olhos.
— Certo, eu te passo mais informações por mensagem. — ele agora tinha um sorriso nos lábios. — Eu acho que você vai gostar.
Depois disso, Sunghoon finalmente conseguiu focar no livro escolhido por ele. Nós ficamos em silêncio até o final do intervalo, às vezes eu até pegava o mais velho olhando para mim, nós trocamos alguns sorrisos nesses momentos, mas não falávamos nada. Era algo confortável.
***
Eu fiquei contando os dias para o final de semana chegar. E mesmo que eu tenha passado a semana provocando Sunghoon pelo o nosso encontro, eu estava nervoso. Aquela seria a nossa primeira vez saindo juntos e publicamente, sem esconder nada de ninguém. O meu coração batia forte sempre que eu lembrava das vezes em que ele segurou a minha mão na escola. Eu não sabia que era possível se sentir nervoso até quando se tem os sentimentos retribuídos.
Sunghoon:
15:11
Galeria de Artes de Odhen, 2408. 16h.
você deve saber onde é, vou estar esperando
você na cafeteria que fica logo em frente. :)
Faltavam quinze minutos para o horário dito na mensagem. Eu observava vários carros passando pela minha frente enquanto aguardava o semáforo ficar vermelho, as ruas estavam movimentadas e várias pessoas aproveitavam o final de semana no centro da cidade, eu até conseguia ouvir algumas crianças brincando no parquinho localizado há alguns metros de onde eu estava.
Quando eu finalmente atravessei a rua, apressei os passos e continuei o meu caminho até a cafeteria onde Sunghoon disse que estaria. Mas quanto mais eu me aproximava, mais desconforto eu sentia no meu estômago. Eu era um completo idiota, sério, ficar assim por causa de alguém que eu vejo todos os dias?
Mas esse era o primeiro encontro de Sunghoon, eu precisava agir mais calmo do que ele. Eu não quero que ele se lembre disso no futuro e pense que foi um desastre, eu realmente quero que hoje seja um bom dia para ele.
E foi pensando assim que eu respirei fundo quando os meus olhos encontraram a cafeteria. Mas, em apenas um segundo, todo o meu plano foi por água abaixo quando uma figura de cabelos escuros se destacou no meio de todas as pessoas que passavam em frente ao lugar.
Ele estava lindo, o que me deixou mais nervoso ainda. Eu adorava a versão dele quando não usava o uniforme escolar. Uma camiseta preta de banda, um jeans com detalhes rasgados em um dos joelhos e, como sempre, um colar que só aparecia quando ele não estava no prédio da Wall.
Eu precisei respirar fundo mais uma vez quando me aproximei dele, que estava distraidamente olhando para o próprio celular enquanto balançava a perna.
— Procurando por mim? — perguntei baixinho, o observando se assustar de leve.
Quando percebe que sou eu, ele abre um sorriso.
— Sempre. — ele responde. — Eu ainda achava melhor termos vindo juntos.
— Mas essa é a graça dos encontros, marcar um lugar e encontrar a pessoa nele. — eu falei.
— E depois você reclama de clichês, não é? — ele ri fraco e eu o empurro o ombro dele de leve.
Tudo bem, a ideia de marcar um lugar foi minha, eu confesso. Mas eu queria que ele tivesse a experiência completa, saber que estava sendo comigo me deixava feliz.
— Vamos, são quase quatro horas e já podemos entrar. — ele diz animado e segura na minha mão, me fazendo acompanhá-lo até o outro lado da rua, que era onde ficava a galeria.
Sunghoon me explicou durante a semana que se tratava de uma exposição de artistas independentes. Eles tinham a chance de terem suas obras expostas na galeria e assim divulgavam seus trabalhos, além de conseguirem vender bastante com esse projeto.
Eu não tinha ideia de nada disso, aquele era um dos lugares que eu sentia vontade de frequentar, mas não passava de um pensamento. Sunghoon falava sobre isso de forma animada, dizendo que acompanha um dos artistas pelas redes sociais e que sentia muita vontade de ver pessoalmente. Aquilo me deixou feliz.
Quando chegamos na porta de entrada, recebi um panfleto com o mapa do lugar. Nele indicava tudo o que iríamos encontrar a partir dali, assim como também havia informações e as histórias por trás de todas as obras lá dentro.
Sunghoon entregou nossos dois ingressos na recepção, nós recebemos dois crachás de visitantes depois disso. E então, finalmente entramos de vez na galeria.
— Você já veio aqui antes? — Sunghoon pergunta quando passamos pela porta.
— Nunca, é a primeira vez. — o respondi.
— Certo. — ele sorri. — Vamos começar por ali.
Ele aponta e volta a me puxar, eu o acompanho sem hesitar.
O lugar era lindo, eu estava me perguntando o porquê de eu nunca ter visitado ele. As paredes eram de mármore e tudo aparentava ser bem antigo, igual como em museus. Em alguns lugares era possível ver obras pintadas nas paredes, tudo de forma delicada.
Quando entramos em um corredor, pudemos observar as primeiras obras de arte que estavam em destaque nas paredes, Sunghoon olhava tudo com atenção e eu também. Ele sempre fazia questão de verificar o significado de cada uma ao ler no panfleto que ganhamos na entrada. Eu estava encantado com o lugar.
Ao chegarmos no final do corredor, entramos em um saguão onde várias pessoas estavam espalhadas. Eu não era especialista em nada, mas, boa parte daquelas pessoas eram ricas. Todas se vestiam com classe e andavam com postura, parecendo totalmente delicadas.
— No que você 'tá pensando? — Sunghoon pergunta.
— Em como as pessoas aqui são ricas. — eu respondi, ouvindo o garoto rir da minha sinceridade. — Desculpa, a minha cabeça automaticamente começou a pensar em como pessoas ricas vivem em um mundo diferente do meu.
— Assim, de repente? — ele ri novamente e volta a segurar a minha mão. — São apenas pessoas sem graça e com dinheiro.
— Desde que eu tenha dinheiro, eu não me importaria de ser sem graça. — eu entortei os lábios, mas logo voltei a andar ao lado de Sunghoon, que estava rindo novamente do que eu disse.
O garoto continuou olhando para mais coisas da exposição, e foi nesse momento que eu reparei em uma estátua que estava parada bem no centro. Eu soltei a mão do mais velho, que estava distraído, e então, caminhei até ela. Antes de ver mais detalhes, comecei a procurar pelo o significado dela ao encarar o meu panfleto.
— ''A flor.'' por Lee Yeri. — a voz de Sunghoon surge atrás de mim, me fazendo dar um pequeno pulo de susto. Quando ele percebe, solta uma risada fraca e aponta no meu panfleto. — É o nome da obra.
E então eu encarei a estátua, observando que se tratava das mãos de duas pessoas. A mão número um segurava uma flor roxa, já a mão número dois, tinha os dedos envolvidos no punho da outra.
— A flor roxa é conhecida como a flor do primeiro amor. Eu acredito que o artista dessa obra quis ser o mais simples e delicado possível, exatamente como o primeiro amor acontece. — Sunghoon diz após ler as informações no papel. — É interessante, mas a obra parece instável, 'tá vendo? Uma das mãos segura o pulso da outra como se estivesse fazendo esforço 'pra manter ela em pé.
— Faz sentido, é como se o primeiro amor não fosse durar. — eu sussurrei enquanto encarava o mesmo lugar que o mais velho, mas então virei o rosto para ele. — Você já imaginou alguma obra sua em um lugar como esse?
— Já, mas é algo bem longe da minha realidade. — ele ri fraco e sai de trás de mim, se parando ao meu lado. — Eu desenho 'pra mim, nunca saiu do meu quarto.
— Quando você virar um artista famoso, eu vou estar lá para te lembrar dessa frase. — o provoquei.
— Bem, se isso acontecer, vai ser daqui há muitos anos. — ele se aproxima do meu rosto. — É bom saber que você vai estar presente até lá.
O meu coração estava errando as batidas novamente.
— Vamos procurar aquela artista que você gosta, o que acha? — eu abri um sorriso nervoso e logo puxei o garoto comigo.
Entramos em mais um corredor, o lugar era realmente enorme e várias pessoas saíam e entravam por todos os lados. No meio do caminho, nós observamos que havia uma pequena barraca localizada no final do corredor, nela poderíamos conseguir informações e comprar lembrancinhas. Uma garota baixinha estava lá dentro, ela tinha cabelos coloridos e estava usando um crachá e uniforme parecido com os de outros funcionários.
— Boa tarde. — ela diz assim que nota os nossos olhares sobre ela. — Desejam ter alguma informação?
Os meus olhos desceram até o crachá dela, e então, eu tive a confirmação de que ela realmente era estrangeira. Alice, assim era o seu nome.
— Na verdade, sim. — eu ri baixo. — Estamos procurando a obra de uma artista específica, você tem essa informação?
— Ah, é claro. — ela sorri. — Quem seria?
Eu não sabia o nome, então olhei para Sunghoon e esperei que ele falasse.
— Kim Mi-suk. — ele diz. — Você conhece?
— Ah, é claro. — ela sorri. — Muitas pessoas estavam procurando por algo dela hoje. Mas é em uma sala separada daqui, vocês precisam voltar pelo corredor e virar à direita. — ela gesticula com as mãos.
— Muito obrigado, Alice. — Sunghoon sorri para a garota, que faz uma rápida reverência para nós dois.
— Antes de irem, vocês querem comprar alguma coisa? — ela pergunta timidamente e ajeita o óculos que estava em seu rosto, o sotaque dela era fofo.
— O que você nos recomenda? — a pergunta de Sunghoon parece a deixar um pouco surpresa.
— Bem, eu não sei se vocês gostam de coisas com significados. — ela parecia animada em falar. — Mas temos esses braceletes, colares e anéis. — ela aponta para cada um na mesa. — Todos fazem parte do tema da exposição de hoje. Você pode usar com uma namorada, ou um melhor amigo. — ela sorri, mas coça a garganta quando desce o olhar até às nossas mãos entrelaçadas. — Ou namorado, é claro.
— Certo. — Sunghoon ri baixinho pela última frase. — Não tenho um namorado ainda, então eu não sei. — ele olha para mim. — Você quer comprar alguma coisa, Sunoo?
Eu queria. Os braceletes eram lindos, simples e delicados. Eu queria muito um, mas eu queria usar com Sunghoon. Droga, eu deveria comprar algo? Ou ele me acharia estranho por fazê-lo usar isso comigo sem estarmos namorando oficialmente antes?
— Eu não sei, talvez eu pense sobre isso. — eu abri um sorriso pequeno. — Podemos olhar aquele lugar antes, e então voltamos.
— Tudo bem, como você preferir. — ele sorri fraco e então olha para Alice. — Obrigado, Alice. Voltamos daqui a pouco, tudo bem?
— É claro. — ela sorri. — Vou estar esperando.
Eu agradeci e fui o primeiro a sair, ouvindo os passos de Sunghoon atrás de mim após alguns segundos. Eu fiquei tenso e sem jeito após ouvi-lo dizer que não tinha um namorado ainda, eu precisava criar coragem logo.
Mas não pensei muito sobre isso, porque quando viramos para a esquerda, como Alice nos indicou, demos de cara com uma porta e uma placa ao lado escrito ''Sala dos Espelhos, por Kim Mi-suk''.
— Como não vimos isso antes? — eu perguntei.
— Boa pergunta. — Sunghoon responde, mas não perde tempo e me leva até lá com ele.
Um segurança alto e forte estava parado ao lado da porta quando nos aproximamos, ele abaixou o óculos escuro que usava quando encarou os nossos crachás, e então, abriu a porta para que pudéssemos passar. Eu achei aquilo estranho, mas não comentei.
Assim que entrei na sala, eu levantei as sobrancelhas ao perceber que o lugar era fechado e não era tão iluminado assim. As luzes eram de led e alternavam entre vermelho e azul, em uma velocidade completamente lenta.
— Isso era 'pra ser assim? — a minha voz saiu em um sussurro.
— Eu já ouvi falar sobre isso. — ele responde. — É uma arte interativa. É um tipo de arte que envolve a participação do espectador.
— E como isso deveria funcionar?
Eu estava olhando em volta do lugar, e quando eu me virei para o mais velho novamente, Sunghoon já não estava mais ao meu lado.
— Sunghoon?! — aumentei o tom de voz.
Ele sumiu em menos de dez segundos. E só então, eu percebi que aquilo era realmente uma sala de espelhos. Era como um labirinto. Ou seja, Sunghoon não sumiu, ele simplesmente entrou no labirinto.
— Você deveria vir aqui. — a voz dele ecoa na sala. — Acho que somos os únicos aqui dentro.
— Eu vou matar você por me deixar aqui sozinho. — eu o respondi em voz alta, mas, fiz o que ele falou e entrei no labirinto.
Eu me assustei com o meu próprio reflexo.
A minha mão foi automaticamente até o meu peito quando eu dei de cara com o meu próprio rosto. Se Sunghoon visse aquela cena, provavelmente iria rir de mim. Mas ignorei esse pensamento e comecei a andar pelo meio de todos aqueles espelhos. Alguns mudavam totalmente o físico do meu corpo, me deixavam engraçado, como aqueles espelhos que geralmente encontramos em circos.
Eu não fazia ideia do significado daquela obra, eu estava confuso. Quanto mais eu andava, mais estranho eu me sentia por ver tantas versões diferentes de mim. E então, após um tempo, eu finalmente encontrei um espelho normal, mostrando a vida real. A luz do lugar não parecia me incomodar mais, e não sei se era impressão minha mas, parecia estar ficando mais claro também.
— Sunghoon, será que você poderia aparecer de uma vez? — eu falei alto mais uma vez enquanto encarava o meu próprio reflexo.
Mas eu não desisti. Um suspiro saiu por meus lábios quando eu me virei e voltei a andar. Espelhos e mais espelhos, o lugar parecia não ter saída e eu estava me arrependendo de ter entrado lá. E no meio dos meus pensamentos, eu me assustei novamente.
Um dos espelhos não mostrava o meu reflexo, ou será que eu estava ficando maluco? Isso poderia facilmente ser um sonho meu: confuso, inexplicável e com a companhia de Sunghoon. Quando eu fui tentar tocar no espelho, senti mãos quentes taparem os meus olhos, deixando tudo preto. Mas eu não me assustei, eu sabia que era ele.
— Isso não é um espelho. — ele sussurra contra o meu ouvido, mas não tira as mãos dos meus olhos. — É um pedaço de papel idêntico ao reflexo que você deveria fazer parte.
— E o quê isso tudo significa? — eu perguntei, sentindo as mãos do garoto deslizarem por meu rosto, me deixando enxergar novamente.
— Significa que nós decidimos qual será o nosso próprio reflexo, só precisamos decidir em qual lugar vamos estar. — ele diz. — Depende do ser humano.
Sunghoon ainda estava atrás de mim, então eu me virei para ele. Ele abriu um sorriso ao me olhar, ficando tão próximo que me fez encarar os lábios dele. E por um segundo, eu quase esqueci que estava irritado por ele ter me deixado sozinho.
— Por quê você sumiu? — eu empurrei o ombro dele devagar, o ouvindo rir. — E como você sabe disso?
— Eu não sumi, eu 'tava aqui. — ele sorri e enruga o nariz. — Eu sei porque eu acompanho o trabalho dela, eu sabia que você ficaria confuso e se questionaria sobre isso. — ele bagunça o meu cabelo devagar. — Foi mais divertido assim.
— Você é tão...
— Deixa eu adivinhar. Idiota? — ele ri novamente.
— Sim. — eu entortei os lábios ao falar.
— Tudo bem, me desculpa. — ele respira fundo. — Fecha os olhos.
— 'Pra você sumir de novo? — eu ri sem humor. — Não, obrigado.
— Fecha, vai. — ele insiste. — Eu não vou sumir. Prometo de dedinho. — ele levanta o dedinho da mão, conseguindo me fazer dar um leve sorriso.
E então, eu juntei o meu dedinho ao dele.
— Promessa de dedinho é algo muito sério. — sussurrei.
Eu então fiz o que ele pediu e fechei os meus olhos.
Sunghoon fez o que prometeu e não saiu de perto de mim. Diferente disso, ele pegou em um dos meus braços e o levantou na altura do rosto dele. De repente, eu senti algo passando por volta do meu pulso, algo que ficou mais apertado após um tempo. Não poderia ser, ou poderia?
— Pode abrir. — ele diz.
Quando abri os olhos, pisquei algumas vezes enquanto encarava o bracelete em meu pulso. Era uma pulseira preta com o pingente de um sol no meio. E eu não sei quanto tempo passou, mas eu fiquei olhando para ele por longos segundos antes de falar alguma coisa.
Pelo o meu silêncio, Sunghoon levantou uma das mãos e me mostrou um pequeno cartão. Nele havia outra pulseira enrolada, mas nela havia o pingente de uma lua. No papel, continha uma frase escrita:
''Não importa onde.
Nem o que estamos fazendo.
Você sempre estará lá para mim.
E eu sempre vou estar lá para você.''
— Ela disse que deveríamos usar isso com um namorado. — eu sussurrei.
— Bem, então eu acho que isso faz de você o meu namorado. — ele afasta as mãos e abre um pequeno sorriso. — Se você aceitar, é claro.
Eu o encarei sem saber como reagir, simplesmente travei. Sunghoon provavelmente percebeu, porque o sorriso dele foi diminuindo aos poucos. Nesse momento, eu soltei todo o ar que eu segurava em meus pulmões, completamente aliviado por ouvir aquelas palavras dele.
— Eu não posso usar isso. — eu tomei coragem para falar e peguei o cartão da mão dele, retirando o outro bracelete de lá. — Não sozinho, o meu namorado precisa usar também.
O sorriso de Sunghoon voltou a crescer quando eu puxei o pulso dele para mais perto de mim, e enfim, passei a pulseira por volta dele, terminando com um nó, assim como ele fez comigo.
— E agora? — Sunghoon parecia estar passando por uma mistura de sentimentos, e eu achei aquilo fofo.
— E agora o quê?
— Você é mesmo meu namorado? Simples assim? — um sorriso surge no canto dos lábios dele. — Eu preciso de uma confirmação, Kim Sunoo.
— Sim, Park Sunghoon. — eu ri baixo. — Eu sou seu namorado.
Nós dois estávamos sorrindo.
É, simples assim, eu e Sunghoon nos tornamos oficialmente namorados. Não tinha nada que eu pudesse fazer, eu estava completamente caidinho por Park Sunghoon. Sem intenções de levantar.
Para a minha surpresa, o mais velho se aproximou de mim em segundos e colou os nossos lábios em um selinho demorado. Nós passamos por várias primeiras vezes juntos naquela semana e sem esconder de ninguém, então eu estava nervoso, mas os lábios macios do garoto me acalmavam quanto a isso. Era como se aquele selinho fosse o carimbo que estava oficializando o nosso namoro, e eu gostei. Eu sempre gostava.
— Uau. — ele sussurra contra os meus lábios, me fazendo encarar os olhos dele. — Eu acho que um eclipse acabou de acontecer aqui.
Eu ri pelo nariz.
— Somos oficialmente namorados e essa é a primeira coisa que você me diz? — eu perguntei com as duas sobrancelhas arqueadas.
— Essa foi a minha tentativa de fazer uma frase conceito. — Sunghoon me olha com diversão, o que me faz rir novamente.
— Se diz frase de efeito, cara. — eu respirei fundo e neguei com a cabeça, Sunghoon me encarou feio. E então, eu me corrigi. — Namorado.
— De qualquer forma, a gente se encontrou. — ele dá de ombros, não fazendo ideia do quanto aquela pequena frase fez o meu corpo inteiro reagir.
Mas eu não deixei Sunghoon falar mais nada, eu aproximei a minha mão da nuca do mais velho e o puxei contra o meu rosto novamente, o calando com um beijo, mas um de verdade dessa vez. Realmente, naquele dia, o sol encontrou a lua.
Eu amava beijar o meu namorado.
Chapter 14: Smells Like Teen Spirit
Chapter Text
Kim Sunoo
Piratas. Eles parecem seres aterrorizantes em filmes, mas eu não sabia o quanto eles poderiam ser o dobro em sonhos onde você está consciente do que está acontecendo. E mesmo que eu estivesse assustado, ainda era divertido correr no meio de uma floresta desconhecida ao lado do garoto dos meus sonhos.
Ele segurava a minha mão firme enquanto corríamos juntos. Logo atrás de nós, três piratas nos perseguiam de forma desajeitada e nos ameaçavam porque invadimos o navio deles. Foi preciso muito esforço para despistar eles mas, quando conseguimos, nos escondemos atrás de várias pedras gigantescas.
— Você acredita em fadas?
A minha pergunta saiu enquanto o garoto ao meu lado tentava recuperar a respiração. Ambos estavam encostados na pedra, a corrida realmente foi cansativa.
— Assim, do nada? — ele vira o rosto para mim.
— Acredita? — insisti na pergunta.
— Eu não sei, é difícil não acreditar em alguma coisa quando estamos juntos. — ele entorta os lábios. — Então sim, eu acredito. Por quê?
— Porque são elas quem vão nos salvar hoje.
Quando peguei na mão dele novamente, esperei ele levantar junto a mim, e então, nós dois saímos correndo novamente.
Um pouco mais para a frente, havia uma árvore gigantesca com uma porta feita à mão. Eu encarei aquilo um pouco confuso, mas então o garoto levou a mão até a maçaneta e a abriu desastradamente.
— Entra, vai! — ele diz, e eu não contestei, apenas entrei e fui acompanhado por ele.
Quando percebi, a porta se fechou sozinha e eu levei um susto com o barulho. Eu já não estava entendendo nada, então esperei que ele me explicasse como ele sabia o caminho até aquele lugar.
— Pensei que encontraríamos fadas. — eu cruzei os braços. — Elas não iriam nos salvar?
— E nos salvaram. — ele diz, orgulhoso. — Essa árvore foi feita por elas.
— É sério? — eu arqueei as sobrancelhas, encarando o lugar delicado em que estávamos.
Cabiam os dois lá dentro, mas todo o resto das coisas foram feitas em miniaturas. Era como se fôssemos dois gigantes. Aquilo estava sendo engraçado de observar.
Mas antes que o garoto me respondesse, começamos a ouvir batidas altas contra a porta que foi fechada, me fazendo dar um pulo de susto. Pelas vozes grossas, se tratavam dos piratas.
— São eles! E agora? — eu perguntei, totalmente nervoso.
— Escuta, você vai precisar acordar. Tudo bem? — ele pega em minha mão.
— O quê? Mas eu não quero! — eu disse. — E você?
Ele respira fundo enquanto as batidas ficam cada vez mais altas. E então, ele olha para mim novamente e segura a minha mão mais forte.
— Lembra daquele filme que você falou? — ele pergunta. — O dos meninos perdidos?
— Lembro. — eu concordei com a cabeça. — Era Peter Pan.
— Então, como era a frase do filme? — ele me apressa.
— "Você conhece aquele lugar entre dormir e acordar, o lugar onde você ainda pode lembrar de sonhar? É onde eu sempre te amarei, é onde eu sempre estarei esperando." — eu repeti a exata frase que eu havia decorado para contar à ele em um dos meus sonhos.
— Então, lembra disso, tudo bem? — ele sorri. — Eu vou continuar te esperando. Mas agora você precisa acordar, Sunoo.
Eu entortei os lábios com aquilo, mas concordei com a cabeça e fechei os meus olhos. Em seguida, as batidas na porta aumentaram mais ainda e o garoto continuou apertando a minha mão até o momento em que eu despertei de mais um sonho lúcido.
⋆✦⋆
Semana da sexta-feira treze.
Popularmente conhecida como o "dia do azar". Se você for supersticioso, talvez acredite em todas aquelas histórias sobre gatos pretos, quebrar espelhos e coisas relacionadas ao dia das bruxas.
Mas o meu dia estava longe de ser considerado um dia azarado, assim como o resto da minha semana. E isso pode soar tão clichê quanto os livros na prateleira da minha sala de leitura, mas era impossível sentir qualquer coisa ruim quando eu tinha plena consciência de que estava namorando o garoto que dominava a maioria dos meus pensamentos: Park Sunghoon. Nesses últimos dias, eu descobri que falar o nome dele era uma das minhas coisas favoritas.
Mas eu ainda não estava acostumado com isso, afinal, não se passou nem uma semana desde que tudo se tornou oficial dentro daquela sala de espelhos. A única coisa que eu me lembro foi de como eu cheguei em casa depois de me despedir de Sunghoon. Era boa a sensação de finalmente me permitir sentir as coisas.
Quando eu cheguei da galeria de artes, eu não conseguia parar de sorrir, as minhas bochechas chegavam a doer por isso. E eu juro, se eu estivesse em um filme adolescente, com toda a certeza do mundo estaria tocando a música mais clichê possível quando eu me joguei de barriga para cima nas almofadas da minha sala de leitura e encarei os adesivos de estrelas que estavam espalhados pelo teto, tudo isso enquanto eu lembrava do momento em que eu me tornei o namorado de Park Sunghoon.
Eu não conseguia pensar em uma música específica, mas eu diria todas as músicas românticas do mundo. Talvez eu fosse mesmo exagerado.
HoonHoon:
07:46
bom dia, namorado
eu queria tanto faltar aula hoje
Sunoo:
07:47
namorado.......
eu ainda não me acostumei com isso,
mas bom dia!
primeiro: não podemos faltar, temos prova
e segundo: por que o seu contato tá salvo como HoonHoon DE NOVO?
HoonHoon:
07:48
então...
eu avisei que você teria que se acostumar a me chamar assim quando começasse a gostar de mim, você esqueceu?
Eu revirei os olhos com aquela mensagem. Sunghoon realmente disse aquelas palavras, isso aconteceu quando ele ainda estava naquela missão de se aproximar de mim e pediu o meu número de celular como provocação. Era engraçado pensar em como as coisas mudaram desde aquele momento.
Sunoo:
07:48
eu namoro o cara mais brega do mundo.
HoonHoon:
07:49
por favor, repete isso mais vezes
Sunoo:
07:49
que você é brega?
HoonHoon:
07:50
não, que você namora comigo
Eu pegava tanto no pé de Sunghoon, mas era óbvio o quanto eu era completamente entregue à personalidade dele. Eu adorava o jeitinho que ele nunca tinha medo de demonstrar o que sentia sobre mim, essa transparência me divertia, mas me divertia tanto que me deixava sorrindo em direção ao aparelho que eu segurava em mãos. Se eu não cuidasse, eu acabava em situações onde era pego no flagra. E foi exatamente o que aconteceu.
— Isso é um sorriso no seu rosto, filho? A essa hora da manhã? Que tipo de bicho te mordeu? — a voz da minha mãe me fez pular de susto e, só então, me lembrei da presença dela no carro.
Aquele era mais um dos dias em que ela me dava carona até a escola, a diferença era que não estava chovendo e apenas aconteceu de ela não precisar ir tão cedo para o trabalho, então decidiu me dar uma carona de última hora.
— Nenhum bicho me mordeu, mãe. — eu bloqueei a tela do meu celular e ri sem graça. — E é essa a imagem que você tem de mim? Um garoto rabugento todas as manhãs?
— Depende, Sun. — ela ri baixinho enquanto presta atenção no trânsito. — O seu humor de manhã é uma caixinha de surpresas, assim como as suas notas esse ano, não é? O senhor tem algo a me dizer?
Uma careta se formou em meus lábios no momento exato em que ela terminou de falar. Eu sempre ressaltei o quanto eu não era o aluno perfeito e apenas tirava notas que não me impedissem de terminar o ensino médio. Ela sabia disso, mas ela ainda era uma mãe e, como a maioria dos adolescentes sabem, os pais sempre puxam as orelhas dos filhos, independente da idade.
— Prometemos não falar sobre isso até as primeiras notas saírem. — eu fiz uma careta. — Mas não existe nada que você precise se preocupar, Senhorita Nabi. Esse é o meu último ano da escola e eu não pretendo repeti-lo ano que vem.
— Meu orgulho. — ela fingiu que iria apertar a minha bochecha quando afastou uma das mãos do volante e eu fiz uma careta, me encolhendo no banco do carro. — Mas você nunca me falou sobre o que quer fazer depois da escola, você já pensou sobre isso? — ela questiona de forma descontraída.
Eu senti um certo desconforto no estômago quando ouvi aquela pergunta. Eu sabia que a minha mãe tinha boas intenções com aquela conversa, mas não era algo que eu gostaria de falar às sete horas da manhã. Eu me sentia um pouco confuso sobre o meu futuro, era complicado ter apenas dezoito anos e ser "obrigado" a decidir algo que talvez, apenas talvez, te acompanhe pelo o resto da sua vida.
Talvez fosse um pouco radical eu pensar dessa forma, mas eu usaria o resto do meu tempo na escola para achar o meu propósito.
— Hoje você acordou inspirada com perguntas, não é? — eu ri fraco. — Você vai ser a primeira a saber quando eu tiver a resposta pra essa pergunta, mãe, eu prometo.
— Desculpa, eu só não 'tô preparada 'pra ver o meu menino crescer. — ela olha para mim por um rápido segundo, e foi nesse momento que eu comecei a rir. — Você já entrou naquela fase em que não me conta nada, então eu preciso perguntar.
— Você definitivamente acordou inspirada. — eu balancei a cabeça em negação, ela claramente estava fazendo drama e rindo da minha reação. — Eu continuo o mesmo, mãe.
Porém, tinha um detalhe: eu sempre contava tudo para a minha mãe, mas eu ainda não havia contado a ela sobre o meu namoro. Eu não sabia qual era a opinião de Sunghoon sobre isso, então eu estava esperando uma conversa entre nós dois antes de dar o primeiro passo.
Os meus pais sempre demonstraram dar apoio à comunidade a LGBTQIAP+, mesmo eu nunca assumindo explicitamente que eu era gay. Mas eu confesso, eu sempre tive um pouco de medo por conta do relacionamento que eu tinha com os meus avós. Eu vivia nessa insegurança constante onde eu pensava na possibilidade dos meus pais reagirem da mesma forma. Era péssimo ainda me sentir mal por algo que aconteceu quando eu era apenas uma criança.
— Vejo você mais tarde. Te amo, Sun. — a minha mãe acena enquanto eu saio do carro, ela havia estacionado logo em frente à escola.
— Também te amo. — eu fechei a porta e sorri sem mostrar os dentes, observando em seguida o carro dela se afastar aos poucos de onde eu estava, me deixando sozinho na rua.
Eu não sei por quanto tempo eu fiquei parado na rua, mas eu despertei dos meus pensamentos quando encarei a pulseira em meu pulso. O pingente de sol pendurado nela me fez sorrir, eu sempre lembrava da galeria quando olhava para o acessório que ganhei do meu namorado. No final de tudo, era só isso que me importava.
Quando eu me dei conta, eu estava caminhando pelo gramado da Wall School e seguindo até a entrada principal acompanhado de outros alunos que também estavam chegando naquele horário.
⋆✦⋆
Os meus amigos se transformavam em pessoas completamente diferentes quando estávamos em dia de prova, chegava a ser algo engraçado de observar. Geralmente, sempre que eu chegava na sala de aula, Heeseung estava em algum canto conversando com Jake, Jungwon e Jay ficavam em outro lado e, enquanto isso, Niki era o penetra da turma.
Nesse dia estava tudo diferente. Heeseung estava sentado em nossa mesa quando eu cheguei, Jake e Sunghoon também estavam em seus devidos lugares e Jay não estava nem um pouco perto de Jungwon. Mas como Yang era o garoto número um da turma, eu não me surpreendi. Quanto a Nishimura, o japonês nem apareceu por lá.
Antes que eu me sentasse no meu lugar ao lado de Lee, observei o olhar de Sunghoon direcionado até mim. Eu sorri em direção do mais velho e fiz sinal indicando que iríamos conversar depois, Park apenas afirmou com a cabeça. Eu não queria o atrapalhar antes da prova, eu descobri da pior forma que Sunghoon não conseguia se concentrar quando estudávamos juntos, ele se distraía muito fácil comigo.
— Você 'tá bem? — eu perguntei quando me sentei ao lado de Heeseung, que não tirou os olhos do próprio caderno.
— Como você consegue? — ele pergunta, me fazendo arquear as sobrancelhas.
— Consigo o quê?
— Chegar tão tranquilo assim em dia de prova, você nem pegou o caderno. — ele parecia realmente indignado e isso me fez rir fraco.
— Eu acabei de chegar, Heeseung. E eu estudei um pouco em casa. — eu balancei a cabeça, deixando o meu caderno em cima da mesa. — Eu não sou tão ruim assim em história, mas pode ter certeza que vou estar igual a todo mundo quando a prova for de química ou física. — eu fiz uma careta e balancei os ombros como se um arrepio estivesse passando por meu corpo.
— Eu só não te peço cola durante a prova porque quase me expulsaram uma vez por isso. — ele faz uma careta, me arrancando mais uma risada.
— Você vai se sair bem, não se preocupa. — eu falei, deixando algumas batidinhas contra o ombro do mais velho.
Heeseung entortou os lábios ao me encarar, descendo o olhar até o meu pulso e franzindo o cenho.
— Pulseira legal. — ele diz. — Eu acho que o Sunghoon tem uma parecida.
— Ah, é sério? — eu cocei a nuca ao perguntar, começando a folhear o meu caderno logo em seguida para disfarçar. Talvez Heeseung não fosse se dar tão bem na prova de hoje.
— Aham, eu vi mais cedo quando ele... — o garoto parou de falar, ficando em silêncio por tanto tempo que me fez virar o rosto. E quando o meu olhar encontrou o dele, o mais velho levantou o indicador em minha direção, entreabrindo os lábios, em choque. — Nem ferrando!
Heeseung falou tão alto que eu precisei puxá-lo pelo braço e levar o meu dedo até o meio dos meus lábios. Eu não me prestei a verificar se alguém da sala estava nos olhando, mas Jay, que sentava em nossa frente, virou para trás, totalmente curioso.
— Nem ferrando o quê? — Jongseong tinha um olhar curioso enquanto se apoiava na minha mesa.
— Pergunte isso ao Sunoo. — Heeseung disse, virando o rosto lentamente para mim. — O que isso significa?
Eu estava na mesma situação de alguns dias atrás, quando voltamos do acampamento e os meninos já sabiam sobre eu e Sunghoon, a diferença era que agora era oficial, eu estava namorando. Eu não tinha mais o porquê negar, também estava cansado disso, então eu respirei fundo e levantei o meu braço, mostrando a minha pulseira para Jay, que ainda não estava entendendo.
— Por que vocês estão colocando pressão no meu namorado em dia de prova? — antes que as palavras saíssem pela a minha boca, a voz de Sunghoon surgiu atrás de mim, me fazendo levantar o rosto para encará-lo.
— Seu o quê?! — Jay e Heeseung perguntam em um coro.
— Namorado, ué. — Sunghoon passou uma das mãos pelo o meu ombro e eu tentei segurar um sorriso. Eu não sabia se estava achando graça da reação dos meus amigos, ou se estava adorando ser chamado assim por ele.
— Eu sabia, sabia, sabia! — aquela foi mais uma das vezes que Heeseung se demonstrou feliz com algo relacionado a mim e Sunghoon. Talvez eu estivesse sentado de frente para o nosso fã número um. — Eu sabia que isso não ia demorar 'pra isso acontecer, vocês dois são tão óbvios, o Sunghoon parecia que ia desmaiar se não te pedisse em namoro logo.
— Isso não é verdade. — eu fiz uma careta.
Sunghoon riu, e eu acredito que foi da minha fala.
— Eu não diria isso com tanta certeza assim. — ele diz. — Se dependesse de mim, já estaríamos namorando há mais tempo.
— Ai, não. — Jay afasta as mãos da minha mesa e balança a cabeça dramaticamente. — Por favor, não sejam aqueles casais que são melosos demais em público.
Eu revirei os olhos mais uma vez, dando risada do drama de Park Jongseong.
— Eu juro, se um dia você começar a namorar o você sabe quem, eu vou pegar no seu pé a cada situação melosa demais que eu te encontrar. — eu provoquei o garoto, o observando fazer uma breve careta.
— Espera sentado, então. — ele ri sem humor, me deixando um pouco confuso.
Eu não havia pensado nisso antes, mas Jay e Jungwon possuíam uma relação um pouco confusa. Ninguém sabia ao certo o que acontecia entre eles, a resposta de Jay acabou me deixando um pouco curioso. Talvez eu devesse tentar conversar com o garoto sobre isso, mas apenas porque eu me preocupava com ele. Jongseong nunca se abria com a gente sobre aquele tipo de assunto.
— E mudando de assunto, vocês já arrumaram a roupa 'pra sexta-feira? — Jay volta a falar, agora ele tinha um pequeno sorriso no rosto. — Vão usar fantasia de casal?
— O quê tem na sexta-feira? — Sunghoon perguntou, afastando o braço de meu ombro.
— É sexta-feira 13, o Jake não te contou? — Heeseung arqueia as sobrancelhas.
— Disso eu sei, mas o que tem demais? — Park continuava sem saber do que estávamos falando.
— Eu esqueço que você ainda é novo na cidade. — eu falei, voltando a colocar o braço dele por cima do meu ombro. — A sexta-feira 13 em Odhen é como se fosse o dia 31 de outubro dos norte-americanos, mas não pedimos doces nem nada do tipo, só estou dando um exemplo. — eu expliquei. — Uma brincadeira entre adolescentes se tornou uma tradição da cidade.
A história que os pais dos meus amigos me contaram foi que tudo começou com um grupo pequeno de garotos de, no máximo, 14 anos. Há muito tempo, em uma trigésima sexta-feira de um mês, em Odhen, quatro melhores amigos saíram pelas ruas da cidade usando fantasias de seus filmes favoritos e, no final do dia, eles decidiam quem havia agradado mais o público. Os mais velhos achavam a brincadeira uma graça, por isso participavam das votações para fazer aquilo se tornar mais real para eles.
E então, a brincadeira foi se espalhando de bairro em bairro entre as crianças. Todos começaram a aguardar ansiosamente pela primeira sexta-feira 13 do ano e, conforme os anos foram passando, as coisas evoluíram mais. Nesse dia, não só as crianças, mas todos começaram a usar a criatividade ao escolher as melhores fantasias para passar uma noite inteira festejando com os amigos, a tradição passou a se tornar uma forma de celebrar e relembrar a infância. Você é quem decidia o que desejava fazer, opções não faltavam.
E com isso, eu irei citar três opções: Em primeiro, o cinema drive-in, que deu início para aqueles que gostam de um bom filme de fantasia. O filme é anunciado um mês antes para as pessoas possam se vestir a caráter e assistir os filmes com amigos e famílias de uma forma divertida, é um passatempo bem mais família.
E, então, temos a nomeada ''Chamada Mágica'', que consiste em pessoas fantasiadas que se reúnem no centro da cidade para uma competição de fantasias, exatamente como a história dos quatro amigos. Lá você também encontra inúmeras comidas típicas com um tema divertido, era legal o jeito que Odhen se tornava uma cidade mágica por uma noite.
Jay, Heeseung e Niki me fizeram participar de todas essas coisas quando eu era o garoto novo. Mas, dessa vez, eles me fizeram prometer que no nosso último ano da escola, todos participaríamos juntos da maior festa da noite. A Festa 13.
Ela não era nada parecida com a última festa que fomos, era algo bem maior do que aquilo. Era o lugar onde os jovens adultos não deixavam a diversão de lado. E essa era a primeira vez que todos nós tínhamos idade o suficiente para entrar lá dentro, exceto Riki, mas Heeseung era teimoso e, no ano anterior, prometeu que o levaria mesmo assim.
Foi isso o que eu tentei resumir para Sunghoon, que pareceu realmente interessado no que estava ouvindo.
— Nossa, por que eu só 'tô sabendo disso hoje? — o garoto soava indignado. — Eu vou matar o Jake, eu só tenho três dias 'pra conseguir uma roupa.
— Então você vai? — eu abri um sorriso ao perguntar.
— Nós vamos. — ele deu ênfase na primeira palavra. — Qual vai ser a sua fantasia?
Eu abri um sorriso ao ouvir a pergunta.
— Esqueci de citar um detalhe. — eu falei. — Temos uma regra de só revelar a fantasia no dia da festa. É mais divertido.
Sunghoon pareceu gostar de todas as informações que recebeu sobre a tradição do dia 13. E nós ficamos tão entretidos contando mais alguns detalhes, que acabamos esquecendo totalmente que teríamos uma prova no primeiro período de aula.
E foi quando o professor entrou na sala que, todos os alunos, inclusive os meus amigos, lembraram da prova. Por isso, todo o assunto se perdeu e os garotos voltaram a sentar em seus devidos lugares.
Heeseung, ainda ao meu lado, não abriu mais a boca para falar. Eu me senti completamente sozinho, e não sabia dizer se isso era bom ou ruim. Mas eu queria que aquele dia – e aquela semana – passasse rápido.
⋆✦⋆
A semana, de fato, passou rápido.
Quando eu me dei conta, era oficialmente sexta-feira e eu estava sentado no banco de trás de um Uber, à caminho da casa de Jake.
Eu observava a rua em silêncio enquanto o motorista escutava algum rock coreano bem antigo na rádio, e eu só sabia que era antigo porque lembrava de já tê-la escutado no carro dos meus pais algumas vezes.
Estava começando a escurecer quando eu saí de casa, o caminho até a residência de Jake já havia se tornado algo familiar para mim, a única coisa que ainda me assustava um pouco era o quão grandes as casas eram para aqueles lados, eu nunca cansaria de reforçar isso.
— Você vai ao cinema drive-in de hoje, rapaz? — a voz do motorista chama a minha atenção, me fazendo virar o rosto para encará-lo. — A sua fantasia está relacionada ao filme?
Por um breve momento, eu esqueci que estava usando a minha fantasia quando entrei no carro. Eu não esperava que o homem conversasse comigo, eu estava torcendo mentalmente para mantermos aquele silêncio até o final da viagem, mas não foi o que aconteceu.
— Ah, isso? — eu levei uma mão até uma das antenas em minha cabeça, abrindo um sorriso sem graça. — O senhor já assistiu Saiki Kusuo no Psi-Nan?
— Não acho que seja do meu tempo, mas é uma fantasia diferente das que já vi hoje. — ele solta uma risada, a voz dele era bem grossa.
Eu encarei o meu reflexo no retrovisor do carro no mesmo momento em que o homem parou de falar. Passei dias tentando decidir qual seria a minha fantasia, chegando à conclusão de que não havia nada melhor do que Saiki Kusuo, não era atoa que sempre me comparavam à ele em algum momento. Ou melhor: Yeonjun me comparava.
Por isso, eu uni o útil ao agradável. O cabelo rosa eu já tinha, eu só precisei de um suéter verde idêntico ao do personagem, um óculos, também esverdeado, e, enfim, duas antenas. O resultado me agradou quando eu me olhei no espelho.
Eu estava completamente caracterizado, a única coisa que faltava para completar tudo era uma gelatina de café que, infelizmente, eu não achei para comprar. De qualquer forma, eu ainda tinha curiosidade em experimentar a sobremesa favorita de Saiki Kusuo.
— O meu filho mais novo quer ir ao cinema hoje, por isso eu perguntei. Ficamos sabendo disso só agora. — o homem volta a falar enquanto dirige. — Ele não tem uma fantasia, por isso eu 'tô fazendo hora extra, quero passar em alguma loja depois e comprar algo simples à ele.
A forma que ele falou sobre o filho me fez dar um sorriso sincero. O homem parecia ser bem mais velho, mas eu não me prestaria a tentar adivinhar a idade dele. Diferente disso, eu fiquei em silêncio e peguei o meu celular, pesquisando algo em meu telefone quando observei que estávamos muito próximos da casa de Jake.
— A Viagem de Chihiro. — eu falei para o homem quando o carro estacionou no meu destino. — Segundo a internet, esse é o filme que vai passar hoje. — eu sorri novamente.
O mais velho me encarava pelo retrovisor.
— A Viagem de Chihiro? — ele pergunta pensativo, mas logo volta a sorrir. — Obrigado, garoto. Boa sexta-feira! — o homem destrava as portas do carro.
— O seu filho vai gostar do filme, é um clássico. Boa sexta-feira para você também! — o respondi, saindo do carro em seguida.
Como eu já havia feito o pagamento on-line, apenas fechei a porta ao sair. Segundos depois, mais uma vez, era apenas eu e a rua silenciosa de um dos bairros ricos de Odhen. Sunghoon foi quem me convenceu a ir até a casa de Jake para irmos juntos para a festa 13. Acredito que se eu não aceitasse, Park teria feito um slide com o título "Motivos Para Kim Sunoo Ir Até a Nossa Casa.", mas eu só aceitei porque ela ficava no caminho.
E porque eu ganharia carona de ida e volta, é claro.
Heeseung, que geralmente me acompanhava, estava responsável por Riki naquela noite, acabando por ser mais um motivo para eu estar tocando a campainha da casa dos Shim e aguardando ser atendido por qualquer pessoa.
— Sunoo! Meu Deus, eu não acredito. — Jake fala pausadamente ao abrir a porta, me assustando quando me olha da cabeça aos pés, claramente julgando a minha fantasia.. — O Yeonjun vai adorar ver isso, 'tá incrível!
— Oi 'pra você também, Jake. — eu soltei uma risada, descendo o meu olhar pela fantasia do garoto. — E você é...?
— Daniel LaRusso. Quando ele era mais novo, é claro. — ele responde, parecendo orgulhoso. — o Karatê Kid, sabe?
Jake vestia um uniforme branco do Karatê Miyagi Do, o mesmo do filme. Em sua cabeça, ele usava uma faixa da mesma cor, e ele não parecia estar usando alguma camiseta por baixo, era apenas aquele uniforme.
— Eu prefiro Cobra Kai. — o provoquei, observando o australiano revirar os olhos dramaticamente. — A fantasia combinou com você.
— Por isso você e o Sunghoon se dão tão bem, dois engraçadinhos. — ele faz uma careta e me dá espaço para entrar. — O seu namorado 'tá lá em cima, ele ainda não se vestiu. Se quiser, pode subir. — Jake aponta para as escadas, me deixando confuso. — Você já foi no quarto dele, não é?
— Pra ser sincero, eu nunca fui. — eu sorri sem graça. — Como eu chego lá?
— Terceira porta à esquerda. — ele continuava com o dedo apontado para a escada. — Passa o aviso pra ele de que vamos sair daqui a meia hora, por favor?
— Pode deixar! — eu respondi.
Jake saiu distraidamente pelo corredor enquanto mexia no próprio celular, me deixando sozinho e livre para ir até o quarto de Sunghoon. E enquanto eu subia as escadas, fiquei pensando no quão rápido o tempo estava passando. Parecia ter sido ontem que Sunghoon chegou em Odhen e nós tivemos uma pequena discussão nessa mesma casa enquanto jogávamos vídeo-game com os meninos. Hoje, eu estou aqui como o namorado dele. A vida é uma loucura, não é?
Quando eu me aproximei da terceira porta do corredor, percebi que uma música abafada estava tocando do outro lado, a porta estava entreaberta. Eu me aproximei para prestar atenção e, quando reconheci, se tratava do início de Smells Like Teen Spirit, do Nirvana. Talvez Sunghoon gostasse tanto de músicas antigas quanto o motorista do Uber, e pensar aquilo me fez rir sozinho.
O meu olhar correu pela pequena fresta que me deixava enxergar o lado de dentro do quarto e, para um quarto de hóspedes, ele era completamente a cara de Sunghoon.
Não era um quarto tão grande, mas possuía vários detalhes marcantes. O que mais me chamou a atenção foram alguns cartazes que estavam colados em cima da cama de casal do quarto. Eram cartazes de bandas antigas de rock, mas pela forma que estavam coladas, pareciam estar ali apenas para completar o quarto. Um pouco mais ao lado, você conseguia enxergar inúmeros papéis, tintas, pincéis e desenhos espalhados em cima de uma mesa da cor branca, localizada na lateral do quarto.
E então, os meus olhos pararam exatamente em Sunghoon, que estava de costas e se olhava no espelho do quarto, distraído. Ele usava uma túnica marrom e sapatos que, se eu não estivesse errado, eram botas. Ele estava de costas, então eu não conseguia dizer exatamente qual fantasia ele havia escolhido em tão pouco tempo. Eu até disse que poderíamos contar um ao outro mas, ele é Park Sunghoon, ele insistiu em fazer surpresa.
— Saiki Kusuo! Eu não acredito! Como eu não pensei nisso? — a voz de Sunghoon me assusta, ele estava me encarando pelo reflexo no espelho e tinha um sorriso nos lábios. — Quando você chegou?
— O próprio! — eu soltei uma risada, entrando de vez no quarto. — Cheguei agora, pra ser sincero.
Em segundos, Sunghoon se afasta do espelho e se aproxima de mim. Os braços do garoto envolveram a minha cintura e ele me abraçou, deixando um selinho rápido contra os meus lábios antes de falar:
— Você ficou muito gatinho de Saiki. — ele sorri, me fazendo sorrir sem graça pelo elogio e pelo selinho surpresa, mas eu gostei.
— E você ficou muito gato de... — eu parei de falar, levando a mão até o peito dele e o afastando devagar para encarar a sua fantasia dos pés à cabeça.
— Um cavaleiro Jedi, ora. — ele abre um sorriso enquanto ainda segurava a minha cintura. — O Darth Vader antes de ir para o lado negro da força. Algo que você entenderia se tivesse assistido Star Wars. — ele faz uma careta. — Mas, resumindo, essa noite eu me fantasiei de Anakin Skywalker. Gostou?
— Eu gostei. — eu falei e levei a minha mão até o rosto dele, o aproximando do meu. — Mas você continua com uma carinha de quem não mataria uma mosca.
Sunghoon entorta o nariz para mim, me fazendo rir enquanto eu ainda segurava o rosto dele.
— Quer me ajudar em uma coisa, então? — ele pergunta.
— Ajudar em quê?
Sunghoon segurou em meu braço e afastou a minha mão do rosto dele, em seguida, enquanto tinha um sorriso nos lábios, ele caminhou até a mesa que havia no quarto. Mesmo confuso, eu fiquei observando o que ele estava fazendo.
— Eu confio em você, caso contrário, eu não pediria a sua ajuda. — ele se vira para mim novamente.
— Você fala como se estivesse pedindo algo super perigoso. — eu fiz uma careta. — O que eu preciso fazer?
Sunghoon caminhou até a beira da cama dele, o garoto segurava um pincel e um pequeno pote de tinta vermelha em mãos. Com a mão livre, ele fez sinal com o dedo indicador para que eu me aproximasse dele.
E foi exatamente o que eu fiz.
— Você só precisa pintar uma cicatriz falsa nessa região ao lado do meu olho. — ele aponta com o dedo e pega o próprio celular, virando a tela para mim e mostrando uma foto de Anakin Skywalker. — É fácil.
— Será que você esqueceu que o artista desse relacionamento é você? — eu perguntei enquanto olhava para a foto no celular. — Você não consegue fazer sozinho? E se eu errar e sujar a sua cara de vermelho? Ou, sei lá, derrubar a tinta na sua roupa?
Sunghoon tinha um olhar divertido quando levou as mãos até o meu rosto e retirou os óculos que eu estava usando. Em seguida, ele deixou o celular ao lado dele na cama e me entregou tanto o pincel quanto o pote de tinta.
— Eu consigo fazer sozinho. — ele diz. — Mas eu quero que o meu namorado faça em mim, eu não posso? E você não vai derrubar tinta em ninguém, Sunoo.
Eu ri, totalmente incrédulo.
— Foi 'pra isso que você me pediu em namoro? — perguntei.
Ele não respondeu, apenas continuou sorrindo. E como eu não conseguia dizer não para Sunghoon, respirei fundo e abri o pote que eu segurava. O mais velho ajeitou a postura na cama e parecia animado quando percebeu que eu faria o que ele estava pedindo.
— Fecha os olhos. — falei, me encaixando entre as pernas dele e levando uma das minhas mãos até sua testa.
Sunghoon inclinou a cabeça para trás e fechou apenas um dos olhos. Com isso, eu levei o pequeno pincel até a tinta e molhei a pontinha dele, quase aproximando-o da pele do garoto, mas fui interrompido por sua voz.
— Você 'tá tremendo, vai conseguir? — ele sussurra, quase rindo.
— Eu não 'tô tremendo.
— 'Tá sim.
Eu respirei fundo.
— Sunghoon, se você não ficar quieto, eu juro... — eu o ameacei, mas ele estava sorrindo, como sempre. — Você é tão irritante.
— Vou parar, eu prometo. Mas vamos fazer diferente. — ele pega a tinta da minha mão e coloca ao lado dele na cama, me puxando pela mão — Vem cá.
Uma das mãos do garoto subiu até a minha cintura e, então, ele me puxou para sentar no colo dele. De primeira, eu levei um pequeno susto e engoli em seco. Em seguida, Sunghoon foi se inclinando para trás até que estivesse deitado com as costas no colchão.
— O que você 'tá fazendo? — eu perguntei.
— Ajudando você a me ajudar. — ele dá de ombros.
— Por que eu sinto que você planejou isso desde que eu entrei nesse quarto? — eu perguntei.
— Talvez sim, talvez não. Nunca saberemos. — ele ri baixinho.
Eu não contestei, Sunghoon sabia o que estava fazendo quando fechou os dois olhos dessa vez. Então, eu voltei a molhar o pincel na tinta e me inclinei para frente, respirando o mais calmo possível quando encostei a pontinha contra a pele do garoto, iniciando a linha vermelha que resultaria em uma cicatriz – bem falsa – que completaria a fantasia do mais velho.
Não ficaria perfeita, muito menos idêntica à foto que eu vi, mas eu estava fazendo o melhor que eu podia. E enquanto eu finalizava, senti que as mãos de Sunghoon estavam encostadas na região da minha cintura. Mas eu só fui reparar nesse detalhe porque a ponta dos dedos dele começaram a acariciar o local com delicadeza, chamando totalmente a minha atenção.
— Eu posso abrir os olhos agora? — ele pergunta.
— Ainda não.
Os meus lábios se curvaram em um pequeno sorriso. E por mais que naquele momento eu já tivesse terminado, eu me inclinei até a pequena mesa ao lado da cama e deixei o pincel em cima dela, voltando a ficar de frente para Sunghoon. Ele tinha uma expressão tranquila no rosto, como se realmente confiasse em mim para não fazer nada de errado com aquela tinta.
E assim, eu apoiei uma mão em cada lado do rosto dele, sentindo-as afundarem contra o colchão. O mais velho não se mexeu, mas segurou mais firmemente em minha cintura. E então, eu me inclinei o máximo que eu podia, chegando ao limite quando encostei os meus lábios contra os lábios dele. Fiquei daquele jeito por rápidos segundos e, então, me afastei devagar, ainda estando próximo de seu rosto.
— Pode abrir agora. — eu sussurrei.
Sunghoon abriu os olhos no segundo em que eu parei de falar, me dando a chance de encarar as suas íris escuras novamente.
— Eu pensei que eu fosse irritante 'pra você. — ele diz, me fazendo arquear as sobrancelhas. — Você costuma beijar pessoas irritantes, Kim Sunoo?
— Se essa pessoa irritante for você, sim. — eu revirei os olhos, tentando o meu máximo para não sorrir. — Mas até que eu gosto de beijar você. — eu dei uma pausa. — Um pouquinho.
Sunghoon riu.
— Só um pouquinho, então? — ele pergunta.
Enquanto as minhas mãos estavam apoiadas na cama, os dedos do mais velho continuavam acariciando a região da minha cintura, mas dessa vez ele estava me segurando com mais firmeza. E ficando assim, apenas um silêncio se fez presente entre nós dois após aquela pergunta, a única coisa que se escutava no quarto era a música do Nirvana que ainda tocava na caixa de som.
O garoto sorriu com diversão quando percebeu que eu estava encarando a boca dele e, então, sem hesitar, eu fiz a mesma coisa que fiz anteriormente: juntei os meus lábios aos dele.
O que começou como um selinho, se intensificou quando Sunghoon iniciou um beijo lento. E ele não tinha pressa alguma em me beijar, ele demonstrou isso quando subiu uma de suas mãos com lentidão por dentro do meu suéter, fazendo o meu corpo arrepiar com o contato de seus dedos gelados contra a minha pele.
À medida que a língua de Sunghoon deslizava contra a minha, eu segurei o lençol da cama com força, tentando ignorar o fato de que as mãos do mais velho estavam me incentivando a mexer o meu quadril em seu colo e que aquilo estava me deixando um pouco inquieto. E não era porque eu não estava gostando, e sim porque eu estava. Park Sunghoon tinha um efeito sobre mim que eu não sabia que existia.
Mas eu soltei um resmungo em meio ao beijo quando escutei a porta do quarto ser totalmente aberta de repente.
— Gente, eu sei que falei que sairíamos em meia hora mas... — Jake parou no meio da própria frase, me fazendo virar o rosto rapidamente para olhar em direção da porta. — Meu Deus.
Em um pulo de susto, eu me levantei do colo de Sunghoon e me sentei rapidamente ao lado dele na cama. Eu não sabia onde enfiar a minha cara de tanta vergonha. E quando busquei alguma reação do garoto ao meu lado, Park estava lançando um olhar de poucos amigos para o próprio melhor amigo. Tudo isso enquanto tinha uma aparência de lábios avermelhados e um cabelo levemente bagunçado.
— Jake... — eu cocei a garganta, sorrindo sem jeito. — Eu esqueci de avisar sobre o horário, foi mal.
— Eu percebi. — Jake parecia tão sem graça quanto eu. — Eu não queria atrapalhar, foi mal. — ele coça a garganta. — Mas o Yeonjun ligou e pediu para irmos mais cedo.
— Você não atrapalhou nada. — eu falei imediatamente. — Não estávamos fazendo nada demais.
— Não é o que parece, mas tudo bem. — Jake dá uma leve risada, me deixando confuso.
E então, senti Sunghoon colocar uma almofada em cima do meu colo. Quando o encarei, ele respirou fundo enquanto claramente tentava segurar uma risada. E antes que eu ficasse mais envergonhado do que eu já estava, Park começou a falar:
— Pode descer, Jake. — ele aumenta o tom de voz por conta da música no quarto. — Te encontramos lá embaixo.
— Por favor, não demorem. — o australiano implora, e ele não olhou em nossa direção quando saiu do quarto.
— Não estávamos fazendo nada demais, Sunoo? — Sunghoon pergunta em um tom sarcástico no segundo em que voltamos a ficar sozinhos no quarto.
— Eu só não sabia o que dizer, tá legal? — eu fiz uma careta.
Sunghoon riu enquanto balançava a cabeça negativamente. Em seguida, ele levantou e caminhou até o espelho do quarto, provavelmente para olhar o que eu havia desenhado em seu rosto minutos antes de sermos pegos aos beijos em cima da cama.
— Nada mal. — ele diz, se referindo à cicatriz falsa em seu rosto. — Vou pedir a sua ajuda mais vezes. — o olhar dele volta até mim. — Mas sem o Jake no final.
Eu levantei da cama em um pulo ao ouvir ele falar, deixando cair no chão o travesseiro que estava em meu colo. Sunghoon me encarou dos pés à cabeça, se divertindo com a cena.
— Eu sabia que você tinha planejado tudo isso. — eu semicerrei os olhos. — E falando no Jake, acho melhor irmos logo, não é? — eu mudei o assunto, pegando o óculos da minha fantasia e colocando em meu rosto novamente.
— Vamos, antes que o Jake surte de vez. — ele diz, caminhando até a caixa de som do quarto e desligando a música.
Eu e Sunghoon pegamos as nossas coisas depois daquele diálogo e, só então, seguimos juntos até o primeiro andar da casa. Jake estava nos esperando para confirmar a carona com Yeonjun e, enquanto isso, nós três estávamos fingindo que nada aconteceu no andar de cima.
Quando Yeonjun chegou, Beomgyu e Minjeong o acompanhavam no carro, os três estavam com fantasias combinando. Os dois garotos usavam os uniformes vermelhos de Squid Game, um com o símbolo de um círculo e o outro com um triângulo. Quanto a garota, ela estava vestida como a boneca da primeira prova da série.
⋆✦⋆
A festa 13, como sempre, estava lotada.
O local ficava em um lugar muito parecido com uma mansão, mas essa era a intenção daquele salão de festas gigantesco. A noite estava fria, o céu estava estrelado e não haviam muitas nuvens cobrindo a lua, o cenário daquela noite estava perfeito para uma boa madrugada de festa. E algo que eu gostava de fazer, mesmo que mentalmente, era julgar fantasias alheias. Mas eu não estava julgando de forma negativa, as pessoas de Odhen não estavam decepcionando em suas fantasias.
E como eu havia explicado antes, a festa que estávamos era realmente a mais famosa da noite. Estávamos há mais de 30 minutos em uma fila que parecia não acabar, e eu ainda não havia encontrado Heeseung, Riki e muito menos Jay. Eles não me deram um mísero sinal de vida.
Pelo menos não até o meu celular começar a vibrar descontroladamente em meu bolso. Mas quando eu encarei a tela do aparelho, dizia ser uma chamada de um número desconhecido. Eu geralmente não atendia ligações como essas, mas abri uma exceção dessa vez.
''Alô?'' eu coloquei o celular contra o meu ouvido, pressionando o outro com o meu indicador para abafar a música alta que saía da festa.
''Olá, Kim Sunoo. Qual é o seu filme de terror favorito?'' uma voz forçadamente rouca pergunta do outro lado da linha.
Aquela era uma frase conhecida de Pânico, uma das franquias mais famosas dos filmes de terror. Mas eu revirei os olhos quando a pessoa no telefone deu uma risada, entregando a própria identidade.
''Nishimura Riki, para de ser idiota e me passa isso, garoto!'' a voz de Heeseung surge do outro lado da linha, ficando mais alta quando ele pega o celular. ''Sunoo? Você 'tá aí?''
''Estou.'' eu soltei uma risada. ''O que acabou de acontecer aqui? E onde vocês estão?''
''O Riki 'tá achando que é o Ghostface do Pânico, ele é maluco.'' Lee responde. ''E já estamos aqui dentro, eu que deveria perguntar onde vocês estão.''
''Estamos aqui fora ainda, mas quase entrando.'' eu dei uma pausa. ''Como você conseguiu fazer o Riki entrar na festa tão fácil?''
''Como eu disse, ele acha que é o Ghostface. Você tinha que ver, ele colocou a máscara do filme e entrou disfarçadamente.'' ele ri. ''Ninguém desconfiaria de um garoto com quase dois metros de altura.''
''Eu não acredito nisso.'' eu falei, Sunghoon estava ao meu lado e me encarava com curiosidade. ''Na verdade, eu acredito sim. Mas enfim, em qual parte da festa vocês estão?''
''Vamos esperar vocês perto do bar, vocês vão saber onde é.'' ele começa a falar mais alto quando a música aumenta, parecendo estar saindo de algum lugar. ''Acabamos de sair do banheiro, vou desligar aqui, beleza?''
''Tudo bem, encontramos vocês lá.'' eu respondi alto o suficiente para ele escutar, e então, desliguei.
— Era o Heeseung? Eles já chegaram? — Sunghoon pergunta.
— Eles estão lá dentro já, vão nos esperar perto do bar. — eu respondi, guardando o meu celular novamente.
— Por favor, vamos manter as bebidas bem longe do Heeseung. — Minjeong entra na conversa. — Eu conheci ele bêbado e, por mais engraçado que tenha sido, vamos manter ele longe. — ela repete.
— Ele é um bêbado melhor do que você. — Jake a provoca, recebendo um tapa no braço. — Ei!
— Pelo menos ele não estava bêbado na ligação, já é um bom começo. — eu ri baixo.
— Eu já falei o quanto eu curti a sua fantasia, Saiki? — Yeonjun se vira para mim na fila, ele provavelmente não estava prestando atenção na conversa do grupo.
— Já, essa é a décima vez desde que eu entrei no seu carro mais cedo. — eu falei. — E você sabe que não pode beber, não é? Você 'tá dirigindo.
— Eu sei, não estou bêbado. — ele dá de ombros.
— Boa sorte, ele não vai parar de falar sobre isso. — Beomgyu deixa batidinhas contra o meu ombro, e diferente de Yeonjun, o garoto segurava uma garrafa de cerveja na mão.
Uma coisa sobre Yeonjun era que ele não precisava de bebidas para se divertir, muito menos para se soltar em festas, aquela já era a personalidade dele. Mas todos ali sabiam que, se ele pudesse, ele estaria bebendo.
— Era mesmo necessário trazer esse sabre de luz? — Yeonjun pergunta para Sunghoon.
— Faz parte da fantasia. — Sunghoon aponta o sabre de luz azul que segurava em direção do primo de Jake. — Igual essa sua arma falsa aí. — ele faz uma careta.
— Acho que os próximos somos nós. — Sunghoon aponta para a entrada da festa, mostrando que estavam começando a liberar a entrada de mais pessoas.
E a partir daquele momento, a experiência que tanto esperamos, começou.
Eu não havia mencionado, mas as pessoas só descobriam o tema da festa 13 ao entrarem nela. E quando todos passamos pela porta, descobrimos que o tema daquele ano era a Terra do Nunca. Um sorriso cresceu em meu rosto quando eu encarei a decoração, principalmente quando eu encarei o chão e não consegui enxergar os meus pés. Haviam projetores de fumaça espalhados na entrada que davam a impressão de que você estava pisando em nuvens.
— Caralho. — é a única coisa que Sunghoon diz, segurando a minha mão no mesmo momento. — Nós vamos, com certeza, conhecer todos os andares dessa festa.
— Essa é a minha intenção também. — eu ri baixo.
Depois de passarmos por aquele local, o caminho deu diretamente até a pista principal da festa. A mansão, iluminada por luzes verdes, possuía três andares. As escadas que nos levavam até cada um estavam cobertas por cipós, pareciam terem sido feitas com eles, mas era apenas a decoração.
Eu e meus amigos continuamos caminhando pelo espaço da festa, e quanto mais eu andava, mais fantasias diferentes eu reconhecia. Cheguei até a ver um garoto com uma fantasia do Peter Pan, ele parecia feliz em ter acertado o tema da festa, tão feliz que estava dançando em cima de uma mesa enquanto uma garota vestida de Sininho batia o pé no chão, implorando para ele descer. Eu ri ao ver aquela cena.
E então, curiosamente, os meus olhos começaram a procurar pelo bar citado por Heeseung mais cedo. Eram tantas pessoas no local que eu me sentia um pouco perdido, mas então, do outro lado da festa, eu avistei um local bastante iluminado. O bar da festa também era temático e estava sendo servido por garçons fantasiados de piratas. E nós fomos até lá.
Sunghoon soltou a minha mão quando chegamos no bar, e assim eu comecei a procurar por Heeseung, levantando o meu pescoço para tentar enxergar melhor. E enquanto eu procurava, soltei um leve grito de susto no momento em que virei o meu rosto e dei de cara com uma pessoa mascarada. Eu fui pego totalmente de surpresa.
— Riki, seu filho da... — eu parei de falar quando o garoto retirou a máscara de Ghostface que estava usando, gargalhando como nunca havia feito antes.
— Você tinha que ver a sua cara, Sunoo. — ele apoia uma mão em meu ombro enquanto parava de rir. — Hilário.
— Cara, você não cansa? — Heeseung surge atrás de Riki e tem a mesma reação que as outras pessoas quando olha para mim. — Não acredito! Saiki Kusuo? — ele olha para a minha fantasia e abre um sorriso. — Eu devia ter adivinhado.
— Isso é Matrix? — Sunghoon se intromete na conversa e pergunta para Lee.
Heeseung estava tão legal quanto esteve nas últimas sextas-feiras 13. Ele usava uma roupa toda preta: óculos escuros, um casaco que quase chegava aos pés, botas e até as calças. Além disso, em volta de sua coxa, ele usava um cinto amarrado com uma arma de brinquedo pendurada. Ele definitivamente estava fantasiado de Neo, o personagem principal de Matrix.
— Gostaram? — ele levanta os braços e dá uma voltinha.
— Eu gostei. — Jake diz, fazendo Heeseung sorrir orgulhoso de si. — Vai fazer sucesso na festa.
— Se não fosse essa arma, eu diria que você era um padre. — Riki solta uma risada.
— Pelo amor de Deus. — Heeseung dá um peteleco no japonês, que resmunga dramaticamente. — Cadê o Jay nessas horas?
— É verdade, o Jay e o Jungwon não vieram? — Jake questiona. — Cadê eles?
— Eu 'tô aqui. — a voz de Jay surge atrás de mim, me fazendo dar mais um pulo de susto.
A festa do dia havia mudado de nome, agora ela se chamava ''Sexta-feira de Assustar o Sunoo.''
Jay segurava duas bebidas em mãos, uma delas ele entregou para Riki ao passar por mim. E com uma visão completa do garoto, pude notar que estava usando um uniforme de voleibol da cor laranja e preto, o número de sua camisa era o 9. Com certeza, ele estava fantasiado de Tobio Kageyama, de Haikyuu.
— Eu fui pegar bebida. — ele levanta o copo dele quando percebe o olhar de todos em cima dele. — Do que vocês estão falando?
— De você e do Jungwon. — Jake diz, parecendo um pouco curioso sobre o outro garoto. — O Jungwon não chegou ainda?
— Como eu vou saber? — Jay dá de ombros e toma um gole do que tinha em seu copo. — Não o vi hoje.
Eu, Heeseung e Riki trocamos olhares depois da resposta de Jay. Estávamos com ele há muito mais tempo do que os outros, era óbvio que tinha algo errado. Eu já vinha notando isso há alguns dias.
— O Jungwon veio, eu vi ele. — Heeseung coça a garganta, respondendo à Jake. — Ele 'tava com os amigos da irmã dele. Talvez esteja cuidando para que, você sabe, ela não faça nada de errado.
Jake pareceu arrependido de ter perguntado, afinal, ele sabia exatamente o que Jang-Mi costumava fazer ''de errado'', ele fazia parte disso. Mas já fazia semanas que o australiano se esforçava para se acertar com Jungwon, não tinha um dia que ele não demonstrava isso.
— Seguinte, galera. — Yeonjun aumenta o tom de voz, cortando totalmente o nosso assunto e o possível climão. — Nós vamos procurar os nossos amigos e deixar que vocês resolvam esse drama de ensino médio, ou seja lá o que isso for. — ele dá uma pausa e encara cada um na pequena roda formada. — Não façam nada que eu faria, beleza?
— Não seria ''não façam nada que eu não faria''? — Riki pergunta.
— Não. — ele pisca para Riki. — É não façam nada que eu faria, mesmo.
Depois disso, Yeonjun, Beomgyu e Minjeong sumiram da festa após pegarem algumas bebidas. Pelo menos o primo de Jake estava mantendo a promessa de não beber nada alcoólico naquela noite.
A pequena roda continuou formada em frente ao bar. Todos se encaravam em silêncio enquanto o instrumental de uma música tocava ao fundo, era um som contagiante de um solo de guitarra que eu não estava reconhecendo. E então, Heeseung deu a primeira iniciativa quando chamou a atenção de todos e falou:
— Vamos começar essa festa ou vocês vão ficar parados aí? — ele pega a bebida da mão de Jay e dá um gole nela. — Eu não me fantasiei atoa.
⋆✦⋆
Como eu não era tão forte assim com bebidas, acompanhei os meus amigos em tudo o que estavam fazendo, mas sempre bebendo moderadamente. Para começar, nós subimos até o segundo andar da festa. E sendo bem sincero, era muito mais divertido do que o primeiro andar. O lugar parecia um fliperama, mas todos os jogos eram temáticos e muito antigos.
Jay e Riki estavam de frente para um arcade, ambos se enfrentando em uma partida de Mortal Kombat. Riki gritava animado enquanto derrotava Jay, que o xingava a cada dez segundos por estar indo contra todas as regras do jogo, se é que era possível.
Heeseung e eu estávamos assistindo aquela cena diretamente de uma bancada um pouco mais afastada, já Jake e Sunghoon permaneciam ao nosso lado em uma competição de quem conseguia beber mais shots que trouxeram do andar de baixo. Eu não sabia para qual lugar olhar, mas a situação toda era completamente caótica.
— Como se sente? — Jake pergunta para Sunghoon.
— Só um pouco tonto. — Park responde ao virar mais um shot.
— Um pouco tonto? 'Cê tá brincando? — Heeseung se revolta. — Você bebeu vários shots, como só sente isso?
— Eu sou mais tolerante do que vocês. — Sunghoon sorri orgulhosamente. — Por quê? Quer me desafiar?
— Ele não quer, fica tranquilo. — eu me virei para ele. — Você vai ficar bêbado desse jeito, Sunghoon.
— Você vai cuidar de mim se eu ficar? — ele desliza o corpo na bancada do bar e se aproxima de mim com um sorriso nos lábios.
— Não vou. — menti.
— Poxa, gatinho. — ele faz um pequeno bico e se desencosta da bancada, ficando de pé em minha frente.
— Gatinho? — eu arqueei as sobrancelhas.
Aquele apelido era novo para mim, por isso eu estranhei ao repeti-lo.
— Sim. — ele leva a mão até o meu queixo e levanta o meu rosto para ele. — Eu ainda não achei um apelido 'pra você.
— Eu acho que a sua bebida 'tá começando a fazer efeito, sabia? — eu curvei os lábios em um pequeno sorriso, focando o meu olhar no rosto dele.
— Acho que você vai precisar cuidar de mim, então. — ele se aproxima do meu rosto para me dar um selinho, e eu até iria deixar, mas fomos interrompidos.
Jake e Heeseung começaram a tossir forçadamente para chamar a nossa atenção.
— Pensei que estávamos em uma competição aqui, cara. — Jake balança o copo que segurava. — Será que vocês dois podem se desgrudar por um segundo?
— Por favor. — Heeseung diz. — Vocês sabem que eu sou muito a favor do namoro de vocês, mas eu não quero segurar vela.
— Então procurem alguém, ora. — Sunghoon faz uma careta e passa um dos braços por meu ombro. — Estamos em uma festa, isso não é difícil.
— Ou façam companhia um ao outro. — os provoquei com um sorriso nos lábios.
Jake e Heeseung se olharam, mas Jake quebrou o contato ao beber mais um shot.
— Não vamos fazer companhia pra ninguém. — Heeseung faz uma careta e pega o copo da mão de Jaeyun, em seguida, ele segura a garrafa de vodca que estava em cima da bancada e enche o copo, fazendo uma careta quando bebe tudo de uma vez. — Vamos, Jake. Eu continuo essa competição.
— Nem vem, eu quero continuar. — Sunghoon faz uma careta.
— Vamos fazer assim, então. — Jake começa a falar. — Eu e o Heeseung contra vocês dois.
— E como isso funcionaria? — eu perguntei. — Não que eu vá participar, é claro.
— Quem desistir primeiro, perde. — Jake dá de ombros. — Simples.
— Quem ficar bêbado primeiro, você diz? — eu entortei os lábios.
— Basicamente isso. — Jake ri.
Eu costumava me achar uma pessoa muito chata por sempre fugir de jogos que envolvessem bebidas, mas eu sempre acabava em situações onde eu precisava jogar. E eu não odiava a ideia de estar bêbado, mas eu odiava o dia seguinte, a ressaca, lembranças de humilhações e coisas relacionadas a isso. Mas eu também odiava ser o estraga prazeres em festas, por isso fiquei pensativo sobre aquele jogo.
— Você não precisa jogar se não quiser. Sabe disso, né? — Sunghoon se aproxima e sussurra em meu ouvido.
— Eu sei. — eu sorri fraco. — Mas tudo bem, eu jogo.
— Tem certeza? — ele levanta as sobrancelhas.
— Tenho. — eu torci o nariz, recebendo um sorriso do mais velho.
— Tudo bem.
⋆✦⋆
Sunghoon não me deixou beber.
Para ser justo, Heeseung desistiu de participar também. Então continuamos como telespectadores sem bebidas.
Já o meu namorado, como esperado, estava longe de estar sóbrio, eu fiquei ciente disso desde o momento em que ele me chamou por um apelido novo. Mas mesmo – não – sóbrio, ele insistiu que eu não podia beber e que aquilo me faria mal. Um pouco irônico, eu diria.
Jake e Sunghoon estavam empenhados e competitivos naquela noite, eu nunca tinha presenciado aquele lado da amizade deles. Mas se eu fosse parar para pensar, era óbvio que ninguém ali realmente conhecia a amizade dos dois.
Primeiro, eles moravam juntos, aquilo já dizia muita coisa. E segundo, a família Shim confiava em Park, caso contrário, não dariam deixariam ele morar debaixo de seu teto. Jake era como o irmão que Sunghoon nunca teve e vice-versa. Eles tinham uma relação única.
Riki e Jay se juntaram à nós depois de desistirem dos jogos, e naquele momento, nós estávamos reunidos novamente, dessa vez no primeiro andar da festa. Estávamos observando Jake e Sunghoon gritando o refrão de Livin' On a Prayer do Bon Jovi um para o outro. Heeseung estava filmando tudo com o celular.
— Pronto. — Heeseung diz ao meu lado, bloqueando o aparelho que tinha em mãos. — Já tenho o conteúdo suficiente 'pra usar a meu favor. Agora podemos parar eles.
— Você é ridículo. — eu soltei uma risada, voltando a olhar para eles.
Ao mesmo tempo que estava sendo engraçado vê-los bêbados, eu estava preocupado com o rumo que aquilo poderia levar. Muitas pessoas dançavam em volta, e além disso, um grupo de garotos estavam olhando torto para Jake depois que o australiano esbarrou e derrubou o copo de um deles.
Por isso, quando outra música começou, Heeseung foi tentar chamar o australiano. Enquanto isso, eu me aproximei de onde Sunghoon estava na pista e levei a minha mão até o ombro dele, o virando para mim.
— Essa música é legal, não é? — eu perguntei. — Que tal você dançar comigo agora?
O garoto riu exageradamente.
— Dançar com você? — ele entorta os lábios, me olhando de cima a baixo. — Não quero, valeu.
As minhas sobrancelhas se levantaram.
— E por que não? — a minha voz sai firme.
— Eu tenho namorado, não tenho interesse em dançar com alguém que não seja ele. — Sunghoon arruma a postura. — E ele estranhamente se parece muito com você. — a confusão em seu tom de voz quase me faz acreditar em suas palavras, principalmente quando ele leva a mão até o meu rosto e aperta as minhas bochechas. — Muito estranho.
— Eu sou o seu namorado, seu idiota. — falei aquilo com um pouco de dificuldade por conta da mão dele em meu rosto, não sabendo se achava aquilo fofo ou preocupante. — Você 'tá muito bêbado.
— Você? Meu namorado? — ele semicerra os olhos e se inclina em minha direção. — Você não é o meu Sunoo.
"Meu Sunoo."
Eu até acharia aquilo fofo, mas o meu foco no momento era lidar com o garoto em minha frente.
— Não sou, é? — eu afastei a mão dele do meu rosto. — Me desculpa, então. Eu não deveria estar falando com um garoto comprometido. — falei aquilo com o tom mais irônico que eu conseguia.
Quando eu estava prestes a me afastar dele, senti o meu braço ser puxado.
— Espera, será que você pode me ajudar a encontrar o meu namorado? — os olhos dele estavam brilhando ao perguntar aquilo, mas porque ele estava bêbado.
Já não bastava eu ter levando um fora do meu próprio namorado, ele também estava me usando para achar o namorado perdido dele que, curiosamente, se parecia muito comigo.
— Tudo bem, eu te ajudo. — o respondi, recebendo um sorriso dele. Em seguida, eu o fiz segurar o sabre de luz que eu cuidava para ele, o puxando pela mão livre. — Anda, vem comigo.
Eu descobri uma coisa naquela noite: Park Sunghoon era menos teimoso quando estava bêbado. Ele não contestou e apenas me seguiu em silêncio até onde os nossos amigos estavam, Jake e Heeseung já estavam com Jay e Riki.
— Jake, eu não falo inglês. — Heeseung parecia um pouco confuso enquanto segurava os ombros do australiano, Jake estava sentado na bancada do bar e bebia uma garrafa de água. — Estamos na Coréia, não na Austrália. — Heeseung vira o rosto para mim. — Sunoo, me ajuda aqui.
Aparentemente, Shim era o tipo de pessoa que começava a falar em outra língua quando estava bêbado.
— Pelo menos você não acabou de levar um fora do seu próprio namorado. — eu entortei os lábios, recebendo um olhar confuso de todos os meus amigos.. — Enfim, esquece. — eu neguei com a cabeça. — O que o Jake 'tá tentando falar? Talvez eu entenda algo.
— É isso que queremos saber. — Riki me entrega uma garrafa de água e eu a repasso para Sunghoon, que aceita em silêncio e começa a beber. — Mas acho que ele só está soltando palavras aleatórias em inglês. Pela minha experiência com jogos online, nada do que ele falou fez sentido.
— Eu sou fluente em inglês. — Sunghoon levanta o braço, sorrindo com confiança.
— Você é? — Heeseung junta as sobrancelhas.
Com ainda mais confiança, Sunghoon respira fundo e fala:
— The book is on the table.
Todos se encaram sem falar uma palavra, e então, começam a rir. Park dá de ombros e volta a beber água.
— É mesmo, o seu inglês é muito bom, HoonHoon. — eu ironizei o apelido enquanto deixava leves batidinhas contra as costas dele, sabendo que ele provavelmente não se lembraria daquilo no dia seguinte.
— A Yeji? — Jake resmunga de repente, chamando a atenção de todos.
— Pronto, agora ele 'tá delirando também. — Heeseung começa a rir, mas logo fecha a cara quando segue o olhar de Jake pela festa e dá de cara com uma figura feminina que caminhava em nossa direção. — Cara, aquela é a Yuna.
Ninguém continuou o assunto anterior, apenas ficamos parados tentando entender se ela estava mesmo vindo falar com a gente. Já Riki, que estava encostado na bancada do bar, abaixou a máscara do Ghostface em seu rosto e se escondeu.
Yuna usava um vestido branco e tinha os cabelos azulados, além disso, estava com uma maquiagem bastante marcada em seu rosto, principalmente em seus olhos. Em sua cabeça, ela usava um véu, e quando ela se aproximou o suficiente, deixou claro que estava fantasiada de Noiva Cadáver. Uma noiva bastante apressada.
— Sunoo. — ela tinha o olhar perdido, parecia tão confusa quanto todos nós. — Eu entendi tudo errado. Droga. — ela respira fundo. — Vocês podem vir comigo?
— Yuna? — eu arqueei as sobrancelhas. — O que você quer dizer com isso? Ir até onde? Não sabia que você estava aqui.
— O Jungwon e a Yeji. — ela diz, ignorando as minhas outras falas. — Eles estão no terraço com a Jang-Mi. É sério, o Jungwon 'tá muito irritado por causa da irmã dele.
— Isso é mais algum joguinho da sua amiga? — Jay levanta de onde estava e se aproxima. — O que ela 'tá fazendo com o Jungwon?
— Joguinho? — ela arqueia as sobrancelhas. — Nunca teve joguinho algum. E é por isso que vocês precisam vir comigo.
— E por que a gente confiaria em você? — Heeseung cruza os braços, ficando na frente de Jake e encarando a garota.
— Tudo bem, vocês não precisam confiar em mim. — ela respira fundo. — Mas se o amigo de vocês for importante, venham comigo.
Yuna não espera por respostas, apenas se vira e volta pelo mesmo lugar que veio, esbarrando em várias pessoas enquanto caminha em direção das escadas da festa.
Eu e os meninos trocamos olhares confusos com aquela situação repentina. Jake e Sunghoon eram os menos atentos ao que acontecia e eu não sabia se me sentia aliviado ou não por isso. Se Sunghoon estivesse sóbrio, ele provavelmente diria que não confiava em Yuna, como sempre fazia. Mas ele apenas segurava a minha mão com força quando Jay foi quem deu o primeiro passo.
— Que saco, não acredito que vou fazer isso. — Jay diz, não perdendo tempo e sumindo em meio às pessoas quando se apressa e vai atrás de Yuna.
— Vamos logo. E você também. — Heeseung puxa Jake com ele.
— Eu acho que já vi essa cena antes e eu não gostei do final. — Riki diz, respirando fundo por baixo da máscara que usava e jogando a cabeça para trás antes de ir atrás dos meninos.
Com isso, fiquei sozinho com Sunghoon. Ele parecia confuso com toda aquela conversa, mas não deixou de sorrir quando olhou para mim como se eu fosse a única coisa que ele enxergava na festa, não se importando com nada do que estava acontecendo.
— Você quer dançar? — ele pergunta, me fazendo arquear as sobrancelhas.
— Agora eu voltei a ser o seu namorado? — eu cruzei os braços. — Você ouviu o que acabou de acontecer aqui? Ou prestou atenção?
— Não. — ele pisca algumas vezes, assustado. — O que aconteceu?
Eu respirei tão fundo quanto Riki havia feito antes de ir atrás dos meninos. Mas não respondi a pergunta do mais velho, apenas peguei em sua mão novamente e o puxei comigo pelo meio da festa. Quando chegamos no meio da pista, tive a rápida visão dos meus amigos subindo pelas escadas, então apressei os meus passos até ela. Eu não queria perder o que estava acontecendo lá em cima.
O segundo andar continuava agitado, mas dessa vez mais pessoas estavam reunidas em volta de um arcade enquanto duas garotas se enfrentavam em um jogo. Eu não fiquei no segundo andar por muito tempo, então não pude me certificar de qual jogo se tratava, apenas continuei subindo as escadas.
Chegando no terceiro andar, automaticamente comecei a tossir quando entrei em contato com o cheiro forte de fumaça que estava presente no lugar. Era cheiro de maconha. Eu nunca experimentei esse tipo de coisa, mas não era um cheiro difícil de se reconhecer quando se está no último ano do ensino médio e vai em festas como essas. Sempre teria um lugar com pessoas fumando juntas e aproveitando a festa como desejam, o terceiro andar foi o escolhido da noite.
Eu queria muito sair dali logo, então segurei a mão de Sunghoon com mais força e o puxei comigo até a escada que dava até o terraço. Não era uma escada tão longa assim, então chegamos em frente à porta em poucos segundos, mas por conta da música alta da festa não dava para escutar absolutamente nada do outro lado.
— Por que você 'tá sorrindo? — eu perguntei para Sunghoon quando segurei na maçaneta da porta, me preparando para abri-la.
— Porque você me trouxe até aqui. — ele diz. — Se você queria ficar a sós comigo, era só me falar.
— Sunghoon. — eu respirei fundo e afastei a mão da maçaneta, segurando o rosto dele com as minhas duas mãos antes de aproximar o rosto dele do meu. — Você é o bêbado mais sem sentido que eu já conheci e eu ainda gosto muito de você. — eu continuei. — Mas você pode me fazer um favor?
— O que você quiser. — ele sorri, descendo o olhar até a minha boca.
— Fica de boquinha fechada. — eu sorri para ele. — Só um pouquinho.
Sunghoon pareceu decepcionado, mas de um jeito muito fofo. Por esse motivo, eu não aguentei e puxei o rosto dele mais uma vez, deixando um selinho rápido contra os lábios do garoto, observando um sorriso crescer nele.
— Vou ficar quieto, prometo. — ele leva os dois indicadores até os lábios e faz um ''X'' com os dedos.
— Obrigado, gatinho. — enfatizei a última palavra.
E enfim, eu voltei a segurar a maçaneta e abri a porta de uma só vez.
Eu senti as minhas bochechas ficarem geladas quando o vento da madrugada me pegou de surpresa. O terraço era lindo e todo iluminado, mas não me parecia ser permitido estar lá. Eu notei isso quando vi uma placa com a seguinte frase: ''Aviso: Somente entrada de funcionários.''
Mas a minha segunda surpresa da noite, foi quando eu ouvi vozes um pouco alteradas demais. E antes que eu tomasse uma atitude de seguir o barulho, senti o meu braço ser puxado por alguém, levando o meu terceiro susto da noite quando encarei Yuna, a noiva cadáver da festa. Ela tinha o dedo indicador em frente aos lábios, pedindo silêncio.
— Os meninos estão comigo, vem cá. — ela sussurra para mim e Sunghoon, apontando com a cabeça para outra direção.
Eu e Park trocamos olhares, e como não tínhamos tempo para pensar, seguimos a garota até o outro lado. Quando percebi, todos os meus amigos estavam reunidos atrás de um pequeno muro que dava acesso à maior parte do terraço. Eu realmente não estava entendendo mais nada.
Não até eu escutar o meu nome no meio de uma conversa que todos estavam escutando antes de mim. Heeseung, Jay, Riki estavam abaixados enquanto tentavam enxergar do outro lado, enquanto Jake estava sentado no chão com as duas mãos apoiadas ao lado do corpo.
— O seu amigo, o Sunoo, ele sempre soube. — uma voz feminina diz, receosa — Eu esperei semanas pra ter a certeza de que ele contaria ao Jungwon, mas ele não contou. — ela respira fundo. — Então eu não tive outra opção além de eu mesma vazar aquelas fotos com o Jake.
— Espera. — a voz de Jungwon demonstrava confusão. — Foi você quem vazou aquelas fotos, Jang-Mi?
Não era só Jungwon quem estava confuso, eu também estava. E ao olhar para os meus amigos e para Yuna, percebi que eu não era o único. Completamente em choque com a informação, eu me inclinei por trás do pequeno muro e tentei enxergar a situação toda, tendo a imagem de Jungwon, Jang-Mi e Yeji parados um de frente para o outro no meio do terraço. O garoto estava fantasiado de Harry Potter, Yeji de Draculaura e Jang-Mi vestia algo que eu diria ser uma fantasia de fada, mas eu não tinha certeza.
— Sim, Jungwon. — Jang-Mi levanta os braços, claramente sob efeito de álcool. — Eu vazei aquelas fotos, feliz em saber?
— Você vazou aquilo? — Yeji aumenta o tom de voz, dá um passo para frente e tenta se aproximar da mais nova, mas é interrompida por Jungwon.
De todas as vezes que eu vi Jungwon reagindo a toda aquela situação envolvendo a irmã dele, aquela foi a primeira vez que eu o vi sem saber o que fazer. Ele parecia não acreditar em nada do que estava ouvindo.
— Você 'tá me dizendo que vazou aquelas suas fotos com o Jake de propósito? — ele pergunta mais uma vez. — E 'tá me dizendo que arrumou mais problemas com os nossos pais de propósito? — ele dá uma pausa. — Se isso for verdade, você tem noção do quão sério isso é, Jang-Mi?
Jang-Mi parecia estar querendo fugir de toda aquela situação, o seu rosto entregava o quão envergonhada ela estava em ter que admitir aquilo para o próprio irmão.
— Você só repetiu o que eu disse. — Jang-Mi desvia o olhar. — Mas sim, eu fiz tudo isso, Jungwon.
— Então esse tempo inteiro você fez todo mundo duvidar de mim, inclusive a minha melhor amiga, quando a errada dessa história sempre foi você? — Yeji aumenta o tom de voz e ri sem humor algum, empurrando o braço de Jungwon e se aproximando da garota novamente. — Você é maluca?
Um silêncio se instala até o momento em que Jang-Mi levanta o rosto e encara Yeji.
— Você e a sua amiga sempre agiram como se o mundo girasse em sua volta. — ela responde rápido. — Era sempre a ''Yeji e a Yuna'', vocês nunca ligaram 'pra mim de verdade. — Jang-Mi continua. — Sem tirar que ninguém reparava em mim quando vocês estavam por perto, eu me sentia deixada de lado.
— Você 'tá dizendo que nunca ligamos 'pra você? — Yeji soa irritada mais uma vez. — Nós te ajudamos todas as vezes que o seu pai tentou te levar embora de Odhen, Jang-Mi. Isso é ridículo, foi você quem fez eu me ferrar com os meus pais no dia seguinte da festa em que todas nós ficamos bêbadas, e depois disso ficou com o Jake antes dele voltar 'pra Austrália. — ela ri, sem acreditar. — Você deveria ter falado que desse jeito ao invés de agir como uma garotinha infantil. — ela fala a última frase com desprezo — E eu não vou poupar as minhas palavras só porque o seu irmão 'tá aqui, mas porra, você esperava que fosse te tratar bem depois de você se afastar do nada e beijar o garoto que eu gostava?
Jungwon não interferiu dessa vez, apenas permaneceu de braços cruzados, dando mais abertura para que Yeji continuasse.
— Você ficou com o Jake só 'pra me afetar, não é? — a garota de mechas rosas pergunta.
Nenhuma resposta.
— Foi o que eu pensei. — Yeji balança a cabeça negativamente. — Eu espero que tenha valido a pena receber essa atenção que você tanto desejava. Mas também espero que você saiba que, no final do dia, você vai continuar sozinha.
A garota não diz mais nada, apenas se vira para ir embora. Jang-Mi continuava em silêncio, encarando um ponto específico no chão enquanto Yeji caminhava até a saída. E foi nesse momento que todos os meus amigos entraram em pânico, porém, a garota não estava indo embora.
— Eu sei que vocês estão aí atrás. — a voz de Yeji nos assusta mais uma vez. — Já podem sair.
Yuna é a primeira a aparecer por trás do muro, a garota tinha um sorriso sem graça no rosto mas saiu de trás do muro e caminhou devagar até a amiga. Em seguida, todos os meninos fizeram o mesmo, inclusive Jake, que parecia estar mais sóbrio desde que ouviu o nome ser citado naquela conversa toda.
Jungwon continuava sem reação mesmo com a presença de todos, o garoto não falou uma palavra sequer quando nos viu. Diferente disso, ele agiu como se ninguém estivesse lá quando finalmente se virou para a própria irmã e falou:
— Vou perguntar mais uma vez. — Jungwon trava o maxilar. — Você fez tudo isso mesmo sabendo que poderia ser levada 'pra longe de mim de novo?
Jang-Mi respirou fundo dessa vez e levou as mãos até o rosto, bagunçando o próprio cabelo de frustração antes de responder a pergunta do garoto.
— Eu sempre vivi sendo deixada, Jungwon. As únicas vezes que o nosso pai me dava atenção eram em momentos como esses. — ela aumenta o tom de voz. — Ele nunca se importou com os meus sentimentos, ninguém perguntava como eu estava me sentindo com toda essa história de precisar me ''comportar'' 'pra continuar morando em Odhen. — de repente, ela estava limpando uma lágrima da própria bochecha. — Eu não sou a droga de uma boneca que as pessoas podem simplesmente descartar. E era assim que eu me sentia em todo lugar, eu só fiz tudo isso porque eu também queria que as pessoas reparassem em mim, e era terrível me sentir assim até na escola.
— E por que você nunca falou nada disso 'pra mim? — Jungwon questiona, parecendo confuso e decepcionado com todas aquelas informações. — Isso não justifica nada, Jang-Mi. Você simplesmente decidiu afetar o relacionamento de um monte de pessoas porque não soube lidar com os seus sentimentos?
— É fácil falar isso quando você é o filho perfeito, Jungwon. — ela ri sem humor. — E foi por isso que eu nunca te falei nada, você não me entenderia.
Jungwon ficou em silêncio ao ouvir aquilo. Eu não tinha ideia do que estava se passando pela cabeça dele, mas pareceu que as palavras da Yang mais nova o afetaram de alguma forma.
— Eu não sou o filho perfeito. — ele diz. — Nunca vou ser. — Jungwon trava o maxilar e respira fundo. Em seguida, ele caminha até a irmã e a segura pelo pulso. — Vem, nós vamos 'pra casa.
— Eu não vou, Jungwon. — Jang-Mi tenta afastar o braço, mas não teve sucesso. — Me solta!
— Isso não foi um pedido, Yang Jang-Mi. — Jungwon foi ríspido. — Você já arrumou problemas demais por hoje. Quando você estiver sóbria a gente conversa melhor sobre isso.
Jungwon não fala com mais ninguém, depois que a irmã desiste de argumentar, ele passa por todos nós parecendo envergonhado com a situação. Mas em meio à tudo isso, ele troca um rápido olhar com Jay, que parecia um pouco abalado demais para quem não estava no meio de toda aquela briga.
— Você não vai atrás dele? — eu perguntei quando a porta do terraço se fecha.
— Não é mais uma obrigação minha. — Jay dá de ombros. — Não tem nada que eu possa fazer.
— Tá legal, o que aconteceu entre vocês dois? — Heeseung se aproxima, parecendo frustrado. — Eu não aguento mais tanto segredo sendo mantido entre todo mundo. Vocês dois estavam grudados ainda essa semana e agora estão assim?
— Não aconteceu nada. — Jay diz.
— Aconteceu sim. — Heeseung insiste.
Jay respira fundo, e quando achamos que ele não diria nada, ele volta a falar:
— Eu ferrei com tudo, 'tá legal? — Jay diz. — Mas isso não importa agora e eu não quero falar sobre isso. — ele desencosta do muro. — Acho melhor a gente ir, o clima dessa festa 'tá horrível.
— 'Tá legal, não vamos falar sobre isso agora. — Heeseung entorta os lábios. — Mas e toda essa história da irmã do Jungwon e da Yeji?
— Heeseung... — Riki cutuca o mais velho usando o cotovelo. O japonês tentava demonstrar de algum jeito que Yeji ainda estava presente entre a gente.
Yeji coça a garganta ao perceber aquilo e puxa Yuna com ela até a saída. Enquanto isso, eu fiquei esse tempo todo em silêncio, lembrando de todas as vezes em que escutei coisas negativas sobre a menina, inclusive coisas que a própria Jang-Mi me contou. Pensando sobre isso, cheguei a conclusão que, com todas as informações que eu tive naquela festa, talvez Yeji não era nem 90% parecida com as fofocas espalhadas pela Wall School.
Ainda tinha muita coisa para ser esclarecida naquela história, o comportamento de Yeji em alguns momentos era uma dessas coisas. Mas, como eu estava concluindo, nem sempre podemos sair acreditando fielmente em histórias sobre a vida alheia, a vida é um telefone sem fio. Principalmente quando se é um adolescente em meio aos dramas escolares.
⋆✦⋆
Estávamos a caminho de casa.
Jake dormia no banco da frente e Sunghoon estava deitado com a cabeça em meu colo no banco de trás, ainda acordado. Beomgyu e Minjeong foram embora em outro carro, então o caminho até a casa dos Shim estava sendo mais rápido, mas não só por isso, e sim porque o horário com as ruas vazias facilitava ainda mais.
Eu estava completamente pensativo sobre tudo o que aconteceu na festa, fiquei realmente com aquela briga na cabeça mesmo que eu não estivesse envolvido nela. Eu contei alguns detalhes para Yeonjun quando entramos no carro, o primo de Jake achou graça de tudo aquilo e me contou mais algumas histórias que envolviam dramas da época que ele também estava na escola. O engraçado disso tudo era que Yeonjun sempre falava como um velho, mas ele era apenas dois anos mais velho do que a gente.
Depois de um tempo conversando comigo, o assunto acabou e um silêncio se instalou no carro. Eu estava começando a me sentir um pouco sonolento por conta do horário, se eu não estivesse errado, eram quase cinco horas da manhã, mas o meu celular estava sem bateria. E enquanto eu encarava o céu pelo vidro do carro, senti Sunghoon se remexer em meu colo, ouvindo-o falar comigo.
— Por que você mudou o cabelo? — o garoto resmunga.
— Como assim? — eu abaixei o rosto para olhar para ele.
— Você não era assim antes. — ele continuava falando baixo.
— O meu cabelo 'tá exatamente igual, Sunghoon. Você ainda 'tá bêbado? — perguntei, achando graça do jeito que ele estava se embolando nas palavras.
— Eu não 'tô falando disso. — ele diz em um tom baixo, parecendo ofendido.
— Do que você 'tá falando, então?
— Você só... — ele dá uma pausa. — Era diferente.
Sunghoon encarava cada detalhe do meu rosto, mas borboletas se fizeram presentes em minha barriga quando ele olhou bem no fundo dos meus olhos, me deixando perdido por poucos segundos antes de falar:
— E como eu era?
— Eu não sei dizer. — ele sussurra. — Mas você continua sendo o garoto mais bonito que eu já vi.
A frase dele me faz sorrir de um jeito tímido, mesmo me deixando confuso aquilo tão de repente.
Em seguida, Sunghoon curva os lábios em um pequeno sorriso, mas não diz mais nada. E antes que eu falasse mais alguma coisa, observei os olhos do garoto começarem a pesar, percebendo que ele estava prestes a dormir. E assim acontece, ele pega no sono ali mesmo, deitado no meu colo.
E eu não sabia o porquê, mas o meu coração estava agitado enquanto eu o observava dormir. Ele também era o garoto mais lindo que eu já vi, às vezes eu não conseguia acreditar que ele realmente existia. E era este exato pensamento que eu costumava ter quando acordava dos meus sonhos. Park Sunghoon era como o meu conto de fadas secreto, tudo era magicamente bom quando ele estava por perto.
Chapter 15: Paradise
Chapter Text
Kim Sunoo
Mãe:
9:46
Cadê você, Sunoo?
Esqueceu que tem pai e mãe?
10:32
???????
Kim Sunoo. Atende esse telefone.
Por quê você não recebe as mensagens?
Está tudo bem?
11:00
Vou até a casa do Jake, estou preocupada.
Mensagens, mais mensagens e dez chamadas perdidas da minha mãe. Foi assim que eu acordei no dia seguinte da sexta-feira 13 de Odhen.
— Merda, merda, merda. — aquelas eram as únicas palavras que saíam da minha boca enquanto eu me levantava da cama às pressas, procurando por meu suéter verde que estava perdido pelo quarto de Sunghoon. — Mil vezes merda.
Depois da festa 13, Yeonjun nos deixou na casa de Jake e eu não tive outra escolha além de passar a noite com o meu namorado bêbado. Eu não podia deixar o garoto sozinho no estado em que ele estava, Jake não era diferente. Mas Yeonjun foi quem cuidou do Shim mais novo antes de ir embora.
E tudo estaria perfeito se eu tivesse esquecido de avisar os meus pais sobre isso.
— Sunoo? O que aconteceu? — a voz rouca e amanhecida de um Sunghoon sonolento chama a minha atenção.
Ele estava sentado na cama com os olhos meio abertos, uma de suas mãos estava apoiada na cama enquanto ele passava os dedos pelos fios bagunçados de cabelo. Uma cena linda de se ver, se eu não estivesse ferrado.
— Aconteceu que eu 'tô aqui, Sunghoon. — eu falei, tentando parecer calmo. No fundo eu sabia que estava falhando. — Eu trouxe você até o quarto com o Yeonjun, mas você ficou tão bêbado ontem, eu não podia deixar você sozinho. Você começou a falar tantas coisas estranhas, sabia? Falou até que eu mudei a cor do meu cabelo, você claramente não estava em condições de ficar sozinho, mas eu não avisei os meus pa...
— Ei, ei ei. Calma. — Sunghoon me interrompe, me fazendo sentar na cama quando ele puxa a minha mão. — Você 'tá fazendo aquilo de falar sem parar de novo. Respira fundo. — ele acaricia a minha mão. — Eu não entendi nada do que você falou, 'tô com uma dor de cabeça horrível. Vamos por partes, por favor.
Eu respirei fundo.
— A única coisa que você precisa saber agora, é que a minha mãe 'tá vindo pra cá. — eu olhei bem nos olhos dele. — E era para eu estar em casa desde que a festa acabou, não aqui. Eles não sabem que eu 'tô aqui.
— Merda. — Sunghoon leva a mão até a própria testa, tendo a mesma reação que eu tive há alguns minutos. — Você não enviou nem uma mensagem pra ela?
Eu neguei com a cabeça.
— Eu fiz merda, eu sei. — mordi o lábio inferior, nervoso. — Eu não pensei, eu fiquei preocupado em cuidar de você e esqueci qualquer outra coisa.
— Você não fez merda. — ele diz, ainda segurando a minha mão. — Mas é só essa a sua preocupação?
— Como assim?
— Você sabe. — ele coça a garganta. — Os seus pais ainda não sabem que eu e você...
— Somos namorados. — eu sussurrei. — Eu sei, mas eu nunca pensei nisso como uma preocupação, tudo bem? Eu só queria ter uma conversa com você antes de falar com eles, eu não sei como você se sente sobre isso e, meu Deus. — dei uma pausa. — O que vamos falar para a minha mãe quando ela chegar aqui?
— Eu estou numa boa com isso. — Sunghoon dá de ombros. — Mas os pais são seus, eu não quero forçar você a contar nada sem que esteja pronto.
Sunghoon e eu ficamos nos encarando em silêncio absoluto. Eu não sabia o que fazer, aquele era o último cenário que eu imaginava para uma manhã pós festa.
— Olha, com certeza você vai ficar de castigo por sumir assim. Mas como os seus pais vão reagir ao ouvirem que você 'tá namorando com o motivo desse sumiço todo? — Park pergunta, parecendo pensativo. — Os seus pais vão me odiar, não é? — ele faz uma careta.
— É impossível odiar você, Sunghoon. Acredite, eu já tentei. — eu falei, observando o garoto fingir estar ofendido. — Mas é sério, não se preocupa com isso. Eu me coloquei nessa situação, então eu resolvo.
— Mas eu não quero que você fique encrencado por minha culpa. — ele insiste.
E então, nós dois nos assustamos quando o barulho da campainha se espalhou pela casa. Eu jurei ter sentido o meu coração parar por um segundo.
— Eu acho melhor você trocar de roupa. — eu me levantei rapidamente da cama ao falar. — A não ser que você queira que a minha mãe se lembre do dia em que viu você vestido com o que sobrou da sua fantasia de Star Wars.
Foi nesse momento que Sunghoon lembrou que ainda usava a roupa do dia anterior, assim como eu. Em questão de segundos, observei o mais velho se levantar de forma atrapalhada pelo quarto enquanto retirava a roupa que usava, quase tropeçando quando correu até o que eu acreditava ser o seu guarda-roupa.
Eu nunca fiz esse tipo de coisa, os meus pais confiavam em mim e eu não queria que eles pensassem que eu estava me aproveitando da bondade deles para sumir sem dar satisfação. Com esse pensamento, eu respirei fundo quando, com um pouco de pressa, deixei o quarto de Sunghoon e corri até as escadas que davam até o primeiro andar.
Quando você está prestes a se meter em uma furada, parece que o mundo todo fica em câmera lenta enquanto você imagina os piores cenários possíveis. E foi assim que eu vi a minha mão se aproximando da maçaneta da porta da sala, lentamente.
E então, eu tranquei a minha respiração quando girei a chave, abrindo a porta em seguida.
— Mãe, escuta, eu posso explic...
O olhar de preocupação da minha mãe foi a primeira coisa que eu vi, mas ele logo mudou quando ela olhou bem para o meu rosto, paralisando por alguns segundos antes de me puxar para um abraço desesperado.
— Kim Sunoo! — ela exclama e me aperta. — Você quase me matou de preocupação, garoto. — o perfume doce da mais velha invade as minhas narinas. — Você ficou maluco de sumir assim? Onde você estava e por quê não me avisou? É melhor você me dar uma ótima desculpa.
A mulher me enche com perguntas ao me soltar, já não parecendo mais estar preocupada, ela me lançava um olhar de reprovação. Da última vez que eu a vi me olhando assim, eu tinha quatorze anos e estava com Heeseung. Nós dois estávamos cobertos de lama na garagem de casa depois de passarmos a tarde inteira com Jay e Riki, tomando banho de chuva mesmo ela dizendo que não podíamos.
Situações bem diferentes, eu sabia disso. Eu não fui um adolescente que se meteu em tantos problemas assim, na verdade, eu passei a maior parte do meu tempo sendo a pessoa que lia personagens vivendo aventuras malucas, nunca fui quem as colocava em prática.
— Mãe, eu sinto muito. — comecei a falar. — A senhora tem todo o direito de estar irritada, eu realmente sinto muito. Eu esqueci de te avisar qu...
— A culpa foi minha, Sra. Kim. — a voz de Sunghoon surge atrás de mim, me fazendo fechar os olhos e curvar os lábios em um sorriso sem graça, desejando que o garoto parasse de falar. — Se for brigar com alguém, pode brigar comigo. O Sunoo não teve nada a ver com isso.
Park Sunghoon e sua teimosia se pararam ao meu lado, deixando a minha mãe totalmente confusa quando encarou o garoto de cabelos escuros que usava uma camiseta branca, calça moletom preta e cabelos levemente úmidos.
— Eu não vou brigar com você, Sunghoon. — a minha mãe diz, passando o olhar lentamente por mim e por ele. — Será que algum de vocês pode me explicar o quê 'tá acontecendo? O seu pai ficou tão preocupado quanto eu, Sunoo.
Quando eu olhei para Sunghoon, o fuzilei com os olhos por ter ido contra o que eu havia falado no andar de cima. Eu entendia que ele queria ajudar, mas a culpa realmente não era dele.
Mas eu estava sem saída, qualquer coisa que eu dissesse para a minha mãe, eu teria que explicar o motivo de tudo aquilo. E eu não faria nada do que eu fiz nos minutos seguintes se eu não estivesse confiante o suficiente para isso.
Eu respirei fundo quando abaixei o meu olhar e segurei a mão de Sunghoon, puxando ele para mais perto de mim. Park relutou por uns segundos, mas eu o assegurei com o olhar, sentindo o garoto relaxar em seguida. E assim, eu juntei todo o ar que eu conseguia no meu pulmão, soltando a seguinte frase:
— Mãe. — eu comecei a falar. — Você pode me xingar, até me colocar de castigo por uma semana se quiser, mas eu não poderia deixar o Sunghoon sozinho. Ele não estava nas melhores condições. — eu cocei a garganta. — E sabe, você me ensinou a cuidar das pessoas que são importantes pra mim. Você também cuidava do meu pai quando vocês eram namorados, não é?
Sunghoon apertou a minha mão com força, parecia estar me repreendendo, mas eu não liguei. Apenas engoli em seco quando observei a expressão no rosto da minha mãe começar a se neutralizar, era como se ela estivesse tentando raciocinar algo.
— Namorados? — ela piscou algumas vezes, descendo o olhar até a minha mão e a de Sunghoon.
⋆✦⋆
Sunghoon balançava inquietamente uma de suas pernas enquanto estava sentado ao meu lado no sofá da sala da casa dos Shim, aquilo estava me deixando um pouco nervoso, bem mais nervoso do que observar a minha mãe, que andava de um lado para o outro na nossa frente, sem dizer nada.
Eu estava quase implorando para uma palavra ser dita naquela sala silenciosa, eu gostava muito mais do silêncio quando eu estava lendo algum livro na biblioteca da escola. Também desejava que qualquer pessoa entrasse pela porta e acabasse com aquilo de uma vez, mas eu nunca pegava os pais de Jake presentes na casa, eles sempre estavam ocupados.
— Deixa eu ver se entendi... — a voz da minha mãe quebra o silêncio quando ela se senta no sofá que ficava posicionado de frente para mim e Sunghoon. — Vocês dois estão namorando, é isso?
— Sim, senhora. — Sunghoon diz. — Eu sinto muito, sei que descobrir assim não passa uma boa impressão minha, eu nunca quis encrencar o Sunoo.
— Mãe, eu sinto muito, de verdade. — eu respirei fundo. — Eu não queria ter escondido isso assim mas, você sabe...
— Não, eu não sei. — Nabi diz, seu tom de voz estava sério, mas ela levou a mão até o rosto e respirou fundo. Pela primeira vez, eu não fazia ideia se minha mãe estava irritada ou não. — Meninos, vocês estão com medo de me contar sobre o namoro ou porque você sumiu sem me avisar, Kim Sunoo?
— Os dois. — eu sussurrei, não olhando para a mais velha.
Sunghoon permaneceu em silêncio, enquanto isso, a mais velha respirou fundo mais uma vez.
— Sunoo, eu sou sua mãe. — ela diz. — Você acha que eu já não sabia? Ou que eu pelo menos imaginava?
Eu encolhi os ombros, não sabendo responder nada daquilo. Tudo bem que eu não era o melhor mentiroso do mundo, mas eu me esforçava o máximo para não deixar tão na cara que eu gostava de Sunghoon. Mas no fundo, bem lá no fundo, eu sabia que todas as preocupações e conversas que a minha mãe puxava comigo, significava que ela estava tentando fazer com que eu me abrisse com ela. Ela sabia. Ou talvez ''Park Sunghoon'' estivesse estampado na minha testa.
— Então você sabia? — eu perguntei, subindo o olhar até o dela.
— Eu e seu pai estávamos conversando sobre isso, só estávamos esperando você nos contar. — ela diz. — E eu estou mais aliviada em saber que vocês estão bem do que qualquer outra coisa, eu fiquei realmente preocupada por você sumir. — a mais velha ajeita nos ombros a bolsa que carregava. — Vocês sabem como é o mundo lá fora, não quero que façam as coisas escondidas. Não precisavam esconder desse jeito.
— Com todo o respeito, Sra. Kim. — Sunghoon começa a falar. — Mas é mais difícil do que parece, não são todos os pais que levantam uma bandeira por você. Os meus, por exemplo, não teriam a mesma reação. — ele ri sem humor. — Só estávamos com medo.
Eu levei a minha mão até a de Sunghoon no mesmo momento, concordando com a fala dele ao balançar a cabeça para a minha mãe.
— Eu entendo, de verdade mesmo, Sunghoon. — a minha mãe afirma com um pequeno gesto com a cabeça. — Eu trouxe a minha família para Odhen justamente por isso. Eu queria ser o oposto deles. — ela curva os lábios em um pequeno sorriso. — Vocês não precisam sentir medo com a gente. Venham aqui.
A minha mãe levantou do sofá, abrindo os braços em nossa direção e me fazendo perceber que na verdade ela estava nos chamando para um abraço. Eu não sabia como me sentir como aquilo, eu ainda me sentia estranho e nervoso. Mas eu levantei mesmo assim e caminhei até ela, que envolveu os braços por mim e por Sunghoon, nos abraçando por alguns segundos.
— Só me prometam que não existem mais segredos. — ela afasta o rosto para nos encarar.
Sunghoon e eu viramos o rosto um para o outro. Por um pequeno segundo, o garoto curvou os lábios em um sorriso sem graça e desviou o olhar do meu, parecendo hesitar.
— Não existem segredos, Sra. Kim. — Park diz.
— Isso, não existem segredos. — eu repeti, ainda olhando para Sunghoon.
— Tudo bem, eu fico feliz em saber disso. — a minha mãe se afasta de nós dois, ajeitando a bolsa no ombro novamente. — Mas precisamos ir, Sunoo. O seu pai está nos esperando em casa. — ela continua e olha para Park. — E Sunghoon, precisamos marcar um jantar lá em casa, o meu marido vai adorar conhecer o novo namorado do Sun.
— Então a senhora não está brava por eu ter desaparecido por horas sem avisar? — eu perguntei assim que observei a mais velha se preparar para sair.
— Não estou. — ela responde e passa a mão por meus fios de cabelo, o que automaticamente me faz sorrir aliviado. — Mas você ainda assim está de castigo.
O meu sorriso sumiu.
Eu aceitei em silêncio quando a minha mãe tomou a frente e me deixou sozinho com Sunghoon para podermos nos despedir. A sensação de estranheza ainda estava presente, eu não conseguia aceitar que aquela foi a conversa que eu passei tanto tempo evitando, parecia muito mais assustadora nos cenários da minha cabeça.
— 'Tá tudo bem? — eu perguntei para Sunghoon assim que me certifiquei que estávamos mesmo sozinhos. Ele parecia tão perdido quanto eu, totalmente desconectado.
— Tudo bem sim, eu acho. — o garoto pisca algumas vezes e se aproxima de mim. — Eu só não 'tô acostumado com esse tipo de conversa. Na verdade, eu acho que nunca tive uma. — ele ri fraco. — Eu não imaginava que existissem reações como essas.
Os meus lábios se entortaram ao ouvi-lo, as minhas mãos foram até o rosto do garoto e eu o fiz olhar para mim. Sunghoon não era capaz de demonstrar sentimentos negativos, ele sempre dizia não se importar, mas sempre que ele se via em situações como essas, os olhos dele entregavam um adolescente que escondia todos os problemas por trás de uma máscara.
— Ei. — o chamei, trocando olhares com o mais velho. — Sei o que deve estar pensando, mas estamos juntos nessa, tudo bem?
— E no que eu estou pensando? — Sunghoon tenta soar descontraído.
— Em como seria essa conversa se... você sabe, os seus pais estivessem aqui. — eu engoli em seco.
Um silêncio se fez presente entre nós, sendo interrompido apenas pelo suspiro de Sunghoon.
— Isso não importa agora, 'tá bem? — ele me puxa para mais perto dele, juntando os nossos lábios em um selinho rápido. — O que importa é que estamos juntos, ganhamos a aprovação da sua mãe e, o mais importante, é claro. — ele dá uma pausa. — O quanto o seu castigo vai me deixar longe de você.
Com um beicinho dramático nos lábios enquanto me olhava, o garoto tinha uma grande facilidade em mudar o assunto quando queria, ele fazia isso com tanta facilidade que me deixava com uma pontada de preocupação.
— Tudo bem. — eu suspirei, não insistindo no assunto. — E nós vamos nos ver na escola, não se preocupa.
— Certo. — ele afirma com a cabeça e bagunça o meu cabelo de leve. — Sinto muito por fazer você ficar nessa situação.
— Para de pedir desculpas, é sério. Eu fiz porque eu quis. — eu fiz uma careta ao finalizar a frase.
Sunghoon, como sempre, estava achando graça da minha reação, ficando a um passo de me beijar de novo quando foi interrompido por uma tosse forçada vindo da minha mãe que agora estava na porta da sala, me esperando.
— Eu acho melhor você ir, Sunoo. — Sunghoon mais uma vez bagunça o meu cabelo, eu só não o xinguei porque a minha mãe estava presente. — Te vejo na escola.
— Te vejo na escola. E dá uma verificada no Jake, ele não estava diferente de você ontem. — eu sussurrei para ele, sorrindo fraco antes de apressar os meus passos até a minha mãe.
— Tchau, Sra. Kim. — Sunghoon acena de longe, recebendo um aceno e um sorriso de volta.
— Até mais, Sunghoon! — ela diz.
⋆✦⋆
Kim Nabi, mais conhecida como minha mãe, não mentiu quando disse que eu estaria de castigo.
Depois que eu cheguei em casa naquela manhã de sábado, os meus pais tiveram uma conversa séria comigo sobre comprometimento e confiança. O meu namoro com Sunghoon foi um dos principais assuntos, obviamente. E eu odiava quando eles citavam os meus avós, eu odiava o sentimento ruim que voltava sempre que eu imaginava como seria se, no lugar dos meus pais, quem estivesse ouvindo sobre o meu atual namoro, fossem os meus avós.
Eu precisava fugir desses pensamentos, mas era mais complicado do que parecia. A única coisa que eu sabia era que, no final de tudo, os meus pais só traziam o nome deles à tona quando queriam me certificar que eu jamais seria tratado daquela forma novamente.
E assim, o meu castigo por ter sumido na festa durou a semana inteira. A minha escola foi o único lugar que eu vi durante os últimos cinco dias. Eu fiquei sem a minha sala de leitura, sem Lan House depois da aula com os meus melhores amigos, sem Sunghoon e, por mais absurdo que pareça, sem Heeseung. Sim. Palavras dela.
Eu me senti o Scott McCall de Teen Wolf quando ficou de castigo e a mãe dele o proibiu de ver o Stiles. Será que as mães sabem o quanto um adolescente pode surtar se não desabafar – dramaticamente – sobre a própria vida para o melhor amigo?
Mas já era sexta-feira, o meu último dia de castigo e também o dia escolhido por meus pais para termos um jantar especial com o meu namorado. Eu estava nervoso, tão nervoso que não percebi o momento em que o professor de educação física reuniu todas as turmas do terceiro ano para uma ''reunião''.
Eu estava todo suado e querendo trocar o uniforme que eu estava usando. Naquele dia, eu decidi jogar vôlei com os meus amigos, então eu estava cansado depois de descobrirem que eu não era um levantador tão ruim assim, talvez eu me desse bem melhor naquele esporte do que no basquete ou outra coisa.
— Como vocês já devem estar sabendo, as provas terminam na próxima semana. — eu finalmente parei para prestar atenção no que o meu professor estava falando. O homem caminhava de um lado para o outro no meio da quadra, sendo cercado por alunos. — E vocês sabem o que isso significa, certo? — ele continua. — Caso não saibam, eu digo para vocês: os jogos internos.
Imediatamente, muitos dos alunos começaram a comemorar. Alguns porque realmente gostavam de participar das atividades, já a outra parte estava feliz pelo fato de que, depois dos jogos internos, se dava início às férias de verão. Um mês inteiro de férias.
— Turma 301 e turma 302, vocês serão uma equipe esse ano. — o professor continua explicando. — As modalidades continuam as mesmas: Futebol, Basquete, Atletismo e Vôlei. Vocês podem inscrever um time por modalidade, então é melhor já irem treinando e juntando os jogadores. — o homem encarava cada aluno nos olhos, me deixando intimidado quando fez o mesmo comigo. — As inscrições estão abertas e vocês podem preencher os papéis na minha sala a partir de hoje. Entendido?
Todos concordaram com a cabeça.
— Certo, então fiquem ligados. — ele diz. — Ao longo da semana eu dou mais informações. Vocês podem voltar para a aula agora. — ele risca algo na planilha que segurava.
Barulhos de bolas batendo no chão voltaram a se espalhar pelo ginásio quando todos os alunos voltaram ao que estavam fazendo antes da reunião. Eu precisava decidir se iria participar esse ano, o meu plano era escolher uma modalidade em que eu era ruim para me deixarem no banco e eu ganhar pontos de todo jeito.
Não que eu odiasse esportes, mas jogos internos me deixavam nervoso.
— Vocês vão participar, né? — Heeseung pergunta ao se aproximar de mim e de Sunghoon, ele tinha uma bola de basquete embaixo do braço. — O time de basquete da nossa turma seria perfeito esse ano.
— Por mim, tudo bem. — Sunghoon diz, animado. — Desde que ninguém brigue no meio da partida e me faça torcer o tornozelo de novo, é claro.
— O Jake e o Jungwon ainda estão brigados? — eu perguntei.
Eu não soube muita coisa sobre toda a situação que aconteceu na festa, o meu castigo me impediu de estar por dentro de tudo. A única coisa que eu escutei durante a semana foi que os pais de Jang-Mi entraram em um acordo e afastaram a garota da escola, ela vai ficar com o pai por um tempo. Jungwon parecia bastante abalado por isso, mas ele não entrava mais em detalhes.
— Eles estavam jogando futebol hoje, vi que estavam no mesmo time. — Heeseung diz. — Sinto que não vai acontecer uma conversa, eles vão apenas voltar ao normal aos poucos, sabe? Como se nada tivesse acontecido.
— Orgulhosos do jeito que são, eu não duvido. — Sunghoon ri fraco. — Já 'tava na hora dessa briga idiota acabar.
— Do que estamos falando? — a voz de Jay surge atrás de mim. Quando eu virei para ele, o garoto estava com uma toalha jogada no ombro enquanto bebia água de uma garrafa.
Por um breve segundo, eu esqueci que Jay e Jungwon também estavam afastados. Eu me sentia mal por Yang, eram tantas coisas acontecendo ao mesmo tempo e ele ainda precisava manter o papel de aluno exemplar da turma.
— Estávamos falando sobre algo que vai fazer você tirar esse sorriso do rosto. — Heeseung o provoca.
— Sobre o quê? — Jay levanta as sobrancelhas para o mais velho do grupo.
— Jungwon. — Sunghoon é quem responde.
O sorriso de Jay realmente diminuiu, fazendo Heeseung o encarar com um olhar de ''Eu avisei''.
Em um ato rápido, Jongseong virou toda a água que sobrou em sua garrafa, bebendo até o último gole como se fosse alguma vodca barata. Ninguém esperava que ele fosse falar alguma coisa, Heeseung apenas o provocou como sempre fazia. Mas então, o garoto começou a falar:
— Foi uma discussão boba, 'tá legal? Antes que vocês perguntem mais uma vez. — ele respira fundo. — O Jungwon se confessou 'pra mim, ele usou aquelas três palavras e... bem, eu travei.
— Era isso? — as sobrancelhas de Heeseung estavam levantadas.
Eu e Heeseung trocamos olhares, sabíamos exatamente o que estava acontecendo.
Jungwon era o primeiro ''relacionamento'' de Jongseong. Eu conhecia o garoto desde que éramos moleques e, como eu já disse, Jay era a pessoa com a personalidade mais parecida com a minha quando se tratava disso tudo. A diferença era que, enquanto eu transparecia em meu rosto quando algo estava errado, Jay guardava tudo para si e parecia não sentir nada.
— É, ele pensou que eu travei porque não sentia o mesmo por ele. — ele faz uma careta, parecendo se lembrar do momento. — Ele interpretou tudo errado, mas eu só fiquei assustado, nunca falaram algo assim pra mim antes. — ele bagunça o próprio cabelo. — E agora ele pensa que eu 'tava apenas brincando com ele. Nós brigamos e blá, blá, blá. O resto não é importante.
— Vocês precisam conversar, tipo, urgentemente. — Heeseung diz. — Por que você não foi atrás dele aqui na escola?
— E eu faria o que? — Jay ri sem humor. — Uma serenata na frente de toda a escola pedindo o perdão do meu amor? Eu não sou o Heath Ledger em 10 Coisas que Eu Odeio em Você.
— Tem razão, mas se você fosse parecido com ele, até eu voltaria contigo. — Heeseung diz, fazendo Jay revirar os olhos.
— Mas é sério, o que eu faço? — Jongseong trava o maxilar e perde o olhar pelo ginásio, parando em Jungwon. O garoto havia acabado de chutar uma bola diretamente para o gol. — É torturante não falar com ele na escola.
— Conhecendo você, eu sei que não vai falar com ele diretamente. — eu levei a minha mão até o ombro de Jay, chamando a atenção dele
— Não existe oportunidade melhor para conversar com uma pessoa do que nos jogos internos. Entra no mesmo time que ele.
— Entra no nosso time de basquete! — Sunghoon se aproxima, animado. — O Heeseung, o Sunoo e eu estamos montando o nosso. Vai ser o momento perfeito.
— Espera aí, desde quando eu concordei com isso? — eu encarei Sunghoon.
— Desde agora. — Heeseung responde por ele. — Deixaria o seu namorado e o seu melhor amigo sozinhos?
Pensando em ajudar Jay, eu apenas aceitei. Não era como se eu tivesse escolha mesmo. Jay e Jungwon seriam o novo casal oficial do nosso grupo, tudo só dependia de um pequeno empurrãozinho.
⋆✦⋆
As turmas do terceiro ano estavam reunidas minutos antes do sinal do intervalo tocar. A visão que qualquer um teria ao entrar no ginásio, era de uma divisão completa entre duas turmas nada unidas que se encaravam em silêncio.
— Então, como vamos fazer isso? — Jungwon é quem quebra o silêncio.
— Podemos dividir as atividades. — Yuna, que estava ao lado de Yang, começa a falar. — Todos aqui sabemos que as coisas estão estranhas, então não precisamos complicar mais. — a garota continua. — Uma turma fica com o basquete, outra com o futebol e podemos dividir as equipes do vôlei e do atletismo.
Yuna parecia mesmo uma líder, mas estava evitando contato visual com qualquer um dos meninos, inclusive comigo. Mas a garota continuou a falar:
— Enfim, ainda temos tempo, certo? Podemos resolver isso depois que as provas terminarem. — a garota diz, virando o corpo para Jungwon. — O que me diz?
— Eu concordo. — ele diz. — Mas eu não sei se o professor vai concordar com essa divisão.
— Por que não concordaria? — um dos alunos da outra turma questiona.
— Juntaram as equipes justamente para não acontecer divisão. — Yang responde, dando de ombros. — Mas tudo bem, não custa nada tentar.
Não era de hoje que as turmas do terceiro ano não tinham união. Eu nunca liguei para essas coisas antes, era totalmente indiferente para mim. Somente nesse meu último ano eu comecei a observar mais esse tipo de drama. A vida era engraçada.
A minha amizade com Yuna era a prova disso, ou a quase amizade que tivemos, tanto faz. Nós estávamos começando algo legal que foi interrompido por dramas escolares e ver a garota mal olhando para mim depois de tanto tempo, me deixava pensativo. Mas a voz de Sunghoon em meu ouvido me fez sair dos meus pensamentos e prender o meu olhar no garoto de cabelos escuros que falava comigo. Os líderes já não conversavam mais e todos já estavam se preparando para ir embora.
— Por que você não fala com ela? — as minhas sobrancelhas arquearam ao ouvi-lo, ficando confuso até Sunghoon ser mais específico. — Com a Yuna.
— Você quer que eu, euzinho aqui... — eu apontei para mim. — Fale com a Yuna?
— Por que não? — ele entorta os lábios. — Esse drama entre Jang-Mi, Yeji e Jake já acabou e, sinceramente? Eu também não vejo motivo pra toda essa divisão dos jogos, mas tudo bem.
— Certo. — eu concordei com a cabeça, olhando bem nos olhos dele. — O que você fez com o Sunghoon que tinha ciúmes da Yuna?
— Não era ciúmes. — ele dá de ombros. — Eu apenas disse a ela que, se ela não tomasse uma atitude, eu tomaria. E adivinha? — ele levanta o braço para mim, me mostrando a pulseira com o pingente de lua que ele me deu no dia em que me pediu em namoro. — Eu tomei.
Eu revirei os olhos e empurrei o garoto pelo ombro. Sunghoon tinha um sorriso convencido nos lábios e deu de ombros mais uma vez.
— Você é impossível. — eu disse.
— E eu acho melhor você correr. — ele aponta em direção da porta do ginásio. — Vai lá, te encontro na biblioteca.
Quando os meus olhos foram até ela, vi que a porta balançava devagar, indicando que Yeji e Yuna já haviam passado por lá. Eu encarei Sunghoon uma última vez, me virando de costas e sentindo um leve tapinha ser deixado contra a minha bunda quando eu apressei os meus passos para atravessar o ginásio. Eu não olhei para trás, mas eu tinha certeza que Sunghoon estava sorrindo enquanto eu corria.
Para a minha surpresa, eu não precisei correr muito para alcançar Yuna. Ela e a outra garota de mechas rosas no cabelo estavam caminhando lentamente pelo corredor principal da escola. E ao escutarem os meus passos apressados, elas pararam imediatamente.
— Sunoo? — Yuna tinha as sobrancelhas arqueadas quando se virou para me encarar. — 'Tá tudo bem?
Eu respirei fundo quando parei de correr, recuperando o fôlego e passando a mão pelo meu cabelo enquanto eu tinha um sorriso sem graça nos lábios.
— Oi. — foi a primeira coisa que eu falei, por fim ajeitando a minha postura. — Eu não sei porquê eu corri assim, mas eu queria falar com vocês.
— Com a gente? — Yeji piscou algumas vezes.
— É, com vocês. — repeti. — Eu vou ser direto já que não temos muito tempo até os corredores ficarem cheios por causa do intervalo.
Yeji e Yuna pareciam confusas, porém receosas. As duas estavam de braços cruzados e não me impediram de falar, mas como eu sempre fui uma pessoa que pensava muito antes de soltar frases grandes demais, eu estava tão perdido quanto elas. Eu não sabia exatamente o que eu queria, mas o clima entre todos precisava melhorar antes das férias. E era aí que começava o problema: eu não sabia como fazer isso acontecer.
— Quer saber? — eu dei uma longa pausa. — Isso tudo é ridículo.
— Ridículo? — Yuna joga a cabeça para o lado, mais confusa ainda
Sim, eu era ridículo. Eu não sabia o que estava fazendo.
— Isso. — eu levantei o queixo, tentando parecer confiante com as minhas palavras. — Todos estão brigando e se dividindo atoa. É sério, se vocês duas nunca fizeram nada negativo para o Jake e os meninos, por quê continuamos assim? E você também se afastou de mim, Yuna.
— Talvez porque todos os seus amigos me odiassem? — Yeji diz em um tom óbvio, resmungando em seguida. — Tudo porque eu gostei de um garoto e inventaram coisas sobre mim.
— Realmente. E eu sinto muito, Sunoo. — Yuna curva os lábios, parecendo chateada. — Eu me afastei porque não queria ser um problema entre você e o Sunghoon.
— Os meus amigos não odeiam você, Yeji. — eu falei. — Tudo bem, eles são amigos do Jake e ficaram do lado dele, mas tudo fez mais sentido depois do que descobrimos da irmã do Jungwon.
— Nem me fala dessa garota. — Yeji bufa, revirando os olhos. Quando ela percebe a reação imediata, ela encolhe os ombros e faz uma careta. — Força do hábito, foi mal.
— E Yuna, foi o Sunghoon quem me incentivou a vir aqui. Você não é um problema. — eu a assegurei. — Será que podemos, sei lá, tentar fazer com que as coisas não fiquem estranhas até a formatura? Sem essa coisa de divisão.
As duas amigas trocaram olhares, Yeji parecia a mais receosa da dupla. Mas então, depois de parecer que estavam trocando pensamentos por telepatia, elas me encararam novamente.
— Não depende só de mim, Sunoo. — Yuna diz. — Existem várias pessoas na minha turma. E você sabe, a sua turma também.
Ela tinha razão, eu precisava convencer a minha turma também. Mas eu tinha certeza que, conhecendo os meus amigos, as coisas poderiam dar certo.
— É só até o final do ano, não é? — Yeji levanta os ombros, indo contra o pensamento de Yuna, que a encarou surpresa. — O máximo que eu vou ganhar com isso vai ser mais pessoas me odiando. — ela é sarcástica, pela primeira vez parecendo descontraída enquanto eu estava presente. — E eu tenho certeza que o professor vai obrigar todo mundo a fazer isso também.
Yuna parecia pensativa, ela estava hesitando mais do que eu esperava. Mas então, depois de respirar fundo, ela se deu por vencida e balançou a cabeça positivamente.
— Tudo bem, vamos fazer isso. — Yuna diz, fazendo o sorriso em meu rosto crescer.
— Acreditem em mim, nenhum adolescente escapa de fazer alguma burrice no ensino médio, se for para ser assim, todo mundo vai acabar se odiando. Estamos perdendo tempo. — eu falei. — Eles avisaram em High School Musical quando disseram que estamos todos juntos nessa.
A risada de Yuna se espalha pelo corredor, me deixando surpreso. Yeji encarava a amiga com as sobrancelhas arqueadas.
— O que foi? — a garota de cabelo rosa questiona.
— Desculpa, é que eu 'tava esperando ele citar algum livro ou filme durante essa conversa. Ele sempre fazia isso na biblioteca. — a garota diz, parando de rir e me olhando com um sorriso genuíno. — Eu senti a sua falta, Sunoo. De verdade.
— Também senti a sua. — eu umedeci os lábios, achando graça da reação da garota. — E eu preciso parar com isso, não é?
— Jamais. — Yuna diz. — É a sua marca oficial.
A frase da garota me fez sorrir. Era bom sentir que as coisas estavam se acertando, pelo menos um pouco. Ver Yeji confortável o suficiente para sorrir de volta para mim me deixou com esperança de que, até o final do ano, os alunos da Wall School se dariam bem, sem ressentimentos.
⋆✦⋆
A saga que eu gostava de chamar de ''Biblioteca com Park Sunghoon'' continuou.
No intervalo, eu estava tentando ajudar o garoto a se concentrar para a prova que teríamos na semana, e por mais que Sunghoon ficasse minutos concentrado em algo, um tempo depois ele estava rabiscando desenhos aleatórios pelas folhas do próprio caderno. E não eram desenhos de palitinhos, mas sim desenhos elaborados que eu levaria horas para fazer.
Dessa vez, enquanto eu tentava decorar a matéria de Biologia, Sunghoon estava folheando um dicionário que algum aluno esqueceu na mesa da biblioteca.
— Você sabia que ''Soleil'' em francês significa ''Sol''? — Sunghoon pergunta, ele tinha um sotaque fofo e seus olhos curiosos continuavam no objeto que ele segurava. — Olha isso, ''Lua'' significa ''Lune''. — ele aponta no livro, parecendo mais interessado do que o normal ao mostrar a página para mim.
— Eu pensei que estávamos aqui para estudar, mas tudo bem, como você quiser. — eu fechei o meu livro de Biologia, cruzando os meus braços por cima dele quando me inclinei em cima da mesa para ficar mais próximo de Sunghoon, sussurrando para ele. — O que você 'tá fazendo, cara?
O garoto de cabelos escuros levantou o olhar para mim e fez uma careta, não me respondendo.
— Ah, tudo bem. Me desculpa, eu sempre esqueço. — respirei fundo. — O que você 'tá fazendo, meu amor? — perguntei em um tom sarcástico, observando Sunghoon revirar os olhos.
Já fazia alguns dias que Sunghoon estava teimando em não me responder quando eu me referia a ele como ''cara''. Ele insistia que, como namorados, eu não deveria tratá-lo como se estivesse o colocando na famosa ''friendzone''. Foram essas palavras que ele usou. Como explicar Park Sunghoon?
— Que bom que você perguntou. — ele sorri forçadamente. — 'Tô procurando palavras que eu possa chamar você.
— Não acredito, Sunghoon. — eu joguei a cabeça para o lado. — Desde a festa você fala disso, por que isso é tão importante pra você?
— Porque sim. — ele faz uma careta e se deita por cima do livro em cima da mesa. — Mas tudo bem, se você me odeia tanto assim, não precisamos fazer. — Park dá uma pausa dramática e fecha os olhos, mas eu conseguia vê-lo me espiando por um único olho que estava aberto.
— Você é inacreditável, sabia? — eu ri pelo nariz, sem acreditar nas palavras ditas por ele. — Vamos decidir isso de uma vez. Passa isso 'pra cá.
Eu puxei o livro que estava embaixo do rosto de Sunghoon, que agora me encarava com um sorriso travesso nos lábios e dava a volta na mesa para se sentar ao meu lado. E assim, os meus olhos começaram a passar pelas letras da página marcada por ele. Era mesmo um dicionário francês e, definitivamente, eu considerava esse um dos idiomas mais bonitos e românticos do mundo. Sem tirar que Sunghoon ficava uma graça quando tentava repetir as palavras.
E assim, eu e ele passamos o resto do nosso tempo livre lendo um dicionário. De todas as coisas que eu já pensei em fazer na escola, essa não estava na lista.
Mas quanto mais folhas eu passava, menos palavras me agradavam. Sunghoon parecia sentir o mesmo, porque ele já não me deixava mais ficar em uma página por muito tempo, ele logo passava para a página seguinte. Nós ficamos assim por um bom tempo, mas somente até eu perceber que o nosso intervalo já estava quase chegando ao fim e, como um ciclo sem fim, voltamos para a página que Sunghoon havia citado anteriormente.
— Soleil. — Sunghoon repete após eu pedir para que ele o faça. O garoto estava com um dos braços por trás do meu corpo, se apoiando no encosto da minha cadeira.
— De novo, por favor. — falei sério, analisando a fala dele.
— Então agora você 'tá interessado? — ele faz uma careta e se inclina em minha direção, falando a palavra mais devagar dessa vez. — Soleil.
Eu abri um sorriso.
— Tudo bem, você pode me chamar assim. — fechei o dicionário. — Combina com a pulseira que você me deu e digamos que talvez eu goste de como você pronuncia isso.
— Você gosta? — o garoto curva os lábios em um sorriso ladino.
— Talvez. — eu sussurrei ao sentir que ele estava mais próximo do meu rosto do que antes.
Eu encarei os lábios do garoto por um breve segundo, o sorriso de Sunghoon me lembrava coisas boas e nunca deixava de me causar borboletas no estômago que com certeza eram lindas e muito coloridas. E por mais que eu adorasse tê-lo tão perto de mim, ainda estávamos na biblioteca. Por isso eu respirei fundo, balancei a cabeça e voltei a focar nos olhos do mais velho quando me afastei de seu rosto.
— Agora que decidimos isso, podemos voltar para a sala, não é? — eu proferi enquanto recolhia os meus livros. — Eu quero que esse dia termine logo.
Sunghoon respirou fundo enquanto se levantava da mesa e pegava o material que ele trouxe: um lápis de desenho e uma borracha desgastada.
— Certo, vamos voltar. — ele apoia as mãos na cadeira enquanto olhava para mim. — Como foi a conversa com a Yuna?
Eu pensei por alguns segundos, segurando os meus livros em frente ao meu peito e esperando Sunghoon me acompanhar até a saída da biblioteca. Daya não estava por lá hoje, o que eu estranhei, mas eu não consegui encontrar nenhum superior que soubesse me informar alguma coisa.
— No começo, foi uma conversa estranha. Por culpa minha, é claro. — eu ri para mim mesmo. — Mas eu não conversei só com ela, Yeji estava junto. Se tudo der certo, e os meninos colaborarem, podemos terminar esse ano com todas as turmas do terceiro ano em completa paz.
— A Yeji concordou com isso? — Sunghoon pergunta.
— Aham. — eu falei. — Você só vai precisar ter uma pequena-grande conversa com o seu melhor amigo. Você acha que o Jake ficaria numa boa?
— Eu não sei, o Jake anda meio estranho. Eu não faço ideia do que anda acontecendo na vida dele, e olha que nós moramos juntos. — Sunghoon diz, indignado. — Um dia desses ele me perguntou qual foi o momento em que eu percebi que eu e você éramos mais do que amigos. — ele olha para mim. — O Jake nunca pergunta isso.
As minhas sobrancelhas se levantaram.
— Você não pensou na possibilidade de ele estar gostando de alguma garota? — eu perguntei em um tom óbvio, me aproximando de Sunghoon quando entramos em um corredor com mais alunos.
— Impossível. — o garoto ri fraco. — Não querendo fazer piada, mas o Jake não tem amizades femininas tão próximas assim. Você já viu ele com outras pessoas além da gente?
— É verdade, então talvez ele só estava curioso mesmo. — eu falei, segurando a maçaneta da porta da nossa sala. — Ele é seu melhor amigo, é compreensível.
— É, talvez seja isso mesmo. — ele dá de ombros e espera eu abrir a porta. — Mas vou falar com ele sobre os jogos internos sim.
Quando eu e Sunghoon entramos na sala, alguns alunos já estavam lá também. Em semana de prova, era normal ver pessoas dentro das salas de aula durante o intervalo. Nós chegamos alguns minutos antes da aula começar, eu pude observar Jake e Heeseung sentados juntos no canto da sala, fazendo perguntas um para o outro como uma tentativa de estudarem para a prova.
Do outro lado, Jay dormia em cima da mesa, sendo o oposto de Jungwon, que por um breve segundo encarou o garoto, parecendo hesitar em falar com ele. Eu não conseguia acreditar que eles estavam afastados por não saberem conversar.
Sunghoon e eu nos encaramos uma última vez, desejando boa sorte um para o outro quando cada um seguiu para o seu lugar após ouvirmos o sinal tocar.
⋆✦⋆
Sunghoon
19:23
acabei de entrar no Uber, chego aí em alguns minutos!
eu espero que o seu pai não me odeie, me deseje boa sorte :'(
Eu encarava a última mensagem de Sunghoon enquanto balançava inquietamente a minha perna. Eu estava sentado na sala e a voz nada discreta de Bob Esponja estava saindo pelos alto falantes da televisão.
Eu implorei para que os meus pais não falassem nada comprometedor, muito menos algo que fizesse Sunghoon nunca mais querer pisar dentro de casa. E eu realmente queria que eles gostassem de Sunghoon tanto quanto eu gostava. E tudo bem que eles já se encontraram outras vezes, mas agora seria diferente, Park não estava vindo até a minha casa como um amigo. Ele estava ali como o meu namorado.
Eu jamais imaginei estar apresentando um namorado para os meus pais. Passar por tantas primeiras vezes diferentes era assustador, mas ao mesmo tempo fazia eu sentir que estava vivendo a vida.
— Você vai cavar um buraco no chão se continuar batendo esse pé nervoso desse jeito, Sunoo. — o meu pai diz com humor ao passar pela sala. O homem carregava uma sacola de compras e levava até a cozinha, onde minha mãe estava. — o Sunghoon já está vindo?
— Desculpa. — eu levei a mão até a minha perna em uma tentativa falha de fazê-la parar de bater o meu pé no chão. — Sim, já tem alguns minutos que ele enviou mensagem.
E como mágica, o som da campainha tocando se espalhou por todos os lados. Eu dei um pulo do sofá, deixando o meu celular cair em cima do estofado.
— Eu atendo! — falei alto o suficiente para os meus pais escutarem.
Em uma corrida atrapalhada, eu consegui chegar até a porta. Quem olhasse a cena, diria que eu estava prestes a encontrar Sunghoon pela primeira vez, mas eu estava apenas ansioso para aquele jantar.
— Atrasado demais? — Sunghoon pergunta assim que a porta foi aberta por mim.
Em uma mão, ele segurava um buquê de flores, na outra, uma sacola misteriosa de presente. Park estava sorrindo com os olhos e, por um segundo, eu esqueci que estava nervoso. Mas o que me chamou atenção foi que, diferente do usual, ele não estava usando uma camiseta de banda, mas sim uma camiseta branca, sem estampa. Na parte de baixo, ele usava um jeans escuro. E apesar de eu achar isso fofo, eu tinha certeza que Sunghoon não precisava mudar em nada para agradar os meus pais.
— Nem um pouco atrasado. — eu continuava sorrindo enquanto estava apoiado na porta, não demorando para dar espaço para ele entrar. — Flores?
— São para a sua mãe. — ele diz, parecendo um pouco tímido e nervoso.
Eu estava abrindo os meus lábios para chamá-lo de fofo quando os meus pais se aproximaram da porta, mais animados do que eu esperava que estivessem. O meu coração acelerou no mesmo instante, e então, as próximas cenas começaram a me fazer ter outro sentimento além do nervosismo.
— Sunghoon, você chegou! — a minha mãe diz, se aproximando mais ainda.
De mochila nas costas, Sunghoon fez uma rápida reverência aos mais velhos, não demorando para estender tanto a flor como a sacola de presente em direção deles.
— Boa noite Sr. e Sra. Kim. — Park estava tímido. Eu não sabia que precisava vê-lo assim, pelo menos não até acontecer.
— Esses presentes são para vocês, não é nada demais. Mas eu não poderia vir até aqui de mãos vazias. — o garoto finaliza.
— Ah, Sunghoon. — a minha mãe diz, puxando o garoto para um rápido abraço. — Não precisava, mas obrigada. — ela sorri. — Ainda bem que você chegou cedo, estava marcando um temporal para essa noite.
— Então você é o famoso Sunghoon? — quando eu encarei o meu pai, ele estava sério, não esboçando reação alguma.
Sunghoon engoliu em seco ao perceber. Eu estava quase cutucando o meu pai com o braço, mas um sorriso logo se fez presente nos lábios do mais velho, ele estendeu a mão para Sunghoon e os dois fizeram um aperto de mão caloroso. Eu suspirei aliviado.
— Se assustou, não é? — o meu pai ri, fazendo Sunghoon rir junto. E eu conhecia a risada do garoto. Ele estava rindo de nervoso. — Não precisava do presente, mas obrigado, garoto. — o meu pai diz. — Vem, vamos para a sala, lá podemos ficar mais confortáveis.
Quando eu olhei para a minha mãe, ela me lançou um olhar que eu sabia exatamente o que significava. Aquela não seria a última tentativa de ser engraçado do meu pai.
Mas tudo bem, era melhor ser assim do que ele não gostar de Sunghoon.
⋆✦⋆
Sentados na mesa de jantar com os meus pais, Sunghoon já não parecia tão tenso como antes. Depois que o meu pai abriu o presente de Sunghoon, eu acreditava fielmente que o meu pai passou a gostar mais dele do que de mim.
Sunghoon o presenteou com uma camisa de basquete do Chicago Bulls, o time favorito do meu pai. Eu só havia comentado sobre isso uma vez, então a memória de Park era realmente boa. Saber que Sunghoon prestava atenção nesses detalhes me deixava feliz e nem um pouco arrependido de apresentá-lo aos meus pais como o meu primeiro namorado.
— O Sunoo fez isso mesmo? — o meu pai pergunta, não acreditando no que havia acabado de escutar. — E por que você nunca me falou sobre isso, filho?
O assunto sobre basquete continuou por um tempo, Sunghoon e eu estávamos relembrando do dia em que eu acertei a cesta da vitória na aula de educação física e que em seguida Park torceu o tornozelo.
— Porque foi sorte, pai. — eu ri fraco e peguei mais um pouco do Kimchi que a minha mãe cozinhou para o jantar. — Eu não sou o melhor jogador do mundo, o Sunghoon joga muito melhor do que eu, você precisava ter visto ele jogando.
— Isso até eu torcer o pé. — Sunghoon faz uma careta. — O Sunoo joga bem sim, mas ele é um talento que se esconde.
— Eu sempre disse isso a ele! — a minha mãe aponta o hashi dela para mim. — O Sunoo sempre foi assim, ele vive escondendo os talentos dele. Quando pequeno, ele costumava escrever histórias muito fofas e criativas, mas nunca me deixava ler.
— É mesmo? — Sunghoon vira o rosto para mim. — Eu pensei que ele gostava mais da leitura.
— Mãe... — eu fiz uma careta, mexendo distraidamente o meu hashi na minha tigela. — Eu sou mais da leitura sim, isso era apenas uma brincadeira de criança.
E realmente era, mas as minhas histórias eram criativas porque eu vivia elas nos meus sonhos. Eu gostava de colocá-las no papel algumas vezes, mas a minha mãe acabou lendo uma delas e eu me senti estranho. Eu queria tê-las apenas para mim, era o meu segredo.
— E sobre o que eram? — Sunghoon pergunta, curioso.
Eu engoli em seco ao encarar o rosto do mais velho. Eu já não pensava tanto nos meus sonhos como antes, mas quando eu pensava, o meu coração se apertava.
— Eu não lembro, já faz tanto tempo. — eu ri fraco e peguei um pouco do refrigerante na mesa, bebendo alguns longos goles.
E então, o jantar continuou. Eu agradeci mentalmente quando o meu pai mudou o assunto e começou a contar sobre o trabalho dele. Sunghoon parecia realmente interessado. Como ele era jornalista, o meu pai sempre viajava, então ele tinha muitas histórias de trânsito para contar. Algumas eram engraçadas, outras eram realmente tristes. Naquela noite, o meu pai decidiu contar as mais engraçadas. Eu só não sabia se Sunghoon estava mesmo achando as coisas engraçadas, mas eu estava rindo junto à eles.
Por um segundo, eu encarei todos ali presentes, sentindo conforto com a cena de três pessoas tão importantes para mim com sorrisos sinceros em seus rostos.
— Mas então, Sunghoon. — a minha mãe começa a falar. — Quais são os seus talentos escondidos?
— Escondidos eu não sei, mas ele desenha muito bem, mãe. — eu falei, recebendo um sorriso de Park. — Um dia os quadros dele vão estar expostos na Galeria de Artes de Odhen, eu tenho certeza.
— Ah, é? — a minha mãe se manifesta, impressionada. — Isso é interessante, Sunghoon. Você pensa nisso só como um hobby ou pensa como carreira?
— Eu não sei dizer, Sra. Kim. — Sunghoon ri, sem graça. — Eu desenho desde criança, é uma das minhas maiores paixões. — ele bebe um pouco de refrigerante, encarando o relógio que ele tinha no pulso por um breve segundo. — Uma vez, uma professora me inscreveu em um concurso, eu poderia ter chegado na final, mas como eu era menor de idade e os meus pais estavam ocupados na época, eu não pude comparecer. — ele faz uma careta. — Talvez tenha sido um sinal.
— Um sinal de que exatamente, Sunghoon? — a minha mãe pergunta de forma delicada.
— Que é apenas um hobby. — ele sorri de lábios juntos. — Eu ainda sou novo, tenho tempo para decidir o meu futuro, não é?
— Tem sim, garoto. Muito tempo. — o meu pai diz, parecendo sério pela primeira vez depois de várias piadas durante a noite. — E é por isso mesmo que você deve tentar, porque você tem tempo para saber se fez a escolha certa ou não.
Sunghoon pareceu pensativo após a fala do meu pai, mas a feição em seu rosto mudou quando ele voltou a sorrir. E assim, o nosso jantar terminou com mais conversas aleatórias sobre a vida. Dessa vez, nenhuma tensa o suficiente para deixar alguém pensativo.
⋆✦⋆
Mesmo com a minha mãe insistindo que não precisava, Sunghoon e eu ajudamos a recolher os pratos e a lavar a louça depois do jantar. Já era tarde da noite e não havia nenhum sinal da chuva que a minha mãe disse que aconteceria. E eu odiava tempestades, então eu estava feliz. De qualquer forma, caso acontecesse a chuva, pelo menos Sunghoon dormiria na minha casa naquela noite. Mesmo que em quartos diferentes, por ordens dos meus pais.
Algumas horas antes de Sunghoon chegar, eu e a minha mãe montamos uma cama bastante confortável para ele. O garoto dormiria na minha sala de leitura e, particularmente, eu achava o lugar mil vezes melhor do que o meu quarto. Por mim, eu faria dela o meu quarto também. Era o meu lugar favorito.
Mas saber que Sunghoon estava no quarto ao lado e que não podíamos ficar juntos estava me torturando. Qual a graça de trazer o namorado para a sua casa se não vocês não podem dormir juntos? Eu tinha certeza que os meus pais não cumpriam essas regras quando tinham a minha idade.
Para piorar, eu estava sem sono. Já Sunghoon eu acreditava estar dormindo. Ficamos trocando mensagens por um tempo, mas ele parou de responder, ele sempre parava de me responder quando chegava perto da uma hora da manhã.
Impaciente por não conseguir dormir e cansado de encarar o teto do meu quarto, eu me levantei da cama. Quando eu percebi, eu estava andando pelo corredor da minha casa em passos delicados, tentando não fazer barulho algum. Isso até eu ouvir um barulho, ou melhor, a voz robótica de uma mulher.
''A sua chamada está sendo encaminhada para a caixa postal.'' a voz dizia.
Quando eu me aproximei da porta da sala de leitura, pude ver Sunghoon pela fresta da porta. A luz estava apagada e ele respirava fundo enquanto estava sentado na beira da cama, encarando a tela do próprio celular.
Eu não queria invadir a privacidade do garoto, então antes que eu pudesse ouvir mais alguma coisa, eu dei duas leves batidas contra a porta, usando as costas da minha mão.
O olhar de Sunghoon sobe imediatamente até o meu. Em meio ao leve susto, ele guardou o celular desajeitadamente no bolso da calça e se levantou da cama.
— Sunoo? O que você 'tá fazendo aqui? — ele engole em seco e se aproxima de mim. — E os seus pais?
— Eles não vão saber. — eu falei, ignorando as outras perguntas do mais velho quando encarei os olhos tristes dele. — 'Tá tudo bem, Sunghoon?
— 'Tá sim, eu só... — ele nega com a cabeça. — Não é nada demais, não se preocupa. Você pode voltar pro seu quarto, se quiser.
— Mas eu não quero. — eu me aproximei e segurei o rosto dele, fazendo com que ele me olhasse. — Eu conheço você e sei que não 'tá tudo bem. Pra quem você 'tava ligando?
Sunghoon tinha o maxilar travado e não me olhava nos olhos. Enquanto eu esperava por uma resposta dele, o ouvi respirar fundo, hesitando várias vezes antes de falar alguma coisa. Mas ele finalmente diz.
— Eu estava tentando ligar para os meus pais, Sunoo. Sim, de novo. — ele umedece os lábios. — A diferença horária entre a Coréia e a França é de 8 horas, por isso eu costumo ligar para eles nesse horário. Mas talvez não seja um horário tão bom assim. — ele ri sem humor.
— Eles não atendem você a quanto tempo? — eu sussurrei a minha pergunta. — Eu sinto muito, de verdade.
— Eu falei com o meu pai semana passada. — ele diz. — Talvez ele só tenha atendido porque era o aniversário dele. Como ele poderia perder uma felicitação, não é mesmo? — ele é sarcástico.
— Sunghoon...
— Eu sou um idiota, eu sei. — ele segura a minha mão e a afasta de seu rosto. — Eu continuo ligando, talvez na esperança de que um dia eles magicamente me tratem como o melhor filho do mundo.
— Não fala assim, você não é um idiota. — eu voltei a posicionar a minha mão no rosto dele. — Não tem nada de errado em continuar ligando para eles, isso diz muito sobre você. — eu acariciei a bochecha do garoto. — Você é o garoto mais incrível que eu já conheci.
— Então por que eles não enxergam isso, Sunoo? — Sunghoon tinha a voz embargada, falando tão baixo que eu quase não consegui ouvir. — Tem dias que eu acordo e não dou a mínima para eles, mas então, eu conheço os pais do meu namorado e me sinto mal por estar desejando que os meus pais estivessem aqui também, conhecendo você e gostando de você do mesmo jeito que eu gostei de estar aqui.
Eu mal conseguia enxergar o rosto de Sunghoon por conta da luz apagada, mas eu comecei a sentir um líquido quente escorrer pela minha mão. Em seguida, Sunghoon fungou, me dando a certeza de que ele estava chorando.
A minha única reação foi abraçá-lo imediatamente. Sunghoon demorou alguns segundos para retribuir, mas não demorou para ele estar com a cabeça apoiada em meu peito, molhando a minha camiseta.
Eu nunca desejei tanto proteger uma pessoa como eu desejava proteger Sunghoon. Ouvir ele chorando foi uma das coisas que mais me machucou em toda aquela situação. Eu sabia que aquele choro estava guardado por muito tempo.
— Ei, ei. Olha pra mim. — eu sussurrei, levantando a cabeça do mais velho. — Não tem problema nenhum em chorar, 'tá bem? Eu 'tô aqui com você. Vem comigo.
Eu segurei na mão dele, o puxando comigo até a cama no chão. Quando eu me apoiei na parede atrás de mim, Sunghoon se deitou ao meu lado e voltou a apoiar a cabeça em meu peito novamente.
— Podemos mudar de assunto se você quiser, ou ficar aqui em silêncio. Você decide. — eu sussurrei enquanto acariciava os fios de cabelo do mais velho. — Qualquer coisa que deixe você melhor.
Sunghoon respira fundo, ele já não chorava como antes, mas algumas lágrimas ainda escapavam pelos olhos dele. E eu pensei que ficaríamos em silêncio, mas Park coçou a garganta e começou a falar:
— Eu me sinto assim desde criança. — ele passa um dos braços por minha cintura. — Naquela época, eu não sabia como lidar com isso, eu sempre estive sozinho. — ele continua. — Depois de um tempo, eu encontrei um lugar secreto. Sempre que eu me sentia mal por conta dos meus pais, ou sempre que eu tinha um dia ruim, era pra lá que eu corria.
Sunghoon levanta o olhar até o meu, eu estava prestando atenção em cada palavra dita por ele, o incentivando a continuar.
— Mas eu perdi esse lugar e precisei voltar a lidar com tudo sozinho. — ele aperta o meu corpo contra o dele, sorrindo fraco para mim quando eu limpei o rosto dele com as costas da minha mão. — Você me lembra desse lugar.
— Lembro? — eu arqueei as sobrancelhas. — E onde ficava esse lugar?
— Eu não sei dizer, faz um tempo já. — ele ri fraco. — Mas se eu pudesse nomear naquele tempo, eu chamaria de paraíso.
— Paraíso? Por quê?
— É. Sabe, você gosta de ler livros e criar histórias. Então deve entender como é criar um lugar perfeito que seja apenas seu. — ele se afasta de mim e deita para trás na cama, batendo ao lado dele para que eu me deitasse. — Um lugar reconfortante onde você se sente bem. O paraíso.
Eu entendia isso melhor do que ninguém. Eu passaria horas contando sobre o universo incrível que existia dentro da minha própria mente. Eu sentia tanta falta disso e da sensação que me causava. O tempo passava tão rápido e parecia que, quanto mais velho eu ficava, menos colorida a minha imaginação ficava. Talvez Peter Pan tivesse tanto medo de crescer por esse motivo, o mundo na visão adulta era feio e cinza.
— Mas o que aconteceu com o seu paraíso? — eu virei o meu rosto para encará-lo.
Sunghoon respira fundo ao meu lado, balançando a cabeça devagar antes de me encarar de volta, olhando bem nos meus olhos.
— Eu não faço ideia. — ele sussurra e encolhe os ombros. — Eu não lembro muito dele. — ele ri fraco. — Me desculpa, eu devo estar parecendo um maluco.
— Como em Alice no País das Maravilhas, as melhores pessoas são as malucas. — eu falei em um tom divertido, tentando descontrair. — Mas eu não pensei nada disso, eu prometo.
Eu estava confuso com aquela conversa, mas ela estava distraindo Sunghoon. Eu me senti aliviado ao perceber que ele já não chorava mais.
De repente, nós dois escutamos o barulho de um raio. Em seguida, pingos de chuva começaram a cair do lado de fora. Quando encaramos a janela, soubemos que a minha mãe estava certa sobre a previsão do tempo.
— Eu acho que esse é o momento perfeito para voltarmos a dormir, não é? — Sunghoon ri fraco, me fazendo sorrir quando o senti me puxar para deitar com a cabeça no peito dele. — Fica aqui comigo, por favor? Eu me responsabilizo pelas consequências depois.
No começo, eu hesitei. Os meus pais nos colocaram em quartos separados por algum motivo, mas o que eu poderia fazer se o meu lugar era ao lado de Sunghoon? Depois de uma semana inteira nos vendo apenas na escola, algumas horas dormindo juntos não fariam mal a ninguém.
— Tudo bem. — eu sussurrei, me virando de costas para Sunghoon, o garoto agora me abraçava por trás. — Assim é mais confortável.
Eu ouvi uma pequena risada dele.
— Sou eu que preciso de consolo e eu que tenho que estar do lado de fora da conchinha? — ele diz, apertando o meu corpo em seus braços. — Seu insensível.
Foi a minha vez de rir.
— Tudo bem, podemos trocar se você quiser. — eu falei, pronto para me virar, mas Sunghoon me impediu.
— Eu 'tava brincando. — ele diz. — Gosto de ficar assim com você.
E então, ele voltou a me apertar contra ele, me abraçando forte e me soltando aos poucos. Eu estava quase o empurrando pela provocação, mas senti um beijo ser deixado contra a minha nuca.
— Obrigado por fazer eu me sentir melhor. — ele sussurra. — Boa noite, Soleil.
Aquela foi a primeira vez, desde a biblioteca, que ele me chamou assim. E eu pensei que não iria gostar quando ele fizesse, mas eu me senti mais confortável do que nunca. Principalmente estando nos braços dele.
— Não precisa me agradecer, vou sempre estar aqui. — eu sussurrei. — Boa noite, gatinho.
O barulho da chuva foi a única coisa que escutamos nos minutos seguintes. E eu tentei dormir, eu juro que tentei. Mas por algum motivo, as palavras de Sunghoon despertaram a minha imaginação. Em meus pensamentos, eu visualizava todas as coisas que eu considerava ser o meu paraíso. O principal delas? Os meus sonhos.
Eu não queria incomodar Sunghoon com os meus pensamentos, então, eu apenas fingi estar dormindo enquanto recebia leves carícias em meu cabelo. De certa forma, aquilo estava começando a me dar sono. A minha respiração estava tranquila, mas a minha cabeça continuava presa em momentos que, querendo ou não, eu sentia falta.
E por pensar que eu havia caído no sono, Sunghoon diminuiu as carícias em meu cabelo, parando por completo. Eu estava quase me virando para ele para pedir que não parasse, mas eu senti os lábios macios do mais velho contra a minha bochecha, me deixando com borboletas no estômago quando ele deixou um beijo suave contra aquela região. E antes que eu pudesse reagir e demonstrar ainda estar acordado, eu paralisei.
— A melhor parte do meu paraíso, era que ele era você. — Sunghoon sussurra para mim como se um segredo estivesse sendo revelado. — Eu procurei por você desde a última vez em que eu te vi nos meus sonhos, Sunoo.
Em questão de segundos, eu senti o garoto se afastar do meu corpo, se deitando ao meu lado novamente. A mão dele voltou a passar pela minha cintura e, quando tive a certeza que ele não me observava mais, eu abri os meus olhos.
Eu pisquei várias vezes, totalmente em choque. Em minha visão, a única coisa que eu conseguia enxergar eram os pingos de chuva que caíam contra o vidro da janela do quarto. E mesmo com isso, eu não conseguia pensar em nada, absolutamente nada. A confusão tomou conta de todos os meus pensamentos. Não poderia ser possível que, depois de meses evitando lembrar dos meus sonhos, Sunghoon talvez estivesse tentando fazer a mesma coisa. Eu estava prestes a enlouquecer.
Eu passei todos esses meses tentando dissociar a imagem do Sunghoon com a imagem do meu garoto dos sonhos apenas para não me machucar com algo que parecia ter saído de um livro de fantasia. E agora, eu estava de volta para a mesma sensação que eu senti quando Sunghoon passou pela porta da minha sala de aula pela primeira vez.
Eu era o paraíso de Park Sunghoon.
⋆✦⋆
Chapter 16: Jamais vu
Chapter Text
"Jamais Vu" — É o oposto de déjà vu, jamais vu é a sensação de que algo familiar é totalmente desconhecido.
Park Sunghoon
Seul, 08 de dezembro de 2014.
Ainda não era natal, mas como estávamos em dezembro, a cada canto que se olhava era possível enxergar variações de enfeites natalinos. E era isso que eu observava enquanto caminhava por uma rua estreita de Seul, há poucas quadras da minha casa. Na cabeça, eu usava um fone de ouvido que eu conectava em um celular antigo da minha mãe já que eu não podia ter um. Ela não sabia que eu o pegava, mas eu duvido que tenha notado. Eram poucas as memórias que eu tinha sobre ser notado.
Quando eu tinha cinco anos, a minha mãe dizia que os enfeites natalinos nas ruas eram por conta do meu aniversário, eu achava aquilo incrível, eu me sentia especial de alguma forma. Mas naquele dia, em mais um aniversário meu, a única coisa que recebi dela e do meu pai foi um simples ‘’Feliz aniversário, filho! Vamos te recompensar em outro dia, é uma promessa.’’
Eu gostaria que adultos parassem de prometer coisas que não fossem cumprir.
O relacionamento da minha família mudou muito, e eu nunca fui de me importar com esse tipo de coisa, não até a situação se tornar tão frequente e confusa para mim. Quando eu percebi, os meus pais já não tinham tempo para mim e eu passava mais tempo com uma babá do que com eles que, todos os dias, apareciam cansados depois de um longo dia de trabalho, sem nenhum tempo para mim e nem para eles. Parecíamos qualquer coisa, menos uma família. Com o foco apenas no trabalho, os meus pais já nem agiam mais como um casal, eu me perguntava se eles percebiam isso.
E como eu sempre era o último dos meus amigos da escola a fazer aniversário, eu passei a observar a diferença de tratamento entre cada família. Ganhar uma festa, sair para comer com os pais e aguardar ansiosamente a chegada da meia noite para receber felicitações de sua família era para ser algo normal, não era? Eu sempre desejava por isso, mesmo quando fingia que não.
Mas foi assim que, com doze anos, eu já odiava fazer aniversário.
— Não era para você estar na escola, Sunghoon? — Haru me chamou a atenção quando passei pela porta da biblioteca, sendo nada discreto por conta do sino que indicava a minha entrada.
Nos últimos meses, eu acabei descobrindo aquela biblioteca no meu bairro, ela pertencia à uma família japonesa. Como o lugar ficava há apenas algumas quadras da minha casa, eu passei a usá-lo como o meu estúdio de desenhos, ou um lugar secreto que não era tão secreto assim. Haru, o filho da dona, sempre me deixava vir para cá e prometia não contar para a Sra. Narumi que eu não alugava nenhum livro. Em troca, eu o ajudava a organizar as coisas de vez em quando. Ou de vez em sempre, afinal, Haru era um jovem adulto um pouco preguiçoso. E eu, como uma criança enérgica de doze anos, estava sempre à disposição.
— Eu faltei, os meus pais deixaram. — menti ao me aproximar do balcão, forçando o meu melhor sorriso para o mais velho. — Posso ajudar em alguma coisa hoje?
Eu era um péssimo mentiroso. Os olhos de Haru foram dos meus pés à cabeça, deixando claro que ele sabia que eu estava faltando aula, afinal, eu estava usando o uniforme da minha escola.
— Vou deixar passar, só hoje. — ele me olha sério e arrasta uma pilha de livros em minha direção. — As coisas estão paradas, você pode só deixar esses livros no lugar, por favor.
— Certo, pode deixar. — eu afirmei com a cabeça enquanto pegava os livros, agradecendo por não escutar nenhuma bronca.
— Ah, Sunghoon! Antes que eu me esqueça. — o mais velho me chamou antes que eu me virasse. Em seguida, o vi se abaixar por trás do balcão e levantar de lá com um caderno de desenhos em mãos, ele estava enrolado em um pequeno fio vermelho com um laço. — Feliz aniversário! Eu percebi que o seu caderno era uma agenda meio velha, então…
Pela primeira vez no dia, eu dei um sorriso genuíno.
— Você lembrou. — eu falei, o meu olhar estava preso no caderno que eu segurava, eu mal soube como reagir. — Eu vou usar, com certeza. Muito obrigado, Haru!
— É claro que eu lembrei, garoto. — ele sorri e aponta para as prateleiras da enorme biblioteca. — Você pode inaugurar ele depois que você guardar os livros, que tal?
Ele pisca para mim.
— Perfeito. — eu respondi ainda com um sorriso nos lábios.
E naquele momento, nós dois ouvimos o sino da porta tocar, indicando que mais alguém havia passado por ela. Quando eu virei o meu rosto, percebi que se tratava de um garotinho. Ele estava bastante apressado, como se estivesse atrasado para alguma coisa.
Ele tinha cabelos escuros, assim como os meus, as bochechas dele estavam rosadas e ele era um pouco mais baixo do que eu, mesmo aparentando ter a minha idade. Quando ele passou pelo balcão segurando um livro bastante colorido, nós trocamos olhares por um curto segundo, mas foram segundos suficientes para me fazer notar que seus olhos estavam marejados. E assim, como um furacão, ele passou por mim e por Haru, me deixando confuso e curioso.
— Ei! Não pode correr assim na biblioteca! — Haru tenta chamar a atenção do garoto, mas desiste quando ele some pelos corredores de livros.
Como eu disse, Haru era preguiçoso. A Sra. Narumi brigava com o garoto todos os dias por ele ter a cabeça nas nuvens, eu achava engraçado porque ela sempre o xingava em japonês, eu nunca entendi, mas sabia que não eram coisas tão amigáveis assim.
— Quem é ele? — eu perguntei, ainda curioso sobre o garoto.
— É o Sunoo. — Haru responde, parecendo preocupado. — Ele vem aqui às vezes, deve ter vindo entregar outro livro, eu não sei.
— Sunoo… — eu sussurrei, levantando as sobrancelhas em seguida. — Nunca o vi aqui.
— Eu acho que essa é a primeira vez que vocês dois estão aqui ao mesmo tempo. — o mais velho diz. — A mãe dele o deixa aqui pela manhã antes da escola, já você vem no final da tarde.
Ler livros de manhã era a última coisa que eu pensava em fazer no meu tempo livre. Eu gostava mais de passar o meu tempo jogando videogame ou assistindo desenho. Ultimamente, Star vs. As Forças do Mal e Gravity Falls eram os meus favoritos.
— Entendi. — eu dei de ombros e segurei os livros com mais força. — Vou terminar isso logo, volto já.
Daquela vez, eu me afastei do balcão, caminhando diretamente até os corredores de livros daquela biblioteca. Era um pouco irônico eu frequentar aquele lugar tantas vezes e não pegar um livro sequer para ler, mas como lá era o lugar mais perto para fugir da minha casa, eu aproveitava. E como eu estava faltando aula, achei que aquele fosse o lugar perfeito, não era como se alguém fosse sentir a minha falta.
Os livros que Haru me entregou eram de estudos, todos envolviam matemática. Quando eu li os títulos, senti calafrios. Eu agradecia por ainda estar no fundamental, demoraria muito tempo para eu chegar no último ano do ensino médio e precisar lidar com palavras que eu jamais adivinharia o significado.
Brick By Boring Brick do Paramore, minha nova banda favorita, tocava no fone de ouvido que estava apoiado em meu pescoço quando eu peguei o último livro para pôr na prateleira. Se Haru percebesse, eu provavelmente seria repreendido por estar ouvindo música, mas ele estava longe demais no momento, então eu dei play novamente.
Mas então, do meio do corredor que eu estava, eu comecei a escutar um som que não fazia parte da música. Curioso, eu fiz Hayley Williams parar de cantar quando pausei o som que tocava, começando a ouvir um fungado em seguida. Eu pisquei algumas vezes, mas então afastei um dos livros da prateleira em minha frente, me assustando quando tive a visão de um olho me encarando. Se eu não estivesse errado, era o olho do garoto que entrou como um furacão na biblioteca há alguns minutos.
Percebi que não fui o único a se assustar porque, depois que nossos olhos se encontraram por aquela pequena fresta, o menino se afastou e virou de costas para a prateleira que nos separava. Eu me senti estranho com aquilo, ele parecia tão vulnerável quando passou por mim, eu poderia muito bem ignorá-lo e voltar para onde eu estava, mas alguma coisa me fez falar com ele.
— Por que você ‘tá chorando? — eu sussurrei, um pouco receoso.
— Eu não estava chorando. — ele responde imediatamente e passa as costas da mão por uma de suas bochechas, parecendo irritado em ser visto. — Quem é você?
Ele permanecia de costas para mim.
— Ah, tudo bem. Mas você sabia que é proibido fazer barulho na biblioteca? — eu fiz uma careta, ignorando a pergunta feita por ele.
— Eu sei. — ele responde, fungando uma última vez. — Então por que você ‘tá falando comigo?
— Eu só perguntei o porquê de você estar chorando. — eu dei de ombros. — Mas como você disse que não estava...
— Me desculpa, eu só… — a voz dele falha.
Ah, não. Ele estava prestes a chorar de novo.
— Não, tudo bem. — eu o interrompi. — Não precisa me contar nada. Por favor, não chore. Me desculpa.
Eu escutei o barulho de algo caindo no chão. Quando eu olhei entre os livros, o garoto estava sentado de costas para a prateleira, abraçando os próprios joelhos. Não era para eu estar ali, me senti um garoto intrometido. Porém, ele voltou a falar comigo quando eu estava prestes a voltar para a recepção.
— Me desculpa, é feio responder um estranho desse jeito. — o garoto começa a falar. — E também é errado falar com estranhos, acredito que você não é diferente de mim.
— Como assim?
— Os seus pais nunca te falaram para não conversar com estranhos? — ele questiona, fungando mais uma vez.
— Na verdade, não. — eu fiz uma careta. — Mas se você quiser, eu vou embora…
— Não precisa. — ele dá uma pausa. — Você é só um garoto como eu.
— Tudo bem. — eu respirei fundo e me virei de costas para a prateleira, tirando a mochila das costas e me sentando como ele estava. Eu optei por não ir até ele, já me sentia intrometido demais naquele momento.
A única coisa que nos separava era uma prateleira, ambos estavam apoiados com as costas nela. Eu não sabia o porquê de eu estar fazendo aquilo, mas ver outro garoto da minha idade chorando sozinho chamava a minha atenção. E mais uma vez, eu fiquei curioso sobre isso.
— O que te faz chorar em uma biblioteca? — eu tentei perguntar de novo, mesmo ainda estando receoso de levar mais um fora.
— Eu vou embora de Seul. — ele sussurra.
Eu não soube o que dizer. Se eu pudesse ir embora de Seul, eu iria. A única coisa que me deixava feliz naquela cidade era o meu melhor amigo, mas recentemente ele e sua família se mudaram para uma cidade próxima. Eu não lembrava o nome dela, mas eu lembro de ter achado um nome bastante diferente do que eu estava acostumado.
— Mas por quê você vai embora? — eu perguntei.
— Os meus pais e os meus avós brigam muito, mas eu não sei o porquê. — ele parecia realmente confuso. — Eu escutei os meus pais falando sobre isso e a única coisa que eu sei é que tudo é por minha causa.
— Eles vão embora por sua causa? — eu fiz uma careta.
— Sim. — ele diz. — Essa é a nossa última semana em Seul, por isso eu vim até aqui. Eu nem consegui finalizar esse livro. — ele respira fundo. — Eu só queria que as brigas acabassem, mas eu acho que os meus avós não gostam muito de mim.
— Eu sinto muito. — eu suspirei, não fazendo a mínima ideia de como melhorar aquela situação. — Mas se te faz sentir melhor, hoje é o meu aniversário e eu estou passando ele sozinho nessa biblioteca. Os meus pais estão ocupados, de novo.
Um silêncio se instalou pelos corredores novamente.
— Feliz aniversário. — a voz suave do garoto me faz reagir.
— Valeu. — eu agradeci enquanto encarava os meus pés.
Fiquei sem palavras, então resolvi ficar mais uma vez em silêncio. O garoto fez a mesma coisa, ficamos por longos minutos apenas encarando os livros e o lugar em que estávamos. Eu até pensei em olhar para trás para vê-lo, mas eu estava confortável daquele jeito. Não tinha muito o que eu pudesse falar com um estranho.
— Sabe… — ele começa a falar depois de um tempo. — Não seria legal se existisse um mundo perfeito?
— Isso é impossível. — eu entortei os lábios.
— Eu sei, mas pensa bem, estamos em uma biblioteca. — ele respira fundo, então eu percebo que agora sua cabeça estava apoiada na estante atrás de mim. — Existem tantas histórias por aqui, histórias em quadrinhos, algumas cheias de gravuras e… — ele dá uma pausa. — Vários mundos diferentes. Não seria divertido viver cada uma delas como, não sei, em uma fantasia? Sem adultos, sem preocupações, apenas você e suas aventuras.
Eu pensei por um tempo, lembrando de todos os desenhos que eu já fiz. Muitos deles eram da minha própria imaginação, já outros estavam relacionados a desenhos que eu gostava de assistir. E pensando bem, apesar de parecer uma ideia maluca, não era tão ruim assim.
— Tem razão, seria legal sim. — eu dei de ombros. — Mas o mundo real não é assim, você lê livros demais.
— Se você não lê, o que está fazendo em uma biblioteca, então? — ele parecia ofendido. — Usar a imaginação é bom, deveria tentar.
Eu ri sem humor.
— E o que você imagina? — eu perguntei.
— Muitas coisas. — ele diz, sua voz já não parecia tão chorosa como antes. — Você pode usar a sua imaginação no seu pedido de aniversário. Você já fez o seu?
— Não mesmo. — eu neguei com a cabeça. — Eu não tenho uma vela de bolo para isso.
O garoto respira fundo do outro lado.
— É verdade, precisamos de uma vela. A minha mãe não me deixa mexer com fogo quando estou sozinho. — ele diz, parecendo decepcionado. — Mas se você pudesse fazer um pedido, o que você pediria?
Eu fiquei em silêncio enquanto pensava. Eu poderia pedir tanta coisa, desde ter todo o dinheiro do mundo até o direito de ter todos os doces que eu pudesse. Poderia pedir uma viagem até a lua, um mundo sem escola, sem dever de casa e que eu me tornasse o rei de todo o mundo. Mas ao invés de coisas imaginárias, eu pediria algo real.
— O meu desejo seria nunca mais me sentir sozinho no meu aniversário. — eu sussurrei. — Pelo menos até eu me tornar um adulto e ir embora.
O garoto demora um pouco para dizer algo, eu me senti um pouco envergonhado por isso. Mas então, ele me faz dar o meu segundo sorriso sincero do dia quando suas palavras tomaram conta dos meus ouvidos.
— Hum, mas você não está sozinho hoje. — ele parecia ofendido. — Eu estou aqui.
— Você quase me expulsou daqui quando eu cheguei. — eu fiz uma careta.
— Me desculpa. — ele diz, soava sincero. — Qual é o seu nome, aniversariante?
— Não tem problema. — eu dei de ombros. — O meu nome é…
Antes que eu completasse a minha frase, uma voz um pouco distante de onde estávamos me interrompe. Era a voz de uma mulher adulta.
— Sunoo? Filho, você está aí? — o tom de voz dela era de preocupação. — Eu sei que está chateado, mas não fuja assim de mim. Haru me contou que está aqui.
Quando a voz foi ficando mais próxima, ouvi Sunoo se levantar às pressas do outro lado do corredor.
— Droga, é a minha mãe. — ele diz, me dando a certeza de que aquele era mesmo o nome dele.
— A sua mãe?
— Sim, eu preciso ir. Não era para eu estar aqui agora. — ele continua. — Eu espero que você tenha um feliz aniversário. E não esqueça de fazer um pedido, aniversariante.
Antes que eu pudesse respondê-lo, ouvi os passos apressados de Sunoo pelo corredor. E assim, do mesmo jeito que eu o vi pela primeira vez, ele sumiu. Rápido, muito rápido.
Em uma tentativa falha de encontrá-lo, eu corri para o corredor ao lado, mas a única coisa que encontrei foi o livro deixado por ele, o objeto estava abandonado no chão do corredor. Sua capa era cheia de gravuras que me chamavam a atenção, ele possuía variações de cores que juntas pareciam perfeitas. Ao ler o título, percebi que se tratava do O Magnífico Mágico de OZ, por L. Frank Baum.
Quando eu olhei em volta, observei uma placa que indicava que eu estava no corredor de livros de fantasia. E então, eu respirei fundo, voltando para a realidade.
— Livros idiotas. — eu sussurrei, falando sozinho. — Contos de fadas não existem, nada disso é real.
Ao terminar de falar, eu encarei o livro uma última vez. E eu não sei o que aconteceu comigo, eu deveria ter colocado o objeto de volta na prateleira mas, ao invés disso, eu abri a minha mochila e coloquei o livro lá dentro.
Quando eu voltei até onde Haru estava, inventei uma desculpa para justificar a minha demora, agradeci mais uma vez pelo presente de aniversário e me sentei em um canto isolado da biblioteca, passando a tarde desenhando pela primeira vez no meu caderno novo enquanto escutava música. Mas alguma coisa no garoto que eu conheci naquele dia havia me deixado pensativo porque, quando eu encarei os rabiscos em meu caderno, percebi que eu havia desenhado Sunoo.
O desenho não era perfeito, era algo parecido com rabiscos, mas Sunoo segurava um livro em frente ao próprio rosto, apenas seus olhos marcantes estavam visíveis. Em volta de sua cabeça, criaturas ‘’mágicas’’ flutuavam como se tivessem saído de dentro do livro. Aquilo fez eu me perguntar se era daquela forma que ele se sentia ao ler alguma coisa. Porém, mais uma vez, eu ignorei aquilo.
Mais tarde, quando o fim da tarde chegou e as luzes de natal começaram a piscar pelas ruas, eu estava entrando dentro de casa após fingir ter ido à escola. Tudo estava do mesmo jeito que estava quando eu saí, a única coisa diferente era o fato de minha babá estar na cozinha, provavelmente preparando algo para o jantar. Eu respirei fundo ao lembrar o quão ruim era a comida dela, mas eu não comentei nada e apenas a elogiei ao terminar de comer naquela noite, como eu sempre fazia. A Sra. Misuk, como ela gostava de ser chamada, não era tão ruim assim, ela tentava me confortar de vez em quando, mas não era o suficiente.
Depois do jantar, entrando no meu quarto, eu me deparei com um pequeno cupcake com uma vela acesa em cima da minha mesinha de estudos. Aquilo estava com cara de que havia sido preparado pela minha babá. Em passos rápidos, eu me parei em frente à mesinha, observando o meu rosto ser iluminado pela vela que estava quase se apagando.
Uma vela. Era isso que eu precisava, não era?
Automaticamente, a voz do garoto da biblioteca voltou para os meus pensamentos enquanto eu encarava aquele cupcake. Quando eu me sentei de frente para a mesa, encarei a janela do meu quarto. Observando luzes de natal acompanhadas de um céu estrelado de início de noite, mas a única luz que roubava o meu interesse era a luz quente em minha frente. Eu não tinha um motivo para acreditar, muito menos acreditava em então eu apenas encarei a chama da vela e a assoprei, observando o meu quarto ficar totalmente escuro.
O silêncio se fez presente no cômodo enquanto eu pensava no que havia acabado de acontecer. Eu me sentia estúpido, não conseguia acreditar que eu estava dando ouvidos para um garoto estranho. Por fim, eu me levantei da cadeira para ligar o meu abajur, fechando a cortina da janela em seguida.
Já deitado em minha cama, eu encarava o relógio e aguardava o ponteiro indicar que era meia noite, com isso, eu poderia esquecer tudo o que aconteceu naquele dia.
E foi o que aconteceu, porque eu nunca mais vi ou ouvi falar sobre Sunoo por um bom tempo. Por um tempo, ele se tornou uma memória esquecida de quando eu tinha doze anos de idade.
Foi no meu décimo terceiro aniversário que tudo começou. Nesse dia, eu acordei e corri para o meu caderno de desenho, não acreditando que tinha desenhado a figura de um menino dentro de um trem, era a única coisa que me lembrava do sonho realista que tive durante a noite. Mas o que eu não acreditava era que não era só um menino naquele papel, mas ele, o menino da biblioteca. E ele se apresentou para mim como Sunoo.
E assim, Sunoo passou a fazer parte de muitos dos meus sonhos, vivendo as melhores aventuras que eu passei a ter quando pegava no sono à noite. E desde então, eu nunca mais me senti sozinho, nem no meu aniversário.
Mas quanto mais o tempo passava e quanto mais eu crescia, menos eu lembrava dos sonhos. E então, chegou o dia em que eu não lembrava de mais nada, Sunoo havia sumido. Desde aquele dia, eu prometi para mim mesmo que o encontraria de novo.
Mas doeu muito quando eu o reencontrei e percebi que, na real, ele não se lembrava de mim.
⋆✦⋆
Dias Atuais.
Eu não lembrava exatamente quando aconteceu, mas lembro de acordar em um dia e não conseguir desenhar nada em meu caderno. As únicas memórias que eu tinha de Sunoo eram de rabiscos feitos por mim, era como se ele nunca tivesse existido.
Meses depois, quando eu aceitei que nunca mais o veria novamente, eu não acreditei quando, no meu primeiro dia em uma escola nova, dei de cara com dois pares de olhos mais do que familiares para mim. Como poderia ser ele? Era uma versão totalmente diferente do garoto de cabelos escuros em meus desenhos, mas ele carregava o mesmo brilho com seus novos fios cor de rosa.
Mas quando Heeseung nos apresentou um para o outro, em uma biblioteca, eu precisei fingir que estava tranquilo com a informação de que seu amigo se chamava mesmo Kim Sunoo.
Passei semanas em negação, totalmente irritado comigo mesmo por ficar confuso sempre que Sunoo parecia se lembrar de mim, mas então, ele me afastava logo depois, éramos como o quente e o frio. Era confuso.
Eu queria tanto ter feito o mesmo e ignorado a existência dele, mas eu não conseguia, eu havia criado uma máscara invisível e fingia estar tranquilo com a ideia de que o garoto dos meus sonhos estava fazendo parte da minha vida real. E mesmo quando eu tentava me afastar, Sunoo me dava esperanças de que me queria por perto. E no meio dessa brincadeira de tentar decifrar Kim Sunoo, eu me vi completamente apaixonado pela nova versão dele.
Isso nunca esteve nos meus planos, mas aconteceu. Quanto mais eu conhecia sobre ele, mais encantado eu ficava. A forma que Sunoo enxergava o mundo era linda. Ele não percebia, mas seus olhos brilhavam sempre que ele falava sobre algo que gostava, seus ombros se encolhiam quando ele ficava envergonhado e, o mais engraçado, ele quase esquecia de respirar quando estava nervoso. Conhecê-lo novamente foi uma experiência incrível.
Se ele se lembrava de mim ou não, eu não sabia. Mas enquanto eu o tivesse do meu lado, isso não importava mais para mim. De alguma forma, o universo me trouxe até ele. E olhar o mundo ao lado de Kim Sunoo era muito melhor do que qualquer coisa, até a mínima lembrança de algum sonho que tive.
— Sunoo? — eu resmunguei ao abrir os olhos e dar de cara com a estante da sala de leitura da casa do meu namorado.
Dormir com ele naquela noite me deixou pensativo. Eu não me lembrava de ter permitido anteriormente que uma pessoa presenciasse um momento em que eu estivesse tão vulnerável, mas naquela noite aconteceu. Eu pensei que me sentiria horrível, mas eu me senti em casa quando chorei nos braços de Sunoo. E então, fiquei nostálgico relembrando momentos em que vivi apenas em sonhos, onde eu também me sentia assim.
Sunoo não estava no quarto quando eu acordei e o céu lá fora já parecia mais limpo do que estava quando a tempestade ocorreu durante a madrugada. Eu me perguntava se Sunoo conseguiu dormir bem. Mas em qual momento ele saiu do quarto?
Antes que eu fizesse qualquer coisa, ouvi duas batidas na porta que me despertaram mais do que eu já estava.
— Pode entrar! — eu disse.
Mas a porta não foi aberta.
— Sunghoon, querido! O café está na mesa, se sinta à vontade, tudo bem? — a voz doce da mãe de Sunoo me faz dar um pequeno sorriso. — O Sunoo ainda não acordou, ele anda tão preguiçoso, vou acordar ele pra você!
— Sim, senhora! Mas não precisa acordar o…
Antes que eu finalizasse a frase, a mulher foi mais rápida.
— Kim Sunoo, você não vai acordar? Vai dormir mais do que a visita, filho? — o tom elevado dela ecoa pelo corredor, parecendo estar mais distante do que antes.
Não tendo muito o que fazer sobre aquilo, eu apenas arrumei a minha cama e separei todas as minhas coisas dentro da mochila. Eu teria que ir embora durante a tarde, então era melhor já deixar tudo organizado.
Quando peguei a minha escova de dentes e deixei a sala de leitura para seguir até o banheiro do corredor, estava prestes a levar a mão até a maçaneta da porta, mas levei um pequeno susto quando ela foi aberta, me fazendo dar de cara com Sunoo. O garoto tinha um olhar tão assustado quanto o meu, mas algo estava diferente.
— Você me assustou. — o garoto diz e leva a mão até o próprio peito.
— Bom dia ‘pra você também. — eu ri fraco. — ‘Tá escondendo alguma coisa, é?
Sunoo não parece achar graça da minha provocação, pelo contrário, ele desvia o olhar do meu e parece engolir em seco antes de sorrir sem graça.
— Não ‘tô escondendo nada. E bom dia — ele sussurra, me dando espaço para usar o banheiro e hesitando antes de continuar. — Você… ahm, dormiu bem?
Eu pisquei enquanto olhava para ele, confuso com aquele comportamento repentino. O garoto parecia ter visto um fantasma.
— Eu dormi bem sim, e você? — falei, coçando a garganta antes de sussurrar a próxima pergunta. — Que horas você saiu de lá? Você sabe…
— Eu dormi sim. — ele coça a nuca. — Saí logo de manhã, não queria que os meus pais nos vissem.
Eu balançava a cabeça em silêncio, observando Sunoo parecer meio tenso em minha frente. Eu pensei estar ficando paranoico, mas a única coisa que se passava na minha cabeça era que ele talvez estivesse sem graça por eu ter chorado em sua frente na noite anterior. Eu estava me xingando mentalmente por isso, eu não queria assustá-lo.
— Espero você lá embaixo, tudo bem? — disse em meio a um sorriso fraco após perceber o silêncio constrangedor que se instalou no corredor.
Sunoo não hesitou em balançar a cabeça várias vezes, parecendo desesperado quando se virou e sumiu pelas escadas, seguindo até o primeiro andar da casa.
Ao entrar no banheiro, eu me certifiquei de trancar a porta antes de me encostar contra ela, passando as mãos contra o meu rosto, totalmente frustrado comigo mesmo. Eu não devia ter mostrado aquele meu lado para ele.
⋆✦⋆
Sunoo estava sentado de frente para mim quando passei pela porta da cozinha, ele mexia distraidamente no celular e não parecia ter tocado na tigela de salada de frutas que tinha em sua frente. Quando percebe a minha presença, ele larga o celular em cima da mesa e parece mais alerta do que antes.
— Você não vai comer? — perguntei ao me sentar de frente para ele.
— Na verdade, é pra você. — ele arrasta a tigela em minha direção. — Eu fiz omelete, você quer? Se quiser trocar, não tem problema e eu…
— Sunoo, fica tranquilo. — eu peguei a tigela, segurando a colher e subindo o olhar até o garoto. — Você ‘tá bem?
— Por que eu não estaria? — ele coça a garganta e levanta da mesa, pegando uma jarra de suco da geladeira.
— Me diz você. — falei, levando uma colher da salada de frutas até a boca. — Você ‘tá todo estranho desde mais cedo.
Eu não era uma pessoa tão direta assim, era difícil eu iniciar aquele tipo de diálogo em outras situações, mas algo em Sunoo me deixava completamente transparente. Eu sempre queria entendê-lo.
Quando o olhar de Sunoo se perdeu pela cozinha e ele colocou um copo vazio em cima da mesa, eu percebi que eu não estava errado. Alguma coisa estava incomodando ele.
— Não aconteceu nada, tá bem? — ele respira fundo, não olhando para mim enquanto enche o copo de suco.
Sem pensar muito, eu olhei em volta de onde estávamos para me certificar de que não havia ninguém por perto. Em seguida, levantei da cadeira e dei a volta na cozinha, colocando Sunoo contra a mesa ao apoiar minhas duas mãos nela, ficando com ele entre meus braços.
— O que você ‘tá fazendo, Sunghoon? Os meus pais ‘tão em casa. — ele sussurra assustado, mas não me afasta dele.
— Conversando com você. — falei em um tom simples, ignorando o resto de sua frase.
— Ah, é assim que você conversa, então? — ele leva a mão até o meu peito, me afastando um pouco de seu corpo.
Eu sabia que ele ficava nervoso quando estávamos tão perto assim, então usava aquilo como vantagem.
— Na verdade... — comecei a falar, me aproximando mais do rosto dele e o deixando sem saída. — Só quando o meu namorado não me conta o que ‘tá acontecendo.
— Mas não ‘tá acontecendo nada. — a voz de Sunoo falha totalmente, me fazendo dar um pequeno sorriso.
— Então olha ‘pra mim. — sussurrei. — Daí eu vou acreditar em você, gatinho.
Sunoo engole em seco, mas faz o que eu peço e leva o olhar até o meu. Eu precisei ser forte naquele momento e fingir que não senti o meu corpo inteiro reagir, eu odiava o quão fácil ele conseguia me deixar tenso.
Mas o que mais me deixou tenso foi quando senti a mão de Sunoo subir até meu rosto, seus olhos passavam por cada detalhe meu, como se ele estivesse me analisando por completo, parecendo confuso. Naquele momento, eu esqueci qual era o meu propósito, me deixando levar pelo toque e o olhar do mais novo. Não era o que eu esperava quando pedi que ele olhasse para mim. Sempre que estávamos muito próximos eu lembrava de todos os momentos em que eu desejei poder tocá-lo, mas não conseguia por ser impossível tocar em algo que, até então, fazia parte da minha imaginação.
E então, como se tivéssemos levado um choque, Sunoo afasta a mão do meu rosto no mesmo segundo em que eu dou um passo para trás. Sentindo arrependimento por ter iniciado aquilo.
— Me desculpa, Sunghoon… Eu…
— Não. — o interrompi imediatamente. — Tudo bem, eu acredito em você. ‘Tá tudo bem.
Dessa vez, era eu quem estava fugindo. Mas agradeci mentalmente quando, mesmo que de surpresa, a mãe de Sunoo entrou pela porta da cozinha, fazendo eu e o garoto nos afastarmos completamente, fingindo que nada daquilo tinha acontecido.
— Vocês ainda não comeram nada? — a mulher começa a falar, mas para quando nos encara com as sobrancelhas arqueadas. — Por que estão com essas caras? Não dormiram bem hoje? Sonhos ruins?
Sunoo, que estava bebendo o suco que serviu, quase se engasgou. Enquanto eu, aproveitei para levar mais uma colher da minha salada até a boca.
— Não mãe, apenas nos distraímos conversando. — o meu namorado diz, forçando um sorriso para a mais velha.
Nenhum de nós dois soube se ela acreditou, mas o importante foi que ela não falou mais nada. O café da manhã apenas continuou naquele clima estranho onde eu e Sunoo parecíamos completos estranhos depois daquela pequena conversa na cozinha de sua casa. E conhecendo Kim Sunoo, eu sabia que aquela conversa não acabaria ali.
⋆✦⋆
Dois dias se passaram desde que eu conheci os pais de Sunoo, e assim, eu percebi que o mundo não era um mar de rosas, jamais seria. Depois daquela noite, Sunoo parecia estranho e eu não sabia o motivo. Eu tinha feito algo de errado? Os pais dele na verdade estavam fingindo gostar de mim? Eu falei algo inapropriado? Por que ele estava me olhando como se eu fosse outra pessoa?
Continuamos conversando por mensagem, sempre o básico. Nenhum dos dois falou sobre o que aconteceu na cozinha da casa dele, apenas fingimos que não aconteceu. Então, naquela noite preguiçosa de domingo, eu já não encarava mais a tela do meu celular esperando por alguma mensagem dele, diferente disso, eu estava jogado no sofá da sala enquanto Jake jogava em seu PS5.
— O Sunoo continua estranho. — eu resmunguei para Jake, o observando perder mais uma partida de FIFA 22, ele jogava on-line contra Heeseung.
— A minha internet ‘tá ruim hoje, Heeseung. — ele revira os olhos. — Espera aí, o Sunghoon ‘tá falando comigo aqui. — Jake ajeita o fone de ouvido na cabeça e parece silenciar a ligação com o Lee quando olha para mim. — O que você disse?
— Eu disse que o Sunoo continua estranho comigo. — eu cruzei os braços. — Desde que eu conheci os pais dele. É confuso.
— Tem certeza de que isso não é paranóia sua? — Jake pergunta assim que volta a prestar atenção na televisão. — Mas você ligou pra ele? Mandou mensagem?
— Eu conheço o meu namorado e sei quando tem alguma coisa errada, sabe? — falei. — Eu não, eu não mandei mensagem e nem liguei.
— Se nenhum dos dois fizer algo, fica mais complicado, né? — a frase do garoto me faz suspirar. — Por que não ligou?
Eu estava levando esporro do Jake. Do Jake.
— Eu não sei, Jake. Eu não sei. Ele ficou muito estranho depois do jantar. Você tinha que ver o jeito que ele olhou pra mim no sábado. — eu baguncei o cabelo, frustrado. — Será que eu falei ou fiz algo de errado e ele quer, sei lá, terminar comigo?
— Ficou maluco, Sunghoon? — Jake me olha pela segunda vez, parecendo não acreditar no que estava ouvindo. — É do Sunoo que a gente ‘tá falando, vocês dois são loucos um pelo outro. Eu nunca vi você gostar de uma pessoa assim antes, muito menos ele.
— Então por qual outro motivo ele estaria assim? — eu bufei.
— Simples, pergunte isso a ele. — Jake diz em um tom óbvio. — Você já fez isso, né?
— Eu fiz… Mas sei lá, algo diferente aconteceu. — eu falei, lembrando do momento que tivemos na cozinha no outro dia. — Enfim, esquece isso. Eu dou o meu jeito.
— Diferente como? — ele insiste.
Eu fiquei em silêncio enquanto pensava em uma resposta, mas eu não encontrei uma. Foi estranho, Sunoo nunca havia me olhado daquela forma. Eu senti uma sensação diferente e desconhecida.
— Esquece isso, tudo bem? — eu respirei fundo. — Vou ligar pra ele.
Jake talvez era a pessoa que mais me conhecia no mundo, mas ao mesmo tempo ainda havia coisas que ele não fazia nem ideia. Eu já pensei muito em contar para ele sobre os meus sonhos, mas eu não sentia que era certo. Se fosse para uma pessoa além de mim saber sobre isso, eu gostaria que fosse o Sunoo. Mesmo que ele me achasse um maluco por isso, eu queria que ele soubesse.
— Caso não dê certo, tenta falar com ele na educação física amanhã. — o garoto diz, resmungando quando a partida do videogame termina.
— É verdade, amanhã temos treino. — falei. — Você e o Jungwon estão mesmo bem com isso?
— Até o momento ele não tentou me matar e nem jogar uma bola no meu rosto, então eu acho que sim. — Jake dá de ombros e larga o controle do jogo no próprio colo.
— Isso é bom. — eu respondi, me preparando para levantar do sofá. — Acho que vou subir pro meu quarto, vai ficar aí?
— Vou dormir daqui a pouco, só preciso terminar aqui com o Heeseung antes. — ele aponta para a televisão com o polegar. — Boa noite. E sério, não se preocupa muito com o Sunoo, deve ser um mal entendido.
— Boa noite, Jake. — eu falei ao levantar do sofá, ignorando a última frase do meu melhor amigo. — Manda um tchau pro Heeseung por mim.
Ouvi Jake se despedindo de Heeseung enquanto eu subia as escadas até o meu quarto. Quando me deitei na cama, fiquei encarando o teto que era iluminado pela luz baixa do meu abajur. Depois do que aconteceu no dia do jantar, aquela estava sendo a segunda noite em que eu não tentava ligar e nem mandar mensagens para os meus pais de madrugada. Eu passei a refletir sobre isso e, apesar de ainda me machucar, alguém precisava soltar a mão primeiro. Eu só não percebi que eles já haviam soltado a minha há muito tempo.
Depois de me perder em pensamentos, eu fiquei alguns minutos me revirando na cama, encarando a tela do meu celular enquanto hesitava em ligar para Sunoo. Eu já havia perdido a conta de quantas vezes, desde que cheguei em Odhen, já pensei em jogar tudo para o alto e contar tudo para ele. Mas toda a coragem sumia quando eu lembrava que ele sequer sabia que eu era o garoto da biblioteca, sete anos atrás.
Tudo aquilo era tão confuso. Na verdade, a minha vida era uma confusão completa. Quando eu soube que moraria em Odhen com Jake, eu jamais imaginei que estaria tão perto da resposta dos meus sonhos, mas ao mesmo tempo tão longe. Não tinha nada que eu odiasse mais do que aquela sensação. Sempre que eu recordava que Sunoo não se lembrava de mim e que ele não sabia sobre os sonhos, eu me perguntava qual era o propósito de tudo aquilo. Era errado eu ter me apaixonado por Kim Sunoo? E será que Odhen era mesmo o lugar certo para mim?
Ao levantar da minha cama, eu caminhei até a mesinha do meu quarto e olhei para todos os papéis espalhados por ela. Um pouco mais ao lado, estava a cartela de fotos que eu peguei da cabine em que eu e Sunoo nos beijamos pela primeira vez. Quando eu cheguei em casa naquele dia, eu percebi o quão ferrado eu estava quando me peguei sorrindo para a foto que eu segurava em mãos.
Eu não me apaixonei por Sunoo em meus sonhos, mas sim quando o conheci pela segunda vez, na vida real. Naquele dia, eu percebi que não estava indo atrás dele apenas porque eu estava apegado a momentos que eu vivia na minha imaginação, mas sim porque eu estava me apaixonando por um garoto que, a cada detalhe que eu conhecia, me deixava mais encantado.
⋆✦⋆
No dia seguinte, já na escola, eu percebi que ainda não estava completamente acostumado com os horários da Wall School. Depois que as provas acabaram, teríamos aquela última semana de jogos escolares e, então, férias. Eu não fazia a mínima ideia do que estava para acontecer comigo durante aquele período, eu era apenas um garoto que morava na casa do melhor amigo, completamente longe dos pais. E como Jake e eu não chegamos a conversar sobre viagens ou coisas do tipo, eu não estava tão animado assim. Seriam apenas dias que eu poderia ficar mais tempo em casa ou, se possível, na casa do meu namorado.
Meus amigos não estavam em situações muito diferentes de mim, o único que tinha planos era Riki, ele e seus pais planejavam visitar a família, no Japão. Mas Nishimura parecia decepcionado por não poder fazer parte do nosso time, por esse motivo, Jay começou a provocá-lo chamando o garoto de mascote, o que fez Riki jurar que torceria para que o nosso time fosse eliminado o mais rápido possível. Mas todos nós sabíamos que era mentira.
— Sunghoon, o tempo acabou. — a voz de Heeseung chama a minha atenção da arquibancada do ginásio da escola, não me dando outra opção além de correr até o meio da quadra novamente.
— Mas já? — eu perguntei. — O time nem ‘tá completo ainda, não podemos esperar?
Estávamos em um rápido intervalo depois de um treino de arremesso. Depois da reunião que aconteceu entre 301 e 302, todas as equipes foram separadas e as turmas, pela primeira vez, se misturaram. A equipe feminina de voleibol, composta por Yuna e Yeji, já estava do lado de fora do ginásio e faziam outras atividades da aula de educação física enquanto o nosso time de basquete começava o treino. Por sorte, nosso time era o único composto apenas por pessoas da mesma turma: Heeseung, Jake, Jay, Jungwon e…
— Sunoo! — Heeseung aumenta o tom de voz assim que a porta do ginásio é aberta, revelando um garoto de cabelo rosa que estava totalmente apressado. — ‘Tá atrasado.
— Eu sei, me desculpa. — ele faz uma careta, parecendo cansado e totalmente indignado. — O professor me fez dar cinco voltas na quadra porque eu cheguei alguns minutos depois, isso é permitido?
Por alguns segundos, eu esqueci como se segurava uma bola de basquete, porque ela caiu da minha mão e deslizou até onde Heeseung estava. Todos os olhares foram para mim, inclusive o de Sunoo, que parecia inseguro sobre falar comigo ou não quando os nossos olhares se encontraram. E eu até pensei em dar um gelo nele, mas quando o vi se aproximar de mim com os ombros encolhidos e um sorriso sem jeito, eu esqueci novamente o que eu planejava.
— Sunghoon… — ele diz, parecendo hesitar em se aproximar mais de mim, como se existisse uma barreira entre a gente. — Você chegou faz muito tempo?
— Cheguei no horário marcado. — o respondi, um pouco receoso em fazer a próxima pergunta. — Onde você ‘tava?
— Na biblioteca, Yuna e eu estávamos ajudando a Daya a organizar umas coisas antes da biblioteca fechar para as férias. — ele desvia o olhar para um Heeseung impaciente e então volta a olhar para mim. — Precisamos treinar.
As minhas sobrancelhas se levantaram ao ouvi-lo falar. Em seguida, Sunoo arrumou a mochila nas costas e começou a caminhar até as arquibancadas, provavelmente para guardar as coisas. Como esperado, eu segui atrás dele.
— A biblioteca já fecha hoje? — eu o questionei, me aproximando dele aos poucos.
— Não, só na sexta-feira. — Sunoo responde, não olhando para mim quando coloca a mochila em cima de um dos bancos. — Eu e Yuna nos oferecemos para ajudar todos os dias, no final de cada dia de jogos. Hoje vou para lá no intervalo também.
Sunoo parecia receoso em olhar para mim enquanto falava, eu percebi isso quando ele ficou segundos longos demais fechando o zíper de sua mochila. Conhecendo o meu namorado, eu saberia exatamente o que fazer naquele tipo de situação, mas não naquele momento. Desde aquele momento na cozinha, eu estava nervoso.
— Eu posso ajudar também, se quiserem. — eu falei, pela primeira vez recebendo um olhar de Sunoo.
— Mesmo? — ele levanta as sobrancelhas.
— Por que você parece surpreso? — eu tinha a mesma expressão que o mais novo.
Sunoo encolheu os ombros, sorrindo um pouco sem graça quando se virou totalmente em minha direção.
— Desculpa, eu só pensei que… — o garoto dá uma pausa. — Eu pensei que você estivesse chateado comigo. — Sunoo desvia o olhar dessa vez, um pouco suspeito.
— Você pensou? — eu continuei com as sobrancelhas arqueadas.
Um pouco inquieto, o garoto respira fundo e leva a mão até a própria nuca.
— Por favor, não odeie ele. — ele começa a falar. — Mas o Heeseung ouviu algo enquanto jogava com o Jake, então ele meio que… me contou.
Shim Jaeyun era um homem morto.
— Eu vou matar o Jake. Ele não sabe o que é mutar uma call? — perguntei retoricamente, indignado. — O que exatamente o Heeseung te falou?
Frustrado, eu me virei em direção da quadra para procurar o Shim com os olhos, mas a mão macia de Sunoo segurou em meu braço, fazendo eu me virar para ele mais uma vez.
— Ele não quis me falar por respeito a você. — Sunoo respira fundo. — Ele só me alertou que tinha algo de errado e… — Sunoo para de falar, fazendo o meu coração reagir quando ele sobe as duas mãos até o meu rosto, me fazendo olhar para ele. E mais uma vez, ele estava me olhando como se estivesse analisando cada detalhe do meu rosto.
— E o quê? — as minhas sobrancelhas permaneciam arqueadas. — Sunoo?
Quando percebe o que estava fazendo, Sunoo coça a garganta de forma exagerada, parecendo estar envergonhado por estar agindo daquela forma.
— Me desculpa. É que… — ele balança a cabeça algumas vezes, voltando a me olhar com mais tranquilidade dessa vez. — Eu acho melhor falarmos sobre isso depois. O Heeseung 'tá nos olhando muito feio.
Quando desviei o olhar até a quadra, encolhi os ombros imediatamente quando percebi que Heeseung segurava uma bola debaixo do braço enquanto nos encarava, por um momento eu havia me esquecido do treino. Ao lado dele, Jake também nos encarava enquanto Jungwon e Jay pareciam confusos com a situação, ainda mantendo certa distância um do outro por não estarem se falando.
— Tudo bem. — eu respirei fundo. — Conversamos depois.
Eu estava tão confuso. Adiar aquela conversa provavelmente me deixaria maluco, mas eu não poderia fazer nada além de aceitar. Mas quando eu estava prestes a caminhar de volta até a quadra, Sunghoon segurou o meu braço mais uma vez e chamou por mim.
— Sunghoon? — ele aperta os dedos em meu pulso para que eu o olhasse.
Antes que eu pudesse dizer alguma coisa, senti o corpo dele se aproximar no momento em que os lábios macios do garoto foram de encontro com os meus. E eu não tive ideia de quanto tempo aquilo durou, mas foi tempo o suficiente para que um peso saísse dos meus ombros quando abri os meus olhos, dando de cara com o rosto corado do meu namorado.
— Não aconteceu nada negativo, eu prometo. — Sunoo diz, não me dando tempo de responder quando ele sai correndo até o meio da quadra, indo de encontro com Heeseung.
Se não era nada negativo, qual era o problema em me contar logo?
— O Troy Bolton e a Gabriella já se resolveram? — Heeseung pergunta ao se aproximar de Sunoo, entregando uma bola de basquete na mão do garoto. — Podemos voltar?
Quando Sunoo e eu nos encaramos, observei o garoto levantar os ombros e entortar os lábios em uma careta, e então, ele sorriu para mim. De certa forma, o ver sorrindo para mim me deixou mais tranquilo sobre qualquer coisa que me preocupava naquele momento. E como não tínhamos o controle da situação, apenas seguimos em frente com o treino quando eu corri até o meio da quadra também.
⋆✦⋆
No final do treino, qualquer um que entrasse no ginásio iria se deparar com a cena de seis garotos exageradamente atirados no chão. Heeseung estava empenhado do começo ao fim e eu não fazia ideia de que o garoto levava jogos escolares tão a sério, mas ele parecia realmente frustrado com algo, talvez fosse algo pessoal que ele estivesse descontando no treino. Nós tínhamos intimidade o suficiente para eu perguntar algo, mas eu não queria parecer intrometido.
— O meu braço ‘tá doendo. — Jay resmunga em um tom dramático, sendo o primeiro a levantar do chão. — Heeseung, você sabe que não somos profissionais, não é? Acho que prefiro ficar no banco até o final dos jogos.
— A dor não diz quando você deve parar. Ela é só uma vozinha da sua cabeça tentando te manipular porque sabe que, se você continuar, irá melhorar. — Heeseung levanta também. — Kobe Bryant disse algo parecido, então ele ‘tá certo.
— Kobe Bryant era um jogador profissional. — foi a vez de Sunoo levantar, ele estava ofegante. — Já eu sou apenas um garoto que foi incluído nisso de surpresa, né? — ele faz uma careta e tem o cabelo bagunçado por Heeseung.
— Somos todos um grupo, Sunoo. Ele ficaria incompleto sem você. — Heeseung o provoca.
— Se o Riki escuta isso… — Jay diz.
— Ele é o nosso mascote, não é nossa culpa o nascimento dele ter atrasado e ele não estar na nossa turma. — Lee diz, arrancando uma risadinha de todos. — Mas é isso, galera. Amanhã começam os nossos últimos jogos escolares como garotos do ensino médio, como se sentem?
— Cansado. — Jake resmunga do chão.
— Com dor de cabeça. — Jungwon diz, ele também estava de pé. — Depois disso vem a preparação para a formatura. Como representante de turma, eu sei o quanto isso vai me dar dor de cabeça.
— Você precisa fazer o quê? — eu perguntei, chamando a atenção de todos. — Vocês fazem aqueles discursos intensos que todo mundo termina chorando? Como nos filmes…
— Duas pessoas fazem. — Jungwon explica. — Eu e a pessoa escolhida por mim, mas ninguém nunca quer fazer. Mas eu não diria que são intensos, todos os escolhidos não levam isso muito a sério e fazem um discurso curto.
— O Sunoo deveria fazer, ele é todo emotivo com essas coisas. — Heeseung diz.
— Eu prefiro morrer do que subir em cima de um palco com todo mundo olhando pra mim. — Sunoo responde imediatamente com uma careta no rosto. — Mas boa sorte, Jungwon.
Heeseung e Jay se encaram por alguns segundos, rindo entre eles. Nesse momento, eu levantei o meu braço em direção de Sunoo, que me encarou confuso por alguns segundos antes de entender que eu queria ajuda para levantar. Quando levantei, imediatamente passei um dos meus braços por trás do pescoço do mais novo, me apoiando no ombro dele.
— Eu acho que você é a pessoa perfeita para isso. — falei enquanto o encarava, percebendo Sunoo um pouco tenso ao meu lado. Depois disso, voltei o meu olhar até Heeseung e os outros meninos. — Estamos liberados já? O intervalo não começa daqui, sei lá, menos de dez minutos?
— Sim, liberados. — o treinador Heeseung diz.
Com a liberação de Heeseung, todos correm até as mochilas deixadas nas arquibancadas e pegam suas mochilas.
⋆✦⋆
O intervalo já estava acontecendo por um tempo quando aceitei acompanhar Jake até o ginásio novamente, o garoto havia esquecido um relógio lá dentro durante o treino e estava nervoso porque aquilo foi um presente antigo que passou por várias gerações de sua família. Jaeyun nunca ligou muito para aquele tipo de coisa, mas ele sabia que sua mãe o mataria se perdesse, então ele estava mais nervoso por esse motivo.
— Achei! — Jake exclama, correndo até a porta do ginásio que eu segurava enquanto vigiava os corredores para que nenhum professor nos encontrasse. — Agora tenho mais alguns anos de vida e minha mãe não vai me matar.
— Quanto deve custar esse negócio? — eu perguntei enquanto dava espaço para ele passar pela porta.
— Grana o suficiente para eu comprar algo muito mais divertido do que dois ponteiros indicando as horas. — ele faz uma careta enquanto coloca o relógio no pulso.
— Você compraria um jogo novo. — eu revirei os olhos. — Um relógio que passou por gerações é muito mais legal de contar para outras pessoas. É um tipo de arte.
— O Heeseung falou a mesma coisa. — Jaeyun faz uma careta. — Mas ele não quis procurar comigo, ‘tava ocupado demais com a irmã do Beomgyu.
— A Minjeong? É sério? — eu juntei as sobrancelhas. — Mas de repente?
— Pois é! Consegue acreditar nisso? — ele balança a cabeça, parecendo irritado. — Eles não tem nada a ver, mas ele quer chamar ela pra sair.
A irritação de Jake me pegou um pouco de surpresa, ele parecia realmente incomodado.
— Ele te disse isso? — eu questionei, o acompanhando pelo corredor.
— Aham. Ontem durante a call ele ficou me perguntando se era uma boa ideia. — ele ri sem humor. — E eu disse que sim.
— Então por que você ‘tá tão incomodado? Você quer sair com ela também? — eu levantei as sobrancelhas.
— Claro que não! — ele diz em um tom óbvio. — Como amigo, eu primeiro aconselhei que ele não deveria chamá-la, ele provavelmente vai levar um fora. Ela vive zoando ele por causa da festa em que eles se conheceram.
— Você tem certeza que é só isso? — eu insisti.
— É claro, o que mais seria? — ele encara o relógio no próprio pulso, impaciente.
Eu poderia estar muito errado, mas aquilo estava parecendo ciúmes. Mas com aquela situação, eu voltei a lembrar que Jaeyun andava um pouco estranho nas últimas semanas, principalmente quando ele me perguntou em qual momento eu percebi que eu e Sunoo éramos mais do que amigos. Tudo estava começando a fazer mais sentido.
Talvez Jake estivesse confuso, então era compreensível ele estar escondendo o real motivo daquele irritação usando uma desculpa ruim.
— Não sei, você parece incomodado demais… como amigo. — eu dei ênfase nas últimas palavras.
— Não posso mais me preocupar com um amigo, é isso? — ele faz outra careta. — Esquece, beleza? Não é um assunto relevante.
— Se você diz… — eu dei de ombros, não continuando aquela conversa.
Se fosse para Jake me contar algo, ele contaria no tempo dele. Estar confuso é o pior sentimento quando estamos nos descobrindo, eu sabia exatamente como era.
Quando chegamos na porta do refeitório, eu parei de caminhar quando notei Yuna conversando com um grupo de garotas perto da entrada. Todas estavam rindo e a garota ainda vestia o uniforme de educação física, me deixando um pouco confuso.
Sem avisar Jake, eu mudei o caminho e escutei o meu melhor amigo me chamar algumas vezes enquanto corria atrás de mim. Yuna percebeu que eu estava indo até ela, então a garota abriu um leve amigável nos lábios e falou algo primeiro do que eu:
— Oi, Sunghoon! Tudo bem? — ela diz, as outras meninas apenas pararam de falar.
— Oi, Yuna! — a respondi, levando alguns segundos para voltar a falar. — Cadê o Sunoo?
— O Sunoo? — ela pergunta, confusa. — Ele não estava com você?
— Eu pensei que estivessem na biblioteca ajudando a Daya… — eu pisquei, percebendo que ela realmente não estava sabendo de nada.
— Estávamos de manhã só, não tínhamos nada durante o intervalo. — ela diz. — Ele disse que estaríamos juntos?
Eu estava confuso, mas não demonstraria nada disso. Sunoo havia mentido para mim.
— Ah, não. — eu ri fraco. — Desculpa, eu provavelmente me confundi. Mas valeu.
Yuna sorriu para mim e então eu me despedi, respirando fundo quando virei de costas para ela e comecei a caminhar na direção oposta de onde eu estava indo.
— Pra onde você vai, Sunghoon? — Jake fala alto por estar mais distante de mim.
— Vou à biblioteca. — eu respondi, não olhando para trás.
⋆✦⋆
Sunoo estava estranho desde manhã e mentiu para mim. Eu não estava irritado, mas sim chateado. Talvez algo realmente estivesse acontecendo com ele, ou talvez o problema era algo comigo. Essas perguntas só poderiam ser respondidas por ele e, por isso, eu estava indo buscar as respostas.
Quando cheguei na biblioteca, encarei os mesmos rostos de sempre. Eram sempre os mesmos alunos frequentando aquele lugar e de certa forma eu havia me tornado um deles depois que conheci Sunoo.
— Oi, Daya! — eu forcei o meu melhor sorriso amigável, por mais chateado que eu estivesse, ela não merecia receber um aluno mau humorado. — O Sunoo veio hoje?
— Oi, Sunghoon! — ela sussurra. — Ele ‘tá sentado nas mesas que ficam depois da última prateleira, parecia um pouco cansado. Eu até estranhei você não estar aqui com ele.
— Eu tive que fazer umas coisas antes. — eu sussurrei de volta. — Obrigado, Daya! Vou até lá.
— Se precisar, é só chamar. — a mais velha acena rapidamente com a cabeça e volta a anotar algo em um caderno.
Passando pelos corredores, eu encarei todos aqueles livros enquanto pensava no que falar para Sunoo, mas eu não era muito bom em pensar antes de falar. Aquilo não funcionava comigo.
Quando cheguei no último corredor, eu estava decidido em demonstrar tudo o que eu estava sentindo e dizer que eu estava chateado por ele ter mentido para mim. Mas ao me aproximar da mesa isolada da biblioteca, me deparei com a cena de um Sunoo deitado com a cabeça em cima dos próprios braços, dormindo sobre um caderno velho.
Em silêncio, eu me aproximei da mesa, me sentando na cadeira de frente para ele. Ele parecia estar em um sono profundo, como se estivesse realmente cansado. Sua respiração calma fazia seu corpo subir e descer devagar. Por um segundo, eu pensei que ele estava acordando, mas ele apenas curvou os lábios em um pequeno sorriso, como se estivesse tendo um sonho bom.
Naquele momento, eu já não estava tão chateado assim, não o observando tão tranquilo daquela forma. Daya estava certa, Sunoo estava cansado. Mas não apenas naquele momento, ele parecia cansado desde o início da aula e eu não percebi. Por esse motivo, eu me levantei devagar da cadeira e me preparei para sair dali. Poderíamos conversar depois.
Como se adivinhasse que eu estava indo embora, levei um leve susto quando notei os olhos do garoto começarem a se abrir devagar, seus cílios enormes se encontrando conforme ele piscava. E então, ele levantou rapidamente o tronco quando finalmente voltou para o mundo real, puxando até o próprio colo o caderno que ele estava dormindo em cima.
— Desculpa, eu não queria acordar você… — eu cocei a garganta. — Eu já estava de saída.
— Desde quando você ‘tá aqui? — Sunoo pergunta envergonhado. — Eu dormi por muito tempo? Meu Deus. — ele pega o próprio celular para verificar o horário.
— Desde que a Yuna me contou que vocês não tinham nada marcado pro intervalo. — eu sussurrei, desistindo de ir e puxando a cadeira novamente para eu me sentar. — O intervalo ainda não terminou, pode ficar tranquilo.
Sunoo respira fundo, ainda muito envergonhado. Mas agora, eu já não sabia por qual motivo ele estava assim.
— Sunghoon, eu posso explicar… — ele engole em seco quando eu me sento.
— Eu sei que sim, por isso eu to aqui. — falei enquanto levantava os ombros. — O que ‘tá acontecendo, hein? Você não dormiu hoje?
Sunoo nega devagar com a cabeça.
— Eu fui dormir um pouco tarde. — ele sussurra. — É que… tem uma coisa acontecendo e eu ‘tô um pouco confuso.
Ele foi direto, o que me surpreendeu um pouco.
— E você quer me contar o que é essa coisa?
Sunoo encara o caderno velho que tinha em mãos, hesitando um pouco. O olhar dele se perde pela biblioteca e ele parecia um pouco triste, cansado e confuso. Eu não conseguia entender.
— Eu quero, muito mesmo. — ele engole em seco. — Eu só não sei se tô pronto pra isso depois de tanto tempo.
— Eu acho que o confuso agora sou eu. — eu juntei as sobrancelhas ao ouvir a frase dita por ele, sentindo um certo desconforto no estômago.
Aquela conversa estava me fazendo voltar para momentos que eu também estava tentando esquecer, mas eu não conseguia acreditar que estávamos falando da mesma coisa. Porque sim, já houveram inúmeros momentos em que eu tive esperanças de não ser o único a ter lembranças de sonhos, mas não estávamos em um conto de fadas, eu não conseguia acreditar em coisas tão fora da realidade. Eu sempre tentava manter os pés no chão, mas era impossível quando eu estava perto de Sunoo, ele era como um arco-íris no meu mundo preto e branco, mas eu gostava disso. Por muito tempo, eu acordava feliz depois de ver o mundo colorido.
— Me desculpa. — ele levanta o rosto e me encara, perdendo o olhar em meu rosto. — Eu não queria ter mentido sobre a biblioteca, eu só não queria que você me visse assim. De verdade mesmo, me desculpa, Sunghoon.
— ‘Tá tudo bem. — eu sussurrei, notando que ele parecia realmente cansado. — Mas assim como?
— Uma bagunça. — ele respira fundo. — Eu costumo correr pra biblioteca quando me sinto assim, é como um esconderijo. Eu não queria que você me visse assim hoje.
— Você continua igual. — eu falei, deixando meus pensamentos saírem para fora sem querer.
— Continuo? — ele levanta as sobrancelhas.
Era estranho pensar que Sunoo era uma memória marcante da minha infância, enquanto isso, eu não passava de um garoto aleatório que ele conheceu em uma biblioteca e esqueceu no dia seguinte. Mas quando eu percebi o que havia dito, cocei a garganta para disfarçar e voltei a falar:
— É, desde que te conheci você tem esse lugar como um refúgio. — eu falei. — Mas eu não acho que você seja uma bagunça, Sunoo. Além de ser seu namorado, eu sou seu amigo também, esqueceu? Eu nunca julgaria você.
— Eu sei disso, mas é mais complicado do que parece. — ele umedece os lábios, ficando em silêncio por alguns segundos. E quando eu pensei que ele não diria mais nada, a voz dele me chamou a atenção. — Você me promete uma coisa?
— Qualquer coisa. — eu disse, deslizando a minha mão até a dele na mesa e entrelaçando nossos dedos. — O que você quer que eu prometa?
— Que você não vai sumir. — a frase dele me pega de surpresa, me deixando um pouco confuso. — Nunca mais.
— Eu não vou para lugar nenhum, Sunoo. ‘Tô aqui com você. — eu disse. — Mas por que você ‘tá dizendo isso?
Sunoo hesita mais uma vez durante aquele dia, me deixando mais curioso com aquele comportamento. O contato de nossas mãos estava causando um choque em meu corpo, me deixando mais agitado. E então, nós dois afastamos nossas mãos ao mesmo tempo quando um barulho alto se espalhou pelos corredores da escola, sinalizando o fim do intervalo.
Se ele fosse me contar algo naquele momento, já não estava mais em seus planos. No final, mais uma vez, nós dois estávamos ignorando aquele sentimento desconhecido que eu passei a sentir recentemente quando nos tocamos, era impossível ele não estar sentindo aquilo também.
— Desculpa, eu acho melhor voltarmos. — Sunoo coça a garganta, pensando por um tempo. — Podemos conversar sobre isso em algum outro lugar depois da aula?
— Tudo bem. — eu balancei a cabeça devagar. — Talvez a escola não seja o melhor lugar para isso mesmo.
Sunoo e eu nos levantamos da mesa e o garoto guardou o caderno dentro da mochila com um pouco de pressa enquanto eu o esperava, eu não carregava nada em mãos. E enquanto eu caminhava ao lado dele pelos corredores de livros, senti Sunoo juntar seu dedo mindinho ao meu, os entrelaçando dessa forma. Sem choque dessa vez, ele apenas curvou os lábios em um sorriso pequeno quando olhou para mim, fazendo os meus ombros relaxarem. Sem dizer nada, eu voltei a olhar para frente e voltamos para a sala daquele jeito.
⋆✦⋆
Durante aquele dia, eu concluí que era completamente impossível ter uma conversa séria com o seu namorado em um ambiente escolar. Tudo durante aquele dia estava atrapalhando a conversa que eu e Sunoo queríamos ter. Apesar disso, eu já não me sentia tão incomodado como eu estava no início do dia, Sunoo estava me passando segurança de que estava mesmo tudo bem, mas algo ainda estava diferente. Ele estava passando por algo sozinho e não parecia estar pronto para contar.
— Nós vamos sair para jogar depois da aula, vocês vem? — Heeseung pergunta enquanto caminhávamos todos juntos em direção da saída do prédio da escola. — Eu prometi pro Riki, ele disse que nunca mais fizemos isso juntos e quer fazer antes das férias. — ele ri. — O que acham?
— Eu topo. — Jay se pronuncia. — Mas o Nishimura é insuportável quando jogamos juntos, só porque ele é bom ele vive me provocando.
E como se estivesse esperando o momento perfeito para aparecer, Niki surgiu por trás de Jay e apoiou um dos braços no ombro do garoto enquanto tinha um sorrisinho convencido nos lábios.
— Valeu pelo elogio, Jay. — o japonês diz. — Mas não tenho culpa de nunca podermos jogar uma partida normal porque você é ruim em todas as lanes, não é, Heeseung? — o garoto vira o rosto em direção do mais velho do grupo.
— Me deixa de fora dessa. — Heeseung levanta os braços em rendição, Jake prende o riso ao lado dele.
— Eu vou acabar com você, pirralho. — Jay retira o braço de Niki de seu ombro, fazendo uma careta enquanto o mais novo cai na gargalhada.
Eu encarava a cena um pouco confuso, mas era sempre engraçado a relação de cão e gato dos dois garotos, era nítido o quão amigos eles eram. Era isso o que eu mais gostava sobre os meninos de Odhen, eles eram amigos. Eu gostava do conceito de amizade quando os acompanhava, principalmente porque eu também me sentia parte daquilo.
— Eu quero saber sobre o que eles estão falando? — eu sussurrei para Sunoo ao me inclinar um pouco até ele.
— League Of Legends. — Sunoo diz, fazendo uma careta divertida. — Então não, você não quer.
— Foi mal, gente. — Jungwon começa a falar enquanto encarava o próprio celular distraidamente, chamando a atenção de todos, principalmente de Jay. — Vou direto pra casa hoje, tenho umas coisas para resolver. Mas aproveitem!
Jungwon não deu oportunidade para que ninguém o respondesse, mas foi nítida a troca de olhares entre ele e Jay, que tinha um semblante confuso quando o Yang sumiu pelos corredores da escola, nos deixando sozinhos.
— Vocês ainda não se resolveram? — Heeseung pergunta. — Vocês pareciam estar conversando durante o treino.
— Eu também pensei. — Jongseong diz, confuso. — Eu ia tentar conversar com ele hoje, mas acho que isso vai ficar pro primeiro dia de jogos amanhã.
— A Jang-Mi vai embora hoje. — Sunoo comenta, esclarecendo toda aquela pressa de Jungwon. — Eu ouvi ele falando mais cedo.
O caos desnecessário que a irmã de Jungwon causou me irritou por alguns dias, principalmente porque envolvia o meu melhor amigo. Jake é completamente confuso quando quer, então eu não levei a sério aquela história de que ele realmente gostava de Jang-Mi. Se isso fosse verdade, ele estaria sofrendo ou algo do tipo, mas ele parecia mais preocupado em recuperar sua amizade com Jungwon. Sem tirar que eu tinha noventa por cento de certeza que Jake estava com outra pessoa em mente, mas como eu disse, ele é um pouco confuso.
— Ela vai? — Jake pergunta, chamando a atenção de Sunoo que logo confirma com um breve aceno com a cabeça. — Eu não fiquei sabendo de nada. — ele finaliza, eu não soube decifrar o que ele poderia estar pensando.
Ao lado dele, Heeseung coça a garganta exageradamente, cortando o climão que estava prestes a se instalar sempre que aquele assunto era levantado em nosso grupo. Quando todos encaram o mais velho, ele aponta em direção à saída.
— E quanto a vocês dois? — Heeseung muda totalmente o assunto ao se virar para mim e Sunoo. — Vão nos acompanhar ou vão embora?
O olhar de Sunoo foi até o meu, e mesmo que eu não pudesse ler seus pensamentos, eu esperava que ele conseguisse ler os meus. Durante aquele dia inteiro eu desejei que ficássemos a sós, eu já não estava aguentando adiar a conversa para descobrir o que o meu namorado precisava me contar.
— Eu e o Sunghoon estávamos pensando em ir até a casa dele, temos algumas coisas para resolver. — o garoto de cabelo rosa diz, me fazendo dar um pequeno sorriso satisfeito. — Prometo que fazemos algo antes de você viajar, Riki. — ele vira o rosto para o japonês, que tinha um sorriso compreensivo nos lábios.
Eu genuinamente gostava de Riki. Em muitos momentos, ele era o único que percebia que acontecia algo entre Sunoo e eu, ele deixava isso óbvio quando nos ajudava a sair de situações que estavam fora do nosso controle. Ele era um bom amigo.
— Tudo bem, ainda temos uma semana antes das férias. — Nishimura diz, voltando a se apoiar no ombro de Jay. — Vamos?
— Podemos acompanhar vocês até lá. — falei enquanto nos aproximávamos da saída. — Fica no caminho do ponto de ônibus.
— Então vamos logo, eu ‘tô morrendo de fome e quero comer alguma coisa. — Riki diz e puxa Jay para andar mais rápido.
Sem pensar duas vezes, eu segurei a mão de Sunoo quando chegamos ao lado de fora da escola, entrelaçando os nossos dedos quando os nossos amigos já se encontravam um pouco mais à nossa frente. Com isso, eu me inclinei até o mais novo enquanto ainda olhava para frente, sussurrando:
— Obrigado. — eu dei uma pausa, notando o olhar confuso dele em cima de mim. — Você decidiu ficar comigo, o que significa que quer mesmo conversar. Você aprontou alguma coisa? Pode falar. — o meu tom de voz estava cheio de diversão, aquele era o meu jeito favorito e confortável de fingir que eu não estava nervoso em qualquer situação.
Sunoo revirou os olhos. E assim, eu percebi que estávamos voltando ao nosso normal.
— O quê? Você prefere que eu volte atrás e diga que vamos com eles? — ele levanta as sobrancelhas e, então, enche os pulmões para chamar pelos meninos à nossa frente. — Gente, é o seguint…
Eu levei a mão até a boca de Sunoo, o impedindo de continuar a frase. Se divertindo com a situação, o garoto segura em meu pulso e afasta a minha mão de seu rosto, sorrindo enquanto me encarava, me causando borboletas no estômago que sempre apareciam quando ele me olhava assim.
Quando eu percebi, aquilo aconteceu mais uma vez. Sunoo quebrou o contato visual e se afastou de mim no mesmo momento em que eu me afastei dele, era o terceiro ‘’choque’’ que tínhamos durante o dia. Mas daquela vez eu senti algo mais estranho ainda no olhar dele, foi como se ele estivesse chegado em uma conclusão final sobre alguma coisa.
— Eu realmente preciso te contar uma coisa, Sunghoon. — ele diz sério, me deixando um pouco assustado, já não estávamos mais andando e Sunoo parecia inquieto.
— Você fez mesmo alguma coisa? — eu engoli em seco, sentindo um desconforto no estômago.
— Eu não fiz. — ele balança a cabeça e seus olhos se perdem pelo gramado da escola. Eu não estava o pressionando a nada, mas o encarava atentamente enquanto o garoto parecia buscar as palavras certas. Por um breve segundo, eu pensei em inúmeras frases que poderiam ser ditas por ele, sequer me importava com o quão longe os nossos amigos estivessem de nós dois.
Mas quando Sunoo estava prestes a abrir a boca para falar, pude ouvir a voz de Jake gritar por mim, me fazendo respirar fundo ao perceber que o meu namorado havia desistido de falar mais uma vez. Enquanto eu tentava ignorar o meu melhor amigo, o escutei me chamar mais uma vez, dessa vez mais alto do que antes.
— Park Sunghoon! — o garoto repete enquanto se aproxima, impaciente por eu não o responder.
Quem deveria estar impaciente era eu.
— Em casa você me fala, tudo bem? — eu sussurrei baixinho para Sunoo.
Eu e ele trocamos olhares por alguns segundos antes de eu me virar para Jake, juntando as sobrancelhas quando observei a aparência assustada dele. No mesmo momento, o meu sentimento mudou para uma leve preocupação.
— O que foi? Viu um fantasma? — perguntei imediatamente, observando Jake hesitar.
Por que de repente todos começaram a demorar para me contar alguma coisa?
— Não exatamente. — ele faz uma careta enquanto coça a cabeça. — Acho melhor você mesmo olhar… — o garoto engoliu em seco, apontando para trás com o polegar.
Eu revirei os olhos, não entendendo o porquê daquele mistério todo. Então, eu levei o meu olhar até o local que Jake apontava. Se tratava do estacionamento da escola. Uma mulher conversava no telefone e estava de costas para todos nós. Ela era elegante, usava saltos e um sobretudo por cima da roupa. Eu não soube fazer nada além de ficar parado a encarando, tentando não pensar no quanto aquela silhueta era familiar para mim, por mais desconhecida que tenha se tornado junto com outras coisas da minha vida.
Quando a mulher se virou, o olhar dela foi diretamente até o meu, como se já soubesse que eu estivesse ali. Por um momento, eu senti o tempo parar, como se aquele segundo fosse infinito. Eu tinha muitas perguntas, mas nenhuma parecia ter uma resposta com sentido. Então, enquanto eu sentia o meu corpo inteiro reagir, desde o meu estômago embrulhado até o meu coração acelerado, Sunoo levou a mão até o meu braço, parecendo preocupado.
— Sunghoon, você ‘tá bem? — ele sussurra para mim quando segue o meu olhar. — Jake, o que ‘tá acontecendo? Quem é aquela mulher? — ele insiste aflito.
Jake não respondeu, eu apenas senti o olhar dos dois garotos em cima de mim, mas eu não os olhei de volta quando passei por cima de todos os meus sentimentos que estavam misturados e sussurrei:
— O nome dela é Jung Hye-Young. — eu engoli em seco. — Também conhecida como a minha mãe.
A mão quente de Sunoo se afastou do meu braço no momento em que eu terminei de falar. Eu não olhei para ele mas, por sua reação, eu sabia que agora ele tinha o mesmo olhar confuso e receoso que Jake tinha enquanto a minha mãe caminhava em nossa direção, sorrindo como se não fosse a mulher que estava aparecendo de repente em Odhen depois de não retornar nenhuma das minhas ligações.
Mais uma vez, aquele sentimento desconhecido se fazia presente naquele dia, mas dessa vez estava me deixando mais desconfortável do que o normal.
⋆✦⋆
Chapter 17: Farewell, Neverland
Chapter Text
“Adeus, Terra do Nunca, meu amor.”
Kim Sunoo
Os meus olhos brilhavam enquanto eu observava as luzes no céu, eram de todas as cores. Tão lindas, pareciam fadas criadas apenas para enfeitar a lua minguante daquela noite. Em meu rosto, um sorriso não conseguiu ser desfeito enquanto eu encarava a cena que era muito mais linda vista de onde eu estava, a janela da torre mais alta de um castelo. Como sempre, eu não lembrava como havia chegado lá, mas eu estava desejando muito que ele também estivesse presente, já fazia um tempo que meus sonhos com ele duravam pouco.
— Onde estamos hoje, Kim Sunoo? — quando escutei a voz dele atrás de mim, sorri imediatamente.
Assim que eu me virei, ele estava com um sorriso mais contagiante do que o do sonho anterior. O sorriso um pouco mais maduro, assim como seu rosto e altura desde a primeira vez em que o vi ao adormecer. Com as mãos escondendo algo atrás de seu corpo, ele se aproximou devagar de onde eu estava, eu o encarei desconfiado, mas ignorei.
— Acho que estamos no nosso castelo. No nosso próprio reino. — eu falei, sorrindo da mesma forma que ele. — Lindo, não acha?
— Lindo… — ele faz uma careta. — Eu não sei, acho que tem alguma coisa faltando.
— E tem como esse lugar ficar melhor? — eu levantei as sobrancelhas.
Sem responder, ele apenas afasta as mãos de trás do próprio corpo e revela duas coroas que ele estava segurando aquele tempo todo. Uma delas, ele entregou em minhas mãos. E enquanto eu observava o objeto com curiosidade, senti ele colocar a coroa em minha cabeça.
— Todo reino precisa de um rei, não é? — ele continua sorrindo. — Como devemos chamá-lo?
Eu podia sentir os meus olhos brilhando, era loucura o quão bem eu me sentia estando com ele. E então, eu peguei a outra coroa e a coloquei na cabeça dele também.
— Mas o nosso reino precisa de dois reis. As regras são nossas. — eu falei, segurando a mão dele e o puxando comigo até a janela. — Que tal chamarmos ele de…
— Utopia. — ele diz.
— Utopia? — questionei.
— Isso. — ele aproxima a mão da minha, mas não a segura, nossos mindinhos apenas se encostaram enquanto ele encarava a paisagem. — um lugar ideal, fantasioso, onde o impossível se torna ideal. Mas aqui somos nós que controlamos.
Eu fiquei em silêncio, pensativo.
— Então... é como se esse mundo fosse moldado por nós dois? — perguntei, virando o rosto para encará-lo. — Essa é a nossa Utopia?
— Exato. — Ele parecia satisfeito, seus olhos brilhando. — Aqui, o que nós queremos, acontece. Nós criamos as regras. Eu, você... e o nosso reino de Utopia.
Eu sorri, mas algo apertou no meu peito, me obrigando a engolir em seco. Eu estava preocupado com o fato de que já não sonhava com ele com tanta frequência quanto antes e que esquecia boa parte do que acontecia. Será que nossa Utopia estava começando a desaparecer?
⋆✦⋆
Quando estamos em uma montanha-russa e fechamos os olhos do começo ao fim do trajeto, sentimos tudo com mais intensidade. O vento batendo contra o nosso rosto enquanto tentamos adivinhar em qual momento o frio na barriga vai se fazer presente quando, surpreendentemente, o brinquedo faz um movimento brusco e todas as pessoas começam a gritar, mas você permanece lá, de olhos fechados, porque tem medo. Você decidiu estar lá, mas você ainda tem medo.
E então, você grita também.
Era assim que eu estava me sentindo desde que descobri que Park Sunghoon também sonhava comigo: em uma montanha-russa de sentimentos. Mas eu me sentia um covarde, porque eu estava fechando os meus olhos enquanto deixava o que eu estava sentindo tomar conta dos meus pensamentos. Eu não conseguia entender o porquê daquilo estar acontecendo, então eu passei os últimos dias tentando pensar em um jeito de contar tudo para ele, mas quando eu tentava, eu travava. E no final, algo sempre acontecia. Sempre uma maldita coisa acontecia.
Sunghoon não merecia nada disso, eu sabia que ele precisava saber da verdade, mas assim como ele, eu também precisava do meu tempo antes de conseguir admitir aquilo em voz alta. Foi muito difícil passar meses me convencendo de que ele não era a mesma pessoa dos meus sonhos para descobrir de repente que, no final, ele realmente era. Sempre foi ele.
Demorou um tempo para que eu assimilasse aquilo, mas quando eu finalmente me senti pronto para contar a ele, dentre todas as situações que me atrapalharam para contar, o que aconteceu naquele momento foi a pior e mais inesperada de todas.
— Sunghoon, você ‘tá bem? — eu sussurrei para Sunghoon enquanto observava as expressões de susto e surpresa no rosto dele e de Jake. — Jake, o que ‘tá acontecendo? Quem é aquela mulher? — eu insisti.
Sem uma resposta de Jake, eu voltei o meu olhar até Sunghoon na esperança de que pelo menos ele me respondesse. Enquanto isso, com um sorriso charmoso, a mulher elegante e bonita continuava se aproximando de onde estávamos quando Park sussurrou, ainda sem tirar o olhar dela:
— O nome dela é Jung Hye-Young. — ele engole em seco. — Também conhecida como a minha mãe.
Eu pisquei algumas vezes quando o escutei, soltando o braço de Sunghoon por impulso. De repente, senti o meu coração começar a bater mais forte e sentimentos estranhos se espalharam pelo o meu corpo. Receio, medo e preocupação com Sunghoon eram as principais delas. O que ela estava fazendo ali? Os pais dele não estavam na França? Por quê eles não atendiam as ligações do filho? Pela reação de Park, ele claramente era a pessoa mais surpresa entre todos nós. Ele não fazia ideia e isso era uma merda.
— Não vai dar um abraço na sua mãe, Park Sunghoon? — a voz da mulher soava tão bonita quanto seu rosto, mas algo naquela pergunta me irritou profundamente, apesar de eu estar com um sorriso nervoso no rosto.
Ao meu lado, Jake coçou a garganta quando Sunghoon continuou imóvel e em silêncio, como se estivesse em outro mundo. De certa forma, aquilo o fez despertar, o que acabou não sendo algo muito positivo como a mulher talvez estivesse esperando.
— O que… o que você ‘tá fazendo aqui, mãe? — Sunghoon perguntou, soando confuso e irritado ao mesmo tempo. — E sem avisar. O que… Cadê o meu pai?
Ao perceber a reação do filho, o sorriso da mulher diminui, mas ela continuou ali, fingindo que aquilo era algo normal para ambos, mas era óbvio o clima pesado naquele momento.
— Eu queria fazer uma surpresa, filho! — ela diz, fazendo uma careta. — Mas pelo jeito você não gostou…
E como se estivesse notando a nossa presença apenas naquele momento, a mulher pareceu feliz quando olhou para Jake.
— Ah, Jaeyun! Que bom ver você. Como você cresceu, eu não te vejo desde… — ela para de falar quando seu olhar encontra o meu, me causando um frio dos pés à cabeça. Mas diferente do jeito que ela olhava para Jake, ela me olhou confusa, me analisando tão profundamente que consegui me visualizar correndo para bem longe, mas eu continuei ali parado. — E você é?
Aquilo era tão estranho. Se eu estivesse certo, Sunghoon não via os pais há meses, mas sua mãe estava agindo como se ela o tivesse visto na semana passada e aquele fosse um encontro casual. Aquela conversa inteira estava sendo desconfortável para mim antes mesmo que eu começasse a fazer parte dela.
— Ele é o Sunoo. Kim Sunoo. — Sunghoon responde por mim, respirando fundo. — Alguém que você saberia da existência se tivesse atendido as minhas ligações e respondido as minhas mensagens em todos esses meses.
— Kim Sunoo? — ela sussurra de um jeito estranho, piscando algumas vezes e mais uma vez forçando um sorriso quando encara Sunghoon. — E por favor, meu amor… não fale dessa maneira. Eu vim te buscar hoje como uma surpresa.
O silêncio de Sunghoon estava ficando cada vez mais preocupante. Ele respirava fundo e balançava a cabeça como se estivesse cansado. E pensando bem, a mãe dele aparecer ali, em público, era completamente injusto com os sentimentos dele.
— E você achou que eu te receberia de braços abertos depois de ter sumido por todo esse tempo? — Sunghoon engole em seco, ainda frustrado. — Não é assim que as coisas funcionam, mãe. Seja lá sobre o que você quer conversar. — o garoto dá uma pausa e olha para onde eu e Jake estávamos. — Eu vejo vocês depois, beleza?
Sem nos dar a chance de falar algo, Sunghoon passa por todos nós como um furacão e segue até o estacionamento de onde a mulher veio, deixando tanto eu, a mãe dele e Jake sem reação. Os outros meninos, também confusos, encaravam a cena de longe.
— Me desculpem por isso. — foi a única coisa que a mulher disse, com um sorriso forçado, me analisando intensamente mais uma vez antes de seguir atrás de Sunghoon com pressa.
Por algum motivo, eu senti mais um frio na barriga com a cena de um Sunghoon sério entrando dentro de um carro com sua mãe. E assim, mais uma vez, a nossa conversa foi adiada. Mas por outro lado, ele tinha uma conversa agendada com a própria mãe. E apesar da resistência do garoto, eu sabia que lá no fundo ele talvez estivesse curioso sobre aquilo. Conhecia ele o suficiente para saber que, apesar de tudo, ele queria sim ter respostas. O garoto se fazia de durão, mas todos sabíamos que ele ainda amava os pais. O que não significava que ele tinha que perdoá-los.
A vida era uma caixinha de surpresas. E eu estava confuso, muito confuso sobre o rumo que a minha estava levando. Eram tantas coisas acontecendo ao mesmo tempo e eu sequer conseguia me pronunciar no meio de tudo isso. Mas a única coisa que eu desejava no momento era que, do fundo do meu coração, Sunghoon ficasse bem, mesmo aquilo parecendo a última coisa que ele estava antes de entrar naquele veículo.
⋆✦⋆
As horas nunca passaram tão devagar desde o momento em que eu cheguei em casa. Eram quase dez horas da noite e eu não tive nenhuma notícia de Sunghoon, apesar de ter deixado algumas mensagens pedindo que ele me atualizasse do que estava acontecendo. Para melhorar a situação, nenhuma mensagem havia sido entregue para ele, ou seja, eu realmente teria que esperar o primeiro dia dos jogos escolares para ter alguma informação.
Quando perguntei para Jake sobre, o garoto disse que Sunghoon não voltou para casa desde o momento na escola e que também não estava atendendo ligações.
Para tentar me distrair e não pensar no pior, eu tomei um banho demorado. Acabei perdendo a noção do tempo quando me perdi em pensamentos, o meu corpo tenso relaxava com o contato da água, mas a minha cabeça não parava por um segundo. Tantas informações ao mesmo tempo estavam me deixando maluco.
Quando saí do banho, já de pijama, entrei no quarto tempo o suficiente para ver a tela do meu celular acesa, indicando que eu havia recebido uma mensagem. Imediatamente saí correndo até a minha cama, me jogando nela quando segurei o meu celular, esperançoso.
Três ligações perdidas de Sunghoon. 5 mensagens. Eu prendi a respiração.
Sunghoon
23:45
oi, gatinho
me desculpa, tá tudo confuso e não consigo pensar direito
vou dormir agora, conversamos amanhã
sei que não iria dormir até eu mandar uma mensagem
boa noite, ok?
Ele havia tentado me ligar assim que entrei no banho, por isso me enviou as mensagens. Automaticamente me arrependi de ter entrado no banheiro naquele momento. Quando fui respondê-lo, já não estava mais recebendo as mensagens.
Não tinha muito o que eu pudesse fazer, por isso, revirei na cama por longos minutos antes de pegar no sono, desejando que amanhã tudo voltasse a fazer sentido e, se possível, que eu pudesse contar a verdade para Sunghoon.
⋆✦⋆
Eu costumava gostar muito do clima dos jogos escolares, todos pareciam sempre mais dispostos, você só enxergava alguém de cabeça baixa depois de ter perdido alguma partida, do contrário, eram risadas, sorrisos e pessoas se divertindo por todos os lados. A Wall School sempre valorizou muito esses momentos, o que tornava a experiência mais divertida. Mas a semana estava completamente estranha desde os últimos acontecimentos. O nosso time se destacou durante os jogos, mas parecia que aquele lugar era o único que eu enxergava o meu namorado. Eram desculpas atrás de desculpas desde que sua mãe havia voltado e ela o levava para jantar em lugares diferentes. Eu já estava encucado com isso, queria muito estar tão animado quanto Heeseung, que tagarelava ao meu lado sobre como ele daria orgulho à Stephen Curry nesse último dia de jogos, mas Sunghoon não havia aparecido na escola ainda e nosso jogo começaria em 40 minutos.
— O Sunghoon deu algum sinal de vida? — Jay perguntava enquanto amarrava o tênis de Jungwon, que estava sentado no banco bebendo água.
Eu estava muito preocupado com Sunghoon, tão preocupado que perdi o momento em que Jay e Jungwon voltaram a se falar. Pelo o que Heeseung me disse, eles tiveram mais uma briga, mas mesmo irritado, Jay levou Jungwon para casa por ter ficado preocupado em deixá-lo andar sozinho à noite. E então, algo aconteceu naquele caminho, porque agora eles estão grudados novamente, apesar de ainda não terem reatado.
— Nenhum sinal dele, ele nem recebe as minhas mensagens. — respondi, começando a ficar um pouco frustrado por não ter notícias.
— Jake também não me falou nada, mas acredito que eles cheguem a tempo. — Heeseung diz enquanto se alonga. — Precisamos de pelo menos um deles aqui para entrar em quadra, caso contrário é WO na hora.
Eu não conseguia tirar os olhos da entrada do ginásio, apesar de estarmos no aquecimento para o jogo. O som das bolas quicando era a única coisa que me impedia de pensar demais como eu sempre fazia. Sunghoon estava sumido e estranho e eu não fui o único a perceber. A preocupação de todos só aumentou quando Heeseung comentou que Jake estava com um pé atrás com a volta da mãe de Sunghoon. Para Jake se preocupar, então alguma coisa tinha.
— O Jake também sumiu com ele? — Jungwon questiona, jogando a bola para Jay, que pega sem dizer nada, apenas arremessando na cesta. — O que será que tá rolando?
A imagem do rosto de Sunghoon segundos antes de entrar no carro da mãe dele me veio à mente. Desde então, ele sumiu. E agora que faltava tão pouco para o jogo, a curiosidade estava me matando por dentro.
A porta do ginásio abriu.
Eu e os meninos viramos o rosto em sincronia, meu coração saltou quando vi Jake e Sunghoon passando pela porta juntos, ofegantes como se estivessem no final de uma maratona.
Meu namorado não olhou para ninguém nos olhos. Na verdade, ele parecia completamente alheio a tudo. Nem sei se ele iria perceber se alguém passasse na frente dele pegando fogo. E quando notou o silêncio, foi Jake quem tentou amenizar o clima.
— Foi mal o atraso, galera. — ele disse, dando um soquinho no ombro de Heeseung.
— Antes tarde do que nunca. — Heeseung respondeu, tentando manter a positividade. — Espero que tenham se atrasado porque estavam treinando.
— Com certeza foi por isso. — foi a primeira coisa que Sunghoon falou, rindo de forma irônica.
Após isso, ele apenas pegou sua bola e começou a se aquecer, sem muita expressão novamente, os olhos distantes como eu nunca vi antes. Eu me sentia meio inútil. Queria falar com ele, perguntar o que estava acontecendo, mas parecia que ele tinha construído um muro que separava ele do mundo. Me pergunto se era assim que ele se sentia quando eu fugia dele no início do ano.
— ‘Tá tudo bem? — eu sussurrei para ele quando achei uma oportunidade de me aproximar, os meninos estavam montando estratégias.
Como se tivesse notado minha presença pela primeira vez, vi o rosto de Sunghoon ficar menos tenso quando nossos olhares se encontram. E então, ele sorriu para mim. Um sorriso que com certeza não era genuíno.
— Está sim, é só… você sabe. Não quero estragar o clima dos jogos falando da minha mãe. Mas ‘tá tudo bem. — ele insistiu, se aproximando de mim e levando a mão até a minha nuca quando beijou minha testa rapidamente. — Não se preocupa, beleza?
Ele então foi se juntar com os meninos. Um suspiro longo escapou por meus lábios. Em que momento o universo decidiu que seria divertido fazer a gente se reencontrar e depois dificultar na minha hora de contar a verdade sobre os sonhos?
O apito do árbitro ecoou por todo o ginásio e o jogo começou. Todos concentrados, até mesmo ele. Heeseung, como líder, mantinha sua precisão com jogadas rápidas. Jay e Jungwon se mantinham nos pontos importantes, abrindo vantagem. Eu ajudava com passes e algumas jogadas que o meu pai havia me ensinado durante a infância, sorrindo com todos os acertos. Mas toda vez que eu olhava para Sunghoon ou jogava a bola para ele… distância. Heeseung e sua competitividade parecia incomodado com isso.
— A bola, Sunghoon! — meu melhor amigo gritou quando Sunghoon segurou a bola por mais tempo do que necessário após quicar ela.
O árbitro apitou novamente. Bola para o outro time.
— Foi mal. — Sunghoon jogou a bola para o time adversário, desviando o olhar da arquibancada e correndo para o outro lado da quadra.
Não foi preciso dizer muito porque, quando eu e os meninos olhamos para a arquibancada, lá estava ela… A mãe do meu namorado nos assistindo. Heeseung abaixou a cabeça, deixando um leve tapinha no ombro de Sunghoon e gritando para seguirmos o jogo.
Passes que normalmente faria de olhos fechados, hesitando em jogadas simples, ele errava. A cada erro, dava para ver a frustração em seu rosto, e isso começou a afetar o resto do time.
— O que ‘tá rolando com ele, cara? — ouvi Riki perguntar para mim enquanto eu estava no banco por alguns minutos, Jake estava me substituindo. Apenas apontei para a arquibancada com a cabeça.
— Ele já ‘tava estranho antes, mas agora a mãe dele veio assistir. — bufei, bebendo o resto da água da garrafa que eu tomava.
O jogo continuou e, apesar do caos de Sunghoon, a vantagem era nossa. Heeseung e Jay davam a vida na quadra para manter o placar, Jake ajudava ainda mais no meu lugar. Jungwon me olhou em certo momento, quase implorando para que eu entrasse no lugar de Sunghoon, mas eu não iria ceder. Eu conheço o meu namorado, ele consegue. Não daria esse gosto para a própria mãe, apesar de eu sentir que esse nervosismo todo tinha a ver com o fato de que essa poderia ser uma das primeiras vezes que um de seus pais estava presente em alguma coisa que ele fazia.
Sunghoon estava sentindo o impacto de tudo o que ele perdeu durante a infância.
— Você consegue, Sunghoon! Você consegue. — eu gritei, não me importando se alguém olhasse estranho para mim. Ele precisava saber que tinha pessoas ali que torciam por ele.
Em outros momentos, eu ia querer me enfiar dentro de um buraco por odiar ser o centro das atenções, mas eu só queria apoiar o meu namorado. Faria qualquer coisa para ver ele bem.
Então, faltando um minuto para o jogo acabar, Sunghoon pareceu ter ficado com sangue nos olhos. De repente, ele roubou a bola do time adversário e correu em direção a cesta como se só existisse ele em quadra. A última coisa que vimos foi o garoto pulando alto e enterrando a bola, o apito indicou o final do jogo assim que ele colocou os pés no chão. Vitória nossa.
Todos saíram pulando em direção a Sunghoon, gritando e celebrando. Quando fiz o mesmo, consegui ver ele sorrindo para mim, mesmo que minimamente, mas não parecia uma celebração, era como se a vitória não fosse nada quando seu olhar correu até a arquibancada e sua mãe já não estava mais lá.
⋆✦⋆
Depois do jogo e da nossa vitória nos jogos escolares, os meninos estavam marcando para comemorarmos na casa de Jake no final de semana, assim também poderíamos celebrar o início das nossas férias do meio do ano. Todos saíam do vestiário enquanto eu aguardava sentado lá dentro. Sunghoon estava tomando banho e eu me encarreguei de cuidar de suas coisas.
Quando tudo encerrou, Sunghoon ainda estava distante, mas aquela cesta do final do jogo pareceu ter influenciado para que ele voltasse um pouco às suas origens. A única coisa que nos preocupava era que, em momento algum, ele citou a presença da mãe dele no jogo. Estava agindo como se nada tivesse acontecido, tudo o que importava era que ele havia feito a cesta da vitória.
— Vai demorar muito, gatinho? — falei um pouco alto, o som do chuveiro dificultava a nossa comunicação.
— Não muito, os meninos já foram? — ele questiona no mesmo tom.
— Acho que sim. — respondi quase que para mim mesmo, me levantando para certificar.
Me apoiei na maçaneta da porta do vestiário, colocando a cabeça para fora prestes a gritar pelo nome de Heeseung, mas eu já não escutava suas vozes. Pelo contrário, a única voz que escutei foi o que estava me tirando noites de sono durante a semana. Estava incomodado com essas aparições que mais pareciam jumpscares. Mas lá estava ela em minha frente.
— Sunoo, acertei? — a mãe de Sunghoon questiona, guardando o celular na bolsa ao parar de frente para a porta.
— Ah… Oi, Sra. Park. — eu tinha um sorriso que, apesar de querer que fosse simpático, era mais nervoso. — Kim Sunoo, não tivemos a oportunidade de conversar ainda.
— Ah, por favor, me chame de Hye-Young. — ela diz, sorrindo de uma maneira como se ela já soubesse o que eu diria antes mesmo de eu abrir a boca. — Eu soube que vocês venceram. Fico feliz, você jogou muito bem.
Ela soube, sequer assistiu o jogo até o final.
— Obrigado. — tentei me manter firme, mas eu estava realmente confuso com aquela simpatia. — Bem, o Sunghoon está no banho e já está saindo.
— Ah, não se preocupe. Nós já conversamos o suficiente. Na verdade, eu queria conversar com você. — ela manteve o sorriso, eu já estava mais do que intimidado.
— Comigo? — eu tentei não gaguejar, mas já estava ridículo.
Ela riu baixinho do meu nervosismo, dando um passo para frente e abaixando um pouco o tom de voz, como se quisesse que apenas eu escutasse.
— Eu sei que você e o meu filho estão… próximos. — ela diz a última palavra como se estivesse tentando fugir de outra. — E ele talvez já tenha comentado com você sobre a decisão dele.
— Decisão? — eu levantei as sobrancelhas.
Fiquei em silêncio, sentindo meu coração bater forte. Eu já me envolvi com outros garotos antes, eu conhecia aquele tom vindo de pais em negação. Seu tom de voz controlado me deixou em alerta.
— Sunghoon precisa de mim agora, Sunoo. Ele está em um momento muito importante da vida e eu finalmente posso estar aqui por ele. — ela falava como se eu estivesse por dentro do assunto. — Eu não estava presente quando ele mais precisou, mas estou agora. E não vou cometer o mesmo erro.
— E qual foi a proposta feita? — eu questionei, já sentindo a necessidade de defendê-lo para qualquer resposta, de dizer que Sunghoon estava bem em Odhen, que ele tinha seus amigos, que tinha a mim quando seus pais estavam longe. Mas eu jamais teria esse poder contra a pessoa que o trouxe à vida.
— Eu e o pai do Sunghoon estamos nos separando. — ela solta a bomba, não esperando nem que eu soubesse por ele antes. — E eu estou entrando num processo contra o pai dele. Quando eu ganhar, eu e Sunghoon vamos estar morando juntos na França e eu vou poder dar para ele o melhor futuro que ele poderia ter.
Eu não conseguia entender, ou pelo menos eu achava que não, estava apenas em negação.
— E onde eu entro nisso tudo? — eu fui direto, apesar de tenso.
Eu poderia ser muitas coisas, mas eu era um leitor de carteirinha e não era burro. Ela não estaria falando tudo aquilo para mim se não quisesse alguma coisa.
— Esperto, gosto disso. — ela continua. — O problema, Sunoo, é que a única coisa me impedindo de viver isso com o meu filho, é você.
Eu juntei as sobrancelhas, me preparando para protestar.
— Mas eu… eu nem sabia de nada, eu jamais diria para o Sunghoon… — eu parei na metade da frase, respirando fundo quando finalmente entendi e a encarei com receio da resposta. — Ele negou ir embora com você por minha causa, não é?
— Ele não quer ir embora, desde pequeno ele vivia nessa fantasia envolvendo desenhos e sonhos. — Hye-Young balançou a cabeça, fazendo eu me arrepiar quando a palavra “sonho” foi citada. — Odhen não é a cidade adequada pra ele viver o futuro que ele merece, Sunoo. Ele pertence a algo maior, algo que eu posso oferecer, entende? É desperdício ficar preso aqui por conta de… sentimentos.
A forma como ela disse "sentimentos" me deixou desconfortável. Como se o que Sunghoon e eu tínhamos não importasse. Como se fosse algo de momento.
— Você quer que eu fale para ele ir embora? — eu engoli em seco.
— Eu quero que você deixe ele crescer. — ela se aproxima mais. — Você sabe, às vezes, amar alguém significa deixá- lo ir. Ficando aqui, ele só vai ficar preso em algo irreal e sem futuro. Você me entende?
Eu sabia que, de alguma forma, ela estava certa. Sunghoon tinha um futuro lindo. Ele sempre foi o melhor em tudo o que fez. Mas a forma que ela falava… era como se ela soubesse do nosso mundo secreto, da nossa utopia. Ela só não sabia que eu também sabia. E o pior, ela estava fazendo isso ser uma escolha entre o meu relacionamento com o Sunghoon e o que era "melhor" para ele.
Eu estava sem chão. Jamais tentaria ficar acima da família dele, não depois de vê-lo tão vulnerável em minha frente porque sentia falta do amor e do carinho dos próprios pais.
— Então você quer que eu fale para ele ir embora. — tirei a conclusão sozinho, sussurrando sem olhar para ela.
— Você não quer ser o motivo que o impede de crescer, não é? — ela insiste naquela palavra.
A ideia de Sunghoon ir embora, de deixar tudo que construímos juntos para trás... era insuportável. Mas eu não era nenhum tipo de Peter Pan, eu sabia muito bem o que era crescer. Porém, ela estava agindo como se crescer só significasse se importar com coisas da vida adulta. Mas não, era exaustivo essa narrativa de que adultos não podem sonhar ou viver momentos com coisas ou pessoas que os fazem felizes. Então, o que exatamente é crescer? Isso acontece com todo mundo, cabe cada um fazer o próprio destino. Nem Peter era tão egocêntrico.
— Não, senhora. Eu não quero prender ele a nada. — foi a única coisa que consegui falar, apesar dos meus pensamentos. — Mas eu não posso controlar o seu filho desse jeito, ele está prestes a virar um adulto e sabe muito bem tudo o que faz.
Ela se afastou um pouco, me dando espaço para respirar, mas continuou com aquele tom calmo e controlado.
— Só estou dizendo que você é importante pra ele, Sunoo. E se realmente se importa com o futuro dele, você precisa fazer o que é certo. Não faça com que ele escolha entre você e o mundo real.
Eu também sou real, que droga.
Meus olhos arderam, mas eu não iria chorar, não ali. Ela estava me pedindo para desistir de Sunghoon. A mãe do meu namorado estava pedindo para eu o deixar ir e não tinha nada que eu pudesse fazer.
— Pense nisso. — Hye-Young deu um último sorriso antes de pegar o celular de volta. — Sei que você fará a escolha certa. Se tudo der certo, partimos em três dias.
Santa pressa.
Sem me dar a chance de uma resposta, ela se virou e voltou de onde veio. Seus passos ecoando pelo corredor vazio enquanto eu a observava sumir dali, completamente sem chão. Eu queria que Sunghoon fosse feliz, mas agora eu não sabia mais se isso significava ficar ao lado dele... ou deixá-lo ir.
— Sunoo? — escutei a voz de Sunghoon me chamar do vestiário. — Você viu meu tênis? Eu deixei por algum lugar aqui.
Quando eu entrei no vestiário, tentei manter a minha melhor postura, mas eu queria mesmo era me jogar no colo dele e chorar.
— Está dentro da sua mochila, coloquei nela para não molhar. — o respondi, me sentando ao lado da mochila enquanto ele permanecia agachado em minha frente, procurando pelo zíper enquanto seus cabelos úmidos quase tomavam conta de seus olhos.
— Achei! — Sunghoon disse, ainda com o mesmo pouco ânimo de horas atrás. E então, como se estivesse notando algo errado em meu rosto, ele me encarou. — ‘Tá tudo bem?
— Tudo sim. — menti enquanto levava a mão até o rosto dele, o observando fechar os olhos quando meu polegar acariciava sua bochecha.
Nossas bocas se juntaram em um selar, demorando o suficiente para que eu pudesse aproveitar a sensação macia de seus lábios. Eu o amava tanto que quase falei as três palavras após nos afastarmos. Mas ao invés disso, encarei seus olhinhos escuros por alguns segundos, guardando bem cada detalhe caso eu precisasse vê-lo apenas em sonhos novamente.
— Você vai pra minha casa e do Jake amanhã? — ele sussurrou, também olhando nos meus olhos, parecendo um pouco aflito. — Preciso te falar uma coisa… ahm, sobre você sabe o quê.
Eu sabia, infelizmente. Sabia até mais do que deveria.
— Vou sim. — assenti com a cabeça, engolindo em seco. — Também preciso te falar algo.
⋆✦⋆
As palavras da mãe de Sunghoon não saíram da minha cabeça naquela noite, eu mal consegui dormir e estava parecendo um zumbi pelo resto do dia. Agora, cá estava eu, sendo a pessoa que evita o namorado dessa vez. Não tive coragem de ligar para ele, apenas trocamos algumas mensagens. O fato de Sunghoon estar mais na dele nos últimos dias o ajudou a não perceber que eu também sumi naquela tarde.
Mas a verdade era que eu não conseguia suportar a ideia de que talvez aqueles fossem nossos últimos momentos juntos, então, para que ficasse mais convincente os próximos acontecimentos, precisávamos daquelas horas separados. Mas eu queria ele. Queria ele todo santo segundo do meu dia. E descobrir que isso talvez não fosse o certo era o que estava me deixando mais melancólico.
Sunoo:
21:23
chegando em alguns minutos
Guardei o celular após enviar a mensagem, meu Uber já estava na rua da casa de Jake. Era incrível que eu sempre ficava impressionado com o fato de existirem pessoas tão ricas em Odhen.
Sem pressa alguma – e um pouco de medo –, eu me encontrava em frente à casa de Jake. Pronto para tocar a campainha quando uma voz familiar gritou de uma das janelas da enorme casa.
— Eu não acredito, é o Saiki mesmo. — Yeonjun, o primo mais velho de Jake, sempre fazendo questão de falar sobre o meu cabelo. — Entra aí, garotinho. Vou pedir para abrirem pra você.
Em menos de um minuto, o portão eletrônico abriu. Eu entrei novamente sem pressa. Um suspiro pesado escapando por meus lábios quando eu pisei dentro da casa. Yeonjun me falou alguma coisa sobre estar esperando o namorado para irem em uma festa, mas eu não escutei absolutamente nada, estava totalmente aéreo.
— Terra chamando… — o primo de Jake passa a mão na frente do meu rosto, fazendo eu despertar dos meus pensamentos.
— Ah, desculpe, Yeonjun, você falou algo?
— Sempre me falaram que você vive no mundo da lua, mas eu nunca tinha visto pessoalmente… — ele faz uma careta, em outro momento eu me ofenderia e perguntaria quem andava falando sobre mim, mas apenas ignorei. — Eu só falei que o Jake e o seu namorado estão no andar de cima jogando videogame, como sempre. Os outros não chegaram ainda.
— Certo, obrigado Yeonjun. E boa festa com o seu namorado! — fiz uma reverência rápida, seguindo desajeitado até as escadas.
— É um jantar, não uma festa, Saiki. E eu vou pedir ele em namoro lá! Você ouviu o que eu disse? — ele parecia ofendido pela minha falta de atenção, mas deu de ombros e entrou em outra porta.
Um suspiro aliviado escapou por meus lábios. Eu e Yeonjun éramos completamente opostos, sempre que ficávamos muito tempo sozinhos juntos eu me sentia um pouco nervoso por não conseguir ser tão legal e extrovertido quanto ele. Mas eu o adorava.
Quando cheguei no final da escada, mais um suspiro escapou por meus lábios. Dessa vez, era um suspiro de indignação. Eu tinha um certo problema e ele estava acontecendo mais uma vez. Jake e Sunghoon definitivamente estavam jogando videogame, mas também estavam conversando sobre um assunto que eu já não aguentava mais ficar sabendo por terceiros.
Dessa vez não estava sendo por terceiros, mas ainda não era diretamente para mim.
— Eu não posso deixar que isso me impeça de viver, Jake. Não posso deixar isso acontecer de novo, entende? Essa é a minha única chance. — foi o que eu escutei Sunghoon dizer antes que eu entrasse no quarto, mas isso não foi o que fez eu parar de andar, mas sim o que Jaeyun falou em seguida.
— E você acha que o Sunoo aceitaria isso numa boa?
— Não sei, talvez ele se culpe. — meu namorado responde, me fazendo engolir em seco. — Por isso eu não falei com ele, pelo menos até hoje. Já me decidi e minha mãe está ciente. Eu só não aguento mais me sentir péssimo por conta disso, toda vez que eu vejo ela na minha frente eu tenho um sentimento muito estranho. É como se ela fosse uma estranha que eu infelizmente quero uma certa validação de vez em quando.
— E ela quer mesmo que você vá com ela, não é? — Jake parecia chateado ao falar. — Cara, terminar o ano sem você vai ser uma merda.
— É. Foi a proposta que ela me fez. — Park responde. — Eu confesso que não queria que os meus pais se separassem, mas isso pareceu ter deixado a minha mãe diferente. E agora ela quer recuperar os anos perdidos comigo. — ele ri sem humor, continuando a frase com certa amargura. — E o meu pai quer o mesmo, acredita? Acho que passei de filho excluído para filho troféu. Tudo porque um está processando o outro por problemas na empresa.
— Que merda. — Jake diz. — E eu vou te apoiar no que você decidir, cara. Mas não se arrependa depois, beleza? Você não pode fingir que o Sunoo não pesa nessa sua decisão.
Foram tantas informações em poucos segundos. Eu não soube qual frase interpretar primeiro, então evitei escutar mais antes que eu vomitasse na porta do quarto de Sunghoon. Bastou apenas uma batida na porta e uma limpada de garganta para notarem que eu estava ali. No mesmo segundo, Sunghoon deu um pequeno pulo de susto.
Jake pareceu assustado, talvez com a ideia de eu ter escutado alguma coisa - e eu escutei -, mas o australiano soube disfarçar tão mal quanto o melhor amigo quando, de repente, estava em minha frente com um sorriso no rosto.
— Oi, Sunoo! Pensei que fosse chegar mais tarde. — ele diz, apoiando uma mão em meu ombro antes de deixar batidinhas ali, rindo de maneira estranha. — Eu já ‘tava de saída, pode ficar tranquilo que o seu namorado é todo seu. Fui!
Não tive tempo de responder, apenas sorri educadamente enquanto observava Jaeyun sair às pressas do quarto, deixando eu e Sunghoon sozinhos.
Um silêncio desconfortável se instalou.
— Você ouviu, não foi? — foi a primeira coisa que Park disse, suspirando antes de sentar na beira da cama.
— Ouvi. — engoli em seco.
Tudo bem que eu já estava sabendo, mas se mais alguém me contasse aquela história eu provavelmente iria servir de inspiração para mais um filme do Coringa.
Depois de todas essas revelações, todos os meus planos de revelar a verdade dos sonhos para Sunghoon, foram por água abaixo. Como eu poderia contar que também sonhava com ele quando ele finalmente estava conseguindo o que tanto queria? Seus pais estavam desejando uma reaproximação e, o conhecendo, eu sabia o quanto aquilo estava significando para ele. Por mais resistente que ele tentasse parecer, no fundo, ele estava sim animado com a ideia de ter momentos com sua família. Eu jamais seria egoísta de estragar isso. Mas de todo jeito, o meu coração estava se despedaçando com o sentimento de perder o meu Sunghoon de novo. O único garoto que eu amei. E eu também tinha muito medo de seus pais o machucarem de novo.
Mas é impossível saber sem deixar acontecer. Com isso em mente, eu fui até a casa de Jake naquela noite completamente decidido. Apesar de machucado, eu deixaria o meu namorado procurar a felicidade, por mais doloroso que fosse ficar sem ele.
Sunghoon e eu ficamos sentados um do lado do outro em silêncio por um tempo. E eu queria tanto saber o que estava passando pela cabeça dele, além de estar irritado por ele não ter me contado nada até agora. O que ele pensou que eu fosse fazer?
— Eu não queria que você ficasse sabendo assim, eu ia te contar, eu…
— E quando você pretendia fazer isso? Porque parecia muito que eu seria o último a saber. — falei baixo, ainda não olhando para ele. Quando ele permaneceu em silêncio, voltei a falar. — Sua mãe quer que você vá embora com ela, é isso?
Eu não sabia de onde eu havia tirado aquela coragem sem a minha voz embargar, mas eu continuei o meu teatro. Eu sabia de tudo, mas teria que aparentar saber de nada.
— Foi o que ela sugeriu, mas eu conversei com ela e…
O cortei.
— Só me diz uma coisa, Sunghoon. — virei o rosto para ele. — Essa conversa que você teve foi por minha causa?
Mais silêncio. De ambas as partes dessa vez.
— Eu sabia que essa seria a sua reação, por isso eu não queria contar. Não antes de falar com ela. — ele vira o rosto para mim e segura uma de minhas mãos, me fazendo engolir em seco, talvez um pouco agoniado com a situação.
— Sunghoon, isso não ‘tá certo… — eu suspirei, afastando a minha mão. — Você não pode desistir de tudo por minha causa. Passar um tempo com os seus pais era tudo o que você sempre quis, você pode me dizer que não, mas eu sei disso desde aquela noite em que você chorou no meu colo depois de tentar entrar em contato com o seu pai. Eles são sua família no final de tudo e você ama eles. Já eu.. — engoli em seco. — Eu sou só o garoto que você conheceu no ensino médio.
Sunghoon abaixou a cabeça, mordendo o lábio inferior enquanto entrelaçava as próprias mãos de forma inquieta, suspirando de um jeito que pareceu irritado. Então ele balançou a cabeça em negação, voltando a me encarar em seguida.
— É isso que você acha, então? Que somos apenas um amor de ensino médio? — ele ainda estava irritado, mas nada ameaçador para mim, ele soava mais era ofendido. — Porque você é muito mais do que isso pra mim, Sunoo. Que merda.
Eu sabia disso mais do que ninguém. Sunghoon nunca seria apenas um romance de ensino médio, ele era o garoto dos meus sonhos. Ele era o meu melhor amigo e eu não conseguia imaginar a minha vida sem ele desde que eu era só um garotinho que tinha sonhos lúcidos. Mas ele não sabia disso, e eu não sei se deveria saber. Não depois de vê-lo desistir de algo tão importante assim por minha causa. Apesar da pressão da mãe dele, eu me sentiria culpado até mesmo se ela não tivesse conversado comigo.
O que eu senti vendo Sunghoon chorar naquele dia foi doloroso, mas o que eu estava sentindo agora, sabendo que ele estava prestes a repetir esse ciclo de decepção por minha causa, era insuportável. Eu queria dizer a verdade, queria tanto sair pulando por aí e falar “Seu idiota, eu também sonhava com você! Vamos viver felizes para sempre!”, mas a vida não é um conto de fadas e eu jamais seria egoísta somente para manter nosso relacionamento perfeitinho.
Meus olhos se perderam pelo quarto enquanto eu tentava conter as lágrimas que queriam aparecer naquele momento.
— Sunghoon, você precisa ir. Você tem que tentar de novo com os seus pais, mesmo que as coisas tenham sido difíceis. Isso é importante pra você... mais importante do que eu.
Ele franziu a testa, como se minhas palavras fossem incompreensíveis.
— Sunoo, não faz isso. Por que isso tão de repente? Você é sim importante, tudo tem uma solução e…
— E qual seria a solução, Sunghoon? — eu ri sem humor, falando tudo como se estivesse na ponta da língua. — A vida não é um conto de fadas, não estamos em utopia. Nada vai ser perfeito pra sempre.
Sunghoon piscou algumas vezes, recuando na cama com uma expressão confusa. Quando eu pensei que ele fosse contestar, ele levantou da cama, bagunçando o próprio cabelo.
— Você ‘ta falando de um jeito como se quisesse que eu fosse embora. Parece que você ‘tá fugindo de alguma coisa e essa coisa sou eu. Eu pensei que já tínhamos passado dessa fase.
Eu levantei da cama também, tentando controlar a tremedeira em minhas mãos.
— É… talvez seja isso. — minha garganta estava dolorida de segurar o choro. — Pelo menos você lembra disso, não é? Eu fugia de você, Sunghoon. Eu não queria você por perto e você continuava vindo atrás de mim mesmo quando eu te puxava pra longe. Você desistir desse jeito por minha causa é muita coisa pra minha cabeça, você ao menos pensou em como eu me sentiria?
— Eu só…
— Isso me assustou muito e eu não sei se consigo continuar. Não com toda essa responsabilidade. — eu engoli em seco.
Sunghoon tinha os olhos cada vez mais marejados a cada palavra que eu dizia. Com isso, eu fechei os olhos, tentando encontrar forças para continuar com aquela mentira.
— Eu sei que você não quer dizer nenhuma dessas palavras, Sunoo. É uma mentira. — ele se aproxima de mim, mas eu viro o rosto. — Olha pra mim e repete. Eu sei que você não quer que eu vá embora. Você quer tanto me ver feliz mas não percebe que a minha felicidade é você, Sunoo. É você. Que merda.
Eu pressionava os lábios um contra o outro, sentindo minhas bochechas esquentarem com as lágrimas que caíam. Ele me conhecia tão bem que deixava a situação ainda mais difícil. Mas eu sabia, bem lá no fundo, que se o universo nos conectou mais de uma vez, Sunghoon me encontraria de novo. E com esse pensamento, eu juntei todas as forças que eu não tinha para encher o peito de ar, levantar o olhar para ele, e falar:
— Mas eu não posso ser a sua felicidade. Você deveria ser a sua, não outra pessoa. — eu levei a minha mão até o peito dele, não demorando para sentir ela ser segurada por ele. — Não faz isso ser mais difícil, por favor. Você precisa ir e você sabe disso muito mais do que eu.
Aquela parte era verdade. Não só o Sunghoon, mas eu também tinha os sonhos como a minha única felicidade genuína. Aquilo não era o certo, precisávamos desapegar um pouco dessa ideia. Nós podemos ser felizes juntos, mas nunca a felicidade completa um do outro.
E foi com essa frase que eu percebi que ele precisava mesmo ir. Não só por ele, mas também por mim.
Senti como se ele concordasse em silêncio com um olhar triste. Foi o que eu enxerguei quando Sunghoon encostou nossas testas, encarando bem no fundo dos meus olhos quando uma lágrima caiu.
Quando eu percebi, nossas bocas estavam coladas. Sunghoon agarrou meus cabelos com as duas mãos enquanto as minhas seguravam com força em cada lado de sua camisa. Era um beijo desesperado, como se os dois estivessem precisando daquilo mais do que qualquer coisa no mundo. E eu precisava, meu Deus, como eu precisava.
Saber que aquele poderia ser o último beijo era o que me deixava com menos vontade de me afastar dele. Mas Sunghoon fez o que tornou a situação mais difícil do que já estava. O garoto quebrou o beijo, olhou no fundo dos meus olhos e me roubou um último selinho. E então, ele sussurrou contra meus lábios avermelhados:
— Eu amo você, Sunoo.
Em choque, eu paralisei. Nunca havia escutado aquelas palavras de ninguém antes. E eu queria tanto dizer que também o amava, que queria ficar com ele, que faríamos tudo funcionar. Mas eu sabia que, se ele ficasse, ele nunca se perdoaria por deixar essa oportunidade com a família passar, e eu nunca me perdoaria por ser o motivo disso.
O silêncio que seguiu foi ensurdecedor. Eu precisava de tempo, mas me mataria por dentro todos os dias se não correspondesse. Já estava doloroso o suficiente.
— Eu também amo você, Sunghoon. — eu sussurrei contra seus lábios. — E é por isso que eu quero que você vá… me desculpa.
Eu sabia que estava machucando Sunghoon com aquilo, mas a verdade é que eu também estava me destruindo. Eu nunca quis nada além de ficar ao lado dele, mas sabia que, às vezes, o amor realmente significava deixar ir.
Sunghoon me soltou devagar, sua expressão de tristeza ainda mais aparente.
— Então... é isso? — ele segurou o ar por um segundo, como se estivesse esperando eu dizer algo, qualquer coisa, que o fizesse ficar. — Você tem certeza?
Eu só consegui acenar com a cabeça, porque qualquer palavra que eu dissesse agora me trairia.
Ele deu um passo para trás, parecendo processar tudo. Por um momento, achei que ele fosse tentar discutir, tentar me convencer do contrário, mas ele simplesmente balançou a cabeça, cansado.
— Eu sei que você ‘tá fazendo isso por mim, mas ainda machuca. Machuca muito. — ele suspira. — Agora, por favor, vai embora. Já que me ver chorar te machuca tanto assim, acho que você não vai querer me ver nas próximas horas.
Essas palavras me quebraram completamente, mas eu mantive o silêncio. Eu sabia que, se falasse, não conseguiria mais manter a mentira. E eu estava quase me jogando no chão, dizendo mil vezes que queria que ele ficasse.
Então, completamente quieto e com o olhar perdido, caminhei em direção à porta.
E ele ficou ali, parado, me assistindo sair enquanto eu sentia como se estivesse deixando um pedaço de mim naquele cômodo. Desde a minha infância até a minha adolescência. Eu só queria que ele não me odiasse por isso, pelo menos não para sempre. Ainda éramos tão jovens e tínhamos tantas coisas para viver.
Caminhando para o lado de fora, eu pensava em tantas coisas, esbarrei em Jake enquanto chorava e apenas pedi desculpas antes de sair pela porta da frente. Nem olhei para trás.
Minha aparência estava péssima de tanto chorar, eu estava dando graças a Deus que não havia encontrado ninguém no caminho. Apenas fiquei ali, sozinho, esperando por algum motorista de aplicativo que aceitasse a minha corrida enquanto mil coisas passavam pela minha cabeça.
E então, quando cheguei em casa, minha mãe foi pega desprevenida quando seu filho adolescente – quase adulto –, passou a madrugada inteira chorando em seu colo, tudo porque foi covarde demais terminando com o único garoto que amou de verdade. Simplesmente porque o amava demais.
⋆✦⋆
Chapter 18: Déjà Vu
Chapter Text
Kim Sunoo
Escuro por todos os lados. A única luz que meus olhos encontravam era a da tela do celular que piscava de vez em quando para avisar de algumas chamadas perdidas. Nada importante, com certeza. Nunca achei que agradeceria tanto pelas férias do meio do ano. Meus planos de me tornar parte do chão estavam indo perfeitamente bem e eu não pretendia sair dali tão cedo. Se pudesse resumir como me sentia, diria: Bella em Crepúsculo: Lua Nova. Só que o meu coração parecia ainda mais vazio e sem vida do que o de um vampiro.
Deitado nas almofadas da minha sala de leitura, eu encarava o teto escuro enquanto a voz melancólica de Olivia Rodrigo ecoava nos meus ouvidos durante o refrão de making the bed. Depois da noite em que chorei como uma criança no colo da minha mãe, ela ficou preocupada — mais do que eu esperava. Não quis entrar em muitos detalhes sobre o término. Se eu contasse tudo o que a mãe do Sunghoon me disse, meus pais provavelmente moveriam o mundo para me defender. Mas eu estava cansado de dramas.
Queria tanto saber como ele estava. Se já tinha feito as malas, se estava decidido a ir embora. Só de pensar nisso, um nó na garganta se formava. Não tive coragem de ser sincero e o mandei embora daquela forma. Como alguém que tem tanto a dizer pode ficar em silêncio quando mais importa? Sinto falta dele e dói.
Eu odiava a mãe dele por isso. Ela devia saber disso. Talvez preferisse mesmo o ódio de um desconhecido ao do próprio filho.
Mas os meus planos de simplesmente existir durante as férias foram por água abaixo no momento em que uma luz forte invadiu o cômodo, cegando os meus olhos. Por reflexo, coloquei a primeira almofada que encontrei sobre o rosto, um gesto automático. Não precisei olhar para saber de quem era a presença que interrompia o meu isolamento. As ligações que ignorei diziam tudo.
— Você não pode ficar nesse quarto pra sempre, Sunoo. — a voz firme de Heeseung ecoou pelo quaeto, seguida de passos que se aproximavam mais.
— Vai embora. — murmurei, abafando a voz contra a almofada. — Eu não vou existir nos próximos dias.
— Não.
Antes que eu pudesse protestar, senti a almofada sendo arrancada de cima de mim. Pisquei algumas vezes, tentando me ajustar à luz que vinha da janela agora aberta. Heeseung tinha uma expressão séria, mas não estava exatamente bravo. Ele parecia preocupado, daquele jeito que só ele sabia demonstrar.
— Se você acha que eu vou deixar você apodrecer aqui ouvindo música triste e se lamentando, ‘tá muito enganado.
— Não tô me lamentando. — retruquei.
Ele arqueou uma sobrancelha, incrédulo, e apontou para o meu celular. Olivia Rodrigo ainda cantava sobre autossabotagem.
— Ah, não? Então por que parece que você faz parte de um clipe depressivo da Olivia Rodrigo? Levanta logo.
— Heeseung, é sério, eu não quero. — comecei, mas ele já estava puxando o meu braço.
— Você precisa sair desse buraco, Sunoo. Vai tomar um ar, ver a luz do dia, lembrar que a vida continua. E eu não tô pedindo, ‘tô te arrastando.
— Pra onde, exatamente? — perguntei, com mais irritação do que curiosidade. — Tudo nessa cidade me lembra do motivo de eu estar assim.
Ele deu de ombros como se não importasse.
— Pra qualquer lugar onde você não esteja deitado se afundando em pensamentos que nem fazem sentido. Você é tão dramático quanto o Sunghoon, sabia? Foi você quem terminou com ele, cara.
O nome dele foi como uma fisgada. Não respondi, mas Heeseung não esperava que eu o fizesse. Ele apenas puxou o meu braço com mais firmeza e começou a me arrastar para fora do quarto, ignorando os meus protestos.
— Você vai me agradecer por isso depois. — ele disse, a voz leve, mas firme.
E talvez ele estivesse certo, mas naquele momento, eu só queria voltar para as almofadas e me afundar mais um pouco antes de encarar o mundo.
⋆✦⋆
Tudo me lembrava dele e eu sentia que estava ficando maluco por conta disso. Eu bebia um milkshake de morango, o meu favorito, enquanto encarava uma cabine de fotos no fundo do cybercafé que eu estava com os meus melhores amigos. Recentemente, Riki e Jay desistiram de League Of Legends e estavam viciados em Valorant, então aproveitando os momentos que teriam juntos antes do Nishimura viajar de férias com a família para o Japão, ambos estavam com os olhos vidrados nos computadores enquanto Heeseung, Jake e Jungwon éramos espectadores.
— Como um cara pega duelista se não sabe abrir a porra de um bomb? Gastei minha smoke atoa. — Jay parecia frustrado, recebendo um pedaço de batatinha na boca, Jungwon era quem estava o alimentando enquanto se divertia com a irritação do namorado.
Jay e Jungwon passaram por muitas coisas desde o início do ano, mas agora estavam em um dos melhores momentos de seu relacionamento. Pelo menos algum casal do nosso grupo estava se dando bem.
— E como você tá, Sunoo? — Jake tenta puxar assunto depois de terminar outro com Heeseung.
Eu estava em outro mundo desde que chegamos, mas ainda era muito estranho estarmos todos reunidos sem Sunghoon, era como se houvesse um buraco ali. E eu pensei várias vezes em perguntar sobre ele, mas voltei atrás por medo da resposta. Além disso, meus amigos também pareciam evitar falar dele por medo da minha reação.
Eu respirei fundo, tentando parecer menos distante. Jake me encarava com uma expressão preocupada, mas eu sabia que, no fundo, ele estava escolhendo as palavras com cuidado.
— Eu tô bem, só cansado… — menti, levando o canudo do milkshake à boca, mesmo sabendo que ninguém acreditaria.
Jake abriu a boca para dizer algo, mas foi interrompido por um som alto vindo de Jay.
— EU DESISTO! — ele quase gritou, tirando os fones e girando na cadeira com um olhar incrédulo. — Quem joga assim? Você viu, Jungwon? A partida ‘tava ganha e essa Jett conseguiu essa proeza.
— Você que perdeu o clutch, Jay. Para de tiltar atoa. — Riki revirava os olhos ao lado do amigo.
Jungwon soltou uma risada, empurrando um último pedaço de batata na boca de Jay em uma falha tentativa de o acalmar.
— Vai dar tudo certo, gatinho. Toma mais uma batatinha.
A interação deles arrancou algumas risadas do grupo, menos de mim. Minha mente estava presa na cabine de fotos no fundo do cybercafé. Era impossível não lembrar do meu primeiro beijo com Sunghoon. Eu conseguia sentir o frio na barriga até hoje.
— Sunoo? — a voz de Heeseung me tirou dos meus pensamentos. Ele havia notado o meu olhar fixo na cabine. — Quer ir até lá?
O resto do grupo ficou em silêncio por um instante. Jake me lançou um olhar de compreensão, mas ninguém disse nada. Eu odiava aqueles olhares de pena.
— Não, eu... — comecei a responder, mas as palavras saíram fracas. Antes que pudesse completar, Riki gritou algo sobre uma jogada incrível, e todos se distraíram de novo, voltando sua atenção para ele.
Eu me levantei.
— Vou pegar mais batata.
Era uma desculpa, claro, mas ninguém questionou. Passei pela mesa deles, sentindo seus olhares breves nas minhas costas, me aproximando da cabine de fotos. Meu coração batia rápido demais, e eu não sabia por que estava indo até lá. Talvez eu quisesse sentir algo. Qualquer coisa que não fosse esse vazio.
Quando parei na frente da cabine, meus dedos roçaram na cortina e um pequeno sorriso escapou dos meus lábios ao lembrar de como nosso primeiro beijo aconteceu. Sunghoon parecendo enciumado, eu falando mais do que deveria, jogando palavras ao vento sem perceber o que elas provocariam. E então... ele me beijou. Dentro daquela cabine apertada, com o garoto dos meus sonhos, vivi um momento que parecia tirado de um sonho — só que, pela primeira vez, ele era real.
Eu estava prestes a virar as costas para a cabine de fotos, quando ouvi meu nome sendo chamado baixinho.
— Sunoo.
Era Heeseung, ele parecia um pouco hesitante. Eu sabia que todos estavam reunidos ali por algum motivo maior do que me tirar de casa, conhecia os meus amigos mais do que ninguém e eles não eram muito bons em esconder as coisas. Eu tive essa certeza quando, olhando mais para o fundo, enxerguei todos reunidos na mesa depois que Jay e Riki acabaram a partida do jogo.
Entendendo tudo, eu apenas respirei fundo e caminhei até a mesa em silêncio, Heeseung me acompanhou e pousou uma mão em meu ombro quando me sentei.
— Acho que precisamos parar de evitar esse assunto logo, não é? — disse Jungwon, me lançando um sorriso quase confortante.
Eles estavam tentando ser discretos, mas eu sabia o que estavam pensando. Sunghoon iria embora logo.
— Quando ele vai embora? — questionei, sentindo minha garganta doer.
— Sábado. — Jake foi rápido, olhando diretamente para mim como se quisesse garantir que eu estivesse prestando atenção. — Estamos todos planejando uma despedida para ele na sexta.
Eu sabia que todos ali estavam cientes do que aconteceu entre mim e ele. De alguma forma, todo mundo parecia entender o que eu estava sentindo — ou ao menos imaginava o que poderia ser, e isso fazia tudo parecer mais pesado. Mas o que me intrigou foi que, no dia em que a mãe dele conversou comigo, ela disse que eles iriam partir em três dias se tudo desse certo. Já havia se passado uma semana.
— Não podemos fazer isso sem você — disse Riki, de forma direta, mas com uma pitada de preocupação no olhar. — O Sunghoon... ele merece que todos participem. E você, Sunoo, é uma parte importante disso. Você sabe mais do que ninguém.
Eu queria sair dali, fugir de novo, mas o meu corpo não se movia. Havia algo que me prendia. Participar ou não era uma escolha óbvia, mas difícil. E a ideia de deixar Sunghoon partir sem me despedir, depois de tudo, parecia me devorar por dentro.
Mas como eu faria isso? Como eu poderia ir à despedida de alguém com quem eu mesmo terminei e mandei ir embora?
O silêncio se espalhou enquanto meus amigos aguardavam e eu senti o peso das expectativas de todos em cima de mim. Eu queria que fosse fácil, queria saber o que fazer. Mas, no fundo, eu sabia que, se não fosse agora, eu nunca teria coragem de enfrentar a despedida.
— Sunoo... — Jungwon insistiu, dessa vez mais firme. — A gente vai te ajudar, tá? Eu sei que é complicado, mas ele também vai gostar de te ver lá.
Eu senti o peso de suas palavras se afundando em mim. Eles queriam que eu estivesse ali. Eles queriam que eu fosse parte disso. E eu, de alguma forma, não podia negar o quanto aquilo significava para mim.
— Eu... — comecei a falar, a voz falhando por um momento. Não queria parecer fraco, mas a verdade era que estava dividido. — Eu não sei se consigo.
Eles me encararam em silêncio por um tempo. Então, foi Heeseung quem se aproximou, colocando mais uma vez uma mão reconfortante em meu ombro.
— Sunoo, ninguém está pedindo para você fingir nada. Só estamos pedindo para você estar lá. Por todos nós. E para o Sunghoon também. Não podemos deixar que essa despedida aconteça sem você. — o meu melhor amigo tentou mais uma vez. — Não sabemos quando vamos vê-lo de novo.
Eu fechei os olhos, respirando fundo. Era a última chance de me despedir de Sunghoon antes dele ir embora e talvez não voltar mais. Eu sabia que, se deixasse passar, nunca mais teria outra oportunidade.
Eu apenas assenti.
— Tudo bem, eu vou.
⋆✦⋆
Pela primeira vez em dias, eu estava tendo uma noite mais tranquila do que o esperado. Heeseung insistiu para que eu não passasse a noite sozinho e, após um monte de argumentos e promessas de que não falaríamos “nenhuma baboseira sobre o Sunghoon”, ele apareceu na minha porta com uma sacola cheia dos meus chocolates favoritos e uma enorme caixa de filmes de qualidade duvidosa. Ele disse que a ideia era simples: me distrair de tudo.
Eu não sabia o que esperar, mas o fato de Heeseung estar ali, se preocupando tanto comigo, me fazia sentir um pouco mais aliviado. Ele se acomodou ao meu lado no sofá, com a caixa de chocolates entre nós dois, e não demorou para que a noite começasse a ganhar uma vibe meio cômica e irrelevante. Filmes ruins, risadas forçadas e um clima de amizade genuína. Eu senti falta disso, fazia um tempo desde a última vez que eu e Heeseung passamos momentos assim juntos.
Heeseung parecia descontraído, mesmo com a bagunça que estava na cabeça dele. No meio de uma cena particularmente boba no filme, ele soltou um comentário com um sorriso travesso.
— Cara, isso me lembrou que eu levei um fora da Minjeong. — ele riu. — O Jake ficou todo estranho quando eu contei que tentaria falar com ela, mas ele gostou quando levei um fora. Certeza que ele queria ela.
Eu franzi a testa, tentando entender o que ele estava dizendo.
— Pera, você tentou dar em cima da Minjeong?
— Sim, na real, foi só pra ver o que ia acontecer. — Heeseung respondeu com um tom meio desdenhoso, ainda com aquele sorriso de quem sabe que fez algo meio sem sentido. — O Jake explodiu de raiva, como eu imaginei.
— Então você queria o que? Que o Jake ficasse com ciúmes? — eu perguntei, a ideia começando a fazer sentido.
— Claro que não, eu queria ver se ela ia querer algo comigo, ué. — Heeseung respondeu, meio que se defendendo. — Nem faz sentido eu querer deixar o Jake com ciúmes.
Eu juntei as sobrancelhas, olhava para Heeseung como se ele estivesse falando a coisa mais absurda que já ouvi. Eu conhecia o meu melhor amigo, mas naquele momento eu percebi que estava tão ocupado pensando somente nos meus problemas que acabei não percebendo mais nada.
— Calma aí, Heeseung. — comecei a falar, interrompendo ele antes que pudesse mudar de assunto. — Você ‘tá querendo me dizer que deu em cima da Minjeong só pra ver a reação do Jake e agora quer que eu acredite mesmo que não faz sentido você ter feito isso pra ele ficar com ciúmes?
— Sim, exatamente. — Heeseung enfiou um pedaço de chocolate na boca, provavelmente para fugir do assunto.
Eu soltei uma risada.
— Você é o pior mentiroso que eu já conheci.
— Eu não ‘tô mentindo! — ele fez uma careta.
Fiquei o encarando enquanto ele se mantinha focado na televisão. As peças então começaram a se encaixar de um jeito que fazia sentido. Talvez sentido até demais. E, então, a ficha caiu.
— Espera… — eu abri a boca enquanto um sorriso crescia nos meus lábios. — Ai. meu. Deus… Heeseung, você gosta do Jake. Esse grude de vocês dois do nada faz todo sentido!
Ele congelou. Assim que engoliu o último chocolate que sobrou, ele começou a procurar por mais. Sem sucesso, o olhar dele encontrou o meu e o meu sorriso aumentou mais.
— Eu não gosto. É que… — ele começou, mas parecia mesmo era querer engolir as próprias palavras. — ‘Tá, e se eu gostar dele? O que tem? Não significa que ele também sente o mesmo, então que se dane também.
Eu o encarei, boquiaberto.
— Você é um idiota.
— Valeu, Sunoo. — Heeseung revirou os olhos.
— Não, é sério. — continuei, agora me sentindo mais irritado com ele do que qualquer coisa. — Você deu em cima da Minjeong só pra ver como o Jake ia reagir, e agora tá fingindo que isso não significa nada? Heeseung, você gosta dele, e claramente ele gosta de você também. Ele ficou com ciúmes, pelo amor de Deus, homem!
Heeseung suspirou, se jogando contra o encosto do sofá como se estivesse exausto.
— Eu não sei, cara. Não sei como lidar com isso. Eu nunca pensei que... eu nunca pensei que sentiria algo assim pelo Jake, entende? É estranho.
Eu bufei, cruzando os braços.
— E você acha que a melhor solução é continuar dando em cima de outras pessoas? Vai por mim, Heeseung, isso não vai acabar bem.
Ele me olhou, e havia algo vulnerável nos olhinhos redondos dele que eu não via há muito tempo.
— Você acha mesmo que ele gosta de mim? — ele entortou o nariz. — Todo aquele rolo com a Jang-mi ainda é tão recente. E sei lá, o Jake é tão hétero.
— Eu acho que ele gosta, sim. — respondi, mais sério agora. — E você devia parar de agir como um idiota e fazer algo a respeito antes que seja tarde demais. Esquece a Jang-mi, ela não foi tão importante assim. — eu suspirei. — E se te faz sentir melhor, eu também achava que o Sunghoon era hétero.
Heeseung ficou em silêncio por um momento, como se estivesse absorvendo o que eu disse. Então, ele soltou uma risada curta e nervosa.
— O Sunghoon hétero? — ele pareceu prestar atenção só naquela frase. — Pelo amor de Deus, o seu gaydar é horrível.
— E pelo jeito o seu também. — joguei uma almofada em cima dele, que se protegeu de maneira dramática e, então, peguei o controle remoto para pausar o filme.
— Ai, Sunoo! — ele manteve o tom dramático. — Tá, talvez você tenha razão. Mas ainda é muito estranho pra mim, você sabe… eu nunca namorei garotos apesar de gostar.
— Claro que eu tenho razão. Agora para de fazer besteira e resolve isso. E limpa esse chocolate antes que suje o sofá da minha mãe.
Ele riu novamente, mas havia algo mais leve no som dessa vez, como se um peso tivesse sido tirado dos ombros dele. E, de repente, eu me peguei sorrindo também, feliz por, pelo menos por um momento, estar ajudando alguém com os próprios dramas enquanto ainda tentava resolver os meus.
Agora, o próximo passo era a despedida de Sunghoon. Com a ajuda dos meus amigos e depois de pensar muito a respeito, eu decidi que iria encarar aquilo da forma mais madura possível. Depois que descobri que Sunghoon também sonhava comigo e fui impedido de contar para ele que o mesmo acontecia comigo, eu queria que pelo menos ele fosse embora com uma última imagem boa minha. Então, eu estarei lá por ele como um amigo.
Eu só não sabia se ele gostaria mesmo de me ver antes de ir.
⋆✦⋆
Sunghoon estava sumido desde o nosso término, aquela semana estava passando lentamente de um jeito torturante para mim. Eu particularmente estava achando estranho como ninguém, absolutamente ninguém, me contava uma mísera informação sobre onde ele estava, como ele estava e se estava em algum lugar de Odhen. Era como se ele nem existisse e talvez aquilo fosse culpa minha, eu estava evitando puxar o assunto. Mas eu genuinamente gostaria de saber como ele estava lidando com tudo aquilo.
Estávamos reunidos na cozinha da casa de Jake, todos preparavam as coisas para a despedida. Eu não sabia muito bem como iria funcionar, mas recortava as letras de um letreiro que seriam coladas em um cartaz. No final, estaria escrito “Que a força esteja com você, Sunghoon. Boa viagem!”. Se tratava de uma referência a Star Wars, a saga favorita dele. Eu sugeri depois de passarem minutos sem saber o que escrever.
— Ele tá em Seul com a mãe dele. — Jake sentou ao meu lado na mesa, eu havia acabado de largar o celular e sair do chat de Sunghoon, na tela estava apenas uma ligação perdida dele no dia em que terminamos. — A despedida vai ser lá, o Yeonjun e o Beomgyu vão nos levar.
Jake pareceu ter lido os meus pensamentos, mas não era novidade para ninguém que eu queria alguma migalha de informação sobre ele. Principalmente pelo fato de que eu também estava fazendo parte daquilo.
— Em Seul? — questionei.
— Exigências da mãe dele. — Jake revirou os olhos. — Os dois foram antes para visitar alguns parentes. A mãe do Sunghoon precisa informar a todos sobre o divórcio e tal. Como o aeroporto é em Seul, já vão ficar por lá.
— Entendi. — engoli em seco. — Melhor mesmo.
Jake me observava em silêncio, talvez ele estivesse esperando mais alguma reação ou perguntas, mas eu continuei cortando as letras para o letreiro.
— Você tá bem com isso? — ele perguntou com cautela.
Levantei os olhos para encará-lo. Jake era direto às vezes, mas naquele momento sua voz parecia carregada de algo mais. Preocupação, talvez. Como todos os outros.
— Bem, eu não tenho escolha, não é? — tentei soar o mais casual possível, mas a minha voz embargada me entregava.
Jake suspirou, inclinando-se na cadeira.
— Eu sei que isso é estranho pra você, Sunoo. Pra todo mundo, na verdade. — o garoto tentava me confortar. — Só quero que você saiba que o Sunghoon também tá passando por um inferno com tudo isso. Mas ele me pergunta de você todos os dias.
Meu coração deu um salto involuntário, mas forcei um sorriso pequeno e sem vida.
— Ele deve estar melhor sem mim. A mãe dele finalmente conseguiu o que queria. — a amargura nas minhas palavras foi impossível de esconder.
Jake arqueou as sobrancelhas, parecendo confuso por um segundo. Hesitante, ele apenas balançou a cabeça e deu um sorriso cansado.
— Vou buscar mais cola quente para terminar o cartaz. — ele anunciou, levantando-se e indo em direção à porta. Antes de sair, o garoto parou e olhou para trás. — Ah, e só pra constar… o letreiro ficou muito legal. Star Wars é a cara dele. Acho que ele vai gostar.
Concordei com a cabeça, mas não falei nada. Jake saiu e provavelmente foi se juntar com os garotos na sala, me deixando sozinho com as letras espalhadas e uma cabeça cheia de pensamentos sobre Park Sunghoon. Respirei fundo. Era só uma despedida. Mas a cada segundo eu sentia como se estivesse ajudando a construir a despedida de algo muito maior. Nossos sonhos.
E com todos aqueles papos de despedida, assim que eu terminei o cartaz e me certifiquei de que nada estava faltando. Saí da casa de Jake com um objetivo naquela noite: eu iria me despedir de algo também, quem sabe assim eu conseguia sentir alguma coisa diferente.
⋆✦⋆
Eu encarava o vidro do carro da minha mãe, sentado no banco passageiro enquanto ela me falava algo sobre como eu poderia ligar caso quisesse ir embora de Seul, que eu não deveria ir se não estivesse confortável e outras mil preocupações de mãe. Sua preocupação aumentou ainda mais depois que eu cheguei em casa no dia anterior e ela se assustou com o que viu.
Eu já estava esperando a reação dos meus pais ser um pouco exagerada, eles ficaram tão preocupados que pensaram em ir comigo para Seul, mas eu expliquei mil vezes que estava tudo bem. Agora, preciso encarar a reação dos meus amigos e, principalmente, uma pessoa que eu sei que vai ficar um pouco decepcionado comigo.
— Meu Deus. — Yeonjun quase gritou no momento em que eu pisei para o lado de fora do carro dos meus pais. — Saiki, que porra você fez com o seu cabelo?
— Meu Deus. — Jake e Heeseung falaram em sincronia, eles haviam acabado de colocar as coisas que faltavam dentro do porta-malas do carro de Yeonjun.
— Gente, terminei de colocar as coisas no carro do Beomg… Meu Deus! — foi a vez de Jay, sendo acompanhado por Jungwon e Riki logo atrás.
— O seu cabelo tá preto. — Riki falou, piscando várias vezes como se estivesse tentando acordar de um sonho.
Eu esperei todos se expressarem, deixei cada um ter o seu momento para reagir. Apesar de ter ficado levemente ofendido com Yeonjun chamando o meu cabelo de “porra”, eu sabia que aquele era apenas o luto falando. No final, não passava de um leve exagero da parte dele, já estávamos todos acostumados.
— Sim, gente, eu pintei o meu cabelo de preto. — falei de maneira simples, me aproximando de Yeonjun quando o carro dos meus pais já se encontrava longe do meu campo de visão. — Um dia você supera, Yeonjun.
— Superar? — Yeonjun entortou o nariz, continuando em um tom dramático. — Você vai sempre ser o Saiki do grupo, espero que saiba disso. Mas isso foi como quebrar o meu coração em pedacinhos.
— Deixa o menino, Yeonjun. — Beomgyu deu um pequeno tapa na cabeça do namorado. — Seu dramático.
— Eu adoro quando você me bate… — Yeonjun diz, recebendo uma revirada de olhos de Beom.
— Ai, credo. Que nojeira. — Riki se afastou enquanto fazia uma careta.
Jake me contou no outro dia que Beomgyu havia aceitado o pedido de namoro de Yeonjun. Foi complicado até finalmente acontecer, mas Beomgyu sabia o que estava fazendo quando colocou limites e fez Yeonjun demonstrar para merecer. Então, depois de muito esforço da parte do rapaz, eles eram namorados oficiais.
E quanto ao meu cabelo, eu tentei ficar indiferente, mas suspirei com a visão do meu novo reflexo no vidro do carro de Yeonjun. O preto estava tão escuro que parecia que ele havia absorvido toda a luz ao meu redor. Eu esperava que algo mudasse, mas, na verdade, eu só me sentia mais distante do Sunoo de antes. A última coisa que eu queria naquele momento era uma reação dos meus amigos que fizesse eu me arrepender.
— Certo, galera, circulando. — Heeseung, que já estava sabendo de tudo porque foi o primeiro para quem eu contei, bateu palmas para chamar a atenção de todos. Ele se posicionou atrás de mim e pousou as mãos em meus ombros rígidos, automaticamente me deixando mais calmo. — Eu mudei o corte de cabelo mês passado e ninguém falou nada, eu sou tão invisível assim pra vocês?
— Você se arrependeu no mesmo dia porque disse que ficou parecendo o Justin Bieber em 2010. — Jake diz, rindo sozinho. — Uma semana depois você apareceu diferente, nem deu tempo de falarmos algo.
Heeseung lançou um olhar fuzilante para Jake, como se estivessem conversando apenas com aquilo. Em um segundo, Jake coçou a garganta e arrumou a própria postura.
— É, pessoal, vamos entrar no carro de uma vez. — o garoto se recompôs, lançando um sorriso confortante em minha direção. — Eu curti o visual novo.
Em segundos, todos os garotos começaram a se dispersar para iniciarmos a viagem. Seul ficava há duas horas de Odhen, não era uma viagem muito longa mas era o suficiente para se ficar com as pernas doloridas. E assim, nos dividimos em dois carros: Jake, Heeseung e eu fomos no carro de Yeonjun. Riki, Jay e Jungwon seguiram com Beomgyu no outro carro.
Quando entrei no carro, me desliguei completamente de tudo ao meu redor. Agradeci mentalmente por estar com Heeseung; ele sempre me ajudava em momentos como aquele. Ele se tornava a pessoa mais tagarela do mundo, e eu sabia exatamente que isso acontecia por minha causa. Enquanto ele falava, eu ficava quieto, concordava com algumas coisas e deixava o trabalho pesado com ele. E claro, nem sempre as coisas eram assim; às vezes eu era o tagarela e vice-versa. Nós apenas cuidávamos um do outro como melhores amigos devem fazer.
A versão de Breakaway da Avril Lavigne tocava nos meus fones de ouvido enquanto eu encarava o lado de fora do carro. Já estávamos na estrada havia alguns minutos e eu tentava manter apenas pensamentos positivos, mesmo que, na minha mente, eu estivesse treinando como reagir no momento em que encarasse Sunghoon depois dessa semana inteira sem contato. Eu estava morrendo de saudade dele e isso era uma merda.
Meu coração apertou quando, no meio do caminho, avistei uma placa que dizia: “Planetário da Cidade de Odhen em 5 km.” Automaticamente, um suspiro pesado escapou dos meus lábios. Estava começando a ser irritante como todas as coisas pareciam conspirar para me fazer lembrar dele. Aquele passeio no planetário foi um dos momentos mais importantes para que eu e Sunghoon nos tornássemos o que éramos.
Ainda me lembrava vividamente da maneira como eu fugia dele. Era a coisa mais estranha do mundo ver o garoto dos meus sonhos tão real, bem na minha frente. Eu sentia vontade de sair gritando e chorando por não saber o que fazer. Mas, olhando agora, a insistência de Sunghoon em se aproximar de mim fazia total sentido agora que eu sabia que ele também sonhava comigo.
Nossa diferença era clara: éramos como quente e frio. Enquanto eu corria para longe, ele corria para mim. Eu me escondia atrás do medo, ele insistia com coragem. Eu terminei, ele tentou. E talvez, no fundo, por isso somos ex-namorados agora. Porque, por mais que nossas diferenças nos conectassem, elas também nos afastaram. E agora, nesse carro, com uma placa me trazendo de volta ao início de tudo, eu me perguntava se aquilo era um adeus definitivo ou se ainda restava algo para nós dois. Mas também me peguei pensando sobre a decisão de contar a verdade dos sonhos para Sunghoon.
E foi depois dessa placa, seguindo em direção de Seul, que eu peguei no sono.
⋆✦⋆
Eu abri os meus olhos devagar, levando um susto ao perceber que eu já não estava mais dentro do carro. Eu estava em uma sala escura e redonda, havia livros por todos os lados e as prateleiras se erguiam tão alto que pareciam infinitas. Eu pisquei várias e várias vezes, mas nada mudou. Em pânico, tentei me beliscar e somente senti a rápida ardência em minha pele. Nada. Em uma última tentativa, dei leves tapinhas nas minhas bochechas. Tudo só levava a uma coisa: Eu não estava maluco. Aquilo, de fato, se tratava de um sonho lúcido.
O nervosismo tomou conta do meu corpo, a sensação estranha de me sentir acordado dentro do meu consciente depois de tanto tempo era como um déjà-vu. E eu tentei sentir isso de novo por tantas vezes, passava dias e noites tentando achar um jeito de reencontrar Sunghoon nos meus sonhos e, agora, de um jeito tão inesperado, eu estava passando por isso de novo.
Comecei a caminhar pela sala, sentindo o cheirinho amadeirado de livros antigos, eu poderia jurar que escutava sussurros saindo deles, todos inaudíveis, misturados com ecos de sonhos que já foram esquecidos. E, então, escutei passos que indicavam que eu não estava sozinho.
O meu corpo inteiro gelou quando me virei em direção da outra presença que me acompanhava. E lá estava ele, se apoiando em uma prateleira enquanto segurava um livro em mãos. Tentei forçar a visão para ler o título, mas nada fazia sentido em minha cabeça, apesar de eu estar vendo cada letra ali escrita. Era como se eu não soubesse ler.
Os olhos de Sunghoon estavam fixos em mim, mas não havia raiva e nem tristeza neles, apenas algo que me deixava extremamente desconfortável: coragem. A mesma coragem que me fazia correr o mais rápido que eu conseguia quando pressionado.
— Você não vai continuar fugindo de mim, vai? — foi a primeira coisa que ele falou, fechando o livro com apenas uma mão. Sua voz ecoava pelo lugar.
A minha boca abriu, mas eu não falei nada. Quando tentei dar um passo para frente, senti o chão tremer, assim como também senti alguma coisa me puxando para longe de Sunghoon. Mas ele não, ele continuava pisando firme e caminhava em minha direção com determinação.
— Por que você não me conta a verdade, Sunoo? — ele insistiu, agora com o mesmo olhar triste que ele tinha no dia em que terminamos. — Você só precisa falar. As coisas não precisam ser perfeitas somente na nossa Utopia.
Quando ele falou sobre Utopia, eu senti um peso em uma das minhas mãos. Quando olhei, eu estava segurando um caderno. Enquanto o meu corpo era puxado para longe, eu abri o livro. Minhas mãos estavam trêmulas, mas dessa vez eu entendia cada mísera palavra ali escrita. No livro, todos os sonhos que eu tive com Sunghoon estavam ali, letra por letra. Nada era um segredo.
— Eu só preciso que você me confirme que isso tudo não foi só um sonho idiota. — Sunghoon continuava falando, sua voz ecoando por todos os lados enquanto tudo ao nosso redor caía e desmoronava, mas nada nos atingia.
Pela primeira vez, eu estava sim consciente de que estava dentro de um sonho, mas eu não conseguia controlar e nem falar nada.
Estiquei o braço para Sunghoon, querendo entregar o livro enquanto meus olhos eram a única coisa que entregavam o meu desespero. Quando ele estava prestes a tocar no objeto, senti o ambiente inteiro ficar gelado. Sunghoon e eu nos encaramos com certa intensidade, pela primeira vez ele parecia tão desesperado e assustado quanto eu. E então, tudo desapareceu.
Eu acordei em um pulo, ainda dentro do carro. O meu coração estava acelerado, as luzes de Seul já brilhavam à distância naquela noite escura. O sonho pareceu tão real que eu não conseguia me livrar da sensação de que significava alguma coisa. Eu sabia que, mais cedo ou mais tarde, não teria escolha: eu precisava parar de fugir como um covarde.
— Tá tudo bem? — Heeseung perguntou ao me ver acordado. — Parece até que viu um fantasma.
Eu ri de nervoso, passando a mão na testa e sentindo a umidade ali presente. O sonho foi tão real que eu acordei suado.
— Tô bem sim, foi só um pesadelo. — falei.
— Foi maior do que a vez que eu sonhei que você pintou o cabelo de preto? — Yeonjun questiona, parando o carro no primeiro sinal vermelho após chegarmos em Seul. — Ah, espera, não foi um pesadelo…
Jake revirou os olhos.
— Se você não fosse o motorista eu te chutava muito desse carro agora. — o garoto diz.
Eu apenas soltei uma pequena risada, revirando os olhos também. Era nítido que Yeonjun estava tentando mudar o clima pesado no ambiente, mas ele era péssimo nisso. Ele era mais engraçado quando não estava tentando ser.
— Vamos direto para o local da despedida? — o primo de Jake questionou, por rápidos segundos, os meus olhos encontraram com os dele pelo retrovisor interno do carro. Ele piscou em minha direção. Fiz uma careta.
— Vamos, vou te passar o endereço. — Heeseung falou ao meu lado.
Despedida. Como eu estava odiando aquela palavra.
Fechei os olhos novamente, sem intenções de cair no sono daquela vez. Quando eu abri, tentei me manter positivo, sem pensar muito no meu sonho enquanto o GPS indicava o quão perto do destino nós estávamos. Mas a cada rua, a cada cenário que eu enxergava, eu me sentia mais estranho em relação a tudo o que estava acontecendo.
Seul me trazia muitas memórias de volta. A minha família também morava lá, os meus avós para ser mais claro, então estar lá novamente — e sem os meus pais —, mexia comigo de certa forma. Eu não tinha intenção nenhuma de me aproximar deles novamente, não depois de crescer e perceber o verdadeiro motivo deles me odiarem tanto. Eu era muitas, muitas coisas, mas eu não tinha vergonha da pessoa que eu era, jamais manteria por perto pessoas que sentiam o contrário. Ter o apoio dos meus pais me confortava muito, apenas isso me importava. Eles foram embora de Seul para me proteger e serei eternamente grato por isso.
Mas a sensação estranha foi aumentando quando eu percebi que ainda reconhecia aquelas ruas, mesmo depois de tanto tempo. O meu coração se apertou quando comecei a lembrar das minhas primeiras vezes. Quando aprendi a andar de bicicleta e ganhei alguns joelhos ralados, quando fui ao cinema pela primeira vez e voltei para casa desejando ser um super-herói porque assisti um filme do homem-aranha. E, é claro, quando li o meu primeiro livro e me apaixonei por esse mundo, desejando poder entrar em todas as histórias, viver todas aquelas vidas e aventuras que minha imaginação tanto adorava.
— É aqui, podem descer. Preciso achar um lugar pra estacionar. — Yeonjun disse, fazendo eu sair dos meus próprios pensamentos e perceber que o carro estava parado.
Jake, Heeseung e eu descemos imediatamente. Logo atrás, Beomgyu também parava o carro para que Riki, Jay e Jungwon descessem. Por ser de noite, eu não havia reparado bem no ambiente, mas, quando finalmente olhei em volta, o meu corpo inteiro congelou. Eu quase soltei uma risada, pensando ser algum tipo de pegadinha ou algo do tipo. Mas eu conhecia aquele lugar, e foi com a sensação de conhecer que eu dei alguns passos para frente, completamente confuso com o que os meus olhos estavam vendo depois de longos anos. Nada estava fazendo sentido.
Quando olhei para trás, me assustei ainda mais com o que eu vi. Todos os meus amigos estavam parados um ao lado do outro, me encarando com sorrisos que eu não sabia exatamente o que significava. Mas então, Heeseung tomou a frente ao dizer:
— Vai atrás dele, Sunoo. Ele já esperou demais.
Com o coração disparado, eu finalmente estava começando a entender, pelo menos um pouco. Sem pensar duas vezes, apressei os passos até me encontrar correndo até a porta daquele lugar tão familiar para mim: se tratava do meu lugar favorito, o único lugar que eu fugia dos meus problemas em Seul, por mais novo que eu fosse. Era a biblioteca que ficava perto da minha casa. Lembro até hoje como os donos me acolhiam, eles eram uma família inteira de japoneses.
Deixei de fazer perguntas quando encontrei a porta de entrada encostada. Ofegante, eu girei a maçaneta e dei o primeiro passo para dentro. O cheiro automaticamente tomou conta dos meus sentidos. Muito melhor do que eu lembrava sentir nos meus sonhos, o aroma dos livros me levou diretamente até a minha infância e as longas manhãs que passei naquele lugar, lendo todas as histórias de fantasia que eu encontrava.
Hesitei por um momento, o meu coração parecia que iria sair pela boca. Aquilo tudo continuava parecendo uma pegadinha e, se realmente fosse, seria muito de mal gosto. O lugar estava escuro, me sentia um invasor e esse pensamento me soava muito errado. O único barulho que eu escutava era o dos meus próprios passos, o meu peito apertando a cada um que eu dava. O sentimento de déjà-vu mais uma vez foi inevitável.
— Tem alguém aí? — falei em voz alta, quase escutando o meu eco.
Como se estivesse aguardando ansiosamente por isso, uma luz ligou no último corredor de livros. Dei um pequeno salto de susto, mas mantive o meu passo firme em direção dela.
— Escuta, se isso for algum tipo de brincadeira de vocês, não tem a menor gra…
‘’Shhhh.’’
Foi o que eu escutei, então eu calei a boca no mesmo segundo.
Quando finalmente entrei no corredor de livros iluminado, o meu brilho sumiu. Ele também não estava lá. Frustrado, eu dei mais um passo, olhando ao redor mas sem encontrá-lo. Estava prestes a desistir, mas levei um susto quando, ao passar o meu olhar pelos livros ao meu lado, dei de cara com um par de olhos que eram acompanhados de pintinhas que me encantaram desde o primeiro dia. Sunghoon estava do outro lado da estante e, naquele momento, nos encaramos em um silêncio que para mim pareceu uma eternidade. Enquanto o meu coração não parava de bater forte, mais uma vez eu sentia que aquele momento já havia ocorrido antes. Pude perceber o mais velho arregalar os olhos de primeira, provavelmente se assustando com a minha nova cor de cabelo.
Ele estava tão perto, mas ainda tão longe. A luz baixa do ambiente o deixava ainda mais bonito do que o normal. Mas não era apenas nisso que eu estava pensando. Era na falta que ele me fez, no vazio que sua ausência deixou e no pânico que começava a me consumir por, mais uma vez, não conseguir encontrar palavras. Meu sonho martelava na minha cabeça como um lembrete.
Sunghoon foi quem quebrou o silêncio, e sua voz grave, cheia de emoção, ecoou pelo corredor.
— Você não imagina quantas vezes eu procurei por você. — ele começou, e meu estômago congelou. — Quantas vezes eu te desenhei, falei de você para os meus pais, meus amigos, para o Jake... Até cheguei a acreditar que você era apenas uma invenção da minha cabeça.
Eu queria responder, mas minha garganta estava seca. Ele continuou.
— Mas você não se lembra de mim, não é? — sua voz quebrou levemente, carregada de uma tristeza que eu nunca imaginei ouvir dele. Sunghoon deu mais alguns passos, ainda do outro lado da estante, mas era como se estivéssemos tão próximos que eu podia sentir o calor do corpo dele.
— Você deve estar se perguntando por que estamos aqui. Por que eu te trouxe para esta biblioteca, neste exato lugar. — ele parou, e o mundo pareceu parar com ele. — Foi aqui que tudo começou, Sunoo. Talvez assim você se lembre. Principalmente com essa cor nova.
Sunghoon passou os dedos pelos livros da estante, seu toque parecia cheio de nostalgia e cuidado. Sua voz, embora tranquila, demonstrava um tipo de dor que me fez engolir em seco.
— Naquele dia, você, mesmo chorando porque iria embora de Seul, me fez chegar em casa e assoprar uma vela no meu aniversário. O meu desejo foi o mesmo: nunca mais me sentir sozinho no meu dia de novo. Logo eu, que achava besteira todo aquele papo de fantasia. — ele riu fraco, um som quase melancólico. — E então, eu realmente nunca mais me senti sozinho no meu aniversário. Sabe por quê? — ele deu uma pausa. — Porque você estava lá. Em todos eles, sempre que eu fechava os olhos.
As palavras dele ecoaram dentro de mim, destruindo todas as barreiras que eu havia construído ao redor daquela memória. De repente, eu estava lá de novo, na biblioteca, minha infância retornando com uma clareza que fazia meu coração doer.
Me lembrei de todas as manhãs que passei escondido entre essas estantes. Lembrei de Haru, o filho da dona, me acobertando quando eu fugia da realidade. Mas aquele dia... aquele dia foi diferente. O som abafado dos meus pais discutindo sobre nos mudarmos de Seul, de como o meu mundo pareceu desmoronar e de como, chorando, eu tinha vindo para cá, meu único refúgio.
Meus dedos apertaram a borda da prateleira, e eu senti meu peito se contrair com o choque que eu me encontrava, pela minha falta de atenção em um detalhe tão importante.
— Eu... — tentei dizer, mas minha voz falhou. Meus olhos buscaram os dele, desesperados por alguma confirmação de que aquilo era real, não apenas mais um sonho traiçoeiro para me fazer pensar.
Sunghoon, ao perceber o meu desespero, deu alguns passos rápidos, saindo do corredor oposto e entrando no meu. Ele estava tão perto que eu podia sentir sua presença que me passava conforto e expectativa. Quando ele segurou a minha mão, um arrepio percorreu o meu corpo.
Foi como se um interruptor tivesse ligado. Tudo voltou.
— Você disse que era impossível. — as palavras saíram num sussurro trêmulo, enquanto eu levantava o olhar de nossas mãos para seus olhos.
— Como? — ele perguntou, confuso, mas sua voz tinha uma ponta de esperança.
— Quando eu falei sobre o desejo de aniversário, você disse que era impossível. Que o mundo real não funcionava assim, que eu lia histórias demais... Mas mesmo assim, você acreditou. Você acreditou em mim.
Os olhos de Sunghoon se arregalaram levemente, e eu percebi que ele sabia exatamente do que eu estava falando.
— Sunoo... — ele começou, mas eu não o deixei continuar.
— E eu nunca soube o nome do garoto que conversou comigo naquele dia. — eu disse rapidamente, minha voz trêmula. — E foi por isso que eu nunca soube o seu nome nos meus sonhos, meu Deus… era você esse tempo inteiro.
Por um instante, o silêncio tomou conta do lugar, apenas o som distante de passos e vozes abafadas preenchendo o espaço.
— Você lembrou. — Sunghoon finalmente murmurou, sua voz estava cheia de emoção, como se ele não acreditasse completamente que aquilo estava acontecendo.
Eu assenti lentamente, o meu peito apertado com a intensidade daquele momento. Sunghoon sorriu, um sorriso cheio de alívio e algo mais profundo.
Eu estava prestes a continuar, mas fui surpreendido quando Sunghoon levou a mão até o meu pescoço, aproximando a boca tão rápido da minha que me pegou de surpresa. Apesar disso, eu retribuí o beijo no mesmo instante.
Havia se passado apenas uma semana, mas o jeito que ele me beijava fazia parecer anos. Sunghoon desceu a outra mão até minha cintura, segurando tão forte que parecia que eu iria fugir. Mas naquele momento, com aquele cenário, eu tinha certeza que estávamos beijando a nossa versão dos sonhos, matando todos os sentimentos que guardamos durante todos aqueles anos. Eu segurava em sua nuca da mesma maneira desesperada, puxando seus fios de cabelo na intenção de o deixar cada vez mais próximo. Eu me sentia nas nuvens, como sempre. Nada mais importava. Eu encontrei ele. Ele me encontrou.
De um beijo intenso, foi se tornando um beijo calmo e carinhoso. Os dedos dele brincavam com a minha cintura em um carinho leve, os meus dedos faziam movimentos circulares nos fios de cabelo da nuca dele e, então, o beijo encerrou quando ele encostou as nossas testas uma na outra. Nossos lábios permaneceram quase colados enquanto nossos olhares diziam mais do que qualquer coisa em uma troca silenciosa.
— Espera… — eu sussurrei, meu semblante voltando a parecer preocupado. — Como… como você sabia que eu já sabia? Como você tinha tanta certeza de que eu também sonhava com você ao ponto de me trazer até aqui?
Sunghoon soltou uma risada contra os meus lábios, me roubando um selar.
— Eu não tinha certeza, mas recentemente eu comecei a duvidar muito, pensei sobre tudo o que já passamos juntos e não fazia sentido você não sentir o mesmo que eu. — ele falava firme. — E então, no dia do nosso término, você citou Utopia. Eu entendi tudo na hora, mas eu ‘tava tão machucado com você me mandando embora que apenas precisei ficar sozinho pra pensar em tudo.
O meu coração se desmanchou em pedacinhos.
— E eu não ia te contar, mas depois de tudo, não dava mais pra esconder, entende? Eu falei sobre os sonhos para os nossos amigos, tudo porque eu fiquei desesperado. Então, Heeseung comentou sobre você ser muito apegado aos seus sonhos anos atrás, mas que parou com isso de repente e ele não sabia o motivo. — ele continuava e minha cabeça parecia girar. — Eles acharam estranho no começo, mas aceitaram. — Sunghoon deu de ombros, como se fosse natural. — E foi nesse momento que todos eles me ajudaram com essa despedida falsa.
Eu olhei para ele, incrédulo.
— Eles me fizeram montar aquele cartaz inteiro por horas, por absolutamente nada?
Sunghoon soltou uma risada gostosa.
— Eu esqueci completamente que estava triste quando o Jake contou que você lembrou da frase de Star Wars. — ele sorriu, me fazendo sorrir também. — Me desculpa por te enganar… mas você sabe, eu só queria que você lembrasse.
Ele riu, mas havia um brilho triste nos seus olhos ainda.
Eu fiquei em silêncio por um momento, tentando absorver a revelação. Mas algo me ocorreu. ‘’Enganar’’, soava ridículo ele estar me pedindo desculpas por aquilo quando, na verdade, quem o enganou de verdade foi eu. Fui covarde e terminei com ele, o mandei embora porque eu era medroso. Isso ainda era um problema.
Eu franzi a testa, sentindo uma pontada no peito. Algo estava errado. Algo estava faltando. Eu precisava contar.
— Sunghoon… — eu engoli em seco, meu tom mais sério. — Tem algo que você não sabe… sobre o nosso término.
Sunghoon ficou em alerta imediatamente, me olhando com curiosidade. Ainda sem saber o que viria, ele balançou a cabeça com cautela para me incentivar a falar.
Eu hesitei, mas logo comecei a falar:
— No dia dos jogos escolares, a sua mãe me procurou. — quase sussurrei, não sabendo como eu usaria as palavras. — Ela queria que você fosse embora com ela, que não ficasse em Odhen porque não era o melhor para o seu futuro. Eu… eu não queria ser o motivo de você ficar lá. Eu queria que você fosse feliz com sua família, porque eu sabia o quanto você sofria com a ausência deles. Por isso eu terminei com você. Ela disse que eu era a única coisa te prendendo lá.
Os olhos de Sunghoon se estreitaram em confusão e surpresa. Ele parecia chocado, mas também parecia não compreender nada do que eu estava dizendo. Quando ele se afastou do meu corpo, eu percebi a irritação em seu rosto.
— O que… e por que você não me contou isso, Sunoo? — ele perguntou, um misto de dor e indignação na voz.
Eu respirei fundo, o peso da verdade fazendo eu sentir que estava quase afundando no chão.
— Porque eu sabia que se você ficasse, você iria se culpar pelo resto da sua vida, e eu não queria isso pra você. — eu expliquei, finalmente falando a verdade. — Poxa, você chorou na minha frente aquele dia por conta do seu pai, Sunghoon. Como eu iria pedir pra você ficar? Ou ir contra a sua mãe? Isso é loucura.
Sunghoon ficou em silêncio por um tempo, os olhos fixos em qualquer lugar menos em mim, como se estivesse tentando raciocinar ainda. A raiva e a confusão eram visíveis em seu rosto. Ele então respirou fundo, como se tentasse se acalmar, mas nada mudava. Ele estava irritado.
— Então é isso? Você terminou comigo porque a minha mãe decidiu isso por você? Por nós? — ele explodiu, sua voz estava carregada de raiva. — E por que você não falou nada na hora? Você não acha que eu tinha o direito de escolher?
Eu recuei um passo, me sentindo levemente ofendido pela acusação. Mas eu entendia, ele tinha toda a razão de sentir raiva. Eu o fiz sofrer, fiz ele acreditar que eu não me importava o suficiente para lutar por nós dois. Que éramos apenas um amor de ensino médio.
— Eu sabia o que estava em jogo, Sunghoon! — falei, a voz firme, mas as minhas mãos estavam tremendo. — Eu sabia o quanto isso significava pra você, eu só não queria que no final você se arrependesse!
Sunghoon me encarou, sua expressão uma mistura de dor e confusão. Talvez ele ainda não conseguia entender o que eu havia feito, ainda era recente demais.
— Me desculpa, eu só entrei em desespero. — minha voz estava falhando, mas eu precisava que ele soubesse. — Primeiro, eu descubro que o meu namorado sonhava comigo também. Depois, a mãe dele aparece e estraga toda e qualquer oportunidade que eu tinha de contar a verdade pra ele. E então, o meu namorado fica distante, e eu fico sem saber o que aconteceu. E, enfim, a mãe dele aparece de novo e me faz sentir mal por estar prendendo ele... — eu falava tudo rápido, mal parando para respirar. — E eu termino com o meu namorado, fico sofrendo por dias, mal saio do meu quarto, me sinto a pior pessoa do mundo, pinto o meu cabelo e…
Sunghoon passou as mãos no próprio cabelo de maneira frustrada, então ele me beijou. E eu me calei.
Nossos lábios ficaram colados tempo o suficiente para uma lágrima traiçoeira escorrer por minha bochecha. Sunghoon segurava meu rosto com certa força, e assim, o meu corpo e a agitação que eu estava sentindo foram se acalmando aos poucos.
— Ei, ei, ei. Tá tudo bem, gatinho, calma… — ele sussurrou contra os meus lábios, abrindo os olhos e olhando bem no fundo dos meus. — Me desculpa, eu fiquei irritado com ela, mas não é culpa sua. Nunca vai ser.
Eu respirei fundo, sentindo o peso da culpa me esmagar. Ele tinha razão. Eu poderia ter falado, ter explicado. Mas em vez disso, eu havia me fechado e deixado ele carregar uma dor que ele não merecia.
Ele começou a acariciar minhas bochechas, não havia mais raiva, apenas a compreensão de quem finalmente entendia o que estava por trás de tudo. Ainda olhando fixo nos meus olhos marejados, ele disse:
— Eu não sabia que você tinha passado por tudo isso. Você só foi manipulado pelas palavras dela. Mas nada disso importa agora, não pra mim. — ele balançava a cabeça em afirmação enquanto falava cada palavra com a testa colada na minha. — Eu ‘tô aqui e nunca mais vou deixar você ir. Nunca mais. Eu amo você.
— Eu também amo você, Sunghoon. — sussurrei. Me desculpa mesmo.
Eu fechei os olhos, sentindo uma onda de alívio misturada com tristeza. Nós tínhamos muito o que resolver, mas naquele momento, eu sabia que estávamos prontos para enfrentar qualquer coisa juntos. Mas olhando para Sunghoon, o meu coração ainda apertava de culpa. Ainda estávamos em Seul por um motivo, sua mãe ainda estava por perto. Eu queria me desculpar para sempre.
— Mas, Sunghoon… — o chamei em um tom baixo. — Eu… eu estraguei tudo, né? Eu só queria ver você feliz. Eu fiz tudo errado. Agora você vai embora, e nós vamos precisar continuar em lugares diferentes, faculdades diferentes, namorar à distância. Isso nunca dá certo e…
Eu não consegui continuar. Tudo o que eu queria era poder voltar no tempo e dar as costas para a mãe dele.
Sunghoon me olhou com uma expressão tranquila, mas seus olhos estavam diferentes quando ele abaixou as mãos e se afastou de mim novamente. Em vez de me responder com a mesma tristeza que eu sentia, ele simplesmente começou a rir.
— Você realmente acha que estragou tudo? — ele perguntou, a voz suave, quase zombando da minha preocupação.
Eu fiquei sem entender e franzi a testa, me ofendendo com a risada enquanto eu estava lá, preocupado.
— Sunghoon? — perguntei, sentindo a confusão tomar conta de mim.
Sunghoon me olhou nos olhos, e o sorriso no seu rosto se alargou. Ele deu um passo para frente, ainda rindo baixinho, e então, finalmente, falou:
— Depois de tudo isso, você acha que eu vou embora mesmo assim, Sunoo? Eu vou ficar. — ele diz. — A minha mãe definitivamente não me conhece o suficiente. Se me conhecesse, saberia que eu decidi ficar em Odhen muito antes da volta dela. E claro, você obviamente pesa muito na minha decisão de ficar, mas eu finalmente descobri o que eu quero.
— O que você quer dizer com isso?
— Nosso professor de artes da Wall School conseguiu uma entrevista pra mim. — ele tinha um sorriso no rosto. — Na universidade de Odhen. Ele disse que quer me ajudar a conseguir uma bolsa até o final do ano. Era isso que eu queria te contar no dia em que você terminou comigo. — ele entortou o nariz.
Eu fiquei sem palavras por um momento, minha mente tentando processar o que ele havia acabado de dizer. Ele iria ficar? Em Odhen? Faculdade?
— O quê? — foi tudo o que consegui dizer, mal lembrava de piscar.
Sunghoon deu uma risada mais alta, como se achasse tudo aquilo absurdamente engraçado, mas ao mesmo tempo com um brilho de emoção nos olhos. Sem pensar duas vezes, eu pulei em cima dele e o abracei como se não houvesse amanhã.
— Sunghoon, isso é incrível! — eu o apertava contra o meu corpo, seus braços envolvendo minha cintura. — Parabéns, meu Deus. Faculdade de Artes também, acertei?
— Correto. — ele diz, animado. — Não é certo ainda. Mas eu não vou embora, Sunoo. Eu escolhi ficar por conta própria. — Sunghoon rouba um selinho meu, e então, ele pensa por alguns segundos antes de sussurrar. — Mas acima de tudo, eu escolhi a pessoa que inspira o meu coração, motivo o qual eu escolhi uma faculdade há exatos 52 km de você.
Ai. Meu. Deus. Park Sunghoon havia acabado de citar High School Musical. Só para mim.
— Eu falei certo? — ele enrugou o nariz, sorrindo em seguida.
— Acho que você já pode até substituir o Troy Bolton. — um sorriso enorme estava nos meus lábios. — Quanto tempo você levou pra decorar isso?
— Eu ensaiei bastante esse momento, é só o que você precisa saber. — ele diz, e então começa a acariciar minha cintura. — Aliás, eu sou o fã número um do seu cabelo rosa, mas te ver com essa cor nova me levou diretamente pros meus sonhos de novo.
— E quem falou que você não ‘tá sonhando mesmo? — o provoquei.
— Nem brinca com isso, Kim Sunoo.
Nossas risadas ecoaram pela biblioteca silenciosa, e dessa vez, quem o puxou para um beijo foi eu.
As palavras dele me atingiram como um choque, mas de uma forma boa. Eu não sabia se estava aliviado ou ainda confuso, mas a verdade era que eu sentia um peso saindo dos meus ombros, como se a responsabilidade que eu carregava de afastá-lo de sua felicidade tivesse finalmente desaparecido.
Com um beijo suave, cheio de uma promessa silenciosa de que nada estava perdido, eu finalmente me senti em paz com tudo aquilo que havia acontecido.
— Ah… tem mais uma coisa. — ele murmura quando nos separamos. — Eu aceitei viajar com a minha mãe nessas férias, apenas isso. Acho que preciso colocar alguns pingos nos i’s com os meus pais, principalmente agora que eles estão se separando. Mas eu volto, eu prometo.
Sunghoon olhou nos meus olhos, sério, mas com um sorriso nos lábios.
— E ela já sabe disso?
— Ela já foi embora, dias atrás. — ele dá de ombros. — Tivemos uma discussão quando eu contei sobre a faculdade, mas uma hora ela supera. Eu passei anos da minha vida desejando essa atenção, querendo eles por perto, agora as coisas mudaram e eles é quem estão nessa posição. — sua voz estava cheia de amargura. — Eles só não esperavam que um dia eu seria adulto e eles já não iriam me importar mais.
Eu ainda estava em choque, mas agora, algo dentro de mim se aquecia. Ele ia ficar. Nós íamos ficar. E tudo iria ficar bem.
— Você ‘tá fazendo tudo por você, tem noção disso, Sunghoon?
— Eu tenho. — ele sorri. — E tudo porque, anos atrás, um garotinho muito bonitinho me ensinou a sonhar.
— Bonitinho? — fiz uma careta.
— E chorão.
— Você é um idiota, cara. — eu revirei os olhos, me preparando para me afastar dele, mas Sunghoon não deixou.
— E você me ama.
— É, eu te amo. — segurei o rosto dele com uma mão, apertando suas bochechas e roubando um selinho. — Desde os nossos sonhos.
— Nossos sonhos. — ele sorri sozinho. — Preciso me acostumar com isso ainda.
E, naquele instante, nos braços dele, eu soube que nada mais importava. O futuro poderia ser incerto, mas eu sabia que, juntos, tudo ficaria bem. Eu me orgulhava dele, e ele se orgulhava de mim.
Park Sunghoon, o meu garoto dos sonhos, sempre esteve destinado a estar ao meu lado. Sunghoon sempre esteve ali. Ele sempre me apoiou e me incentivou a correr atrás do melhor para mim, e fazia isso, principalmente, nos meus sonhos. Ele foi o meu lugar seguro, a pessoa que me ajudou a entender quem eu realmente era, a me amar acima de qualquer coisa, enquanto tudo no mundo real parecia conspirar para que eu me odiasse.
Quando vi Sunghoon pela primeira vez naquele sonho, dentro daquele trem, eu não fazia ideia de que ele era uma pessoa real. Mas, olhando agora, percebo que começamos a sonhar um com o outro em momentos sensíveis das nossas vidas. Eu estava me mudando para Odhen depois do conflito com os meus avós. Ele, por sua vez, estava lidando com a falta de amor dos pais.
De certa forma, os sonhos eram um lugar especial onde nós dois podíamos nos encontrar e fugir da realidade. Mas os sonhos não foram suficientes. Tudo indicava que era necessário nos encontrarmos na vida real para chegarmos até onde estamos hoje. Juntos. Exatamente como deveria ser. Eu e o meu Sunghoon encontrando a nossa felicidade juntos.
E na busca pela minha felicidade, refleti sobre a intenção dos meus pais em me tirar de Seul. Ela foi boa, uma atitude admirável como pais. Mas eles não faziam ideia do quanto aquilo mexeu comigo e com o meu psicológico. Um garoto novo como eu, precisando fugir da cidade porque não era bem aceito pelos avós? Foi um trauma que me fez buscar refúgio em histórias felizes, fantasias e sonhos, porque, dentro deles, não existia nenhuma maldade.
E foi assim, desse jeitinho, que eu descobri a resposta para a pergunta que tanto me assombrava: "O que você pretende fazer depois que acabar o ensino médio?"
Bem, eu queria ser escritor.
Eu pisquei algumas vezes, fechando a última página do livro em minhas mãos. Depois de todas aquelas lembranças passarem diante dos meus olhos enquanto eu o segurava, voltei para a realidade ao som dos aplausos que ecoavam ao meu redor. Eu havia acabado de assinar o primeiro exemplar, e uma fila enorme de pessoas aguardava ansiosamente atrás da faixa vermelha que havia sido cortada momentos antes. Ao meu lado, estava uma pilha de livros sob a luz suave da livraria.
"Déjà Vu". O título brilhava em letras douradas na capa, como uma promessa de que algumas histórias sempre voltam para aqueles que as viveram.
Estar de volta a Odhen, depois de dez anos, era como reviver a melhor parte da minha vida. Essa cidade sempre foi um refúgio, um lugar onde eu conheci pessoas que fizeram quem sou hoje. Foi aqui que eu ri até a barriga doer, chorei quando as coisas pareciam desmoronar, amei pela primeira vez, e finalmente, me encontrei como pessoa. Por conta disso, eu escolhi ela para ser a cidade em que eu inaugurei meu livro.
Enquanto os meus olhos percorriam a fila de leitores, minha mente vagou por mais histórias de quem um dia caminhou ao meu lado naquele lugar. Automaticamente um sorriso cresceu em meus lábios.
Jay, por exemplo, lembro até hoje da maneira que ele se cobrava quando éramos mais novos. Por isso, ele passou por vários cursos até descobrir o que realmente queria: cursou Moda, mas descobriu que não era para ele. Psicologia, ele acabou trancando em pouco tempo. E, então, ele finalmente se formou em Ciência da Computação. Hoje trabalha em Seul, desenvolvendo tecnologias que mal consigo entender. Ele e Jungwon, que se tornou advogado, dividem um apartamento na cidade grande. Estão mais próximos do que nunca e, pelas fotos que eles mandam, parece que estão vivendo o melhor momento de suas vidas.
Heeseung também encontrou seu caminho, mas no mundo do esporte. Meu melhor amigo não poderia me deixar mais orgulhoso ao se tornar um jogador de basquete profissional, alcançando um tipo de sucesso que só ele poderia conquistar. Apesar disso, enfrentou dificuldades com o pai, que fazia de tudo para mantê-lo preso em Odhen, sem imaginar que o filho queria mesmo era conhecer o mundo. Por alguns anos, ele e Jake namoraram — algo que veio após muitos dramas e falta de diálogos —, mas a vida acabou os separando. Enquanto Heeseung viajava constantemente para competições de basquete, Jake assumiu os negócios da família ao lado de Yeonjun, dedicando quase todo o seu tempo a isso. Apesar do término, eles ainda mantinham contato. Sempre que eu e Heeseung nos encontrávamos, ele mencionava o desejo de tentar novamente com Jake. Quem sabe um dia?
Riki, por sua vez, voltou ao Japão. Ele trabalhava na mesma área que Jay, mas sua carreira tomou um rumo inesperado quando começou a fazer streams de jogos online. Hoje, ele é praticamente uma celebridade na internet, e eu fico feliz de ver como ele prosperou ao seguir seu próprio caminho. Achei adorável quando, em um dia desses, enviaram um vídeo no nosso grupo do KakaoTalk, Riki tinha uma cópia do meu livro em mãos e estava divulgando em uma de suas lives. No dia seguinte, esgotaram na pré-venda.
Aqueles garotos — agora homens — me ensinaram tanto: sobre amizade, sobre amor e sobre a importância de nos permitirmos sonhar. Apesar de sentir falta dos dias que passamos juntos na escola, em cybercafés, jogando videogame na casa de alguém do grupo etc., aprendi a não me manter muito apegado às memórias. A nostalgia, apesar de ser um sentimento confortável, pode ser traiçoeira quando deixamos que ela nos dê a falsa ideia de que apenas o passado foi bom.
Por isso, eu e meus amigos temos essa regra: pelo menos uma vez a cada três meses, nos reunimos na casa de alguém, relembramos os velhos tempos refazendo coisas que fazíamos no passado. Conversamos sobre nossos momentos caóticos, as melhores sextas-feiras 13 em Odhen e, até mesmo, nossa formatura do ensino médio, o momento em que olhamos um para o outro e percebemos que, de fato, era o nosso último dia juntos antes de encararmos a vida adulta.
Minha mente voltou ao presente quando ouvi o som de passos se aproximando; o lugar já estava quase vazio. O último leitor estava bem em minha frente, e eu peguei o livro para assinar. Quando levantei o rosto, pronto para receber um desconhecido, percebi que não era qualquer rosto. Era ele.
Park Sunghoon. A inspiração do meu livro.
Ele estava ali, com aquele sorriso que só ele tinha. Meu coração deu um salto, como acontecia toda vez que nossos olhos se encontravam. Ele não era apenas o meu primeiro amor, meu melhor amigo, o eterno garoto dos meus sonhos. Ele era tudo aquilo e mais um pouco.
— Bom dia, meu autor favorito. — ele disse em um tom provocativo, seu jeitinho que sempre me deixava derretido. — Será que você poderia autografar esse livro para o seu noivo?
Senti minhas bochechas esquentarem, e uma risada escapou antes que eu pudesse responder.
— Noivo? Não lembro se cheguei a ler essa parte no livro. — o provoquei de volta.
Ele gargalhou e se inclinou um pouco sobre a mesa, olhando para mim como se só existíssemos nós dois ali.
— Bem, então acho que vai precisar fazer uma parte dois. Preciso ler dez linhas de você me chamando de noivo. — ele piscou, me fazendo revirar os olhos, mas sorrir ainda mais. — Por favor.
— Idiota.
Sunghoon havia se formado em Artes e, nos últimos anos, seus quadros começaram a ganhar espaço em galerias importantes, principalmente nos corredores da nossa casa em Seul, onde eu fazia questão de contar para as visitas que eram todos do meu noivo. Agora, ele estava prestes a ter uma exposição em uma das maiores galerias da Coreia, e eu não poderia estar mais orgulhoso.
Mas aquilo não foi a única coisa que me orgulhou. Atualmente, Sunghoon mantém um relacionamento mais saudável com os pais. Ninguém imaginava, mas a separação deles foi a melhor coisa que poderia ter acontecido para o Park. Sem a pressão de um casamento infeliz, os dois finalmente começaram a perceber que processo nenhum valia a pena quando não faziam ideia do que o filho deles estava fazendo da vida. Obviamente, Sunghoon colocou limites, mas eles estavam melhorando com o tempo. Ainda tinham um longo caminho pela frente; Sunghoon não era mais aquele garoto.
— E então, o que vamos fazer depois? — Sunghoon perguntou, me trazendo de volta dos meus pensamentos.
Olhei para ele, levemente confuso, enquanto começava a arrumar as coisas dentro da bolsa.
— Hm… não sei, talvez uma noite de sushi para comemorar? — abri um sorriso, estava há dias pensando nisso. — Tem aquele lugar que gostávamos de ir, será que ainda existe?
Sunghoon balançou a cabeça, rindo suavemente.
— Não, Sunoo. O que nós vamos fazer depois?
Antes que eu pudesse perguntar o que ele queria dizer com aquilo, ouvi vozes vindo da entrada. Quando me virei, a visão me fez rir alto, sem acreditar. Jay e Jungwon foram os primeiros a entrar, segurando balões coloridos e caixas de comida. Logo atrás deles, Heeseung, Jake e Riki apareceram, carregando mais caixas e rindo como se tivessem acabado de pregar a maior peça do mundo.
— Surpresa! — gritaram juntos, enchendo o espaço com uma energia tão confortável que eu só consegui ficar parado com a mão na cintura, rindo e balançando a cabeça.
— Eu não acredito que vocês vieram. Vocês disseram que não iriam conseguir! — exclamei, fingindo uma leve irritação enquanto todos se aproximavam para um abraço coletivo. — Isso só pode ter dedo seu, Sunghoon.
Automaticamente voltei para o dia em que todos se juntaram para me enganar com a falsa despedida de Sunghoon, me fazendo sorrir ainda mais.
— Foi por uma boa causa. — Jake disse, colocando uma caixa de sobremesas na mesa. — É a sua noite de estreia, você acha mesmo que íamos deixar você comemorar sozinho?
— Jamais, Sunoo. — Riki disse, passando um braço por meu ombro e me abraçando de lado. — Eu só acho que eu deveria ter aparecido mais no seu livro, teria feito mais sucesso.
— Sai fora, com certeza eu e o Jungwon vamos ser os favoritos. — Jay disse, recebendo um olhar divertido de Jungwon.
— Com certeza, amor. — Jungwon riu, roubando um docinho de uma das caixas. — É claro que não vai ser o Sunghoon. — ele ironizou. — Vi pelo menos umas três garotas surtando na entrada quando perceberam que ele era o garoto do livro.
— Se eu fosse você, trancava o Sunghoon em casa pelos próximos dias. — Heeseung disse, fazendo todos rirem. — Mas deixa só eles descobrirem que o melhor amigo gostosão do livro é o jogador de basquete aqui.
— Ai, por favor, calem a boca. — revirei os olhos, não conseguindo conter a risada que aquela conversa estava me fazendo dar.
— Isso mesmo, coloca ordem, amor. — Sunghoon disse, se aproximando de mim com um docinho em mãos e o levando até a minha boca. Quando mordi, meu noivo foi quem me abraçou de lado daquela vez, deixando um beijo demorado em minha bochecha. — Mas eu não iria reclamar se você me deixasse preso com você em casa.
Todos começaram a fazer sons de vômito, seguidos de reclamações sobre o quanto Sunghoon era brega. Inclusive eu, mas era óbvio desde o começo que eu amava todos os seus comentários mais melosos.
Enquanto eu dava risada e me divertia ainda mais com o diálogo, o nó na garganta era inevitável. Estar cercado por eles de novo, depois de tantos anos, parecia um presente que eu nem sabia que precisava.
Conversa vai e conversa vem por horas, meus olhos pararam por um instante em Sunghoon, que estava agora encostado no balcão da sala de lazer da livraria, sorrindo enquanto Jake e Heeseung relembravam momentos que passamos no ensino médio. Ao perceber meu olhar, meu noivo levantou a taça que segurava em um brinde silencioso, me fazendo sorrir de volta. Jungwon e Riki conversavam ao meu lado, mas eu estava apenas observando tudo, quase deixando a nostalgia me dominar.
E naquele momento, eu percebi: não era só sobre o reencontro com meus amigos ou o lançamento do livro. Era sobre tudo o que nos trouxe até ali. Sobre os sonhos compartilhados, as perdas, os reencontros e as histórias que nos conectavam.
Com Sunghoon, aprendi o que era amar sem esperar nada em troca, a me entregar a um futuro incerto sem medo. Ele me mostrou que os sonhos mais bonitos são aqueles que construímos ao lado de quem amamos, mesmo que o caminho até eles seja cheio de obstáculos. Precisamos ser firmes, insistentes e correr atrás do que mais desejamos, sem aquela coisa de “mas o que poderia acontecer?”.
Eu não conseguia parar de sorrir, mesmo enquanto arrumava a bagunça que eu e os meninos havíamos feito, enquanto eles colocavam algumas coisas no carro, me deixando sozinho na livraria fechada. No meio da reunião, descobri que estávamos todos no mesmo hotel, então nos programamos para fazer mais coisas juntos durante a semana.
— Mil wons pelos seus pensamentos. — Sunghoon surge, sentando no balcão em minha frente e cruzando os braços.
— Tão barato assim? — eu ri baixinho, fechando a minha bolsa. — Acho que eu mereço mais do que isso.
— Ah, é? Tipo o quê? — ele sorri, quase pulando da cadeira para dar a volta no balcão, me abraçando por trás.
— Muitos beijos. — falei em um tom divertido.
No mesmo momento, Sunghoon começou a me encher de beijos. Ele beijou o meu pescoço inúmeras vezes, subindo até minha bochecha e, quando virei o rosto, ele selou nossos lábios. Quando ele desceu até o meu pescoço novamente, comecei a rir ao sentir cócegas. Ele sabia como aquele local era sensível para mim e adorava fazer isso.
— Tudo bem, tudo bem… eu conto! Pode parar. — implorei em meio a risadas, recebendo mais um sorriso de Sunghoon.
— E aí? — ele me olhava ansioso, apoiando o queixo em meu ombro enquanto ainda me abraçava.
— Eu estava pensando em você. — fui direto.
Sunghoon inclinou a cabeça levemente, abrindo um sorriso pequeno, mas genuíno.
— Ah, é? E o que exatamente você estava pensando? — ele provocou, apertando o abraço em torno da minha cintura.
— Em tudo. Sei lá, lançar esse livro agora me fez voltar no tempo. — relaxei os ombros. — Você, os sonhos, nosso reencontro e todos os nossos momentos juntos até aqui. Está tudo eternizado em um papel agora.
Ele me olhou por um momento, quase como se quisesse gravar aquele instante, e respondeu com a voz baixa, mas carregada de sinceridade:
— O tempo corre muito rápido. — Sunghoon diz, seu tom de voz baixinho. — Mas se eu pudesse voltar no tempo, eu não mudaria absolutamente nada. Viveria tudo de novo.
— Só cuidado com o que você deseja. Da última vez, terminamos compartilhando nossos sonhos à noite. — eu ri, sendo acompanhado pela risada gostosa de Sunghoon.
— Você tem razão. Pelo menos não é meu aniversário. — ele mantém seu tom brincalhão. — E não temos uma vela.
Eu sorri, me sentindo seguro nos braços dele. Foi quando uma pergunta surgiu em minha mente, quebrando o silêncio confortável que havíamos criado.
— E para onde vamos amanhã? — arrisquei, tentando não demonstrar minha curiosidade.
A expressão dele mudou por um segundo; ele parecia se lembrar de algo, assim como eu.
— Amanhã?
— É. Ontem foi uma loucura quando fugimos daquelas criaturas estranhas, mas e amanhã? — insisti na pergunta, ouvindo uma pequena risada de Sunghoon.
Ele sabia exatamente o que eu estava fazendo.
— Gente! — a voz de Heeseung surge da porta. Meu melhor amigo para quando percebe a situação, então ele coça a garganta e passa a mão na própria nuca. — Foi mal, é… só pra avisar que a galera já tá pronta pra irmos.
— Já estamos indo. — Sunghoon diz simples, mas não se afasta de mim.
Heeseung entende de primeira e logo some na mesma velocidade que apareceu. E então, depois de se aproximar mais um pouco de mim – mesmo quase não sendo mais possível –, Sunghoon levou os lábios até o meu ouvido, sussurrando de um jeito que fez o meu coração bater mais rápido:
— Vejo você nos nossos sonhos.
Os meus olhos se curvaram juntamente com o sorriso que se formou em meu rosto quando eu me virei para encarar as íris do mais velho, que com um último selar, tomou a frente ao pegar as últimas caixas, caminhando até a porta e me esperando desligar a luz da livraria para seguirmos juntos.
Eu com certeza o veria em meus sonhos, assim como também continuaria o vendo ao meu lado na vida real. E eu amava isso. Eu amei todas as vezes em que olhei para Park Sunghoon e lembrei de momentos que tive ao lado dele. Mas, diferente de antes, tudo o que vivemos no agora é real.
As pessoas sempre diziam que Odhen não era uma cidade com muitas histórias para contar, mas eu só acho que, na verdade, eles só não sabiam que, em um futuro próximo, a cidade de Odhen seria uma extensão de Utopia. Foi nela que eu e Sunghoon nos encontramos e o nosso conto de fadas começou.
Conectados pelos nossos sonhos desde o começo, o nosso final feliz já estava desenhado desde a primeira gota de tinta dos pincéis artísticos de Park Sunghoon que, definitivamente, foi e vai continuar sendo o melhor déjà-vu que eu já tive.
Fim.

하윤 (Guest) on Chapter 6 Fri 24 Jun 2022 12:39PM UTC
Comment Actions
attplease on Chapter 6 Sat 25 Jun 2022 10:52AM UTC
Comment Actions
jungwonssignal on Chapter 8 Mon 28 Aug 2023 05:37AM UTC
Comment Actions
jungwonssignal on Chapter 9 Tue 29 Aug 2023 02:45AM UTC
Comment Actions