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LUCKY

Summary:

estória inspirada na música Lucky - Britney Spears (adrien is lucky)

Adrien Agreste tinha uma melodia diferente de todas as outras. E, claro, você vai dizer que isso é porque há duas versões dele: o modelo europeu em ascensão e o herói charmoso de Paris. Duas figuras que, sem dúvidas, foram as favoritas da sorte.

Mas Luka Couffaine sabe que é muito mais que isso.

Adrien é uma mistura de instrumentos, todos oprimidos por teclas de um piano clássico que tocava uma música tão fúnebre que Luka chegava a assimilá-la com uma bela e arrepiante (porém angustiante) marcha funeral. E o garoto tinha sua curiosidade atiçada, já que a melodia era tão devastadoramente linda que encantava todos ao seu arredor, e de algum modo, Adrien era apreciado por isso. Com máscara ou sem, as pessoas aplaudiam-no de pé enquanto ele transformava sua confusão em graça à frente de todos.

Mas Luka, como um bom músico e apreciador dessa arte, sabia que a sinceridade era o maior fator para o sucesso de uma música. E para melodias tocantes o autor devia ter sofrido, com melancolias e frustrações, antes de poder trazer sua dor através de uma composição. E ele estava louco para saber a história por trás da música de Adrien

Notes:

oiee! eu nao tenho IDEIA de como publicar no ao3, mas to viciada nessa plataforma então lá vamos nóóós! paciencia comigo, e de antemão já aviso que a estória no wattpad com o mesmo título (e casal, rs) é minha!! ok? 1 beijoa e aproveitem lukadriennn

ps. ainda n sei por link da música da britney spears com tradução, aaa

Chapter 1: Quando Te Pergunto Se Está Tudo Bem, Você Me Entende?

Chapter Text

— Esta é a história de um garoto chamado Lucky (Sorte) —

 

"Ele está bem?" eu sempre pensava ao vê-lo ali, passando o dedo na tecla antes de começarmos a tocar. "Você está bem?" era o que eu perguntava ao vê-lo passar um pano nas teclas tão delicadamente, quase como se estivesse as cariciando e se despedindo até a próxima semana.

Talvez ele estivesse mesmo, já que ele, sempre muito bem educado, só me sorria e acenava para logo depois voltar a focar no teclado — que para nós era velharia, mais uma bagunça de enfeite do que objeto de serviço. Quando pensei isso, fiquei incomodado achando que estava atrapalhando um momento dele... ou deles. Mas era mais forte do que eu.

Tinha algo naquela confusão, naquele piano clássico e chique dentro dele que só sabia tocar escalas menores, que me atraía todos os dias. E que fazia intrometer-me todos os dias num pessoal "até logo" carregado de saudades do qual eu não pertencia.

Porém, hoje não seria igual semana passada. Hoje ajudaria ele a cuidar do teclado, que de nada combinava com as roupas de marca que ele usava. Não iria ser grosso ao perguntá-lo de cara como estava quando eu sabia que com instrumentos finos deve se ter mais cuidado. E delicadeza, igual o via fazer ao usar o pano.

— Por que não usa esse? — mostrei um produto novo que comprei. Um bem caro, aliás, mas que dizia cuidar muito melhor de teclados — Tem um cheirinho maravilhoso — abri e cheirei, oferecendo-o logo em seguida. Os olhos verdes piscaram para o produto de limpeza, me olharam e a fileira de dentes apareceu.

Droga, ele ia me dispensar rapidinho de novo.

— Obrigado, mas esse cheirinho é o que justamente estraga o teclado quando passo por aqui — apontou a parte cheia de botões — Não quero estragar suas coisas — terminando de falar as íris abaixaram, junto do sorriso se desfazendo aos poucos até restar uma cara séria, mas gentil.

Ia deixá-lo e tentar semana que vem mais uma vez, não queria atrapalhá-lo. Porém, a frase me chamou a atenção.

— Adrien, apesar de deixar o teclado aqui, ele é seu — mais uma vez pude encarar as duas esmeraldas. Eu sorri — Eu só tomo conta para você — fui ousado ao fim da fala, assumindo que só eu cuido de uma coisa (aparentemente) íntima dele.

As bochechas que normalmente são mais coloridas, ganharam um tonzinho de rosa muito apreciado por mim. Ele mordeu o lábio debaixo e negou antes de retrucar:

— Imagina, Luka! É seu! Eu só ajudo a tocar um pouquinho.

Que mentirada, eu poderia dizer. Porque ele tocava muito mais que um pouquinho no meu teclado para ser meu. Não se tratava apenas de pressionar uma tecla ou duas, de juntar a melodia que fazia em conjunto com todo o resto da banda, causando uma harmonia única que somente nós do Kitty Section tínhamos. Era muito mais do que isso: era o carinho dele pelo objeto de música, pela óbvia euforia que ele tinha ao chegar para poder se aproximar logo e ouvir as notas não tão elegantes quanto as do piano caro que havia em seu quarto; a contra vontade em que ele ia embora, deixando para trás algo que claramente dava um sabor a mais em sua vida agitada.

Como eu disse, poderia muito bem contradizê-lo, mas Adrien não tinha muitas habilidades sociais. Ele era tímido, não gostava de incomodar e aposto que uma brincadeirinha daquela iria deixá-lo nervoso.

— Imagina digo eu! Imagina eu, Rose ou Ivan tocando isso! Ia sair uma barulheira que só! — eu disse alto na intenção mesmo de chamar a atenção dos outros — E Juleka? Puff, iam ser músicas maléficas que tocaríamos — fiz um pouquinho da Marcha Imperial, a única coisa que eu e metade do mundo sabemos tocar num teclado. Como na minha visão o teclado estava de cabeça para baixo, o que ia ser ruim foi pior ainda e os membros da banda riram.

Inclusive Adrien.

Eu retirei meus dedos e peguei o pano dos seus, tentando limpar o que eu toquei com o cuidado que ele tinha costume. O restante da galera começou a conversar com a mesma voz animada de sempre e tanto ele, quanto eu, ouvíamos em um silêncio conjunto. Quando terminei, entreguei o paninho.

— Obrigado — ele respondeu educado, mas me encarou um pouco mais antes de descer os olhos. Adrien não tinha porquê agradecer, mas ele era assim. Educado, delicado e cuidadoso.

Isso me intrigava. Não era esse o som que eu ouvia dele. Era algo supérfluo, uma nota que se destacava entre as demais. Mas eu sei que isso não é nada, é só... barulho. Barulho que eu, Rose e Ivan faríamos. É a harmonia por detrás, a ambientação causadora da emoção que faz toda a música ter sua história. Sua cor.

Engraçado, não sei a música dele e já quero logo pular para saber qual é a sua própria cor. Talvez não tenha o escutado direito porque eu é que estou com algum problema de audição.

Mas não estou tão surdo para não me assustar ao ouvir o som de uma buzina. Adrien achou graça de meu pulinho e eu fingi que não foi comigo, já que a distração me deixou envergonhado. 

Ele pegou sua bolsa, se despediu e foi em direção a pontezinha de madeira acenando para os outros. Ele parou na metade e me chamou. Quando cheguei lá, Adrien me perguntou do produto de teclado vagabundo com preço caro. Ele não disse com essas palavras, claro, porque era muito educado. Eu respondi que só usaríamos na bateria porque na guitarra e no baixo talvez a química do cheirinho também traria problemas, mas Ivan provavelmente não usaria pelo medo de também acabar dando problema no instrumento — seu jeitinho medroso de nada combinava com seu corpo robusto e sua face mal-encarada.

— Hm, então... — ele olhou a água lá embaixo e apoiou a mão na suporte de segurança, levando ela para lá e para cá. Me viu de novo — Posso levar, então? Tenho um piano lá em casa. E ele tem cheiro de queijo — riu baixinho. Acompanhei o riso e, como ainda segurava o produto nas mãos feito um bobo, o entreguei. — Obrigado.

Eu mexi a cabeça. Vi ele se distanciando mais uma vez, dando tchauzinho e agradecendo mais uma vez ao ver seu guarda-costas abrir a porta do carro. Quando deu partida, senti que um looping tinha sido quebrado. Mas não era um looping meu, mas sim de Adrien.

Estava esperançoso de que, talvez na próxima, quando eu perguntasse se estava tudo bem, ele me responderia algo diferente também.

 

Chapter 2: O Que É Adequado Para Mim Sentir?

Summary:

Às vezes temos a sensação de que somos mais lentos que os outros, parece até que estamos estagnados. Às vezes é como se todos os outros tivessem uma piada interna enquanto nós não entendemos ela. Essa sensação, essa... emoção de ver as costas dos outros, às vezes, é tão agoniante que dá vontade de gritar.

Notes:

o título é parte da música "soul of steam" do leo. hehe

Chapter Text

—... o mundo está girando...—

 

Quando Adrien voltou na outra semana, ele parecia um pouco mais aéreo do que costumava ser. Parecia que existia um vento de outono dentro dele que não chegava a ser muito turbulento, mas que assobiava e causava certos arrepios. Em contraparte, ele sorriu mais para mim desta vez. Sorria sem os dentes, mas de um jeito meigo que só Adrien sabia fazer.

Hm, mas acho que nunca vi ele dar um sorriso desse nos cartazes e propagandas espalhados na cidade, ou nas revistas que têm em salas de espera. Eu já vi sobre isso uma vez. Modelos, principalmente masculinos, não podiam ter o costume de sorrir bondosamente para as câmeras quando estavam representando uma marca. A simpatia afastaria a seriedade e competência da empresa, principalmente as de moda.

Gabriel Agreste era muito sério. 

Adrien sorria para essas coisas? Eu não conseguia me lembrar.

Me aproximei dele como sempre, ele me encarou e não nego que foi curioso, já que ele nem mesmo tirava os olhos do teclado antes. Eu disse "oi" e ele respondeu rindo suavemente, provavelmente achando graça de estarmos nos cumprimentando mais uma vez naquele dia. Perguntei a ele se estava tudo bem, tentando soar casual o suficiente para não intimidá-lo e não correr o risco de acabar com pequena diferença que ele estava demonstrando ter, mas também impus um tom firme para caso Adrien quisesse me dizer algo diferente.

Porque eu sei que existe algo diferente nele.

Ele me respondeu agradavelmente que estava tudo bem, somente isso. Apesar de me apresentar um pequeno e bonito sorriso, ainda me senti desapontado por não ouvir algo incomum. Porém, quando estava me consolando que ao menos isso já era um grande passo (ouvi-lo dizer a frase toda de que estava tudo bem ao invés de vê-lo só acenar), Adrien me surpreendeu ao dizer:

— Sabe, você não me perguntou porque meu piano tem cheiro de queijo.

É porque eu já sei, gatinho.

Eu pisquei duas vezes e forcei um biquinho para respondê-lo: — Eu entendo. O quarto da Juleika também fede a queijo estragado.

Ele riu, Ivan riu, Rose riu nas costas da Juleika e a própria me ofendia com palavrões e insultos. Eu fingia não ouvir, explicando a Adrien sobre um quarto fedido e bagunçado como se estivesse lhe contando um fato científico. Ele ficava sem jeito, mas via em suas íris esmeraldas que se divertia.

Entretanto, fui parando de brincar ao observar o quão pálido Adrien estava. A pele que parecia morar na praia, bronzeada de um jeito natural e magnífico, estava com pouca cor. Apenas não era mais branca que a minha própria, pois sou o próprio papel. Me questionei o que poderia fazer para mudar isso.

— Quer comer algo, Adrien? Demora uns minutinhos até o seu segurança chegar, né — chamei, mas ele pareceu hesitar. Desceu os olhos ao teclado, não querendo deixá-lo. — Tem vitamina de uva lá dentro, vou trazer para nós.

Vitamina de uva não é algo sustentável o suficiente, principalmente a nossa que costuma ter leite condensado lá dentro. Por sorte, por conta de meu pai e seus presentes doces que nos traz, mamãe está decidida a nós colocar numa dieta mais saudável. Então desta vez, a vitamina é só vitamina.

Coloquei alguns gelos em forma de dinossauro que achei lá no fundo numa parte congelante, cheia de nevasca, do freezer. Achei uns canudos coloridos e tortos e enfeitei os copos. Como eu só tinha duas mãos, peguei só para nós e que Juleika cuidasse dos restos dos convidados.

Ela não ficou feliz com isso, mas eu estava focado demais em tentar me aproximar de Adrien para me importar.

Quando ele viu o copão suando de tão gelado, inevitavelmente iluminou a face. O entreguei, ele agradeceu e sem demora que deu um grande gole, suspirando quando engoliu.

— Nossa, estava com sede, hein! — imitei ele e, antes dele ficar tímido pelo comentário, terminei de falar: — Ah, eu também! Que delícia.

Então mesmo acanhado, concordou comigo. Ele não falou mais nada por um tempo, tocando delicadamente o teclado com o pano, os ombros levantados ainda envergonhado. Eu fiquei vendo-o ali limpando com tanto cuidado, pensando no que fazer na próxima semana para tentar distanciá-lo do instrumento ao menos um pouquinho.

— Se a Juleika também tem um quarto fedido a queijo — ele disse, baixinho e com um sorriso divertido. Talvez não quisesse que ela ouvisse. Tomei toda a minha atenção para ele, mesmo que os olhos verdes estivessem abaixados. — Posso trazer aquele negócio de volta. Ele tirou bastante o cheiro... mas agora meu quarto fede a consultório de pilates por causa do perfume de lavanda.

— Isso vai ser bom. Vai que incentiva ela a fazer alguns exercícios também — comentei brincalhão. Me escorei no teclado com os braços apoiados no instrumento, não me importando de falar baixo. — Mas até parece que ela vai ter vergonha cara de limpar o próprio quarto.

— Nossa, cheguei no ápice da minha carreira mesmo para ter gente desconhecida e pobre falando da minha vida, hein! 

— Juju, já parou para pensar que a fama subiu a sua cabeça e agora você acha que crítica construtiva é hate? — Rose disse, a voz não conseguindo soar séria como nós fazíamos ao brincar daquele jeito. Ela era risonha demais para isso.

— Calada, mulher! Vai trazer uma bebida pra mim! — e Juleika, tão boba pela namorada, não conseguia falar desse jeito com ela mesmo se não fosse sério. Então sorria e abanava gentilmente para incluí-la na brincadeira.

A garota gargalhou, indo mesmo buscar algo para os três restantes que ficaram sem vitamina enquanto choramingava que vivia num relacionamento cheio de abusos. 

Eu observava que Adrien, quieto, olhava curioso para elas. E sabendo como o loiro era todo meigo e doce — não por palavras minhas agora, mas sim de Marinette —, imaginava que ele devia achar diferente a forma com que as meninas se tratavam enquanto namoradas. 

— Elas são estranhas assim mesmo: boiolas na frente dos outros, mas em casa uma vive falando que vai denunciar a outra por abuso doméstico — ele me encarou. E foi bonito a forma como as íris esmeraldas estavam dilatadas, o olhar grande, soando inocente feito uma criança ouvindo que a lua é feita de queijo — Enfim, é só brincadeira. Infelizmente sei bem disso já que divido a casa com elas no Dia dos Namorados — fiz um olhar choroso que fez Adrien piscar e rir.

Ele apertou a boca e teve as bochechas coloridas de vermelho mais uma vez.

— Elas... são namoradas? — perguntou, baixinho, minhas próprias íris sendo encaradas. Até demorei um pouco para responder, não esperando pela ação.

Acho que entendo a Mari depois dessa. Que olhar intenso que esse garoto tem!

— Hã... sim. Elas são, sim — diminuída a estranheza, entendi que ele não sabia delas. Fiquei surpreso, já que as duas não são de se esconder. — Você não sabia?

Seja lá o que aconteceu para ele ter conseguido focar seu olhar em mim, sumiu quando fiz a pergunta. No mesmo momento ele se colocou a olhar o teclado como se fosse a coisa mais interessante do mundo. Ele levou um dedo ao lado do rosto, coçando ali meio tímido. 

— Hm, e-eu sou meio lerdo para essas coisas, sabe — disse no mesmo tom de antes. Depois, sussurrou mais baixo ainda: — Em todo os sentidos...

Demorei a entender. Pisquei os olhos e quando constatei que ele, Adrien, disse algo levemente mais íntimo que o normal, que talvez me faria entender os sons ocos que havia dentro dele, a buzina me despertou mais uma vez. Desta vez ele não riu, só sorriu envergonhado, pegou sua bolsa de ombro e acenou em despedida para todos agilmente.

Mas ele ainda segurava meu copo de vitamina!

Então assim que ele ia indo, eu o acompanhava. Até que paramos mais uma vez na pontezinha, comigo o chamando. Quando ele se virou para mim, a pele um pouco mais corada por causa da timidez, optei por nem avisar do copo, mas só segurá-lo diante da mão dele.

— Olha, Adrien, é normal ser um pouquinho lerdinho quando não se tem experiência. Ainda mais se você gosta de alguém — lembrei de Ladybug e, inegavelmente, por várias razões, de Marinette. Adrien também devia sentir algo por ela, mas ele ainda não se... — Mas é melhor aprender essas coisas tarde do que nunca aprender, ou perceber — ele se encolheu. Ele não levantava o olhar. — Enfim, não sou tão mais velho que você, nem ouse me chamar de caduco, mas posso te ouvir quando quiser. Estou aqui, tudo bem?

Ele tirou a mão do copo e a colocou no suporte, imitando o vai-e-vem que fez semana passada. Ficou ali um tempinho, até que a buzina fez barulho de novo e ele se assustou. Adrien me olhou, olhos simples, mas algo parecia dolorido. Ele correu até o carro, mas antes, murmurou um agradecimento.

Já que Adrien era sempre muito educado.

Chapter 3: Depois de Passar dos Limites, Você Estará Satisfeito?

Summary:

É frustrante fazer algo no automático. Você nem sabe se gosta ou não, mas quer se afastar daquilo porque causa amargor na boca. E mais frustrante ainda do que estar nessa situação, é avisar para o pequeno insetinho que chega nessa teia de aranha de agonias para não se aproximar, porém o pequeno insetinho está deslumbrado demais com a arte feitas com os fios de seda para ouvi-lo gritar.

Notes:

o título é parte da música "are you satisfeid?" da MARINA :D

(See the end of the chapter for more notes.)

Chapter Text

Na outra semana, eu, esperançoso de conversar mais com Adrien, de talvez descobrir um pouquinho mais sobre aquela sinfonia com uma desarmonia de piano muito imperceptível, recebi um belo tombo ao esperar, esperar e não vê-lo lá.

— Ué, ele avisou que não ia poder vir — Juleika me olhava como se eu fosse de Marte.

— Quando ele avisou?

— Na aula da professora-

Cortei Ivan sem a intenção, porém estava exasperado por ter sido o último a saber do detalhe.

— Na aula? Ah, é mesmo. Devo ter faltado nesse dia! — disse com um sarcasmo azedo, admito. Senti o centro da minha testa doer por causa da minha faceta enrugada e brava, mas não me importei. Pelo contrário, ainda mordi minha bochecha para não me deixar ir além.

Rose riu. Eu podia achar que ela não estava entendendo que eu estava realmente enraivecido, mas a conheço muito mais do que me lembro. Ela achou engraçado me ver assim.

— Calma, é normal ele faltar alguns dias. Sabe como a vida dele é — Jules falou com sua voz naturalmente passiva e eu respirei fundo, me controlando para não revirar os olhos.

Não era culpa dela, mas também ela não estava ausentada.

— Sabe como eu me preparo, Juka. Gosto de bagunça, mas gosto de bagunça organizada — me sentei para afinar a guitarra sem a necessidade real. Por isso eu ficava mais era mexendo nas tarraxas como criança do que reparando os tons das notas. — A gente não toca as mesmas coisas sem o Adrien. E quando toca, é diferente.

Suspirei e ela também. Deixou o baixo de lado e se afastou um pouco, depois voltando.

— Mas e aí, não vamos praticar então? — ela perguntou, sem nenhuma emoção na voz. Só estava confusa sobre o que fazer mesmo.

Olhei para cima, para ela, soltei o ar pela boca de maneira brusca e me levantei. Claro que iríamos, mas não ia ser do meu agrado porque não tive a preparação adequada.

E eu não ia poder conversar com o Adrien no final.

[#]

No domingo à noite fui observado. Eu estava na proa, pegando a luz da lua e fazendo um som que imitava as ondas lá embaixo. Tudo estava bem preguiçoso e eu nem tinha meus olhos abertos quando uma agitação diferente apareceu.

Tentei traduzir na guitarra, mas não estava conseguindo do jeito jogado em que eu estava. Então voltei aos acordes que tocava antes, abrindo bem pouco das minhas pálpebras — ainda conseguia ver meus cílios entre minha visão. 

Me deparei com um par de olhos felinos e brilhantes me encarando sem piscar. Era assustador à primeira vista, existia uma sensação que beirava ao de ser a caça de um predador, quem era mais religioso podia pensar que eram emoções movidas pelo Maligno, mas depois de um tempo, foi encantador vê-lo. Me senti enfeitiçado. Fechei os olhos mais uma vez, me exibindo ao arriscar uma coisinha ou outra que eu sabia que deixava as pessoas impressionadas.

Não foi à toa. Ouvi de longe um miadinho surpreso. Segurei o riso e parei de tocar, virando para vê-lo de vez. E por um momento ficamos assim, ele me observando e eu completamente fascinado pelas escleras esverdeadas, pela cauda que se exibia de um lado ao outro, pelas unhas grandes que, com um esforço, eu conseguia ver.

Ele seria aterrorizante se não fosse um doce.

— Você sempre soube que queria ser algo do rock?

Ele me perguntou diretamente. Eu já sabia disso, que Chat Noir é muito diferente de Adrien Agreste — e que isso vai muito além de "personalidade de super herói". Chat é tudo aquilo que Adrien teme ser: verdadeiro consigo mesmo. Consequentemente, sua confiança também era maior que a natural de Adrien.

Me sentia feliz vendo que pelo menos em algum lugar ele conseguia se expressar. Tinha a sensação que ele explodiria se não tivesse isso.

— Não quero ser algo do rock. Isso é o que meu pai é — fechei meus olhos mais uma vez, respirando fundo. O cheirinho do mar à noite era muito mais gostoso do que de dia. — Quero ser um luthier.

Não me dei o trabalho de explicar porque Adrien era uma pessoa inteligente e de muito amplo conhecimento, mesmo que não fosse necessariamente uma genuína vontade dele ser assim, porém mais uma pressão do pai. De qualquer forma, ele saberia que luthier era alguém que cuidava de instrumentos. Uma pessoa que mexia neles com delicadeza e leveza, preocupado com que o deixasse perfeito para quem o pertenceria. Alguém como o próprio Adrien era com seu teclado, mas que fazia isso com violões, violoncelos e entre todos os instrumentos parecidos.

— Então por que faz parte de uma banda de rock? — o tom da pergunta soou arisco, quase como se eu estivesse falando abobrinhas.

— Porque é divertido — toquei todos os acordes de uma vez, formando um barulho típico na intenção de demonstrar a ele.

— Você já foi akumatizado em uma rede de TV — ele falou devagar depois de alguns segundos em silêncio. Ele pensou as exatas palavras para poder dizê-las em voz alta de forma tranquila. — Você estava com a banda, não estava? Para se promover na televisão com eles.

Ladybug deveria ser orgulhosa do parceiro. Além da boa interrogação que estava me fazendo, tinha todo o cuidado de não deixar nenhuma brecha que acabasse me fazendo suspeitar de sua identidade.

— Estava.

— Então você não quer ser um rockstar, por exemplo — pareceu que algo como um novelo de lã caiu na madeira. Ele desceu — Mas trabalha mais para isso acontecer do que para você ser um luthier — o modo debochado com que arrastou o R, mais suave do que o sotaque francês permitia ser, fez meu peito afundar e voltar mais forte do que deveria.

E errei a respiração, mas por surpresa e um susto.

Abri os olhos ao ouvir o que parecia poeira caindo numa ampulheta. Era o andar de Adrien... não, o andar de Chat Noir. Um andar leve e elegantíssimo, igual ao de um gato peludo e de olhos azuis.

Eu estava deitado em uma cadeira de praia e ele estava a minha frente. Me encarando de cima. Parecendo nervoso. Eu não conseguia falar nada, estupefato por vê-lo de perto, a luz da lua o deixando estupidamente encantador. Algo nele parecia diferente, mas um diferente... diferente.

Não parecia que eu estava vendo eles, Chat Noir e Adrien Agreste, com os mesmos olhos. Mas ao mesmo tempo parecia que finalmente limpei minhas lentes para poder enxergar uma obra de arte muito requintada. Ele parecia brilhar feito uma estrela.

Era o que ouvia das pessoas quando se referiam a Adrien. E eu finalmente as compreendi.

Ele resmungou para a minha falta de fala e num pulo com seu bastão voltou ao lugar em que estava. Do mesmo modo em que estava, os joelhos dobrados e as mãos entre os pés. Me parecia mais uma aranha, por um momento.

— As oportunidades aparecem — levantei os ombros e pisquei — Posso sonhar em querer ser um luthier, mas se o mar está mais para o rock'n'roll... — estendi um sorriso de lado. — O que posso fazer? Tenho que aproveitar a sorte.

— Mas não é o seu sonho, Luka Couffaine — ele abriu a boca, querendo falar mais. Querendo falar o que Adrien deseja me dizer, ou quem sabe, dizer ao mundo. Mas ele se calou e completou a fala com uma frase clichê: — E você deveria seguir os seus sonhos.

— Sabe, disse algo parecido a um amigo muito querido e próximo esses dias — voltei a tocar, forçando o corpo a relaxar —, melhor ter uma experiência tarde do que nunca tê-la. Posso aproveitar uma boa vida de rock, me aventurar nessa música e talvez até em outras e no final posso virar um bom luthier — imitei a pronúncia, não tão debochado quanto ele, não tão fascinante quanto ele. — Acho que talvez eu me tornaria um muito melhor do que se não experimentasse melodias, histórias e ares diferentes.

Ele estalou a língua.

— Você acha que uma vida assim vai te trazer boas experiências — ele levantou e se espreguiçou, depois mexeu a cabeça e bagunçou os cabelos ao ponto de ter fios loiros espetados de um lado ao outros. Ele não me perguntou, mas afirmou com agitação e nervosismo pelo meu próprio futuro.

— Só saberei no final dela.

Ele me olhou e fez barulho com a língua mais uma vez, indo embora com seu bastão.

Eu fechei os olhos de novo, o peito pesado, mas não de um jeito ruim. Expirei o ar e todo esse peso saiu. Dedilhei os acordes preguiçosamente mais uma vez, pensando na minha própria vida e pensando na vida dele. Eu sabia que Adrien estava em conflito sobre quem e o que ser quando crescer, talvez essa confusão também o fazia se sentir mais lento que os outros. O problema de Adrien é que ele era verdadeiro demais.

Por exemplo, eu disse tudo o que disse com confiança, mas não quer dizer que acordo e durmo todos os dias convicto de que minha vida vai ser assim, de que desejo que minha vida seja assim. Entretanto, há essa diferença entre nós dois: Adrien fica ansioso com a falta de perfeição e planejamento da própria vida, enquanto eu, criado no meio da bagunça, aceito essa ideia de bom grado.

Quando ele voltou, voltou silencioso. Mais do que antes. Então fingi que não o ouvi e me ajeitei naturalmente na cadeira. Segurei com mais firmeza a guitarra e escorreguei meus dedos por ela para transpassar, em música, o que eu e Adrien éramos de diferente — com um toque a mais de Chat Noir. E ele pareceu gostar, já que ficou um bom tempo comigo no Liberty.

Ri sozinho ao constatar de que ele era realmente muito educado. Porque apesar de eu avisar na última vez que estaria lá para lhe escutar, era ele quem estava aqui me ouvindo tocar.

Notes:

essa música da MARINA tem muito a ver com o adrien e esse título me lembra muito os momentos em que ele/chat noir ultrapassa limites quando age com emoção (tanto nas vezes em que ele se joga pra morte quanto nas vezes em que ele comete ações suspeitas por conta de seus sentimentos!!). E também quando ele está com raiva e acaba sendo grosseiro gratuitamente, como ele acabou sendo, hehe

Chapter 4: Se Precisar de Companhia, Irei Dividir os Lençóis

Notes:

o titulo eh da musica "one big bed" - emily axford. a frase foi bem traduzida/resumida pra ficar melhor a interpretação e o tiulo ficar menor (mas ficou grandeSNHADU)

Chapter Text

—...e ele continua vencendo...—

— Adrien... — Rose disse num suspiro.

— Sinto muito! — ele levantou as mãos como se estivesse rendido. Os olhos culpados, as íris tremendo. Passou a língua pelo lábio debaixo e o mordeu, baixando o olhar. — Desculpa, eu vou... vou... hum... focar...

Ela me direcionou os globos roxos, depois viu Adrien e respirou fundo tirando as mãos do microfone. Deu a ideia de termos quinze minutos de descanso e todos concordamos, já que realmente, os erros de Adrien estavam nos desgastando.

— Vamos jogar ping-pong por enquanto! — Ivan disse animado. Há alguns dias Rose e eu descobrimos que ele tinha vontade de jogar o esporte, mas tinha medo de acabar machucando alguém com a bolinha. Quando nos usamos como cobaias e provamos que não tinha perigo nenhum, Ivan se tornou um viciado que há todo momento pede para jogarmos uma partida.

Jules recusou porque estava cansada, mas Rose não recusava nunca o convite por ficar animada ao ver que o amigo estava fazendo algo que gostava depois de um tempo. Eu também aceitaria, Ivan é inusitadamente bom e jogar com ele é divertido, mas Adrien estava uma barulheira de pratos de bateria. E eu queria saber o porquê.

Então quando Juleika desceu para procurar algo para comer e os outros dois subiram para onde estava a mesa de ping-pong, me vi na perfeita oportunidade de conversar com Adrien.

— Oi — o cumprimentei de novo no dia e ele sorriu simpático — Tudo bem? — ele riu, um tiquinho menos enrijecido.

Ele puxou o ar, os ombros levantados, a cabeça não tão alta por conta da timidez. Me respondeu um "Oi" e expirou tudo o que tinha nos pulmões. Eu queria aproveitar ao máximo o pouco tempo que tínhamos, mas não poderia apressá-lo. Como conversamos antes, Adrien era devagar.

— Desculpa a minha falta de atenção — ele mexia no anel que tinha no dedo anelar. — Minha cabeça está uma confusão.

— Eu sei. Está uma bagunça aí dentro — toquei seu peito com o dedo. Adrien me olhou e concordou com cabeça. — Mas está tudo bem. Todos temos dias assim.

Eu trouxe um banquinho simples e coloquei em frente ao teclado dele. O vi sentar e eu fiz o mesmo na balaustrada. Ele segurou um braço com uma mão e continuou mexendo no acessório prata.

— Acho que... sabe... esse negócio com o ShadowMoth me deixou um pouco tenso. Um akumatizado com poderes, literalmente, tão simples quase fez ele ganhar os Miraculous — o maxilar dele travou e seus olhos subiram para me observar rapidamente, logo abaixando. Engoliu em seco. — Pelo o que eu entendi, né.

Me pus em sua frente, me apoiando nos calcanhares. Via-o debaixo, mas ele ainda recusava dividir o olhar. Tanto como civil, quanto como herói, o medo de Adrien era mais do que compreensível. Eu mesmo já me sentei com minha mãe e irmã e conversamos sobre como o destino não só da cidade, mas sim do mundo, dependia de um ladrão não conseguir roubar certas joias. Ainda que Ladybug e Chat Noir nos salvaram todo esse tempo, eles ainda são meros adolescentes com responsabilidades heroicas. Adrien não só poderia temer por sua vida estar praticamente nas mãos de um menino, entretanto, poderia se assustar com o fato de que esse menino era ele próprio. E que, desse modo, ele não pensaria somente em seu futuro, de seus amigos e familiares, mas de toda a população mundial.

Já estamos acostumados hoje em dia, mas se pararmos para pensar mais a fundo, inevitavelmente ficaríamos ansiosos. Imagino, então, ele. Quis ao menos fingir que o entendia, para não deixá-lo se sentir tão sozinho:

— Eu entendo. Você... — olhei ao redor, assegurando que só nós dois ouvíamos a nossa conversa. — Você conheceu Sass comigo. Você me deu ele! E enquanto estava com ele, entendi o quão forte é uma habilidade dos Miraculous. Imaginar uma pessoa irresponsável e maligna como ShadowMoth tendo os poderes da própria Destruição e Criação me causa um revertério no estômago.

Vi Adrien tensionar os ombros.

— Mas não adianta ficar remoendo um futuro que você nem sabe se vai acontecer, Adrien. Isso só vai te desgastar e fazer com que suas ações do presente sejam afetadas — ousei levar uma mão ao seu joelho e fiz um carinho com o dedo lá, logo depois a retirando. — Se você estiver muito ansioso, podemos parar por hoje. Garanto que os outros irão te entender.

— Sim... mas não, obrigado — ele suspirou. — Não quero voltar para casa agora.

— Ué, mas quem disse que você voltaria? Fica com a gente até dar a sua hora.

Ele voltou as íris verdes para mim, me encarando em silêncio por um tempo. Por um momento achei que ele não aceitaria, mas o vi concordar e eu me levantei comemorando exageradamente para fazê-lo rir. E deu certo. Coloquei minhas mãos nos quadris e olhei ao arredor.

— Sabe, podemos chamar os outros. Talvez a Mari venha e você também é bem amigo do Nino, certo? Podemos...

— Na verdade — ele me interrompeu, todo tímido mais uma vez. Ele cruzou os braços e estendeu as pernas —, acho que ia gostar de ter só nós aqui. Nós cinco! — se apressou em dizer as últimas duas palavrinhas e eu não pude deixar de achar um ato tenro. Me segurei para não rir. — Não precisamos trazer mais pessoas.

Dei de ombros, aceitando o que ele queria. Perguntei se ele gostou da vitamina da última vez, ele disse que sim e eu avisei que iria pegar uma de sabor diferente para nós então.

Quando entrei vi Juleika jogada no sofá com o celular na mão e o seu próprio copo com a bebida, mas desta vez de morango. Ela me olhou questionando sem voz o que Adrien me disse, sabendo perfeitamente que eu estaria conversando com ele.

Dava para ver sua curiosidade acerca da minha curiosidade sobre Adrien.

— Acho que vamos ficar sem ensaio hoje, minha joia — eu tentei descontrair enquanto pegava os drinks saudáveis para nós.

— Ah, é, meu joia? — ela disse sarcástica. Concordei com a cabeça e um resmungo, e pude ouvir uma movimentação lá no sofá. — E eu posso saber o motivo?

— Adrien ficou um pouco tenso com o lance do Simplificador e tal. Dá pra entender, né? A gente já conversou sobre isso.

— Hm, sim — ela ficou quieta. A voz da Juleika deixava claro que estava me achando suspeito, por mais que ninguém mais possa reconhecê-la, nem mesmo minha mãe. Mas eu sabia que ela pensava que estava ouvindo uma mentira ou uma meia verdade. Mais ainda, sabia que ela não achava que me aproximava de Adrien só porque simplesmente quis.

— Você acha o Adrien bonito?

Eu demorei a entender o que ela quis dizer. O que foi bom porque pareceu que derrubei a jarra por ela estar pesada e escorregadia, não porque sobressaltei com a frase tranquila — porém acusatória. Ela não me via, mas sentia que meus olhos estavam abertos, arregalados, e minha cara deveria estar levemente aflita. E assim como só eu reconheço a voz de Juleika quando está minimamente diferente, somente Jules poderia distinguir o que há de estranho em minha face naturalmente tranquila.

— Acho, ué. Não é à toa que ele é um modelo famoso mesmo fora da França.

Mais silêncio e eu já estava me sentindo suar frio, sem entender necessariamente o porquê. O gelo não queria sair de jeito nenhum da forma. Fui pegar uma faca.

— E o Adrien é muito gentil, né? É bom conversar com ele, é um bom ouvinte — ela já conversou mais do que duas frases com ele?

— É sim. Ele também toca teclado muito bem — me fiz de sonso. Resolvi que agir assim me deixaria mais calmo.

— Ah, e você conhece mais as pessoas pela música! — ela riu como se tivesse entendido algo. — Sabe, acho que ele também é assim. Se comunicar por palavras talvez não seja a praia dele... entendo você querer se aproximar do Adrien.

Eu resmunguei e finalmente pude tirar alguns cubinhos.

— Só não entendo porquê demorou tanto.

— Estamos falando tanto do convidado enquanto deixamos ele sozinho — foi minha deixa.

Sentia que estava quase que numa disputa de xadrez calculando minimante meus movimentos depois da conversa simples. Quando sai para fora de novo pude respirar, mas fiquei inquieto com as minhas próprias ações. Por mais que eu ache que Jules está mais acusando do que apontando algo, também não posso me fazer de bobo para o jeito não muito costumeiro com que tenho andado. Entretanto, ainda sentia que estava sendo eu. Só estava... um pouco mais agitado. Estranhamente.

Pra ser sincero, pensei que já tinha passado da fase da adolescência em que as coisas eram confusas.

— Está bom? — perguntei ao ver ele ficar encarando o copo depois de sorver um pouco da vitamina de morango.

— Uh? Ah, sim, sim! — me sorriu gentil, porém vi os ombros encolherem quando voltou a olhar dentro do copo. — É que os gelos não estão com formato de dinossauros.

Levantei minhas sobrancelhas, genuinamente achando a presença de Adrien uma coisa muito querida. Eu ri, mas não muito, e ele se colocou a se desculpar e justificar que adorou os formatinhos da semana passada.

Particularmente, ficava incomodado com o tanto que ele se desculpava, agradecia e se explicava, parecendo nunca estar confortável para ser um pouco menos polido. Me dava a sensação de que passava de ser uma boa educação e se tornava uma constante aflição de garantir que estava sendo bem entendido e de que estava entendendo o outro perfeitamente, como se estivesse afirmando repetida vezes que não estava tentando causar problemas.

— Está tudo bem, loirinho — eu brinquei, virando bastante do conteúdo para criar um bigode rosinha. — Na próxima não só terá dinossauros, como dinossauros coloridos!

Vi ele abrir a boca, olhos arregalados, mas soltou apenas um rouco "Ah!", como se desistisse na metade de sua frase. Ele acenou com a cabeça e agradeceu, dando um dos maiores sorrisos que já vi dele.

— Quer jogar ping-pong? — o convidei lá para cima, onde se podia ouvir os gritos animados de Rose e alguns dos movimentos exagerados de Ivan. Adrien pensou, parecendo hesitar, mas cedeu olhando uma última vez para seu teclado.

Quando subimos ficamos mais observando, já que a partida estava rolando e nós não estávamos com as mãos livres para poder participar. Me encostei no corrimão e Adrien ficou perto de mim, me dando uma áurea tensa. Não entendia bem, mas fazia um tempo em que ele aparentava estar mudando. Parecia que eu conversava com um boneco de ar que estava recebendo muita pressão por dentro, enquanto por fora mantinha o sorriso estampado e congelado enquanto se tremelicava intensamente.

Já vi Marinette assim por um tempo, mas ela era mais como uma esponja que às vezes tinha água demais. Bastava retirar um pouco, quem sabe dar uma apertadinha num abraço, que ela se esvaía. E era assim, ela enchia de água e alguém a apertava. Era normal. Acontecia com todos. Por isso confiamos em amigos e por isso amamos nossas famílias, acreditando que eles estariam lá quando a esponja inchasse mais uma vez.

Adrien parecia que só inchava e inchava, esperando que o momento de dissipada fosse uma grande explosão.

— Eu não sei jogar ping-pong — ele me disse primeiro. Me olhou, sorriso pequeno, mas divertido.

— Sério? — franzi minhas sobrancelhas. Ping-pong era a coisa mais fácil do mundo! — Você só precisa jogar a bolinha pro alto e tentar acertar com a raquete. Se cair no teu lado, é ponto pro oponente e vice-versa — dei de ombros.

— E as regras?

Olhei bem em sua cara, expressando a minha em divertimento: — Adrien, veja a sua volta. Eu moro num navio pirata; minha mãe me teve com uma estrela, indo para lenda, do rock e todo dia ela torce para ele morrer afogado no chuveiro; e hoje de manhã tentei arrumar a sala de estar para poder achar uma meia para mim e minha mãe brigou comigo porque estava mexendo no "Ying" da nossa casa e poderíamos ter uma maré de azar. Acha mesmo que regrinhas de ping-pong são levadas a sério por aqui?

Ele gargalhou da nossa confusão. Acredito que de todos que já vieram nos visitar, Adrien com certeza deve ser o que mais se surpreende com a nossa rotina bagunçada. Sua vida é tão certinha e organizada, ouso dizer que planejada desde seu nascimento, que ver um bando de malucos morando num navio desorganizado para manter o universo na linha deve ter sido um choque de realidade.

Pelo menos fico feliz que não foi comigo o choque com a pobreza de meras pessoas comparadas a ele.

— É verdade — bebeu a sua vitamina que já estava perto do fim. A minha ainda estava na metade e eu preferia acreditar que ele realmente gostou, do que aceitar que eu estou enrolando para tomar algo saudável — Mas... você estava procurando uma meia na sala? — me encarou com seus olhinhos (no figurativo, pois ele tem duas bolas verdes na cara) curiosos, na expectativa pela explicação fora de linha.

E eu dei o que ele queria. Detalhei coisas que nem eram necessárias, mas que seriam novidades na vida de Adrien — como um café da manhã desbalanceado ou falta de hora para acordar. Falei sobre jogar minhas meias pela porta do quarto em direção a Juleika, falei sobre as invenções na cozinha que fazemos por causa de vídeos na Internet, falei sobre temos que decidir no Jokenpô depois para ver quem vai lavar os banheiros.

Disse para Adrien como era ter uma irmã, que apesar de muito boa, ainda era uma irmã (que tirava fotos minhas quando eu estava triste para ela poder sorrir da minha feiura). Tentei transpassar por meio de palavras toda a gostosura que uma boa confusão pode ser, cheia de falta de controle, mas sempre muito divertida de se viver.

Adrien me sorria e ria, as íris esmeraldas agitadas como se vivesse tudo o que ouvia. Quando terminei de contar minhas aventuras ele suspirou, quase como se fosse um suspiro cansado — do tipo que você dá depois de chegar de uma festa ou depois de fazer as crianças dormirem.

— Um dia seu é muito mais animado que meu ano inteiro! — ele falou alto, alegre parecia.

Escutamos alguns risos de vozes diferentes.

Eu estava tão focado em Adrien, tão atento as respostas de seu corpo às suas emoções, seu humor, que esqueci por um momento que não estávamos sozinhos no espaço. E acredito que Adrien também se esqueceu, já que na mesma hora que ouviu os risos ele se distanciou de mim. Seu sorriso não era mais grande, mas sim tímido.

— Você é muito gentil, Adrien.

— Hm, sou? — sua expressão estava confusa para Rose.

— É claro que sim. Você vai à festas e eventos chiques, modela até em videoclipes de artistas, aparece em capas de revistas! — a loira dizia tão empolgada, encantada com a ideia. — Imagino o quanto de bichinhos fofos já deve ter visto nos casarões de outras pessoas por aí! — ela riu humorada para completar sua frase, me zoando um pouco também: — E ainda diz que a vida do Luka que é animada!

Muito apesar da bondade de Rose, de sua vontade de mudar o mundo, de inspirar o bem através de sua música, está ainda ali o sonho de uma garota que deseja a ascensão de sua banda com seus amigos. Acredito que Adrien possa até ser alguma tipo de meta instigante, onde ela pode ver algumas ações e recursos dele e pôr em sua nota mental de que, quando crescer, faria e teria igual. Não seria uma inveja ruim, mas sim uma inveja admirável que ela usaria de estímulo para se esforçar em seus objetivos.

Era uma ação inocente. Como toda Rose.

— É — ele soou menos animado, os olhos... baixando mais uma vez. Não pude deixar de me desapontar. Meu trabalho de tentar animá-lo e deixá-lo contente fora quase que por água a baixo se não fosse pela minha positividade de pensar que, por um momento, ele esteve assim. — Tenho uma... rotina apressada, eu diria.

Adrien sorriu perfeitamente, dentes alinhados, olhos atraentes e com muita classe. Feito um modelo.

Se sucedeu as perguntas curiosas da parte dos outros três — Juleika se aproximou numa hora em que não vi — sobre a vida de Adrien. Já percebi que todo o pessoal era assim, esperavam pelas pequenas brechas que ele dava de vez em quando para poderem fazer seus questionamentos mais genuínos. Como era vergonhoso perguntar diretamente não perdiam a oportunidade quando aparecia casualmente.

Ninguém fazia por mal, a vida dele era diferente, quase um sonho. Eu mesmo ficava curioso, mas nunca achei um momento onde fiquei confortável em fazer tais perguntas. Entretanto, Adrien tinha certa ciência de que sua realidade era distante da nossa e respondia com toda educação. Ele não dava muitos detalhes e parecia se esquivar de certas coisas, porém saciava as dúvidas de todo mundo muito simpaticamente.

Vendo Adrien agora fazia parecer que ele estava tenso. O riso dele era tão, tão bonito, que era desconfortável. E suas maçãs do rosto pareciam doer de tanto manter aquela exata posição. A boca dele enquanto ele falava parecia diferente — não que eu saiba muito sobre a boca de Adrien.

Era o boneco se enchendo de pressão enquanto tremelicava o rosto congelado. Soava estranho vendo de pertinho assim.

Me mantive quieto observando-o, sem perceber que me afastei um pouco.

Eles conversaram sobre tudo o que podiam. Surpreendentemente Juleika falou bastante, muito curiosa sobre como funcionava a modelagem na passarela, o tempo, se Adrien já posou como casal ou se já participou de algum evento com esse tema. Ele tentava responder tudo o mais sinceramente possível, se complicando quando o assunto se tornou rivalidade entre modelos.

Deu para ver o alívio em seu rosto ao ouvir a buzina de sempre chamando por sua presença.

— É meio complicado de falar assim — ele terminou sorrindo — Estou indo, pessoal. Desculpa de novo pela falta de foco — suas sobrancelhas claras subiram notoriamente culpado, porém logo em seguida sua expressão suavizou. — Mas muito obrigado por deixarem passar o ensaio de hoje.

Ele começou a descer as escadas e acenar, as meninas e Ivan dizendo que não havia problemas e que o mais importante éramos nos divertir. Eu fui seguindo-o, de novo com meu copo quase sendo sequestrado por um riquinho distraído.

— Prometo que semana que vem vou estar muito melhor! — disse alto por fim. Quando chegamos lá embaixo ele pegou o celular e digitou algo, depois olhou para o carro e deu o dedão num positivo. — Onde posso deixar, Luka?

— Ah, então o senhor não vai tentar roubar meu copo sujo de vitamina de novo, hm? — eu brinquei e ele riu leve mais uma vez, como minutos atrás. Isso me fez respirar alegre.

— Bem, você está me escoltando para isso não acontecer. Talvez numa próxima eu consiga — me piscou um olho. Me lembrei de Chat Noir e essa ideia me entusiasmou por dentro. Ele moveu o copo na mão. — Onde levo?

Eu poderia ter dito que não precisava, poderia ter sido educado (como ele) e dizer que eu mesmo levava para dentro. Entretanto, preferi pedir para ele me acompanhar até lá embaixo.

Porque Adrien sabia onde poderia ter deixado o copo e poderia não ter escrito, provavelmente, para seu motorista avisando que já iria.

Primeiro coloquei o meu dentro da pia, logo ele fez o mesmo. Seus olhos verdes me olharam de canto e sua boca curvou num sorriso fechado, Adrien virando para mim poucos segundos depois.

— Obrigado, Luka — começou a mexer em seu anel. — Pode ter parecido um tempinho simples, mas realmente me ajudou a relaxar um pouco.

— Eu te disse, Adrien. Qualquer coisa estou aqui.

Levantei minha mão num soquinho e o vi olhar para ela por um tempo. Me dei conta de que isso era uma coisa que Ladybug costumava fazer com seus parceiros. Recordei da paixão de Chat.

— Gostei muito de passar um tempo com você — ele devolveu meu toque no final da frase.

— Deveríamos fazer isso mais vezes — joguei minha cabeça para o lado. — Só nós dois, talvez?

Seus ombros levantaram, seus olhos fecharam e seu riso foi baixinho e entrecortado, tímido. Ele concordou e me chamou para subirmos.

Nos despedimos em silêncio, eu parando de acompanhá-lo na pontezinha. Adrien entrou no carro, desceu o vidro e quando o motorista deu partida ele se jogou contra a janela.

— Espera! — pediu e o carro freou tanto que os cabelos loiros até bagunçaram um pouquinho. — Você tem meu número?

Eu ri diante da cena: — Tenho sim.

Ele me alargou um sorriso.

— Me chama!

E então deixou o carro seguir.

Mais tarde na minha cama, enquanto repensava o dia, constatei que fiquei decepcionado ao ver Adrien conversando com os outros, como ele pareceu tão engessado comparado ao jeito levemente descontraído que demonstrou. Mas, ironicamente, me senti satisfeito por só eu ter visto Adrien Agreste — não o Chat Noir — mais tranquilo e solto.

Eu sabia o que isso significava quando cheguei a essa conclusão, mas deixei para pensar nisso depois. Afinal, é problema do Luka do futuro — e qualquer coisa, era só eu pedir por uma segunda chance ao universo. Se você me entende.

 

Chapter 5: Não Se Importe Comigo, Mas Irei Continuar Te Analisando

Notes:

o título faz parte da música "don't mind me" do leo. :D

(See the end of the chapter for more notes.)

Chapter Text

Demorou para Adrien e eu engajarmos uma conversa por mensagens. Parecia que tanto eu quanto ele ficávamos meio travado e o silêncio digital era muito mais ensurdecedor do que o silêncio físico. Mas via o esforço dele em tentar puxar assunto, então também o fazia.

Com o tempo foi um pouco mais fácil. Comecei a mandar vídeos conversando enquanto ajeitava alguns instrumentos e ele me enviava áudios tentando contar piadas e rindo no meio do caminho. E eu ria da risada dele porque, bem, os rumores sobre o humor... exótico... de Adrien eram verdadeiros. Mas achava uma graça sobre como ele se sentia à vontade para mostrar mais desse lado meio brincalhão no decorrer dos dias.

Na outra semana, já estava viciado em conversar com ele todo dia. Acordava e dormia olhando em meu celular. Juleika e minha mãe até estranharam, já que eu não era tão ligado assim em tecnologia. Jules tentava vez ou outra ver com quem eu estava conversando e me zoava quando me via sorrir para a tela.

Inegavelmente, depois da estranheza passada, nos aproximamos um pouquinho mais. Descobri coisas sobre Adrien, como que ele curiosamente gosta de panquecas sem absolutamente nada;

Adrien gosta de filmes de romances;

Seus livros favoritos costumam ser de autoras femininas;

Ele está viciado num mangá onde tem um boxeador e um bailarino como casal principal, e ele está nervoso que uma outra estória de amor (agora envolvendo uma banda de garagem e um menino que não consegue chorar) que ele tanto gosta não tem novos capítulos na nossa língua;

E o mais curioso, quando ele tem que modelar para o verão o fotógrafo marca os ensaios para o fim de semana, pois é quando a aura de Adrien está mais jovial, de acordo com ele; Adrien fez piada que a aura dele deve ficar jovial pois é quando ele mais parece um adolescente rabugento porque não gosta de acordar cedo nos finais de semana para trabalhar.

Disso eu entendia. Quando ainda trabalhava como entregador, algumas vezes eu pegava turnos inteiros no fim de semana e ficava bem desgostoso no final do dia, mas valia a pena porque ganhava um pouco mais. Hoje não preciso mais disso, já que além da pensão — que foi todo um rolê porque minha mãe estava orgulhosa demais para receber todo o dinheiro que ele não deu ao longo dos anos — meu pai também me dava uma mesada fixa.

Adrien aproveitou para perguntar como estava indo minha relação com ele, se estávamos nos adaptando e como era a sensação de, de repente, ter ele em minha vida.

Achei que ele estava curioso sobre ter me tornado primogênito de uma super estrela da noite para o dia e como estava sendo viver a rotina depois disso, mas Adrien queria saber como eu me sentia enquanto filho ao encontrá-lo depois de uma infância e adolescência sem ele.

Acho que nem minha mãe chegou a me perguntar sobre isso. Ela sempre está nervosa quando se trata do meu pai e fica muito mais preocupada se ele está nos tratando bem, se estamos confortáveis e, principalmente, se estamos bem alimentados quando passamos um tempo juntos.

Depois de pensar um pouquinho, respondi que eu estava mais do que bem. Jagged se esforça para recuperar o tempo perdido e dá para perceber, como por exemplo quando ele acaba comprando coisas porque “viu na internet que está na moda entre crianças da minha idade” ou quando ele sempre nos leva para passear quando tem um tempo livre. E me sinto muito bem com meu pai. Mesmo que no início a nossa relação tenha sido um pouco difícil e... drástica.

Não chego a ser indelicado, mas sei que às vezes posso ser muito direto. Porém ele vê isso muito positivamente e achamos um jeito de podermos conversar quando eu preciso: a música.

O Jagged me ensina notas como se me ensinasse uma nova língua. Ele já me disse que é melhor em demonstrar seus sentimentos fazendo música boa e me sinto igual, mas com minhas melodias amadoras. Então quando me sento para aprender o que ele sabe, é como se eu aprendesse a escrever de novo para poder expressar minhas emoções em um diário.

Para mim, é como se finalmente eu tivesse minhas palavras traduzidas.

E Adrien demonstrou ficar muito feliz com isso:

— Ah! Que bom deve ser se sentir assim com seu pai depois de tanto tempo, Luka!

Apesar de seu tom de voz não mudar e seu rosto ter olhos grandes e um sorriso brilhante, fiquei incomodado com sua frase. Sabia da relação conturbada que ele costumava ter com o próprio pai e era estranho pensar que, por um lado eu sabia como era ter alguém tão importante distante de mim, mas por outro... isso passou. E esse alguém tem se demonstrado de uma forma que me deixa muito satisfeito.

Isso mudou para mim, enquanto para ele ainda é a mesma coisa. E eu lembro de quando houve uma gravação entre amigos para tentarmos animar Adrien num dia tão desanimador quanto o aniversário de desaparecimento da sua própria mãe pode ser e Chloé disse algo parecido. Sabemos o sufoco que é a falta de uma pessoa que devia estar zelando por nosso sono, acompanhando os nossos passos. Porém hoje esse sentimento se afasta de nós.

E eu sei que uma conversa com Adrien sobre nossos pais irresponsáveis nos tempos atuais seria uma conversa totalmente diferente da que eu teria alguns meses atrás.

Mas não queria abaixar o clima, então afastei esses pensamentos da minha cabeça com um acenar. Vi cabelos loiros não tão arrumadinhos e olhos verdes que sorriam mesmo com a boca de Adrien estando fechada.

Em compensação, eu não parecia tão bonito assim na tela do celular como ele. Meu rosto estava sendo achatado pelo meu travesseiro.

— Sim. Agora também sou o amigo rico, Adrien Agreste. Cuidado para eu não tomar seu posto! — eu brinquei e virei para o outro lado da cama.

Ele riu.

 Desde que você não fique igual a Chloé, eu não me importo.

Ele estava em sua escrivaninha e eu podia ver um pouco do seu quarto. Me diverti ao ter lembranças da pequena festinha que já acontecera lá.

— Vocês eram amigos antes, né?

Adrien suspirou e concordou.

 Éramos, sim... para ser sincero, antes do colégio eu só tinha ela e o Félix como amigos — ele sorriu um pouco de lado parecendo sem graça. — Ótimas companhias, não?

— Não entendo. Você cresceu arredor do estereótipo de elite, mas ainda é uma pessoa tão legal — aproximei a tela do meu rosto enquanto fazia uma careta. — Você vê gente pobre como porquinhos fofos? Por isso é gentil com a gente?

Adrien abriu os olhos e gargalhou tão alto e tão forte que sua cadeira escorregou para trás.

Demorou um pouco para ele se recuperar, mas quando o fez me disse:

— Não sei se devia rir disso, desculpa — ele suspirou com o rosto vermelho, não sei se de vergonha ou do esforço de sua risada — Mas minha tia é uma ótima mulher e Félix nem sempre foi do jeito que ele é. E Chloé é diferente comigo — olhou para cima — Ou, ao menos, era. Só a via como uma choramingona e lembro de algumas vezes Félix chamá-la de bebê chorão quando não cedia os brinquedos para ela ou não a deixava ganhar nas brincadeiras — ele riu meigo, parecendo um pouco nostálgico e direcionou os olhos a câmera mais uma vez — Sinceramente, fiquei com bastante raiva do Félix depois das coisas que aconteceram, mas é só isso. Já com a Chloé, eu... — a voz de Adrien ia baixando. Pela primeira vez, fiquei incomodado com a distância em que estávamos. — É mais uma decepção? Eu não sei. Ela é grudenta, chata e gosta das coisas só do jeito dela, mas era uma amiga. Achava que ela só era cabeça quente, meio mimada. Só que ela é...

— Uma pessoa um pouco mais complicada? — sugeri ao vê-lo sem conseguir encontrar as palavras certas.

Conseguia ver a tristeza em Adrien, na forma em que ele falava e em seus trejeitos. Ele parecia pesado e devia ser mesmo difícil admitir que sua única amiga, por muito tempo, era uma pessoa como Chloé — sem mais necessidades de adjetivos para precisar se compreender.

— Complicada... hm... é uma palavra complicada de dar a ela — ele me sorriu. — Ela é uma pessoa terrível, Luka. Pode dizer.

Levantei minhas sobrancelhas divertido e dei de ombros, deixando a entender que eu não estava querendo dizer nada.

— Tentei ajudar ela a melhorar e por um tempo até que deu certo. Talvez os outros não podiam perceber porque, bem — ele encolheu os ombros e desviou os olhos da tela —, não podemos negar que a Chlo deixou uma impressão tão negativa que mesmo as boas ações são vistas com maldade. Eles ficavam com esse pé atrás com as intenções dela. Mas eu via a diferença e estava muito feliz em ver certa evolução! — suspirou mexendo em seus cabelos. Em suas ações eu podia ver como era um assunto angustiante para ele — Até que a mãe dela começou a aparecer mais em Paris de novo e... Zoe chegou. E Chloe tem uma... — Adrien se calou. Comprimiu os lábios e me encarou, e pude imediatamente entendê-lo. Chloe tinha questões que só Adrien poderia ter conhecimento. A partir dali, eu não estava mais permitido por Chloe a saber. Sorri e acenei com a cabeça, entendendo o segredo. —... A vida dela pode ter alguns problemas, porém isso não é motivo para ela ser infantil e desagradável desse jeito. Podemos ver a irmã dela como exemplo!

— Entendo perfeitamente o que quis dizer — problemas parentescos que afetavam seu modo de ser. — Na verdade, você também é um bom exemplo porque além de tudo ainda tem que trabalhar, mas continua sendo uma pessoa muito gentil. Inclusive, minha mãe te acha um doce, diga-se de passagem.

Desta vez pude ver que sua vermelhidão era por conta da timidez. Ele desviou os olhos e abriu a boca, mas logo em seguida a fechou. Achei graça nisso:

— O que foi? O gato comeu sua língua?

Ele parou e piscou, e então começou a rir. Um riso que dizia muito mais sobre como ele achou a piadinha engraçada por conta de seu segredo e não porque ela era boa.

— Diz para ela que também a acho um doce — disse depois de um tempo em silêncio, claramente se recuperando de seu momento de vergonha. — Um pouco diferente, não vou mentir, mas ela é um docinho de uva muito querido!

Dessa vez, fui eu que ri. Com a troca de mensagens Adrien pôde se aproximar um pouquinho mais não só de mim, como de minha família. Os vídeos e áudios gravados o permitiam ver como era o meu lado da vida, e as ligações com videochamadas pareciam ser feitas para ele ver o nosso lado mais excêntrico: sempre algo anormal acabava acontecendo e, nesse ponto, acredito que ele acha que meu cotidiano é mais caótico do que realmente é. Porém, Adrien se divertia muito com isso.

Nas poucas vezes que pôde, adorou conversar com minha mãe sobre as minhas bagunças. Ele também adorava se gabar de como era um bom filho para mamãe compará-lo a mim e dizer que deveria ser mais como Adrien. Eu nem conseguia me irritar com isso porque ver o sorriso tão solto dele do outro lado da tela me deixava bobamente alegre.

Eu tinha vontade de trazê-lo mais vezes em casa, mas mesmo para os ensaios estava difícil para Adrien vir nos últimos dias. E julgando que não via tanto a presença de Chat Noir sobrevoando Paris com os heróis que estavam cada vez mais em ação, é de se imaginar que a agenda dele deveria estar atolada.

Porém, não deveria ser assim para sempre: — Está muito ocupado, Adrien?

Os cílios loiros piscaram e ele se inclinou para a tela do celular, a franja sendo jogada para o lado quando o rosto seguiu o mesmo movimento.

— Agora? Não, estou falando com você — ele soltou um risinho e eu o acompanhei.

— Não. Quero dizer no geral, apesar de que podermos aproveitar para jogarmos um pouco e eu acabar com você — falei indiferente e pude ver os olhos esverdeados brilharem.

Adrien é um completo viciado em videogames. E eu, como já disse, não sou muito ligado em tecnologia. Então não foram poucas as vezes em que perdi tão feio que pude ouvir Adrien rir descontroladamente, em choque com tamanha falta de desenvoltura em joguinhos online.

Entretanto, tenho tido minhas vitórias – por Adrien ter pena de mim. Começamos a jogar alguns jogos de ritmos em que, neles sim, eu ganho algumas partidas. Adrien é surpreendentemente bom também, porém não é sempre que consegue me acompanhar. Mas isso não o deixa irritado ou frustrado, como a maioria das pessoas que jogam videogame tem o costume ao não ganharem.

Adrien se diverte todo o tempo. Sinto até que ele se solta mais. Ele ri, grita um pouquinho e faz um charminho quando perde tantas vezes seguidas que eu daria de tudo para ver ao vivo, porque estaria vendo Chat em Adrien. O loirinho fica genuinamente alegre em todo momento em que jogamos juntos e é tão óbvio que adora isso, que mesmo nos jogos em que sou tão ruim que chega a ser vergonhoso, eu o peço para jogarmos algumas partidas só para ver esse lado diferente de Adrien.

Esse lado mais simples. Mais menino e menos marca de luxo.

— Olha, agora eu não posso jogar, mas talvez possa te chamar mais tarde se não se importar — ele mordia os lábios de um jeitinho ansioso.

Eu concordei com a cabeça.

— E essa semana estou ocupado, Luka. Desculpa — de repente o bom humor e olhar aguçado desapareceu. Eu levantei as sobrancelhas, pronto para dizer que não havia problemas, até que ele complementou: — Não sei se vou conseguir ir a algum ensaio.

Não vou mentir, por um lado foi desanimador ouvir isso. E admito que nem foi tanto pelos ensaios, mas sim pela falta da presença dele que teria durante esses dias. Mas por outro, sentia algo dentro de mim fomentar ao vê-lo tão ocupado, seja com o colégio, com seu trabalho, a família complicada ou com a vida dupla secreta e ainda ter dedicação à banda da qual ele pertence há apenas alguns meses. E que nem realmente está como membro oficial por conta do pai dele — e somente por isso, porque nós todos adoramos a agregação de Adrien.

Não sei exatamente o que me deixava eufórico com toda a situação. E isso era bem analisado por mim (esses simplíssimos atos que agitam meu corpo sem motivo aparente).

— Não tem o que se preocupar, Adrien. Você também divide algumas aulas com o resto do pessoal, sabe como está puxado na escola.

Desconversei porque conhecendo Adrien, mesmo que vir aos ensaios estivesse totalmente fora do alcance dele, ainda sim ele se sentiria culpado pelas faltas. E olhando por certos caminhos, eu não estava mentindo totalmente, já que essa semana acabamos por diminuir nosso tempo de ensaio para podermos focar nos próprios projetos e estudos que estavam sendo exigidos pelo fim do ano letivo estar se aproximando.

— Eu queria saber se podemos sair qualquer dia desses, ou talvez podemos nos encontrar aqui em casa mesmo. Só que não para ensaiar — levantei minha sobrancelha para mostrar que estava disposto a participar de certas mentiras para podermos nos ver.

Adrien crispou os lábios parecendo animado com a ideia. Ele demorou um pouco para me responder, pensando melhor, até que assentiu com a cabeça.

— Talvez eu possa treinar um tipo diferente de esgrima. Quem sabe uma versão mais... pirateada.

— Tá querendo dizer que sou uma versão pobre?

Adrien arregalou os olhos, ao passo em que eu começava a rir: — O quê?! Não foi isso que eu... ai, Luka! Não brinca desse jeito.

— Tudo bem, tudo bem. Desculpa — respirei fundo e soltei o ar pela boca, vendo que apesar de ficar sem graça, o loirinho tinha a face brilhando de emoções boas. — Vamos só combinar de você me avisar sobre os ensaios de piratas?

— Pode deixar! Mas talvez só vou conseguir te avisar uns cinco minutos antes. Nem sempre minhas fugas dão certo...

— Não importa. Todo tempo que podemos adiantar é ótimo. Só preciso saber que você está a caminho.

Adrien me sorriu. Um sorriso tão quieto, tão pequeno, mas tão honesto que me fez sentir um pouco nu.

Sabe quando você está com alguém e de repente algo parece te dizer que essa pessoa ainda vai ser alguém muito importante na sua vida? Foi essa sensação que aquele sorriso me deu.

Um clique em meu peito me fez entender que Adrien, de alguma forma, iria ficar ao meu lado por um longo tempo, para não exagerar ao prolongar o termo com um “Para sempre” — nem dramatizar. Ele podia ser diferente de mim em muitos aspectos, a falta de liberdade e a família podia ser muito bem conceitos que fariam nós dois nos desentendermos e nem ouso falar da discrepância de classe social, mas de algum jeito Adrien me passava um tipo de sentimento que parecia que aos pouquinhos ele fazia nós em mim.

Nós de marinheiro nas cordas de minhas emoções.

Talvez fosse esse lado espirituoso do qual cresci que estava falando mais alto: sobre uma bagunça desengonçada que, de uma hora para outra, parece se organizar naturalmente.

A amizade de Adrien de repente se tornou algo que eu gostaria de me apegar e cuidar, assim como eu faria com todos meus outros amigos — que ao contrário dos deles, não eram tantos. Meu interior ansiou por isso e meus instintos falavam que me dedicar à pequena rebeldia de Adrien — em atos de escusas, para não dizer mentiras — era o certo a se fazer. E como fui ensinado, não negaria minhas vontades e seguiria com o que minha intuição dizia.

— Espera aí. Você falou “Fugas”? No plural? — sua reação a minha pergunta foi gargalhar divertido, como se minha surpresa fosse uma coisa engraçada.

Minha aproximação repentina de Adrien me fez questionar muito do porquê comecei a tê-la só depois de alguns meses que nos conhecemos. Agora eu via que foi um efeito cascata que me fez acabar percebendo mais do loiro, de suas atitudes e de seu jeito. Primeiro esse interesse musical, curioso com o conhecimento e facilidade de Adrien de se adaptar conosco aos poucos; depois a pequena e simples amizade que adquirimos e então minha paranoia com sua identidade secreta me fazendo observá-lo para garantir que ele não soubesse que eu sabia.

Isso sem contar as vezes em que analisei-o para descobrir porquê Marinette era tão obcecada nele, numa inveja sincera quando estava me apaixonando por ela.

Consequentemente essa curiosidade acerca dele surgiu sem eu me dar conta e algo me empurrou até ele. E eu estava grato. Porque ver o Adrien que me contava as histórias sobre suas aventuras às escondidas, a maioria sendo descobertas, era muito melhor do que ver o Adrien que parecia esperar por ordens para poder respirar.

Há alguns dias sentia Adrien arranhar seu interior de um jeito sufocante, com sons de diversos instrumentos batendo, parecendo competir com o piano fúnebre alto.

E não era como meses atrás (ou talvez até anos) onde Adrien compunha perfeitamente uma orquestra charmosa com toda àquela bagunça. Vezes deixava alguns instrumentos diferentes se destacarem para causar divertimento, vezes fazendo das teclas clássicas um concerto encantador. Mas ultimamente tudo parecia fora do tom, alto demais e sem nenhuma organização.

E honestamente, doía ouvi-lo. Como um agudo desconfortável.

Mas agora os sons pareciam ter se acalmado. Eles não sumiram, definitivamente que não, só que tinham tempos aonde o riso de Adrien parecia se sobressair um pouco deles.

De um jeito muito mais suave e macio.

— Na verdade, eu só estou aqui graças às minhas fugidinhas — um ombro se levantou e seu rosto se tornou sarcasticamente delicado, expressando uma inocência que se contrariava com o que dizia. — Acho que nunca falei direito sobre isso com ninguém. Posso te contar?!

O som do riso dele me lembrava um ukulele: sozinho era fofo, e dependendo do instrumento que o acompanhava poderia deixar a composição deliciosa de se escutar ou causar uma dor de cabeça.

Enquanto Adrien me explicava desde o início sobre como ele pensou no plano e de que maneira colocou em ação, além das tentativas fracassadas que ocorreram, constatei que um ukulele com certeza estaria na melodia daquele loirinho aventureiro.

Porque ouvi-lo falar era quase como deitar na areia num domingo ensolarado à tarde.

Os trejeitos de Adrien estavam menos contidos e ele soltava as palavras de sua boca com um entusiasmo que beirava ao orgulho de ter se rebelado para poder participar de aulas escolares como qualquer outro adolescente normal. Era explícito como a sensação de ir contra as regras naquele momento deixava-o animado, e eu, que sempre era contagiado pelas emoções de quem estava ao meu arredor, também ficava empolgado ao vê-lo.

Principalmente por essa alegria ter a ver com a liberdade de Adrien. Com a força de vontade dele para correr até o que desejava, mesmo com as dificuldades.

— E daí quando fugi pela segunda vez a Nathalie aliviou para mim e meu pai deu permissão. Sucesso!!! — mexeu os braços em uma comemoração fofinha e alegre.

Levantei as sobrancelhas sorridente e me sentei.

— Nathalie é a sua secretária, né?

— Mais ou menos. Ela é-

— Acha que ela também ajudaria a gente a se encontrar?

Adrien esbugalhou os olhos já grandes e agarrou o celular que estava encostado na mesa dele esse tempo todo.

— Não sei! Você acha? Ela me ajuda a fazer um monte de coisa. Quer dizer, um monte não, mas algumas coisas eu só consegui por causa dela!

Não pude deixar de rir do jeitinho eufórico e tagarela repentino, me sentindo muito bem por ver o loirinho tão solto depois de contar suas peripécias.

— Eu não sei! Eu não conheço ela, Adrien. 

Ele gargalhou e se levantou da cadeira em que estava sentado, começando a andar pelo quarto. Sua ansiedade com a ideia estava bem à mostra, me contagiando com isso mesmo que eu não fosse o melhor com mentiras. Mas vendo por um lado, pelo lado de Adrien, não me parecia um problema. Na verdade, não fazer esse tipo de coisa para e com o loirinho soava muito mais errado.

Se eu não me adaptasse a isso, Adrien teria mais dificuldade de poder sair de casa e fazer algo diferente da rotina.

Seu looping permaneceria.

Ouvi ele suspirar e seu sorriso, que estava tão brilhante e grande, diminuiu.

— Vou tentar sair para podermos nos encontrar. Mas não crie muitas expectativas, tudo bem?

Todas as minhas expectativas envolviam uma simples coisa: conversar com Adrien. Descobrir mais sobre ele. Entendê-lo melhor. Estar perto dele.

— Vou tentar. Aparentemente quando você fugiu para a escola tivemos a primeira aparição dos heróis de Paris. Talvez agora aqueles heróis alienígenas nova-iorquinos apareçam também!

Ele gargalhou mais uma vez e se jogou em sua cama, ficando quieto. Eu analisava tudo o que Adrien fazia: o lábio de baixo sendo mordido, as maçãs do rosto erguidas alegremente, as irises verdes tremendo eufóricas. Ele parecia querer sonhar com a chance de sair de casa para se divertir em um tempo e eu...

Eu descobria que Adrien parecia ter uma pintinha no lóbulo de sua orelha esquerda. Antes de perceber o que estava prestes a dizer, ele me cortou:

— Tenho que- ah, ia falar algo? — perguntou ao me ver com a boca aberta, pronto pra elogiá-lo que era uma pinta muito bonita.

Eu neguei com a cabeça logo, sentindo minha voz tremer ao dizer que não era nada, mas sabendo perfeitamente que talvez nem mesmo minha irmã teria percebido isso.

Entretanto, senti o peito apertar ao ver as sobrancelhas loiras estreitarem, como se duvidasse do que eu falava.

Não era possível que suas habilidades se estendiam para fora de seu traje!

Agradeci quando Adrien pareceu apenas aceitar: — Certo... hm... eu tenho que ir agora, Luka.

Assenti ainda meio atordoado com o pensamento tão rápido que me assolou a mente e, pior ainda, com o sentimento repentino de puro desespero que se apossou de mim com a ideia de dar um elogio a Adrien.

Eu elogiava todo mundo!

— Tudo bem. Ainda vamos jogar mais tarde?

Mais uma vez pude apreciar aqueles orbes brilhantes e Adrien somente acenou com a cabeça, não se importando de deixar claro que estava empolgado com isso.

— Ok. O mesmo jogo de antes. Agora eu vou conseguir acabar com você.

— Até parece. Você é horrível dirigindo carro!

— Mas sou ótimo na motinha!

— Luuuka — ele prolongou meu nome divertido, de um jeitinho que qualquer um deixaria-o fazer o que bem quisesse. —, a motinha te deixa muito amostra. Todo mundo pode atirar bola de gatinhos em você assim.

— Isso é porque você é ruim. Vou te mostrar mais tarde minhas manobras.

Adrien deu aquele risinho. O risinho baixo e meigo. Como se ele não quisesse dividir o som com ninguém mais, deixando só uma pessoa ouvir para ela ficar louca achando que a melodia era imaginação.

Porque não era possível que ele desse esse riso para os outros e todos achassem só... normal. Como não o deixavam fazer o que bem entendesse quando esse conjuntinho de notas doces eram expostos?

— Tá bom. Agora eu vou saindo — sua voz estava suave, numa despedida breve que ele não parecia querer ter.

— Tudo bem. Eu também tenho coisas pra fazer — imitei seu tom, baixo e condensado.

— Tem? — em sua boca podia ver um sorriso divertido.

— Sim. Não é só você que tem uma agenda muitíssimo ocupada.

— Ah, é?

— Vou dirigir minha moto.

— E o que mais? — sua voz ia abaixando aos pouquinhos.

— Melhorar minha mira — e eu o acompanhava.

— Mais alguma coisa?

— Evoluir meus gatos.

— Você é muito ocupado!

— Sou mesmo. E pra isso acontecer vou ter que ir embora.

— Vai?

— Vou.

— Tudo bem. Vou te ver indo então.

— Ok...

Eu sei que era a minha deixa de desligar, mas não consegui parar de encarar o rostinho sereno do outro lado da tela. Na verdade, me aconcheguei à minha cama novamente, disposto a ficar mais alguns pares de horas só o observando.

— Não vai desligar? — ele perguntou com um divertimento perambulando sua face.

— Sou muito ocupado para isso.

— Então, eu vou desligar.

Eu só acenei com a cabeça e esperei pelo fim da ligação, que demorou algum tempo para acontecer. Não sei se precisou de um minuto ou dois, mas sei que Adrien ficou ali, paradinho, com as íris verdes piscando para mim de um jeitinho amável, parecendo sonolento.

Só que ele não sentia sono. Sentia calma. Descanso. E eu sei disso porque tive a mesma sensação naqueles últimos segundos da chamada.

Por isso não sei se foram precisos mais que alguns simples minutos para a tela do meu celular parar de ser o rosto do loirinho e voltar a se tornar minha tela inicial, porque me sentia n êxtase de férias onde o tempo sofria de um paradoxo em que ele corria lento e rápido.

Mas quando o celular vibrou indicando que a bateria estava acabando eu saí daquele momento estranho. Me sentei na cama mais uma vez e encarei minhas próprias tarefas: uma guitarra com cordas pra trocar e deveres de casa para fazer.

[#]

Mais tarde, sem querer, enquanto afinava os acordes, me peguei tentando reproduzir os sons externos de Adrien naquele instrumento. Porém não fazia sentido.

Esses sons que ele fazia eram adoráveis, alegres e surpreendentes como um ukulele. Não era densos e elétricos feito uma guitarra.

Eu precisava de um ukulele para mostrar a Adrien o som de sua risada na próxima vez que nos encontrarmos.

Notes:

Ufa! que difícil fazer esse sair! tentando fazer esse capítulo criei o rascunho dos 2 próximos e a futurissima cena do beijo, mas ele mesmo tava complicado 🫠
não foi como imaginei, mas não podia adiar mais!
Sei que está enorme, perdão! Só que provável que a média de palavras futuras será entre 3-5k mesmo t:
tenho planinhos hihi