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Nos confins do universo era difícil ter qualquer noção do que era tempo. Amarrado, com a mente forçada a permanecer consciente pelo maquinário, a tortura parecia nunca ter fim. Não saberia dizer se tinha sido colocado naquela cela há uma hora ou um ano, a tortura parecia eterna para o corpo dele.
Não ver o próprio rosto, confirmado pelas amarras de metal que só deixavam os olhos aparecendo, ele conheceu as profundezas do desespero. Um poço profundo onde mergulhava dia após dia, minuto após minuto, até o ponto em que luz parecia uma lembrança muito distante. Talvez um sonho impossível.
Esteve livre algum dia? Aquela vida a bordo da nave Le Pharaon tinha sido real? Os anos cuidando do pai pobre e de saúde frágil, a noiva tão adorada, o dia em que caminhara ao lado dela pelo salão, pronto a oficializar aquela relação... Tudo uma ilusão?
Não. Era real. Aquelas memórias que se embaralhavam dentro dele cruelmente, fazendo-o derramar lágrimas incontáveis de saudade, de culpa pela própria ingenuidade, por motivos que ele mesmo não saberia descrever. A dor crescia, mas ele se esforçava a manter aquelas memórias de dias mais felizes, pois era tudo o que tinha. Se um dia saísse daquela prisão nos confins do espaço talvez ainda existisse uma chance de felicidade lá fora...
Mas pra isso ele tinha de se manter tão forte quanto possível.
E com o tempo ele abandonou a vontade de morrer, deixou de implorar a qualquer divindade que o deixasse descansar em paz... O coração foi enegrecendo, passando a desejar vingança contra os responsáveis por sua desgraça. Um ódio que foi crescendo através da dor, mesmo que de inicio não fosse direcionado a ninguém especifico, apenas porque não sabia quem eram os responsáveis.
O promotor que o atendera era um dos prováveis responsáveis, ele tinha quase certeza, e quando estivesse livre tentaria entender os motivos de um homem da lei enviar um inocente a uma prisão como aquela, um lugar amaldiçoado de onde, diziam, nenhuma alma saía.
Do desespero veio a tristeza, a desistência, a dor. Da dor a busca pela morte, de volta as profundezas do desespero, e agora a esperança ia retornando, seus alicerces negros com os desejos de vingança.
E foi esse ódio imensurável que o libertou, ao atrair a atenção daquela criatura, entidade, que há tanto tempo fora confinada naquele canto do espaço. O Rei da Caverna aceitava seu corpo fraco em troca de conhecimento, de poder para realizar aquela vingança tão desejada, e ao firmar esse pacto com a escuridão o prisioneiro viu a luz tão desejada. Uma luz intensa e quase cegante.
A luz que era resultado da explosão de uma parte da fortaleza de metal, libertando-o das amarras, deixando ver o que restava daquela pele que há anos não via o sol, agora lançado na imensidão do espaço.
Por um minuto existiu apenas uma intensa dor dos membros perdidos na explosão. Braços, pernas, metade da cabeça, uma parte do tórax... Enquanto sangue e os pedaços dele se espalhavam pela imensidão a mente dele estava se tornando branca, em choque, e nada mais fez sentido. Se o perguntassem como ainda estava vivo depois de tudo o que passara ele não teria nenhuma resposta a dar.
Então ele viu como aquele contorno rosado aparecia, com uma voz vinda do além que sussurrava-lhe em Frances as promessas de que o salvaria, que permitiria que sobrevivesse a todos os obstáculos que encontrasse, até que ele pudesse completar aquela vingança. Em troca disso teria o corpo dele, a alma, e os usaria conforme sua vontade, apagando qualquer resquício da consciência do homem que um dia atendera pelo nome de Edmond Dantés.
Varias mãos o rodearam, reconstruindo membros, músculos, pele... Tornando-o um homem inteiro novamente, ao mesmo tempo modificando-o. Um corpo mais forte, com capacidades muito além das humanas, e que não precisaria de alimento ou de noites de sono. Um corpo quase morto, frio como de um homem que retornava do inferno para contrariar a própria Morte, pálido como o cadáver que deveria ser, deixado em um ponto do universo onde pudesse recomeçar.
Com as novas características, além dos olhos de cores diferentes e dentes afiados como os de criaturas de histórias muito antigas, ele era tão assustador quanto era sedutor. Ele ganhava uma beleza sombria e pouco dele assemelhava-se ao homem que um dia tinha sido; olhando em um espelho talvez ele mesmo não fosse capaz de ver o rosto de Edmond Dantés. Aquele homem tinha morrido em uma cela do Cheateau d’If. Um nome a ser enterrado.
Ele se tornaria outra pessoa. Alguém muito maior. Ele se tornaria o Conde de Monte Cristo, acumulando riquezas de todas as partes do universo, usando tais recursos para obter as respostas que queria e, por fim, punir os responsáveis por enviar um inocente para o esquecimento. E qualquer um que entrasse em seu caminho tombaria junto a seus inimigos. O sangue dos traidores era tudo o que ele buscava, mas a morte não chegaria a nenhum deles com facilidade.
Eles sofreriam, perderiam tudo o que tinham, pagariam com corpo e alma pelos pecados cometidos. Não importava se tivesse de destruir famílias inteiras para isso. Não importava-se de manipular quantas pessoas precisasse. A partir daquele momento a vingança começaria... E o Rei da Caverna estaria dentro dele esperando, instigando, ansioso pelo sacrifício em sangue, pelo dia em que o contrato seria concluído e teria aquele corpo para si por completo.
O destino já estava traçado.
Mors certa, hora incerta.
