Chapter 1: Old Money.
Chapter Text
Old Money – Lana Del Rey
“O amor do meu pai sempre foi forte
O glamour da minha mãe vive eternamente
Ainda assim, por dentro eu me sentia sozinha
Por razões desconhecidas por mim”
*
— Já posso ser liberada, então? – Dahyun perguntava sem paciência ao diretor.
Estava na diretoria por um motivo nada novo: fez mais uma besteira. Junto de suas amigas, Dahyun colou todas as tampas das privadas de todos os banheiros, causando uma baderna por toda a escola.
Ela riu na hora, mas sua felicidade durou poucos minutos. Estava claro que não tinha a menor pretensão de manter uma identidade secreta, afinal sabe que existem câmeras por todos os lados e logo descobririam o autor da peripécia da vez. O diretor Wang rapidamente apareceu atrás de si com uma cara de poucos amigos e catou a coreana sapeca pelo ombro em direção a sua sala.
No recinto, Kim escutou as mesmas palavras de sempre e bocejou propositalmente em muitos momentos. Tentava retrucar, dizendo ter sido um acidente, mas não se esforçava muito para dar à mentira um ar convincente e acabava rindo ao final de cada frase.
Cansado, Wang disse que resolveria tal brincadeira de outra forma, já que a jovem estava irredutível. Pegou o telefone fixo que ficava sempre em sua mesa e digitou os números que já sabia de cor. Ligou para o pai de Dahyun, mas sem sucesso. Tentou o número de sua mãe, mas obteve o mesmo resultado. Kim já estava esparramada na cadeira, impaciente e só queria sair dali, ir pra sala de aula e dormir uma soneca longa na carteira.
— Kim Dahyun? – O homem alto, de voz rouca, cabelos grisalhos e expressão irritada quebrou o silêncio. – Seus pais não atendem por nada.
— Eu disse que era perda de tempo ligar pra eles, você não quis me ouvir... – Deu de ombros.
— Não consigo entender... – A menina franziu o cenho esperando que o senhor terminasse a sentença. – Sei que são ocupados, mas se os vi duas vezes pelo colégio esse ano, foi muito.
— Eu moro com eles e acho que você já os viu mais que eu. – Riu debochada.
— Por que fez aquilo?
— De novo esse papo, tio? – Usou um linguajar inapropriado e logo sentiu o olhar de Wang queimar sobre si. – Desculpe, senhor.
— Dahyun, só queria entender porque tanta rebeldia. – Disse logo depois de bebericar um tanto de água. Já era seu terceiro copo desde que começaram essa conversa. – Pode me explicar?
— Sei o que quer ouvir, então não vou falar nada. A verdade não vai lhe agradar.
— Me diga o motivo real, mesmo que eu não goste disso.
— É divertido. – Disse simples com olhar de desdém.
O homem ouviu a frase e deu para perceber que a menina estava certa: o diretor realmente não queria ouvir aquilo. Se irritou um pouco mais por estar sem solução alguma de como deter as rebeldias da jovem.
— Mandarei uma advertência por você, ok? Exijo falar com seus pais amanhã, caso contrário você não entra na escola.
— Que piada!
— Estou falando sério, Kim.
— Eu também. Diretor, eu sei que é um saco ouvir isso, mas o senhor precisa aceitar que meus pais não vão vir aqui nem fod-
O homem tossiu com os olhos arregalados quando a coreana começou a falar de maneira chula em sua presença.
— Nem ferrando! – Consertou de imediato. – De qualquer forma, cadê o papelzinho? – Se referiu à advertência impressa que levaria.
— Pegue com a secretária. – Ele levantou e se direcionou até a porta, Dahyun o seguiu. – Pode ir para aula. Não apronte mais nada, hm?
— Valeu... – Disse colocando a mochila nas costas e passando pelo homem.
Seguiu o caminho quase vazio até sua sala, afinal os alunos já estavam tendo aula.
Estava claro na mente de Dahyun que esse aviso do diretor e essa advertência direcionada aos pais não iriam fazer diferença alguma. A menina continuaria com sua mania incansável de caçoar e pregar peças na escola inteira, com ou sem ajuda.
Era rotina: toda semana pelo menos uma vez Dahyun fazia alguma gracinha e em todas aulas dormia ao menos uma vez no dia. Era curioso como suas notas sempre foram altas, mas compreensível que nunca tenha pego o primeiro lugar.
Mas essa última parte tem uma explicação por fora, algo que não depende da coreana e nem de seus maus hábitos. O motivo é Minatozaki Sana. A japonesa é estudiosa e o prodígio do colégio desde o fundamental. Ela e Dahyun nunca se bicaram, mas nunca tiveram nenhum conflito oficial ou uma razão lógica.
As duas são o completo oposto, exceto quando o assunto é festa. Ambas são exatamente iguais nesse sentido. Vivem o momento e curtem como se o mundo fosse acabar. Talvez para alguma delas isso fosse melhor.
— Podem abrir o livro na página 65. – A professora ordena e todos fazem como solicitado.
— Acho que vou rodar nessa matéria, sério. – Tzuyu diz com um olhar desesperado. – Pode me ajudar a estudar isso, Sana?
— Claro que sim, só vou checar minha agenda. – Suspirou cansada. – Sabe, os treinos e os estudos estão me consumindo.
— Você devia descansar um pouco, sabia?
— Eu concordo plenamente contigo! – Sorriu largo. Já sabia o que se passava na cabeça da taiwanesa e por isso a felicidade misturada com empolgação consumiu seu corpo. – Onde pode ser?
— Na casa de alguém ou numa boate.
— Gosto da ideia da boate. – Piscou. – Sabe aquela que fomos no aniversário da Mina? – A mais nova assentiu. – Quero voltar lá.
— É uma boa pedida.
— Chou Tzuyu? – A professora interrompe o papo empolgado das duas amigas. – Pode me responder como fica a nomenclatura desse composto orgânico aqui?
— Não sei, professora... – Respondeu cabisbaixa.
— Então por que a conversa, hm? – Retrucou rígida.
— É um 2-metilpentano. – Sana respondeu de prontidão.
— Muito bem, Minatozaki. – Sorriu ao ouvir a resposta correta.
As amigas encerraram o papo e se voltaram ao quadro branco cheio de fórmulas e elementos químicos escritos. Tzuyu tinha uma cara de cachorro que caiu da mudança, estava desolada por olhar aquelas letras e números sem entender o rumo do assunto. Sana, por outro lado, copiava o que estava escrito por hábito apenas, afinal já sabia da matéria.
Química não é sua inimiga, lida bem com ela, mas não morre de amores. Sua paixão mesmo é literatura. Sana ama escrever e ler, talvez esse seja seu hobbie favorito. Quando está sozinha e livre, gosta de usar o tempo para praticar a escrita e a leitura.
Seu livro favorito é o pequeno príncipe, mesmo que com uma linguagem fácil e seja uma obra voltada ao público infantil. A história foi apresentada à Sana quando ela tinha apenas 5 anos de idade. Sua mãe trouxe de uma viagem que fez a França e leu tudo para a filha numa única noite.
Desde então, Sana relê sempre que sente saudades de sua progenitora, já que a mesma faleceu no ano seguinte a entrega do presente para a filha, vítima de um acidente. Não foi algo traumático para a menina, afinal era muito nova e as poucas memórias que restaram com a mãe são boas. Seu pai a ajudou muito nesse processo e os dois superaram o luto com mais amor. São realmente um alicerce um para o outro.
Com 9 anos de idade, Sana conheceu uma mulher que viria a ser sua madrasta, essa não é num um pouco parecida com sua mãe. Elas não se gostam e a menor não faz questão de esconder isso, apenas aguenta tudo, pois quer ver seu pai feliz com quem ele ama.
Do outro lado da sala, Dahyun tentava a todo custo deitar sob a mesa, pois sua cabeça doía mais que tudo naquela manhã. Talvez o motivo seja a noite mal dormida, já que quando pregou os olhos, o relógio marcava 4 horas da madrugada. Para insatisfação de Dahyun, sua melhor amiga não a deixava cair no sono, continuava puxando assunto.
— Bro, se liga. – Chaeyoung passou seu celular para amiga disfarçadamente por baixo da cadeira. – Essa é a mina que eu ‘tô afim. – Disse sorridente quando sua amiga pôde ver a foto finalmente. – O que cê achou?
— É a Somi da turma B? – Arregalou os olhos. – Mano, não acredito!
— Ela mesma... – Soou maliciosa propositalmente. – Sabe de quem ela é irmã, certo?
— Todo mundo na escola sabe, cara. – Revirou os olhos. – Quem não conhece a Hirai?
A líder de torcida mais comentada e popular da escola. Líder das líderes, Hirai Momo. Era uma morena não tão alta de cabelo liso e franja, tinha o corpo malhado e o mais invejado de todo o colégio. Era admirada por todos, mas já tinha dona: Myoui Mina. Outra japonesa e também outra líder de torcida.
Dahyun não conhecia muito das duas, nem de nenhuma outra daquele grupo, mas detestava todas as líderes de torcida fielmente. O motivo nem ela sabia ao certo, mas era claro que ninguém ali se bicava.
A que mais lhe irritava era Sana. Sempre a primeira da turma e quem mais a olha com desdém. A mesma japonesa já deixou claro o quanto detesta o jeito de Dahyun e sempre vota contra tudo que é proposto pela coreana nas reuniões de turma.
Isso só serviu, é claro, para fomentar a rincha entre as duas. Sana é exatamente o estereótipo de menina perfeita, o que Dahyun não suporta, obviamente. Ser queridinha por todos, sempre a que tem razão, o estilo de patricinha, tudo isso faz o sangue da coreana ferver.
— Vou chamar a Somi para sair hoje à noite. – Levantou as sobrancelhas animada. – Por que não vem junto?
— E segurar vela? Enlouqueceu, Chaeyoung? – Negou forte com a cabeça.
— Quero dizer, você vai conosco, mas sai de perto, aí volta se arranjar alguma menina ou, quem sabe, já sai de casa com uma. – Piscou maliciosa. – Não tem quem chamar?
— Você sabe que não.
— Qual foi, Dubu? – Disse irritada. – Um monte de menina te dá bola, mas você recusa todas, nem beijo você dá direito!
— Não tenho paciência para isso.
— Quer enganar quem? – Disse com tom reprovador. – E aquela menina que você gostou outra vez? – A coreana devolveu o olhar. – Como era mesmo o nome?
— Não lembro.
— Yeri! – Estalou os dedos. – Yeri era o nome. Você gostou dela um tempo, depois largou a menina do nada. Por que esse medo de relacionamento, hein?
— Que assunto chato... – Revirou os olhos. – Por que não prestamos atenção na aula?
— Eu já rodei nessa matéria mesmo, o que adianta agora?
— Sabe que eu poderia te ajudar, basta você querer. – Falou satisfeita por ter conseguido mudar de assunto.
Son Chaeyoung era sua melhor amiga, mas não podia negar que o que tinha de divertida, bonita e talentosa, não tinha de inteligência para as matérias escolares. A coreana mais nova adorava desenhar, pintar, esculpir. Sempre foi adepta à arte e passou a odiar frequentar a escola quando artes deixou de fazer parte da grade curricular.
Isso foi no sétimo ano. Na mesma época que desistia dos estudos, conhecia Dahyun. As duas viraram amigas rapidamente e não desgrudaram mais. Apesar disso, Dahyun nunca gostou de tocar em assuntos que envolviam o coração, sentimento, amor, etc. Ela não admitia para ninguém, nem pra si mesma, mas tinha um bloqueio emocional forte.
A culpa disso, com certeza, é parental. Seus pais são muito ocupados, donos de um escritório de renome em Seul e ótimos advogados. Vivem com casos grandes nas mãos e uma papelada sem fim impede os três de ter uma relação boa. Não há brigas, nem conflitos. O que realmente é problema é a falta de afeto para com Dahyun.
Kim Yeri foi uma menina que fisgou o coração de Dahyun no início do ensino médio, a coreana já esqueceu sua paixão, mesmo que tenha sido a primeira. Mas sua amiga insiste em relembrar, o que a deixa muito incomodada, mas não consegue avisar sobre isso.
Dahyun quase namorou a Yeri, porém tudo foi subitamente encerrado pela própria quando notou ter sentimentos demais pela mais nova. Pulou fora de imediato, as relações foram cortadas e por sorte, Yeri se mudou de Seul para o Ocidente. Desde então nunca mais se falaram.
— Eu dispenso as aulas particulares por hoje, mas agradeço se ainda estiver disposta amanhã. – Respondeu esperançosa.
— Marcado para amanhã, então.
— O que tem amanhã? – Jeongyeon cutuca o ombro de Dahyun curiosa. – Vão me excluir?
— Não é nada interessante. – Respondeu.
— Me conte mesmo assim, oras! – Riu.
— Chaeyoung quer reforço em química.
— Realmente, nada interessante. – Bufou revirando os olhos. – O que deu na sala do Wang?
— Nada, como sempre. – Falou a Kim, orgulhosa.
— Você é muito sortuda, sério. Se fosse eu, com certeza levaria suspensão, no mínimo.
— De nada por livrar sua pele.
— Você tem que usar o sobrenome ao seu favor, realmente. – Yoo continuou. – Te ajudei no lance do banheiro e se fosse pega, minha mãe me deixaria sem mesada por meses! – Deitou-se na cadeira fazendo drama.
— Você tem razão. – Concordou com a cabeça. – Ser filha dos Kim tem suas vantagens.
Yoo Jeongyeon era a amiga mais velha de Dahyun. Estava um ano atrasada nos estudos, mas o motivo não é tão simples como ter repetido a turma, não. As coisas na família Yoo são bem mais profundas.
O pai de Jeongyeon, político famoso, se envolveu em um escândalo de corrupção. Sua mãe e irmãos se mudaram para Daejeon, onde passaram 365 dias longe dos holofotes da capital, abafando o caso e evitando futuros traumas para os menores.
O pai de Jeongyeon, por outro lado, não seguiu viagem com a família. Yoo Suhyeok foi preso e ainda está sob custódia do Estado da Coreia.
— Dubu, por que não saímos mais tarde? – Jihyo vira para o lado para falar com sua amiga que senta à sua direita. – Tô afim de beber.
— Eu topo! – Sorriu largo. – Na boate do seu tio?
— Claro. – Mexeu as sobrancelhas para cima e para baixo rapidamente. Ficou empolgada só de imaginar como seria a noite de bebedeira com as amigas. – Chama geral. – Nesse caso, o “geral” tem quantidade certa.
Dahyun, Chaeyoung, Jeongyeon, Jihyo, Seulgi e Seungsik são os integrantes do grupo. Os 6 são próximos desde antes do ensino médio, sempre aprontaram de tudo na escola e nunca foram severamente punidos por isso, afinal têm sobrenome.
Jihyo era a mais responsável dos seis, tinha limites. Talvez por ter sido criada de forma rigorosa e sem os pais, aprendeu desde cedo a como se comportar. Apesar da mente bem madura, isso não impede, nem nunca impediu, a Park de fazer besteira e farrear por aí. Tem seus limites, mas não é difícil convencê-la a ultrapassá-los.
Foi criada pelo tio, dono de uma rede de supermercados e boates espalhadas pela capital. Não chega nem perto de ser rica como os amigos, mas está longe de ser pobre também. Vive bem e livre, já que por ser tão dedicada aos estudos, trabalho e ao seu tio, ganhou sua confiança.
Os outros dois, Seulgi e Seungsik, dois irmãos gêmeos que são, basicamente, a personificação a palavra “mimado”, são filhos únicos e de pais médicos. Os Kang raramente são punidos pelas peripécias que a Dahyun propõe.
Parecidos não só na aparência, mas no azar também. Seungsik é gay e Seulgi lésbica. O problema na vida perfeita dos gêmeos vem quando são arrancados do armário e os pais descobrem. Conservadores, rígidos e brutos, os Kang mais velhos não perdoam tal acontecido e punem severamente os filhos.
Foi um trauma e tanto, o que causou a motivação deles em não pararem quietos e sempre fazer alguma idiotice quando solicitados.
Assim, o grupo de Dahyun se formou. Jovens com conflitos internos apenas querendo uma maneira de externalizar e aliviar tais dores. Kim pela falta de atenção e afeto, Yoo pela prisão do pai, Park pelo abandono dos pais, os Kang pelo preconceito e Chaeyoung simplesmente porque acha divertido zoar com todo mundo.
*
— Você viu a Seulgi por aí? – Jihyo voltou-se novamente para Dahyun.
— Não depois do rolê do banheiro, por quê?
— Ela sumiu, cara. – Parecia preocupada e contagiou a mais nova com a aflição. – Tenho medo que esteja acontecendo de novo.
— Ela comeu hoje cedo?
— Uma maçã.
— Droga! – Grunhiu tensa. – Vamos no banheiro conferir?
A mais velha apenas assentiu rapidamente balançando a cabeça e Dahyun logo se levantou da cadeira, saindo da sala na companhia de sua amiga. Seguiram na direção do banheiro mais próximo, mas se fosse preciso, iam vasculhar todos. A preocupação delas era evidente e o motivo valia toda essa emoção.
Seulgi sofria de bulimia. Infelizmente, uma pressão estética também era aplicada pelos pais. Seungsik não sofre com isso, mas a menina não conseguiu resistir a tanta tortura.
Episódios graves dos amigos encontrando a Kang fraca, hospitalizada, desmaiada ou doente eram comuns. Seulgi vomitava sempre que sua mente conseguia lhe controlar, mesmo que tenha tido uma refeição pequena ou saudável. Ninguém conseguia prever, somente notavam que algo estava errado quando, infelizmente, já tinha acontecido.
Chegaram ao banheiro e, por sorte, encontraram sua amiga. A menina estava na última cabine, sentada na privada fechada e com a mão sobre a barriga. Suava frio e tinha a pele pálida. Sua expressão era triste e partiu o coração das outras duas.
Preocupadas, logo avisaram a Seungsik o que tinha acontecido, o mesmo buscou a irmã e a levou para casa. Foi uma ação mais demorada do que parece, mas ao menos conseguiram ajudar a coreana. Por hora.
— Só deu tempo entregarmos ela ao irmão que o sinal tocou. – Dahyun dizia exausta. – Ainda está de pé na boate?
— Cara, como pode pensar nisso agora com a Seulgi mal? – Jihyo disse.
— Fizemos o que podíamos, ela vai ficar bem. – Suspirou impaciente pela fila de alunos que demorava a sair da sala. – Além de que eu não disse nada de mais.
— Eu sei, é só... Desculpe. – Deu um meio sorriso. – Fiquei nervosa por ela, você me entende, certo?
— Claro. – Empurrou de leve a amiga como forma de consolar a mesma. – De novo, ainda está de pé na boate?
— Se a Seulgi estiver bem, sim.
— Ela vai estar, pode apostar.
— O que tem na boate? – Chaeyoung se aproximou quando finalmente estavam do lado de fora da sala. – Não me digam que é rolê!
— Exatamente! – Respondeu a melhor amiga com um largo sorriso no rosto. – Acho que é disso que preciso.
— Só vou se for na boate do seu tio, Hyo. – Yoo apareceu atrás das três. – É lá?
— Claro que sim. – Disse satisfeita. – Onde mais seria? Bebida de graça, boa música e liberdade. Onde poderíamos achar um lugar assim?
— Tem razão, amo seu tio. – Continuavam a conversa.
Dahyun se desligou um pouco do papo das amigas e pensou sobre o ocorrido com a Seulgi, depois na bronca do diretor, depois na advertência e por fim sua mente lhe levou ao encontro de seus pais com o Wang.
Sentiu medo pela primeira vez em relação a algo que fez de errado. Antes as broncas, por mais chatas e duras que fossem, se encerravam ali. Nenhuma ligação feita pelo diretor nunca fora atendida, fazendo o homem mais velho desistir de continuar a discussão.
Dessa vez não foi assim.
Esforça seu cérebro a mudar o rumo dos pensamentos e volta, com dificuldade, a prestar atenção no papo de suas amigas. Faz algumas brincadeiras com as mesmas, ri e se diverte. Ela não admitia com frequência, mas amava todas elas e não viveria sem.
*
— Como eu estou? – Momo disse se virando para Mina. – A roupa caiu bem em mim?
— Está linda, meu amor. – Sorriu e lhe deu um selinho. – Vamos?
— Bora! – Catou a menina pela mão e as duas seguiram até o carro.
Do lado de fora, já dentro do automóvel, Sana, Nayeon e Tzuyu conversavam sobre qualquer assunto aleatório. O papo era divertido, afinal era possível ouvir suas risadas antes mesmo de entrar no carro.
Sorrisos no rosto, roupas bonitas, maquiagens feitas e cheirando a perfumes caros, as 5 amigas saem juntas no carro de Tzuyu em direção a tal boate da vez.
Nayeon, que está no banco da frente ao lado da motorista, já carrega em uma das mãos uma garrafa de gin e vira a mesma várias vezes seguidas durante o percurso. Já está animada, para não dizer bêbada, e fala alto com todas do carro, além de querer papear com os pedestres que o veículo cruza pelo caminho.
Momo e Mina levam o tempo em namorar, o casal mais fogoso de todos os tempos. No banco de trás, sentadas lado a lado, se beijam sem parar e do jeito mais feroz possível. Sana, na outra janela, último banco vago, olha a paisagem composta de asfalto, prédio e carros, apenas esperando ansiosamente pela noite agitada.
— Chegamos. – A taiwanesa avisa estacionando o veículo. – Se comportem, animais. – Falou rindo alto.
— Me comportar? – Sana retruca. – Você acha que vim até aqui para isso? Chou Tzuyu... Você como minha melhor amiga devia me conhecer melhor. Hoje tudo que eu quero é me comportar mal!
— Certo, certo. Só não quero vômito no meu carro. – Falou enquanto iam em direção a entrada.
— Sabe que não bebo muito, apenas socialmente, e só fiquei bêbada duas vezes em toda a minha vida. – Falou orgulhosa.
— Sana, você não bebe porque não precisa! – Nayeon se meteu. – Na verdade, devia existir uma lei proibindo sua embriaguez.
— Por quê? – Perguntou a japonesa.
— Se sóbria já não vale nada e é louca, imagine bêbada! – Soltou um riso alto.
— Eu adoro ser assim. – Piscou sedutora. – Por que não vem dançar comigo? – Falou assim que entraram de vez na boate. – Eu te conduzo, linda.
— Valeu, mas não quero ser vista com você, isso vai espantar meus pretendentes.
— Espantar? Está me chamando de desinteressante? – Fingiu mágoa colocando a mão no peito. – Vou chorar aqui mesmo, Im Nayeon!
— Vão pensar que somos um casal, tonta! – Empurrou a mais nova rindo. – Vou pegar mais bebida, fui! – Se retirou.
— Vocês não querem achar uma mesa, não? – Momo perguntou. – A gente senta, faz os pedidos, conversa um pouco...
— Podem fazer isso com essa menina aqui, não eu. – Sana respondeu empurrando sua melhor amiga como oferta. – Vou dançar, isso sim.
— Eu não vou ficar aqui vendo vocês se comerem, obrigada. – A taiwanesa respondeu com expressão de nojo. – Vou ver minha menina, se ela já tiver chegado... – Pareceu procurar alguém.
— Quando vai apresentar sua peguete pra gente, Tzuyu? – Mina perguntou. – Tô começando a desconfiar dessa menina. Ela é real mesmo? – Riu.
— Claro que é, porra. Só é tímida, não posso sair falando dela por aí. Quando ela estiver pronta, vai aparecer.
— Que mistério... – Fez som de fantasma com a boca. – Será que ela não é uma alucinação sua, hein?
— Vai catar coquinho, Mina! – Deu risada junto da japonesa. – Vou beber, é melhor do que escutar suas besteiras.
A menina saiu de lá indo em direção ao barzinho. Na bancada, sentada na cadeira afrente, estava Sana. Sentou-se ao seu lado, pediu um drink e as duas começaram a conversar novamente.
— Ela não chegou ainda? – A japonesa falou.
— Ainda não... – Respondeu cabisbaixa.
— Isso tudo é saudade? – Deu uma risada fraca. – Nunca te vi tão boba por alguém, Tzu. Jihyo tem sorte de namorar você.
— Queria que todos soubessem do nosso namoro, sério. Não aguento mais esconder, nem aturar as piadinhas da galera...
— Qual foi? – Levantou uma das sobrancelhas embasbacada. – Sabia que Jihyo não era assumida e tinha problemas em relação a isso, você aceitou as condições dela, pode parar com isso, viu?
— Não posso ficar deprimida por querer assumir minha namorada para toda a Coreia?
— Claro que pode, só não deixa isso te consumir, ok? – Piscou. – Nada merece tirar o nosso bom humor.
— Você acredita realmente nisso?
— Claro, por quê?
— E se eu disser que uma pessoa nada amada por você chegou? – Olhou por cima do ombro da amiga, apontando para garota que entrara no salão.
— Não...
Era Dahyun. Cercada pelo seu grupo que tanto aborrecia a japonesa. Chegou sorridente, vestida de roupas largas e cabelo solto desarrumado. Já tinha um copo de bebida na mão e Sana sentiu nojo só de imaginar que se não fosse um lugar fechado, com certeza na outra teria um cigarro.
Detestou a ideia de dividir o ambiente com aquela coreana e seus amigos, afinal já os via todos os dias no colégio. Queria um folga do rosto da Kim, de seu jeito e dos que a cercam, mas não podia controlar isso, infelizmente.
O que também irritava Sana é que nunca conseguiu ter o mínimo de poder sobre Dahyun. Mesmo que já tenha tentado em ações sutis uma ou duas vezes, a coreana sempre dava um jeito de se safar e agir como se não ligasse para presença da Minatozaki. E meu deus, como a japonesa odiava não ser notada ou atendida.
— Porra, por que ela tem que aparecer até aqui? – Bufou irritada. – A noite acabou de acabar para mim...
— Qual foi, Sana? – Sua melhor amiga sacudiu seus ombros rapidamente. – Levanta, vai dançar, beijar na boca, curtir. Você veio aqui para isso, certo?
— É... – Revirou os olhos.
— Então pronto! – Sorriu. – Agora, mesmo que isso te desagrade, com a Dahyun chegou a Jihyo, então você acaba de perder minha ilustre companhia. – Estalou a língua e piscou o olho esquerdo saindo em seguida.
“Ótimo, vou ficar sem minha melhor amiga na festa e ainda terei que olhar para a cara da Kim.”
Levantou de onde estava sentada, resolvendo fazer o que sua amiga aconselhou e saiu em direção a pista de dança. Tocava alguma música eletrônica americana, não sabia a letra corretamente, mas isso não a impediu de reproduzir os sons e se divertir muito mesmo assim.
Dançou, cantou, berrou e ainda conversou com quem a parou em algum momento para lhe passar uma cantada. Sana nunca namorou, nem sentiu falta disso. Na verdade, nunca gostou tanto de alguém a ponto de começar um relacionamento. Além de que a japonesa é muito focada nos estudos, almeja uma profissão cobiçada e por isso não quer se distrair por nada, nem por ninguém.
Mesmo que dispense namoro, não nega diversão. A Minatozaki saiu de casa com o pensamento de curtir ao máximo, isso envolve beber, dançar, beijar... E foi o que fez. Mirou no primeiro carinha que achou interessante e o beijou assim que ele lhe deu abertura. Mais um tempinho depois, avistou um rosto feminino conhecido e se aproximou. Era Jennie do grupo das líderes de torcida. As duas já ficaram um tempinho atrás e permaneciam solteiras, nada melhor que juntar o útil ao agradável.
*
Cansada depois de tanto aproveitar, Sana sai da boate a procura de ar fresco. Não está sóbria, mas também não está bêbada. Se afasta das pessoas que rodeiam a parte da frente da casa de festas e segue a procura de um lugar em que possa descansar.
— Ah não... – Pensou em voz alta quando chegou na parte de trás da boate e vê Dahyun. – Já ‘tô saindo.
— O que foi, menina? – Se virou de encontro a voz que ainda não sabia a quem pertencia. – Sana?
— Meu nome. – Continuava parada atrás da coreana.
— O que faz aqui?
— Não faço nada, já estou saindo.
— Beleza, então. – Deu de ombros. – Menina doida... – Sussurrou a última frase, mas a garota ouviu.
— Quer saber? Vou ficar aqui. – Falava aborrecida. – Tem alguém sentado aqui? – Se referiu a cadeira vazia que tinha ao lado de Dahyun.
— Está vendo alguém? – Riu sapeca, provocando. – Não tem ninguém, não.
A mais nova estava sentada na outra cadeira e olhava para o céu fixamente, ou para qualquer outra coisa se ela ainda tiver um pouco de consciência. Tinha uma garrafa de whisky no chão ao seu lado, mas estava praticamente cheia, talvez com duas ou três doses a menos.
Na mão segurava um cigarro fino e curto. Seu rosto estava sereno e tranquilo, seus olhos vermelhos e seu humor era o melhor possível. Dahyun não fumava cigarro comum, apenas de vez em quando usava maconha. Hoje foi um desses dias.
— Que troço é esse que você tá fumando? – A japonesa quebrou o breve silêncio que tinha se instalado.
— Sei lá.
— Como não sabe?
— Ele não me disse o que era, nem eu perguntei. – Deu de ombros rindo.
— Qual o seu problema, garota? – Falou aborrecida. – Não consegue responder uma pergunta seriamente?
— Eu não gosto de coisas sérias demais, entende? – Desviou o olhar do céu para olhar a menina esquentadinha que tinha acabado de sentar ali. – O que você quer aqui, afinal?
— Nem eu sei. – Se levantou. – Queria descansar e tomar um ar fresco, mas não posso por conta desse seu cigarro idiota!
— Ele já está acabado... Só um segundinho. – Tragou mais uma vez, segurou a fumaça por uns poucos segundos, depois soltou e logo jogou o cigarro no chão. – Pronto. Fim.
— De qualquer forma, já vou. Queria ficar sozinha mesmo.
— Ué, olha o tamanho disso tuuudo. – Abriu os braços e apontou. – Só escolher seu quadrado e ficar nele. – Piscou.
— Queria ficar aqui, mas você já está. – Disse gesticulando. – Droga, por que tinha que aparecer até aqui?
— Não seja por isso, Minatozaki Sana. – Se levantou. – Pode sentar. – Apontou para a cadeira. – Seu papo é chato demais, já me cansou. Vou nessa. – Estalou a língua, deu “tchau” com as mãos e se retirou.
Sana ficou boquiaberta. Odiou aquela fala, aquele gesto, aquele ato. Odiou os minutos que conversou com a Kim, odiou tudo. Queria voltar no tempo, sumir, ir para casa. Aquela menina realmente a tirava do sério e não conseguia controlar isso.
A contraponto, sentou-se na cadeira novamente e curtiu seu momento como tanto queria um tempinho atrás. Observou o céu escuro e estrelado, respirou fundo aquele ar que ainda tinha o cheiro da coreana ou do que ela fumou, e relaxou um instante.
— Sana? – Nayeon chega interrompendo o momento namastê da japonesa. – O que faz aqui, caralho? – Disse sorridente e animada demais.
— Descansando. Por que?
— Vamos lá para dentro, ‘tá rolando um negócio que não consigo nem te explicar. – Riu. – Você precisa ir.
— O que é?
— Competição de drink, muita dança e gritaria, em resumo. – Bateu palmas. – Vamos?
— Meu deus... – Bateu a mão na testa. – Como nós vamos para escola amanhã desse jeito?
Era quinta-feira. Não era o dia para festejar desse tanto, obviamente, mas isso, por mais que tenha preocupado a Sana por um momento, logo foi esquecido pela mesma quando sua amiga a puxou e a levou para dentro da boate.
Quando a mais nova ouviu a música alta novamente, chegou perto dos amigos, virou um shot e dançou um pouco mais, pensou que não importava colégio, notas, nada. Ela tinha que curtir como o último dia de sua vida.
*
“O poder da juventude está em minha mente
Pôr do Sol, cidade pequena, meu tempo acabou
Você ainda vai me amar quando eu brilhar
Pelas palavras, não pela beleza?”
Chapter 2: Gods&Monsters.
Chapter Text
Gods&Monsters – Lana Del Rey
“Você tem aquele remédio que eu preciso
Narcótico, injete-o
Bem direto no coração, por favor
Eu não quero saber o que é bom para mim”
*
Amanhece na grande capital da Coreia do Sul. Mais um dia de trabalho para alguns, mais um dia de estudo para outros e mais um dia difícil para Kim Dahyun.
Apesar de curtir até a madrugada no bar com seus amigos, o alarme de seu celular toca, indicando que nem tudo são flores e precisará, finalmente, arcar com as consequências de seus atos.
— Vamos, Dahyun. – O pai da menina diz, se levantando da mesa devidamente posta, porém já mexida, afinal os Kim já tinham tomado seu café matinal.
— Vai me levar hoje? – Deixou transparecer que estava surpresa.
— Eu vi o bilhete. – Olhou para menina com aborrecimento estampado em sua face.
Dahyun tinha deixado o papelzinho que recebeu do diretor na mesa do escritório dos seus pais. Torceu para que voasse, que eles não lessem ou, na melhor das hipóteses, não dessem a mínima para a folha. Mas não foi o que aconteceu, para o azar da garota.
— Viu, é? – Sorriu amarelo. – Desculpe por isso, pai. – Falava com um tom de nervosismo. – Não precisa ir até lá... Sabe, só dar um telefonema e tudo se resolve. Nem precisa ser você na ligação, pode pedir para uma secretária, né? – Sorriu mais uma vez tentando soar convincente.
— Entre no carro, Dahyun. – Ordenou já destravando o automóvel. – Sua mãe foi mais cedo para o escritório me cobrir, não posso perder tempo escutando suas desculpas.
— Está bravo comigo?
— Ainda não sei o que você fez. – Olhou finalmente nos olhos da menor. – Vai me contar?
Não deveria, mas um sorriso de satisfação brotou em seu rosto ao ouvir aquilo. Não deveria, mas sua mente divagou pensando em como poderia amenizar para o seu lado. Não deveria, mas já tinha pego seu celular afim de mandar mensagens para os amigos, pois tinha acabado de pensar em um plano e precisava de ajuda. Não deveria, mas iria em frente.
— Não fiz nada de mais. – Disse já teclando.
— É mesmo? – O homem soltou um risinho debochado. Estava claramente descrente do que sua filha tinha dito. – Por que fui chamado até lá, então?
— O Wang deve ter uma queda por você, só pode. – Devolveu o mesmo riso debochado.
— Dahyun... – Revirou os olhos. Não ficou chateado com a fala, tampouco com a pequena coisa que a filha alega ter feito, mesmo que não saiba do que se trata ainda, somente estava aborrecido por perder tempo indo até a escola. – Seja o que for, não repita, hm? – Olhou para a filha com um sorriso fino e gentil.
— É, pode ser. – Estava concentrada demais armando tudo com os amigos e mal prestou atenção na fala de seu pai.
*
Do outro lado da cidade, num carro de pequeno porte, estavam as estudantes mais responsáveis, populares e lindas da Escola Integral. Nayeon, Momo, Tzuyu, Sana e Mina estavam dividindo o automóvel por um motivo nobre: dormiram todas sob o mesmo teto, afinal pegar a estrada depois de beber é perigoso. Além disso, acordaram em cima da hora, ou seja, era dividir ou não ir a aula.
Com olheiras disfarçadas pela enorme quantidade de maquiagem, sono intenso e cansaço maior ainda, as cinco amigas juntam a pouca força que resta em cada uma delas e seguem firme até a entrada do colégio.
— Mais um dia, mais uma luta! – Momo disse depois de bocejar, já se encostando em Mina.
— Não queria ter vindo. – Nayeon falou, caminhando de braços cruzados ao lado das outras e usando óculos escuros tão potentes que era possível dizer que o mundo, aos olhos da Im, estava em modo noturno.
— Parem de se lamentar, a vida é só uma! – Tzuyu falou num humor completamente diferente do das outras, estando feliz e animada mesmo com a ressaca.
— Você diz isso porquê beijou sua namorada ontem. – Mina respondeu. – Se é que ela existe mesmo... – Deu riso fraco. – Não aguento mais esperar para conhecer a azarada!
— Me respeita? – Retrucou a taiwanesa. – E sim, estou feliz por isso mesmo. Ela beija muito bem, se querem saber.
— Não queremos. – Nayeon apressou o passo. – E falem mais baixo, pelo amor de Deus! – Implorou.
Im Nayeon era a amiga mais velha de Sana, mas não era uma diferença significativa, apenas alguns meses as separavam. Filha de uma modelo conhecida, é amiga da Minatozaki desde que tem memória e isso, com certeza, se deve aos inúmeros eventos que as duas famílias sempre acabavam se encontrando. Inquieta, alegre, extrovertida, vaidosa e, claro, exagerada são os adjetivos que melhor podem descrever a coreana.
— A gente vai se atrasar, se vocês continuarem andando feito tartarugas! – Sana finalmente disse algo, mesmo que com dificuldade, devido ao grande mal-estar que sentia no estômago.
— Calma, Minatozaki. – Tzuyu começou. – Suas notas não vão diminuir, nem seu prestígio vai acabar por conta de 5 minutos de atraso.
Chou Tzuyu, mais conhecida pelos íntimos como Yoda, pela aparência ao personagem dos filmes, é a mais nova dentre as outras, mas a que mais tem tempo ao lado da japonesa, sendo sua melhor amiga desde que se conhecem por gente. Filha de um dos maiores empresários de Taiwan, Tzuyu está longe de ser uma menina inocente, simples ou boba. É o completo oposto.
— Fiquem para trás, vou andando com a Nayeon. – Sana disse já aumentando a velocidade de seus passos, ficando rapidamente igual com sua amiga, que se encontrava muito perto da entrada da sala de aula.
— Oh, aí estão vocês! – A professora Tiffany Young falou ao ver as duas entraram e em seguida as outras três. – Achei que teria de dar a aula de hoje para menos alunos ainda... – As cadeiras vagas foram facilmente notadas.
— Bom dia, professora. – Sana falou sorridente, mas Nayeon, que estava logo em sua frente, deu apenas um sorriso frouxo.
— Bom dia, Sana. – Respondeu. – Bom dia, alunos. – Se endireitou no meio da sala após todas sentarem. – Abram na página 58. Hoje quero que cantemos uma música. Vou analisar o inglês de vocês através dela! – Completou já ouvindo uma reclamação dos alunos.
— Qual é? – Momo disse. – Ressaca, escola e agora cantar? E CANTAR EM INGLÊS? – Revirou os olhos.
— Você esperava que na aula de inglês fossemos cantar em qual idioma? – Tzuyu disse rindo.
— Muita gente faltou hoje... – Sana falou. – A turminha da delinquente toda, inclusive. – Falou se referindo a Dahyun.
— Ei! – Tzuyu repreendeu. – A Jihyo não é delinquente. – Cochichou para a amiga.
— Desculpe, esqueci que é sua namorada. – Sana confessou baixo e rindo.
— O que será que estão aprontando agora? – Momo perguntou. – Espero que seja algo que atrapalhe essa aula, assim teremos uma folguinha. – Sorriu sapeca.
— Você é perspicaz às vezes, Hirai. – Nayeon foi ouvida de forma abafada, afinal estava encolhida na carteira, com os braços na mesa e a cabeça afundada nos mesmos, tentando cochilar a toda custo. – Meu sonho agora é ir para casa...
— Façam silêncio, vai começar! – Mina interrompeu avisando que a música que Tiffany prometeu passar já tinha iniciado.
*
Dahyun entrou na escola acompanhada de seu pai. Os alunos já estavam nas salas e tudo era quieto. O Kim passou direto para a sala do diretor, sem distrações, mas para isso pediu ajuda de sua filha, afinal não lembrava a localização exata. Wang não estava mentindo quando disse que mal via os pais da Kim menor, eles realmente iam pouco à escola.
Sentados no sofá mediano que fica perto da mesa da secretária, de frente a sala do diretor, os dois esperavam o momento certo para entrar e resolver logo a pendência da menina.
— Senhor Kim? – A secretária foi ouvida. – Houve um pequeno imprevisto e o senhor Wang pediu para que aguardasse mais um pouco que logo o recebe. Tudo bem?
— Claro. – Respondeu de imediato e com uma cara nada agradável. Não podia negar que estava verdadeiramente incomodado, dentre outros adjetivos, por perder o trabalho.
— Pai, eu vou ao banheiro, ok? – Dahyun disse e logo seu pai assentiu. Andou tão rápido até o local que quem visse de fora arriscaria dizer que estava realmente apertada, mas era tudo por um motivo diferente.
— Finalmente! – Chaeyoung disse quando viu sua amiga entrar. – Por que demorou tanto?
— Tinha que fazer sala paro meu pai, né? – Respondeu. – Beleza, todos estão aqui?
— Exceto meu irmão. – Seulgi apareceu, abrindo uma das cabines em que estava. – Você sabe, banheiro feminino... Ele é homem...
— Mas ele e a Jihyo fizeram o que eu pedi, né? – Dahyun disse com um olhar preocupado. – Conseguiram distrair o Wang, certo?
— Conseguiram, sim. – Seulgi respondeu. – Não sei por quanto tempo isso vai durar, mas eu espero que o suficiente.
Para o plano principal funcionar, foi necessário criar outro menor para distrair o diretor e dar mais tempo para o grupo de Dahyun realizar o que tanto tramaram.
— Também espero. – Dahyun disse. – Não tenho muito tempo, preciso ir rápido. – Falava freneticamente.
— Isso vai dar certo mesmo, Dubu? – Jeongyeon finalmente disse algo.
— Não sei, mas não tivemos outra ideia e preciso tentar algo. – Deu de ombros. – Vamos?
— Bora! – Responderam as três ao mesmo tempo e finalmente saíram do banheiro, deixando a Kim lá dentro.
O plano ia começar e Dahyun torcia para que tudo ocorresse bem. Andava de um lado para o outro do banheiro nervosa e apreensiva. Realmente nunca havia ficado assim.
Foi quando ouviu a porta abrir e foi de encontro a pessoa às pressas imaginando ser alguma de suas amigas avisando que deu tudo certo ou tudo errado. Para o engano da Kim, não era nenhuma de suas amigas, mas sim a pessoa que é completo oposto disso: Minatozaki Sana.
— O que você faz aqui? – Perguntou Sana.
— Não é da sua conta. – Respondeu ríspida e foi checar se havia alguém perto.
— Armando mais alguma gracinha, não é? – Arqueou uma das sobrancelhas. – Vou acabar com isso agora mesmo! – Se pôs na frente de Dahyun já voltando para porta afim de sair dali.
— Você vai dizer o que? – Agarrou o pulso da japonesa impedindo que ela continuasse o caminho.
— Dizer que você está prestes a fazer alguma barbárie. – Mexeu o braço forçando Dahyun a soltá-la.
— Eu odeio ter que te tocar, mas você não me deu outra escolha. – O cenho franzido da mais velha denunciou que ela não tinha entendido o motivo dessa frase, mas pouco importava, afinal já teria a explicação rapidamente. – Vê se cala a boca! – Dahyun se pôs atrás de Sana e colocou a mão na boca da mesma, impedindo que ela gritasse e saiu de ré até o final do banheiro.
— Me solta, porra! – O fala abafada da japonesa era apenas compreensível para Dahyun, que estava muito próxima dela.
— Como quiser. – Soltou a menina na última cabine, fazendo a mesma cair sentada na privada fechada. – Você só sai daqui quando eu conseguir terminar uma coisa.
— Que coisa?
— O que te faz pensar que eu contaria? – Sorriu debochada. – De qualquer forma, vê se cala a boca.
— Ou o que?
— Ou eu vou calar para você. – Tirou facilmente a grava que usava, já que estava acostumada. Tal peça fazia parte do uniforme e Dahyun raramente dava o nó direito.
— Vai amarrar minha boca? – Sana perguntou com um tom esnobe.
— Só se você não fizer a gentileza de ficar calada nesse caralho. – Mostrou a gravata novamente como uma súplica, quase uma ordem, para a Minatozaki se calar.
— Grossa. – Falou baixinho, mas Dahyun ouviu e ia retrucar, isso se Chaeyoung não tivesse entrado tão vorazmente pela porta.
— Bro, tudo pronto. – Falou sorridente. – Vai logo!
— Cuida de uma coisinha aqui para mim? – Dahyun perguntou, apontando para o box onde Sana estava. – ‘Tá ameaçando contar o que estamos fazendo, mesmo que nem saiba o que é. – Falou passando pela amiga e entregando a gravata. – Isso é se caso ela resolver falar alto ou coisa assim. – Saiu.
Dahyun ajeitou a roupa e o cabelo mais uma vez antes de finalmente passar pela entrada sem porta do local onde a secretária ficava e finalmente encontrar seu pai.
— Voltei. – Falou sentando ao lado do homem no sofá.
— Por que demorou tan... – Interrompeu a si mesmo quando levantou o olhar e deu cara com sua filha. – Cadê sua gravata?
— Minha o quê? – Perguntou confusa, olhou pra baixo e lembrou que saiu daqui com ela, mas a deixou no banheiro por uma razão que seu pai não pode nem sonhar. – Minha gravata? É... Ela... Sujou. Isso, sujou.
— Como assim?
— No banheiro. – Sorriu amarelo. Ninguém a deixava mais sem graça que os próprios pais. Era difícil enrolar dois advogados e pior ainda quando eles são seus pais.
— Hm. – Falou convencido.
— Senhor Kim? – Wang apareceu e fez Dahyun tremer na base, quase literalmente. – Sinto muito em dizer isso, de verdade, mas não poderei ter a conversa que tanto queria com o senhor. – Sorriu envergonhado e a menina quase deixou o sorriso sapeca escapar.
— Por quê? – Se levantou e apertou a mão do diretor, como foi solicitado. – Estou esperando há um bom tempo...
— Realmente, sinto muito. Sei que 10 minutos de seu tempo valem demais e eu detesto ter que dispensá-lo, mas o dever me chamou e não poderei adiar.
— Sendo assim, considere que conversamos. – Wang franziu o cenho. – Não tenho tempo de vir até aqui arriscar resolver algo. Quando precisar de alguma coisa, ligue para o meu escritório e minha secretária resolverá. – Tomou o café que restava na xícara que segurava e prontamente colocou o objeto na mesinha de centro afrente do sofá.
— Oh, claro. – Assentiu contra sua vontade. – Podemos marcar algum dia sua visita ao campus, uma reunião informal ou até uma palestra sua e de sua mulher aqui no colégio. – Sorriu querendo parecer amigável, mas soou como um desesperado e puxa saco aos olhos dos dois Kim.
— Não sei se isso será viável. – Deixou escapar um arzinho de seu nariz com a fala do homem. – Dahyun poderá voltar para sala de aula, certo? – Perguntou num tom que todos poderiam interpretar como uma pergunta inocente, mas Dahyun e Wang sabiam que aquilo era uma ordem disfarçada.
— Claro que sim, Kim. – Apertaram as mãos mais uma vez. – Foi um prazer recebê-lo. – Sorriu de orelha a orelha até o homem dar as costas de começar a andar com sua filha. Depois disso, o sorriso morreu.
— O que aconteceu, senhor Wang? – A secretária perguntou.
— Problemas e mais problemas. O que mais me aparece nesse colégio? – Reclamou irritado voltando para sua sala. – Se alguém ligar para mim, resolva. Não quero ser interrompido hoje.
Dahyun tinha conseguido o que tanto queria. Seu pai não sabe o que ela aprontou e nem teve que conversar com o diretor. Graças aos seus amigos tão loucos quanto ela, a menina escapou ilesa de toda essa confusão.
— Quando chegarmos em casa, sua mãe e eu, quero que tenhamos uma conversa, ouviu bem? – O pai de Dahyun lhe fitou antes de sair sozinho. – Volte para aula.
— Tchau, pai. – Disse mais baixo que seu tom normal. Não podia evitar de entristecer com isso, não perderia seu tempo se despedindo de seu pai de forma audível, se nem mesmo ele fez questão de tal coisa.
Satisfeita, porém cabisbaixa, Dahyun voltou ao banheiro onde tinha deixado Chaeyoung e Sana com o objetivo de avisar a melhor amiga que tudo tinha dado certo e que a menor já podia voltar para sala.
— Bro? – Kim perguntou entrando no banheiro e encontrando todo o lugar vazio. – Nem fodendo que ela deixou aquela patricinha xereta sair... – Pensou alto aborrecida.
Já nervosa e pronta para sair às pressas daquele banheiro, Dahyun ouve um barulho de vômito vindo exatamente da última cabine.
— Quem ‘tá aí? – Perguntou curiosa.
— A patricinha xereta... – Respondeu com uma voz rouca.
— Minatozaki? – Perguntou de forma retórica já de frente a porta do box. – Precisa de ajuda?
— Não. – Abriu a porta. – E mesmo que precisasse, sua ajuda eu recuso. – Passou pela Kim indo em direção a pia.
— Cadê a Chaeyoung?
— Disse que ia buscar algum remédio para mim. – Falou lavando as mãos e o rosto. – Droga de bebida! – Resmungou.
— Você bebeu ontem? – Sorriu surpresa.
— Não é da sua conta, garota. – Falou revirando os olhos.
— Não sei porque perguntei isso, ‘tá na cara que foi porre e dos grandes... – Riu. – Se bem que fresca do jeito que você é, capaz de uma dose ter causado isso.
— Vai se ferrar, Dahyun. – Falou aborrecida. – Conseguiu o que tanto queria? Se sim, pode sair, eu não vou perder meu tempo contando para ninguém as idiotices que você faz.
— Consegui. – Sorriu satisfeita. – Vou voltar para aula. Prefiro ouvir a Tiffany falando coisas que eu não entendo, do que ouvir essa sua voz irritante. – Se aproximou da japonesa, pegou um papel que ficava ao lado dela e passou na bochecha da mesma. – ‘Tava sujo de vômito aí. – Riu.
— SAI! – Berrou, fazendo a coreana apressar o passo e sair do local.
— Bro! – Chaeyoung disse encontrando a amiga na entrada no banheiro. – Deu certo lá?
— Sim. Cadê minha gravata?
— A Sana não te entregou? – Franziu o cenho. – Pedi para que ela entregasse a você caso chegasse primeiro que eu. – Passou por Dahyun. – Deixa que eu pego, então.
— Não. – Interrompeu a ação da menina. – Não precisa. – A menor assentiu. – Volta para aula logo, ok? Não quero que se ferre por minha causa.
— Isso é preocupação? – Chaeyoung sorriu sapeca.
— Não. É só que quero evitar mais problema para o meu lado. – Se afastou. – Entrega o remédio para essa aí e volta logo, hm?
— Tá bom, mamãe... – Riu fraco.
*
“Nova semana, novos ares.”
Foi o que Dahyun pensou assim que colocou o pé direito na escola. Sua mente acordou com gana de adrenalina e vontade de viver o pouco que resta de sua adolescência.
Apesar de não ter muitos planos futuros, Dahyun quer, ao menos, histórias para contar. Seja para seus filhos, netos ou um mendigo que encontre na rua depois de sair da balada.
— Eu pensei numa coisa e acho que vocês vão gostar. – Sentou no seu lugar de sempre na sala, ainda sem professor, e sorriu ao terminar a frase.
— Essa sua cara já me assusta... – Seulgi falou desconfiada.
— Se for alguma festa, eu aceito. – Jeongyeon disse. – Necessito de música alta e bebida, faz dias que não saímos juntas.
— Não é nada de festa. – Falou a Kim.
— Conta logo, porra! – Jihyo apressou a garota.
— Sabem o jogo de hoje? – Perguntou e todos assentiram. – Quero fazer algo grande por lá.
— ‘Tô gostando... – Seungsik sorriu maliciosamente. – O que planeja?
A garota contou aos amigos que mais uma de suas peripécias, em breve, aconteceria, mas com um diferencial. Plateia grande, todo o foco neles e longe de casa. O que poderia dar errado?
Os jogos comuns entre as escolas de Seul iniciavam hoje, mas não aconteceriam na capital e sim em Busan. Os atletas iriam num ônibus separado e os alunos, somente do ensino médio, em outro.
Dahyun e os amigos sempre participaram de todos os festejos da escola, mesmo que nunca fossem os protagonistas, ao menos fariam parte da plateia. O que dessa vez seria um pouco diferente.
— Isso vai dar muita merda. – Chaeyoung falou. – Eu topo!
— Concordo. – Jihyo começou. – E nem sei se vou até Busan.
— Como assim? – Perguntou a Kim. – Você vai, sim! – Disse firmemente. – Não quero saber, todos nós estaremos juntos nesse rolê.
— Dubu, isso vai dar problema para o meu lado. – Jeongyeon deixou escapar. – Já estou marcada pela minha mãe, não rola.
— Eu levo a culpa por você. – Falou de imediato. – Quer dizer, nem vão descobrir nada, mas caso descubram, eu levo a culpa por você, Jeong. – Fez uma carinha de cachorro que caiu do caminhão da mudança afim de convencer a mais velha.
— Dubu... – Riu convencida.
— Bom dia, alunos. – O diretor entra na sala com um ar menos formal que o de costume, o que é um pouco estranho aos olhos da coreana sapeca. – Hoje a manhã será descontraída. – Ao fim dessa frase já era possível notar os sorrisos largos e felizes dos alunos. – Arrumem-se, vocês poderão assistir ao ensaio da abertura dos jogos. – Encerrou e saiu em seguida, deixando um assistente dentro da classe.
— Assistir a abertura? – Seungsik disse com os olhos brilhando. – Ver os garotos do rugby treinando... – Sorriu bobo. – Esse é o melhor dia da minha vida!
— Você é tão gay. – A Son proferiu rindo.
— Não negue que você está louquinha para ver a Somi jogar vôlei. – Continuou a provocação.
— SHIU! – Colocou o dedo na boca do rapaz, impedindo que ele continuasse a zoação. – Ela ainda não sabe que namoramos, é segredo por enquanto. – Sorriu.
— Idiotas! – Jihyo falou rindo do diálogo. – Vamos logo, quero pegar um bom lugar.
— Um bom lugar para quê? – Jeongyeon perguntou olhando para a Park com uma expressão desconfiada. – Tem interesse em jogos agora?
— Em jogos não, mas em jogadoras... – Seulgi falou levantando-se da carteira e recebeu um olhar arregalado e reprovador da menor. – A Seulgi não disse nada, ela está caladinha. – Passou um zíper imaginário na própria boca e seguiu.
— Dubu, cadê sua animação? – Chaeyoung perguntou puxando a menina para cima. – A garota maléfica de segundos atrás sumiu?
— Não. – Respondeu negando forte com a cabeça. – Só estou pensando numas coisinhas que ajudarão essa Dubu maléfica aí. – Deu de ombros começando a caminhar junto das outras.
— Pensa nisso depois, agora é hora de ver as meninas jogando. – Sorriu largo e deu leves tapinhas no ombro da coreana. – Você não está animada para ver nenhuma delas?
— Não.
— Duvido!
— Não estou, Chaeyoung, não estou. – Bufou.
— Sei que das líderes de torcida você quer distância, mas não pode negar que são todas lindas... – Deixou um sorriso malicioso escapar. – Você pode separar as duas coisas, né?
— Não posso. – Olhou para a amiga com o rosto sério. – Você não desiste de tentar me empurrar para alguém, já aceitei, mas alguma das líderes? Aí já é demais. – Revirou os olhos e apressou o passo, deixando a melhor amiga para trás.
— Dubu! – Gritou a menor. – Você é tão boba, sabia? Eu nem mencionei os uniformes delas... As saias curtas, os tops apertados e as coreografias torturantes... – Deixou-se divagar. – Você nota isso também que eu sei! – Berrou a última frase e notou a Kim, lá na frente, mostrar o dedo do meio ainda de costas.
— O que foi? Está de mau humor? – Seungsik perguntou enrolando um papel.
— A Chaeyoung não descansa. – Suspirou. – Além de insistir para que eu arrume uma namorada, ou melhor, uma obsessão, agora cogitou ser alguém da equipe de torcida.
— Mentira! – O garoto riu alto. – Ela só está tirando com a sua cara, não precisa se aborrecer, poxa.
— Eu sei, nem estou brava de verdade, só cansei de ouvir a zoação por agora e apressei o passo.
— Por que não gosta daquelas garotas, hein? – Olhou para amiga desconfiado. – Digo, você sempre implicou com elas, mas nunca me contou o motivo real.
— Nunca fiz nada com elas, por que pensa que tenho algo contra?
— Oi? – Franziu o cenho e riu. – Você está bem? Bebeu? Está doente? – Colocou a mão na testa da garota fingindo medir a temperatura. – Você sempre deixou claro a implicância, Dubu.
— Tenho meus motivos. – Deu de ombros e se pôs mais afrente do rapaz. – E seu papo também me cansou. – Apressou o passo mais uma vez, deixando mais um amigo para trás.
— Entrem por aqui e sentem-se adequadamente até o início do ensaio. – O assistente disse ao apontar para as arquibancadas.
Os alunos estavam no ginásio interno do colégio, que era menor que o externo. As arquibancadas de cima já estavam todas preenchidas, restando somente as de baixo ou ficar em pé na grade e como isso não era uma opção, os amigos sentam-se todos um ao lado do outro na fileira mais baixa de bancos.
A visão era perfeita para a quadra, estavam no centro, veriam tudo e com bom ângulo, mas nada se compara com assistir jogos numa uma visão ampla de tudo, como numa TV.
Pouco mais de 10 minutos de espera, uma música alta começa e a plateia de estudantes grita, com exceção da Kim. Seungsik que antes segurava um rolo de papel, logo abriu e mostrou ser um cartaz de apoio à escola nos jogos.
A música continua e os atletas começam a entrar na quadra, ficando nas laterais, sem ocupar o meio uma única vez. A canção muda ao fim da entrada dos alunos que vão jogar e finalmente a melodia condiz com o resto de atletas que faltavam.
As líderes de torcida não haviam entrado a princípio, somente os jogadores, é então que com Crazy In Love da Beyoncé, é possível enxergar os pompons vibrando em conjunto. As líderes entram, se colocam no meio da quadra e esperam a música encerrar enquanto mexem os acessórios.
Depois de encerrada, outra melodia começa, mais voraz e sem letra, feita exclusivamente para essa escola, então as garotas devidamente uniformizadas começam a performance.
Acrobacias, reboladas e gritos são feitos por elas e a reação do público é uma só: histeria. Dahyun jamais admitiria para si ou para alguém, mas Chaeyoung tinha razão em chamar aquelas garotas de lindas. A coreana não demonstrou gostar do que assistiu, mas por dentro sentiu seu coração quase sair pela boca a cada passo ousado que via diante de seus olhos.
Mina era uma garota com habilidades incríveis, seu corpo era absurdamente flexível e ela era delicada como uma pena. A líder Momo também fazia um ótimo trabalho executando perfeitamente os passos mais duros e difíceis, parecia realmente uma profissional.
Dahyun viu tudo atentamente e se impressionou com cada detalhe. Notou cada uma das integrantes das líderes de torcida, inclusive a que ela menos gosta, Minatozaki Sana, e conseguiu, pelo menos um pouco, gostar do que viu a japonesa fazer.
Os corpos das garotas eram esculturais, principalmente o de Sana, pensou. Seu cérebro não desligou um único segundo e seus olhos eram petrificados na performance. A Minatozaki roubou a cena e não era somente Dahyun que achava isso. Na parte solo da japonesa, a plateia gritou como nunca e foi o barulho mais alto até então. Todos vibraram e berraram em conjunto até o fim da apresentação, quando as meninas finalmente saem do centro e o diretor ocupa o lugar.
— Silêncio, silêncio. – Pediu afim de que as palmas e gritos cessassem. – Obrigado, meninas, foi uma linda apresentação. – Fez uma reverência e as mesmas retribuíram o gesto. – Agora que vimos a oficial abertura dançante dos jogos, que tal assistir um pouco do que nossos atletas podem fazer?
Palmas foram ouvidas e mais alguns gritos também. As líderes saíram de cena e os outros atletas as seguiram, deixando apenas o time de vôlei feminino.
Seria apenas uma amostra do que cada categoria poderia fazer, portanto a plateia assistiria uma partida apenas e de duração mais curta, assim daria tempo de em seguida seguirem viagem até Busan.
— É a Somi que vai jogar agora? – Dahyun perguntou virando-se para sua melhor amiga.
— Sim! – Disse Chaeyoung, animada. – Olha ela ali. – Apontou. – Como pode ser tão linda? E nesse uniforme ainda... Ai, papai! – Colocou a mão no peito e amoleceu o corpo, caindo nos ombros da Kim.
— Sai ‘pra lá, sua bichona! – Empurrou a garota pelo braço. – Ela é realmente muito linda.
— Ei, pode tirar o olho. Procure outra garota para babar nesse jogo, a Jeon já tem dona. – Falou firme.
— E ela sabe disso?
— Não, mas vai saber quando a gente se casar na igreja. – Sorriu. – Vamos Ter uma família linda. Posso até te chamar para ser madrinha, se até lá você arrumar uma namorada para fazer o par. – Piscou somente um dos olhos e sorriu sapeca.
— Nem comece, Son Chaeyoung.
— Não vou. – Assentiu. – O jogo vai iniciar, não vou prestar atenção em mais nada, nem em você. – Estalou a língua confiante. – Viu só? Não vejo mais ninguém fora a loirona ali.
— Meu deus... – Kim revirou os olhos, riu da atitude boba da amiga e em seguida olhou para frente para observar o jogo.
Do outro lado do ginásio, no vestiário, mais conversas aconteciam. Tzuyu não parava quieta, comentava desesperadamente sobre como ficou nervosa e acabou errando alguns pequenos passos. O motivo era segredo, somente Sana sabia que o nervosismo era causado pela audiência da namoradinha da amiga.
Nayeon, aborrecida e impaciente, mas de um jeito não grosseiro, dizia que tudo bem, pois ninguém notou e erros são comuns. Jennie e Sana discutiam alguma coisa sobre as roupas, e as namoradas Mina e Momo estavam sendo namoradas.
— Acho que vocês duas vivem no cio. – Nayeon mudou de assunto ao notar as japonesas afastadas trocando carícias. – Como pode tanto fogo?
— Que mente poluída é essa, minha filha? – Hirai contestou. – Estamos sendo carinhosas, apenas. Nada de conotação sexual, por favor.
— Isso até vocês ficarem sozinhas naquele quarto de hotel, né?
— Está interessada demais para o meu gosto, hein? – Mina disse sorrindo. – Quer se juntar por acaso?
— CREDO! – Gritou a Im e as namoradas riram alto.
— Serão dias cansativos demais para pensar em qualquer coisa libidinosa, suas safadas. – Sana falou algo finalmente. – Os três dias mais lentos da história!
— Qual é? – Tzuyu disse. – Vai ser incrível, vocês vão ver. – Sorriu largo.
— Você só está pensando nas festas que vão rolar ilegalmente toda noite e nos amassos que vai dar com a sua boyzinha, né?
— E estou errada, Saninha? – Franziu o cenho. – Você a Jennie vão dividir o quarto, podemos especular a mesma coisa, então.
A japonesa ruborizou com a fala de sua melhor amiga e a coreana citada apenas riu e negou com a cabeça. Sana não gostava romanticamente de Jennie e nem planejava repetir nada com ela, seu foco era outro completamente diferente disso.
— ‘Tá amarrado, caralho! – Nayeon disse desesperada. – Estarei no quarto também e nada vai acontecer enquanto eu estiver lá. Poupem-me de traumas, por favor...– Todas riram e a Minatozaki deu um leve empurrão na amiga.
— Eu trocaria de papel com você facilmente. – Tzuyu comentou com uma voz triste e quase fúnebre. – Não quero nem imaginar o terror que vai ser dividir o quarto com essas japonesas fogosas. – Apontou para Mina e Momo com a cabeça, as duas apenas riram sem desmentir ou tranquilizar.
As garotas continuaram a conversa por mais longos minutos até que ouviram o diretor ao microfone mais uma vez. Os jogos haviam acabado e era hora do encerramento. As líderes se colocaram em fila indiana atrás da Hirai e caminharam todas igualmente numa velocidade moderada até a quadra. Era hora de mais uma apresentação.
As meninas fizeram mais um show de acrobacias e rodopios. A sincronização delas era notável e admirada por todos que assistiam. Aplausos foram ouvidos ao final e muitos gritos vibrantes também.
Era hora dos estudantes se recolherem, comerem e acomodarem-se nos ônibus que partirão para Busan. Os jogos só estão começando.
*
“Indo para um feriado fodido
Motel, farras e farras
E estou cantando
Que se foda, sim, me dê isso
Isso é o paraíso
O que eu realmente quero
É a inocência perdida”
Chapter 3: Art Deco.
Chapter Text
Art Deco – Lana Del Rey
"Você é tão superficial na pista de dança
Brilhando como bronze, fria e insegura
Querida, você é tão do gueto, querendo se entorpecer
Quando todos dizem olá, você tenta ignorá-los"
*
Dentro do ônibus dos estudantes que não praticam esportes, Dahyun e seu grupo sentaram-se nas últimas poltronas. A Kim estava na última fileira de bancos, ficando no centro do veículo ao lado de Chaeyoung. Jihyo em sua direita e na outra ponta, Jeongyeon. Os gêmeos Kang sentaram-se logo afrente, em dupla.
— Você pretende fazer hoje mesmo? – Chaeyoung questionou alto demais, o suficiente para levar um tapinha no ombro. – Ai! Por quê me bateu?
— Não comenta sobre isso aqui. – Dahyun respondeu nervosa e gesticulando bastante. – O pessoal ainda está entrando e podem escutar.
— Não vão saber do que se trata, para de paranoia. – Deu de ombros. – Agora me responde.
— Sim, pretendo fazer hoje mesmo, mas não quero que se encerre por agora. – Piscou. – Se é que me entende... – Sorriu sapeca com os próprios pensamentos.
— O que pretende fazer "hoje mesmo"? – Chegou de um jeito que ninguém parece ter notado e imediatamente questionou com um olhar de cima para baixo.
— E eu te contaria por quê...? – Dahyun devolveu a provocação.
— Com certeza é mais uma infantilidade, aposto. – Disse depois de revirar os olhos.
— Garota, você não tinha viajado? – Seulgi perguntou aborrecida.
— Já voltei. – Virou-se para a Kang, convencida. – Está me vendo, não está? – Perguntou retoricamente já tornando o corpo, mais uma vez, virado para Dahyun.
— Yuna, vai sentar. – Falou a Kim, cansada. – Não quero papo com você.
— Espero que continue com essa preguiça, pois vou ficar de olho em vocês. – Cerrou os olhos. – Alguma movimentação estranha e eu conto tudo para o meu tio!
Shin Yuna, mais conhecida por Dahyun e seus amigos como "pé no saco", é a sobrinha do diretor Wang, estuda na escola Integral há muito tempo e sempre fez questão de dedurar a Kim para seu tio. Muitas vezes até inventando delitos que a Kim nem chegou a cometer somente para encrenca-la um pouco mais.
Seu passado não é alegre, como o esperado pela sua aparência, mas sim triste e deprimente. Os pais da Shin não chegaram a criar a garota pois, num fatal acidente aéreo, faleceram. Seu tio, irmão adotivo de sua mãe, criou a jovem desde os primeiros meses. Infelizmente, por ser muito ocupado, não pôde dar a devida atenção a mesma, o que com certeza, afetou sua personalidade.
— 'Tá esperando o quê para sair? – Jeongyeon falou. – Um convite?
— Já vou. – Sorriu cínica. – Só achei que precisava avisá-los da minha volta e que acabou o reinado de vocês no colégio.
— Vocês estão ouvindo algum zumbido? – Seungsik olhou para trás em direção às amigas. – Um mosquito chato que não cala a boca, estão ouvindo? – Usou um tom debochado enquanto ria junto do resto.
— Ela parece ter entendido o recado. – Jihyo comentou após Yuna sair de perto deles e ir para frente do ônibus.
— Missão abortada? – Chaeyoung perguntou curiosa.
— Jamais! – Dahyun respondeu sorridente enquanto colocava os fones de ouvido. – Agora que a pé no saco voltou, quero mais do que nunca fazer a maior pegadinha que esse colégio já viu.
— Não sei não... – Yoo comentou entre suspiros, mas nada foi rebatido, afinal qualquer princípio de conversa acabara de encerrar com a entrada da professora no ônibus.
Era Tiffany, mas atrás dela o diretor Wang. O homem avisou coisas básicas e logo se retirou, levando com ele o silêncio. Assim que a professora caminhou para o meio do veículo, indo atrás de um poltrona para sentar, as conversas retomaram. O motorista deu partida e logo estavam todos a caminho de Busan.
No veículo de trás, com fiscalização dos treinadores dos atletas, o clima era mais tenso. Conversas paralelas existiam, mas poucas, afinal a tensão era presente para todos.
— Eu vou ter um troço! – Nayeon exclamou tentando colocar de volta um acessório de sua saia que havia caído.
— Isso não vai segurar, cara. – Tzuyu respondeu virando-se. – Precisa costurar e isso você não vai conseguir agora.
— Obrigada pela ajuda, Chou. – Arfou estressada. – Não posso dançar sem meus brilhos, eles são minha marca!
— Você não está num filme, Im Nayeon. – Momo falou. – Ninguém vai reparar se algumas lantejoulas estiverem faltando.
— Primeiro que não são lantejoulas. – Bufou aborrecida. – Segundo que, sim, vão notar. É a mesma coisa que tirar essa sua tornozeleira boba.
— Isso não é um acessório, sua tapada! É por conta das lesões nos treinos. – Riu do jeito nervoso da amiga. – Mas, está certa, acabou que virou uma marca e seria estranho aparecer sem ela.
— ESTÁ VENDO? – Berrou e levou um beliscão de Jennie, que estava ao seu lado tentando dormir.
— Quando chegarmos, prometo dar um jeito na sua roupa. Agora, por favor, faz silêncio! – Disse a garota sonolenta.
E assim o silêncio foi, novamente, estabelecido no local. Sana dormia feito pedra, tal qual o resto de suas amigas com exceção de Tzuyu. A taiwanesa não pregava os olhos e nem fazia questão disso.
O motivo tem nome e sobrenome, além de ter um smartphone com uma internet móvel muito boa também. Tzuyu e Jihyo não se desgrudavam, se é que dá para chamar assim, já que se falavam, na maioria das vezes, por mensagem. É um amor bonito e puro, de fato, mas que está cada vez mais difícil de esconder.
*
— Meninas, fiquem preparadas. – O professor de educação física aparece no vestiário depois de leves batidas na porta. – Daqui há poucos minutos vocês entrarão em cena, ok? – Sorriu largo e somente saiu quando todas responderam em coro um "sim".
— Eu não estou aguentando de ansiedade! – Nayeon falou sorridente.
— Não sei porque você fica nervosa... – Mina disse. – Fazemos isso há tanto tempo, não tem nem mais tanta graça.
— Dessa vez é diferente. – Falou de imediato e recebeu olhares questionadores que logo tratou de responder. – É o último do ano. Da vida. Estamos terminando a escola, esqueceram?
— Não gosto de pensar nisso, bate um nervosismo muito grande. – Momo disse. – Não sei o que vou ser depois que isso acabar.
— Você sabe, mas não quer aceitar. – Mina disse baixinho. – Você nasceu para ser dançarina, amor.
— É diferente, Minari. – Deu de ombros. – Sua dança é bem quista por todos, balé clássico é arte para todo mundo. O meu estilo de dança não é visto como profissão, só como hobbie...
— Chega disso! – Sana falou batendo palmas. – Assunto triste agora não. – Ficou de pé. – Líder, não está na hora de puxar a gente para uma última palestrinha pré-apresentação? – Piscou sapeca e assim a Hirai acatou.
Era de praxe. Sempre em competições as líderes de torcida, antes de entrar em campo, se reúnem em uma rodinha e dizem algumas palavras motivacionais, depois colocam as mãos no centro, uma em cima da outra, até que no fim gritam o nome do time enquanto levantam as mãos.
*
— Tudo pronto? – Dahyun perguntou.
— Tudo. – Seulgi respondeu entregando um celular para a garota e tomando distancia junto de seu irmão.
Dahyun já iria acompanhá-los, mas antes precisava passar no banheiro. O plano estava definido, estudado e arquitetado. Só faltava executar e isso logo aconteceria.
A Kim pensou em algo grande, mas não o suficiente para estragar os jogos ou fazer a viagem ser mais curta. Apesar de travessa, a menina é justa. Não iria acabar com a diversão de muita gente para fazer a sua.
Seu plano, porém, tinha a data de validade muito mais próxima do que ela podia prever.
Andando pelos corredores do lugar, sentiu do nada algo agarrar seu braço esquerdo com força e em seguida já estava dentro de uma sala aleatória.
— Que porra foi essa?! – Berrou assim que tomou consciência novamente.
— Preciso da sua ajuda, ok? – Era Yuna e seu olhar não era nada calmo.
— Minha ajuda? Jura? – A coreana mais velha lançou um olhar desconfiado.
— Olha, sei que temos as nossas diferenças, mas você foi a única que passou nesse corredor, então eu puxei sem pensar duas vezes.
— O que foi?
— Meu vestido descosturou. – Imediatamente colocou as mãos na parte de trás da peça e chegou perto do corpo da coreana. – Não posso sair assim, ele vai cair e vou ficar nua na frente de todos.
— Deixa eu ver, quem sabe é algo fácil e consigo disfarçar. – Deu de ombros. – Minha avó costumava dizer que eu tinha dotes de costureira.
— Não tenho agulha e linha aqui.
— Nem eu, mas talvez nem precise. – Continuava serena. – Vem cá, deixa eu ver.
— Não! – Falou tão alto que até se surpreendeu. – Digo, não tem como ajeitar isso...
— Então, já que não sou útil, se me der licença eu vou... – Deu as costas e já ia sair da sala, mas foi impedida por Yuna, que ficou na frente da porta. – O que você quer, garota? – Perguntava impaciente. – Diz logo, não tenho muito tempo.
— Indo aprontar, né? – Lançou um olhar de desdém e aquilo foi o suficiente para irritar de vez a Kim.
— Ok, fique aí com a sua roupa rasgada ou saia nua, não ligo. – Tentou sair, mas Yuna não saiu da frente da porta. – Meu Deus, Shin!
— Pode me emprestar suas roupas? – Assim que fechou a boca a outra garota ficou surpresa.
— O quê?!
— Eu vou até meu quarto com suas roupas, coloco outra que não esteja rasgada e volto para te devolver. Pode ser?
— Não é mais fácil eu ir até lá e pegar?
— Estou dividindo o quarto com umas garotas que não gostam muito de você... Não sei se isso seria uma boa ideia. – Isso realmente era um motivo nobre para não pisar em outro "território". Dahyun não colecionava inimigos, mas desavenças, sim. Incontáveis.
— Você também não gosta de mim e quer usar minhas roupas... Além disso, nem deve ter ninguém lá, os jogos já irão começar.
— Dahyun! – Usou um tom alto novamente, mas se tocou rápido. – Uma delas não vai assistir, pois está se sentindo meio mal... – Tentava convencer a coreana a todo custo. – Poxa, é só por cinco minutinhos, suas roupas não vão sumir... Por favor?
— Não é por isso, é que... – Se interrompeu antes de falar algo comprometedor.
— O que é, então?
— Nada. – Bufou cansada. – Ok, vai logo. – Acatou por perceber que não seria nada fácil sair dali e quanto mais tempo tentasse argumentar, mais tempo perderia.
— As roupas...?
Dahyun revirou os olhos e demonstrou, mais uma vez, que não estava gostando de fazer aquilo, mas ainda assim afastou-se da garota e se escondeu atrás de algumas caixas para tirar suas roupas.
Assim que as jogou para Yuna logo recebeu o vestido pelo ar. Colocando a peça delicadamente para evitar que estrague mais ainda. Contudo, percebeu somente quando já tinha vestido, que algo estava errado.
— Yuna, onde está o furo? – Perguntou enquanto tateava a peça em todos os lugares. – Digo, ele está folgado aqui atrás realmente, mas é só abotoar. – Fechou a peça finalmente. – Olha, nem precisa terminar de colocar minhas roupas, era só um botão escondido mesmo. – Dizia, mas não obtinha resposta. – Yuna? – Saiu de trás das caixas e só então notou que a coreana mais nova não estava mais lá. – Aquela filha da puta saiu sem dizer nada...
Tentou sair da sala, mas obviamente isso seria fácil demais e muito estúpido até para a Shin, pensou.
A garota havia trancado a porta com Dahyun dentro do local, conseguindo seu objetivo: impedir mais uma gracinha da Kim as custas de seu tio e da sua escola, como gostava de chamar, mesmo que não fosse dona de nada ali ainda.
— ALGUÉM ABRE AQUI! – Dahyun berrava e batia com força na porta. – YUNA, SUA FILHA DA PUTA, VOCÊ ESTÁ FERRADA NA MINHA MÃO, OUVIU BEM? FERRADA! – Agora batia nas janelas de vidro blindado para tentar ver algo e obter um resultado diferente, mas não conseguiu.
Além de blindados, os vidros tinham um fumê extremo, que dificultava a visão até para quem estava no lado mais claro.
Cansada de tanto gritar e bater nas coisas, a coreana senta-se no outro lado da sala, encostada numa pilha de caixas e decide avisar suas amigas.
— Droga! – Resmungou mais uma vez pois tinha acabado de perceber que a Shin tratou de levar seu celular também. – Aquela filha da puta mimadinha... Eu vou te matar, Yuna. TE MATAR! – Assim que fechou a boca ouviu a porta bater novamente e virou-se em direção a mesma rapidamente.
— Você? – Perguntou com uma cara de poucos amigos. – Não acredito nisso... – Revirou os olhos, mas Dahyun não ligou. Somente levantou rápido do chão e foi até a garota.
— Como você entrou aqui? – Perguntou eufórica. – Me dá as chaves, anda. – Sacudia os braços da menina sem dó. – Anda, Sana!
— Eu não tenho chave nenhuma, sua idiota. – Falou soltando-se das mãos da coreana. – Se quiser sair, é só abrir a porta e sair.
— Tenta abrir. – Respondeu com cansaço, mas com um ar de dona da razão.
— Ok. – Aceitou e fez o que foi solicitada, mas como o esperado, a porta não abriu. – Por que não abre?
— Primeiro me diz como veio parar aqui.
— A Yuna me encontrou agora há pouco e disse que tinha alguém me chamando aqui nessa sala.
— Foi ela me trancou aqui. – Deu meia volta e sentou-se no mesmo lugar de antes, mas dessa vez virada para Sana.
— Por quê?
— Ela descobriu, não sei como, que eu ia aprontar essa noite e decidiu impedir. – Deu de ombros. – E você?
— Acho que só porque não gosta de mim, sem nada profundo por trás. – Caminhava pela sala enquanto dizia isso. – Mas eu não posso ficar aqui, tenho uma abertura para fazer daqui cinco minutos.
— Esquece. – Falou cansada. – Não tem como sair.
— Não tem se você ficar aí sem fazer nada. – Disse com um tom impaciente. – Me ajuda! – Tentava abrir as janelas. – Isso é muito pesado, me dá uma mãozinha aqui. – Pedia com uma voz rígida pela força que depositava.
— Não adianta. – Falou ainda sentada.
— Me ajuda logo, porra! Ou você quer ficar aqui trancada comigo? – Olhou para a menina sentada e aquela frase parecia ter sido um choque.
— Não, não quero. – Falou já próxima da japonesa. – Mas não vou colocar minha preciosa força nessa janela que não vai abrir. É inútil.
— Está emperrada, mas se você ajudar pode dar certo. – Continuava a colocar força e Dahyun apenas assistia.
— A janela é blindada, Sana, desiste logo. – Suspirou tirando as mãos da menina do vidro. – Vai se machucar se continuar tentando.
— Então vamos arrombar a porta!
— 'Tá louca, porra? – Seu tom era de surpresa. – Essa porta é de ferro, como pretende quebrar isso?
— Você não é forte? – Levantou somente uma das sobrancelhas ao olhar para a coreana. – Faça seu trabalho.
— Que eu saiba a atleta aqui é você.
— Não sou esse tipo de atleta. – Revirou os olhos. – Você que está se exibindo aí com os braços a mostra. – Passou o olhar pelos braços definidos da Kim, depois sua clavícula devidamente exposta e por fim desceu até suas pernas marcadas. Olhava de um jeito nada sutil.
— Não estou me exibindo, essas roupas nem são minhas. – Levantou o rosto da japonesa pelo queixo. – E para de me comer com os olhos!
— O que?! – Disse nervosamente. – Não estou fazendo nada disso. – Virou-se e foi em direção a uma cadeira. – Ah, eu preciso sair daqui!
— Não começa a choramingar, pelo amor de deus! – Implorou. – Não suporto ataque de patricinha.
— Garota, qual o seu problema comigo?
— Vários, mas não vou te contar nenhum. – Deu de ombros, rindo.
— Infantil... – Sussurrou, mas não baixo o suficiente para a mais nova não ouvir.
— O que disse? – Perguntou irritada.
— Nada. – Arfou. – Você disse que essas roupas não são suas... De quem são?
— Da Yuna. – Falou com uma cara aborrecida. – Quando eu pegar aquela garota metida... Nossa, ela vai se ver comigo! – Dizia com os dentes trincados. – Vai se arrepender de ter me prendido aqui, com essa roupa ridícula e com você ainda por cima!
— A roupa é linda. – Falou ignorando completamente a última parte da frase. – Eu usaria.
— Claro que gostou, é rosa e chamativo, que nem você. – Finalizou escondendo a cara nos joelhos.
— Por que não usa mais roupas assim ao invés daquele monte de pano preto sem vida? – Perguntou. – É tão mais feminino um vestido como este... – Suspirou boba. – Se quiser, posso te ajudar a escolher novas roupas.
— Deus, por favor, manda uma chuva de meteoros agora mesmo! – A Kim levantou as mãos para o céu, deixando as palmas expostas. – E faz com que um deles caia bem na minha cabeça, por favor.
— Credo, Dahyun! – Bateu algumas vezes na mesa de madeira em sua frente. – Tomara que Ele não te escute.
— Queria eu não escutar. – Voltou a mesma posição encolhida de antes.
— Por que? Só te ofereci umas dicas de moda. Fui gentil com você, apesar de você ser esse poço de brutalidade... – Falou mais alto no adjetivo.
— Não pedi dicas de moda e estou muito feliz usando meus panos pretos e sem vida. – Respondeu impaciente. – Por que esse assunto do nada?
— Só estou tentando passar o tempo, já aceitei que não vou me apresentar. – Deixou escapar um tom triste. – Não quero ficar chateada agora, então prefiro me estressar com você que ficar no tédio e acabar dando vaga à tristeza.
— Nossa. – Falou surpresa. – Gosta tanto assim de ser líder de torcida?
— Muito, mas não é só por isso... – Suspirou. – Enfim, não quero falar disso.
— Quem disse que eu queria ouvir?
— Eu sei que você está curiosa pela história, mas no momento prefiro falar de roupas.
— Uau, mais um assunto insuportável! – Bateu palmas. – Você só sabe falar disso? Roupas, dança e estudos? – Revirou os olhos. – Credo.
— E você? Só sabe aprontar com o colégio? – Devolveu a provocação. – Inclusive, porque você faz isso? – Se endireitou na cadeira para escutar a resposta que tinha certeza que viria seriamente.
— Outro assunto! – Disse rapidamente quase como um alarme.
— Ok, vamos falar de relacionamentos? Você tem namorado?
— OUTRO ASSUNTO! – Berrou.
— O que seus pais fazem da vida?
— Volta a falar de roupas, por favor...
— Ok! – Sorriu largamente. – Esse vestido é realmente lindo, você não gostou nadinha?
— Não mesmo. – Respondeu olhando a peça com uma cara de nojo. – É tão chamativo e feio, essa cor só dá certo em gente que nem você, não em mim.
— Está dizendo que fico bonita de rosa? – Perguntou boba.
— Não. – Disse séria. – Estou dizendo que combina com patricinhas fúteis que nem você. – Sorriu maléfica.
— Pois eu discordo. – Seu tom era indecifrável e sua expressão era como se estivesse faminta por algo. – Acho que você combina com o vestido.
— Então está dizendo que fiquei bonita?
— Estou.
— Você é louca. – Revirou os olhos acreditando que a fala era deboche.
— É sério, nunca te vi desse jeito. – Enquanto falava seu olhar passeava novamente pela coreana. – Sempre com roupas que cobrem todo seu corpo, nunca imaginei que fosse assim de verdade.
— Não é para ficar me imaginando mesmo, sua tarada! – Dahyun disse rindo. O clima tinha ficado leve entre as duas pela primeira vez.
— Não estou falando disso, sua mente suja. – Continuou. – Não sabia que você malhava, por exemplo, justamente porque as roupas largas que usa escondem todos os músculos. – Umedeceu os lábios e seus olhos eram vidrados nos braços da Kim. – O vestido deu um foco neles, achei legal, só isso. – Deu de ombros e desviou o olhar.
— Nunca vi você com roupas largas, será que devemos trocar os papéis? – Levantou-se do chão e chegou perto da cadeira em que a japonesa estava sentada.
— Não acho que combinaria comigo. – Falou timidamente.
— Também não acho que vestido combina comigo e mesmo assim você está me vendo em um!
— Mas isso foi um acaso. – Disse rindo.
— Um acaso que você insiste em dizer que é bonito. – Rebateu com um sorriso danado no rosto e os olhos vidrados nos da japonesa.
— Eu gosto de moda, estou apenas dando uma opinião profissional. – Se gabou, mas Dahyun ficou rígida novamente.
— Profissional de quê? Só veste rosa e brilho, como sabe o que é bonito? – Provocou.
— Já vai começar com as grosserias... – Suspirou cansada e desviou o olhar da coreana que estava em sua frente.
— Você começou quando disse que era uma opinião profissional. – Puxou de novo o rosto da garota pelo queixo com a ponta dos seus dedos, forçando a menor a lhe olhar. Agora Dahyun estava com as mãos nos braços da cadeira, prendendo a outra. – Eu só rebati.
— É um insulto eu não te elogiar?
— É! – Disse sem pensar. – Não!
— Se decide, Kim... – Falou manso, mas não disfarçava a expressão de prazer.
— Não ligo para o que você pensa, sai fora. – Tirou os braços da cadeira imediatamente.
— Não precisa ficar chateada, eu falei profissionalmente, mas você ficou bonita mesmo com esse vestido. – Sorria tanto que seus olhos quase fechavam.
— Do que está rindo?
— Do seu jeito.
— O que tem meu jeito?
— Nada não, deixa quieto.
— Estava falando sério? – Perguntou depois de uns segundos em silêncio.
— Sobre o vestido? – A coreana assentiu. – Estava. – Levantou-se, ficando frente a frente com Dahyun. – Ele é lindo, mas não o seu estilo. É o meu. Eu usaria, de fato, mas ainda assim ficou bonito em você. Mostrou algo que nunca tinha visto. – Riu sem graça. – Que quase ninguém do colégio viu.
— Você diz meus braços? – Perguntou já se gabando.
— Tudo do seu corpo que não era mostrado antes pelas suas roupas, na verdade. – Respondeu rapidamente. – Mas, sim, o destaque maior ficou para os seus braços malhados... E as pernas malhadas também... – Foi diminuindo o volume de sua voz conforme falava e seu olhar, mais uma vez, passeava involuntariamente pela coreana.
— E depois diz que não estava me comendo com os olhos! – Se gabou verbalmente e ria com isso, deixando Sana numa posição inferior.
— Só constatei fatos, reconheço algo bonito, não quer dizer que quero você. – Deu de ombros. – Nem faz o meu tipo. – Revirou os olhos e fez que ia sair da frente da menina.
— Não faço? – Se irritou novamente, mas não conseguia explicar o motivo. – Então porque não tira os olhos de mim?
— Você é a única nessa sala, não é como se eu tivesse escolha, Kim. – Ria maldosa. – Mas acho que agora prefiro o silêncio. – Virou-se para sair de perto da garota, mas foi impedida pela mesma.
— É por isso que eu implico com você. – Falou segurando o pulso da menina. – No fim sempre acaba numa guerrinha, você querendo sair por cima sempre. – Olhava no fundo dos olhos da japonesa com uma sede de algo inexplicável.
— Você é igual.
— Não, não sou. – Falava muito perto da garota e sem soltar seu braço. – Você que me tira do sério!
— Ok, desculpa. – Falou calmamente. – Vou ficar quieta a partir de agora. – Olhou para o pulso, que estava sendo agarrado pela coreana, como forma de pedir para soltar.
— Está livre. – Soltou-a, mas elas não se afastaram. Continuavam a se encarar sem desviar o olhar um único segundo.
O silêncio já tomava conta do lugar e a respiração das duas era a única coisa ouvida ali. Tão perto e sem motivo aparente, estavam soltas, mas pareciam amarradas. Não se separavam e nem sabiam explicar o porquê.
Dahyun estava incomodada com a fala de Sana sobre não ser o tipo da japonesa, mas jamais admitiria isso em voz alta. Queria continuar a briguinha com a japonesa, pois gostava de provocações, mas ouvir tal frase não a deu um gás para continuar as brigas bobas, e sim chateação.
Sana não tinha problemas declarados com a coreana a ponto de tratá-la mal sempre, isso era o papel de Dahyun, a japonesa apenas retrucava. E foi exatamente o fez. Ela mentiu ao dizer que a Kim não era seu tipo, mas precisava o fazer para não ficar por baixo.
As duas estavam incomodadas com a situação e não sabiam explicar o motivo. Os corpos quase colados, as respirações em conjunto se misturaram, o cheiro de uma já era sentido pela outra de forma agradável. A temperatura parecia ter subido drasticamente e sem explicação, mas o motivo estava ali, elas só não queriam ver.
— Por que você não se afastou? – Dahyun perguntou depois de trocar o foco dos olhos de Sana para a boca da mesma.
— Não sei... – Respondeu depois de umedecer os lábios, pois já havia notado o olhar da Kim sobre eles. – Quer que eu me afaste?
— Não precisa. – Respondeu rapidamente, fazendo o mesmo que a japonesa.
Os lábios estavam com sede um do outro, os corações estavam acelerados e a euforia era sentida pelas duas, mesmo que do nada, sem nenhuma explicação, elas estavam prestes a beijar.
— Eu que devo me afastar, né? – Dahyun perguntou e Sana respondeu negativamente com um balançar de cabeça bem devagar. Mais uma vez o silêncio tomou conta e mais uma vez o olhar era na boca. Os rostos finalmente se moveram um na direção do outro, era agora ou nunca.
— DUBU, FINALMENTE! – A porta se abre com muita brutalidade e os corpos das garotas se separam rapidamente. – O que estava rolando aqui?
— Nada, Chaeyoung. – Dahyun disse desconfiada.
— Meu Deus, que bom! – Sana disse animada, mas ainda nervosa por tudo que aconteceu. – A apresentação já aconteceu?
— Não. Suas amigas notaram que você sumiu, então está tudo atrasado lá fora até você aparecer. – Respondeu sem disfarçar a intriga. – Vai logo que os jogos precisam começar.
— Obrigada, Chaeyoung, te devo uma! – Falou e saiu correndo em seguida.
— Como você me achou, mano? – Dahyun perguntou.
— Jihyo disse que Sana havia sumido e eu comentei que você também não mandou mensagem sobre o plano, aí fomos atrás de sala em sala. O motivo da Jihyo saber da Sana eu não sei.
— Mas aqui estava trancado, como conseguiu entrar?
— A chave estava na porta, ué. – Deu de ombros. – Quem trancou vocês duas aqui? – Olhou a coreana de cima a baixo. – E de quem é esse vestido?
— A Yuna me trancou aqui e depois trancou a Sana também, o vestido é dela, mas isso é uma longa história. – Saiu da sala. – Valeu por me tirar dali, estava um inferno aguentar a Sana.
— O que exatamente estava acontecendo quando eu entrei? – Perguntou com uma das sobrancelhas levantadas.
— Nada, já falei.
— Tem certeza? Por parecia muito que vocês iam se-
— Chega! – Ficou na frente da Son, impedindo que continuasse a caminhar. – Nada aconteceu, nada ia acontecer. Esquece isso, ok?
— Ok... – Voltaram a caminhar. – E o plano? Vai ser adiado?
— Vai ser cancelado. Vou pensar em um novo direcionada a uma única pessoa.
— À Yuna?
— Ela mesma. – Sorria largamente. – Nos jogos de amanhã darei início a tudo. Ainda preciso matutar algumas ideias, mas por agora vamos assistir aos jogos.
— E assistir a abertura também, né? – Empurrou a amiga com o ombro. – Ver as líderes dançando lindamente...
— Achei que seu foco era o jogo de vôlei da Somi.
— E é. Estou falando de você.
— Sai fora, Son! – Devolveu o empurrão.
— Quer dizer que tudo bem se eu olhar para as líderes dançando? – Assentiu. – Com aqueles shorts coladinhos... E as saias girando junto delas... – Forçou um tom de malícia.
— Não! – Berrou.
— Ciúmes?
— Claro que não, sua besta! – Olhou para a amiga. – É que nós não nos misturamos com as líderes, você sabe disso.
— Sei...
*
— Sana, finalmente! – Momo disse abraçando a mais nova. – Onde estava?
— A Yuna me prendeu numa sala, só consegui sair porque a Chaeyoung abriu. Isso foi nesse minuto. – Falava ofegante, afinal tinha ido correndo até as amigas.
— A Chaeyoung? – Nayeon perguntou. – Justo ela?
— É porque a Dahyun ficou presa comigo...
— Essa história está complicada demais. – Mina disse. – Mas se foi a Yuna que te trancou, provavelmente foi ela que trancou a Kim também.
— E foi. – A Minatozaki respondeu.
— A Shin nunca gostou da Sana e sempre tenta ferrar a Dahyun, está explicado então. – Tzuyu comentou. – Foi mais rápido do que eu imaginei... – Disse baixinho.
— Como? – Momo questionou. – Você sabia que ela estava presa?
— Quis dizer que foi mais rápido do que eu imaginei para um plano da Shin, é isso. – Respondeu desconfiada, mas conseguiu disfarçar o nervosismo.
— Chega de papo, vamos logo começar o show. – Jennie finalmente disse algo e Momo acatou de imediato, chamando todas para mais uma rodinha antes de entrarem em campo.
*
"Uma festinha nunca fez mal a ninguém
Então você fica até tarde
Uma festinha nunca fez mal a ninguém
É o que seus amigos dizem
Você coloca sua vida em risco
Você é louca o tempo todo
Coloca sua vida em risco
Você é louca o tempo todo"
Chapter 4: Young&Dumb.
Chapter Text
Young&Dumb – Cigarettes after sex
"Usando batom preto, branqueando o cabelo de loiro
Coloque suas meias
Shorts jeans curtos, presas de vampiro
E sua camisa escrito Eu Amo Nova York"
*
Os jogos tinham acabado por hoje, mas a noite estava longe de encerrar. Os alunos da escola Integral de Seul amam uma festa, principalmente se houver motivo de comemoração e estiverem longe dos pais. Era exatamente esse o caso.
Somente duas modalidades participaram hoje. A equipe de rugby venceu a partida por uma diferença de 3 pontos, deixando todos acomodados e felizes demais para apenas dormir. A equipe de vôlei feminina também venceu, mas foi uma vitória sofrida.
Estava combinado para começar meia-noite, horário que com certeza os professores, técnicos e funcionários estariam dormindo profundamente e não poderiam impedir a confraternização proibida. Assim foi feito.
00:35
— Será que vocês podem se apressar? – Tzuyu implorava impaciente. Agora ela estava em pé, perto da porta, pois cansou de ficar sentada no sofá por longos minutos e achou que tal distância da saída fosse uma boa tática para apressar suas amigas.
— EU PRECISO DA OPINIÃO DE VOCÊS! – Nayeon berrou, foi até o meio do quarto, apenas de toalha, e com duas opções de vestido, uma em cada mão. – Qual desses devo usar? – Engano de Tzuyu, sua ideia não ajudou em nada.
— Qualquer um, porra, quero ir logo para a festa. – Tzuyu reclamou.
— Quieta, novinha. – Mostrou as peças novamente. – Qual?
— O da direita. – Mina respondeu já voltando sua visão para o celular.
— Concordo. – Momo disse.
— Sana? – A mais velha chamou atenção da japonesa, pois a mesma insistia em ficar com o pensamento muito, mas muito longe daqueles vestidos.
— O da direita. – Falou como se tivesse entendido tudo, mas só respondeu a coisa mais óbvia para quem não prestou atenção em nada.
— Ok, obrigada. – A Im disse sorridente. – Agora só preciso me maquiar e já fico pronta.
— Nayeon, eu juro por deus que vou sem você! – Chou berrou mais impaciente que nunca.
— Tchauzinho... – Assoviou e voltou para perto de sua mala, começando a se produzir.
— Ei, vamos comigo. – A taiwanesa cutucou o pé da melhor amiga que apenas lhe respondeu com um murmuro. – Que foi?
— Nada, só não 'tô afim de festa.
— O que rolou, Minatozaki Sana? Está diferente desde que voltou daquela sala que a Yuna te trancou. – Encarou os olhos da amiga tão profundamente que era impossível não se intimidar.
— Nada, ok? – Levantou da cama como se tomasse um choque. – Vamos logo. – Revirou os olhos.
— Mudou de ideia? – Perguntou, mas só recebeu um empurrão em direção a porta como resposta. – Falei com a Jennie e ela está nos esperando perto da piscina. – Apontou. – Já consigo ver o brilho de sua roupa...
— Porra, é verdade! – Sana reclamou baixinho, mas ainda audível, e interrompeu os próprios passos. – Eu esqueci de colocar uma roupa para festa!
— Ah, deixa disso. – A amiga deu de ombros, forçando a caminhada a seguir. – É todo mundo conhecido e é um rolê quase ilegal, não tem motivos para ir produzida demais.
— É, mas todas vocês estão extremamente lindas e eu... Eu estou básica.
— Minatozaki Sana, você não conseguiria ser básica nem se quisesse muito. – Riu alto pegando a mão da garota e levantando, forçando a menor a dar um giro no próprio eixo. – Que pessoa básica sai com roupas de marca, perfume caro e joias?
— Foi a primeira coisa que encontrei...
— Certo, certo, Dona Básica, viva com essa amargura por esta noite, pois não vamos voltar ao dormitório agora. – Assim que finalizou, as duas ficaram frente a frente com a outra amiga. – Vamos? – Depois de um breve cumprimento, Tzuyu, Sana a e Jennie continuaram a caminhada.
*
— Dubu, porra, você vai acabar tendo que sair carregada daqui! – Jihyo dizia para a amiga enquanto a outra apenas virava uma garrafa de vodka na boca.
— Precisa parar de bancar a mãe às vezes, Park. – Chaeyoung comentou.
— Se eu conseguisse, o faria! – Reclamou, mas catou um copo na bancada, o enchendo de bebida.
— Ué? – A menor deixou a expressão de intriga tomar conta de sua face.
— Se não pode derrotá-los, junte-se a eles! – Levantou o copo e brindou junto da garrafa da Kim, virando a dose em seguida.
A festa havia começado há pouco mais de uma hora e Dahyun já se encontrava bêbada. Seus amigos, apesar de loucos, não bebiam rápido como a Kim. Eles estavam animados, mas não como ela.
Seungsik dançava com Seulgi e passava uma enorme vergonha ao lado da irmã; Jeongyeon estava sentada, bebendo, mas conversando com qualquer pessoa; Chaeyoung apenas tentava encontrar coragem para falar com sua amada; Jihyo tomava conta de Dahyun enquanto Tzuyu não chegava.
— Você pode ir, Jihyo. – Dahyun falou. – Eu não sou nenhuma criancinha, ok? Sei muito bem os efeitos dessa belezinha em mim e as consequências também! – Olhou para a garrafa que segurava que agora continha só metade do líquido.
— É isso que me preocupa... Você sabe muito bem as consequências e não liga nunca para nenhuma delas. – Suspirou. – Aliás, por que resolveu beber tanto assim? Só pelo plano da Yuna?
— É. – Mentiu. Dahyun estava aliviando uns incômodos velhos e novos também. A porcentagem da culpa de Shin na embriaguez da coreana é a mínima possível, mas Kim não admitiria jamais. – É sério, pode ir. Vai beijar uma boca, ser feliz.
— Eu fic- – A Park ia rebater, mas avistou, na entrada, sua namorada chegar acompanhada de outras duas amigas. Era hora de encontrá-la num lugar secreto e curtir o pouco tempo que têm juntas. – Ok, tchau. – Mudou a expressão rapidamente e Dahyun estranhou, mas estava muito fora de si para reagir.
A festa continuava animada para todos, exceto para Dahyun. Nayeon, Momo e Mina logo chegaram e tomaram o protagonismo daquele ambiente juntamente de Jennie e Sana. As líderes de torcida sempre têm o maior foco, mais até que os rapazes atletas.
*
— Uma vodka com limão, por favor. – Sana disse ofegante ao rapaz que estava no freezer pegando uma bebida para si mesmo.
— Ele não trabalha para você... – Dahyun comentou ao ouvir a voz da menina.
— O que? – Perguntou intrigada.
— Você ouviu.
— Escuta, qual o seu problema? – Olhou a menor, mas Dahyun só encarava o copo. – Nem te vi aí e você já me provocou... Você tem que ser muito desocupada mesmo.
— Tanto faz. – Deu de ombros. Nem parecia ter entendido o que lhe fora dito. Na verdade, não parecia entender mais nada, nem mesmo sabia pedir ajuda, já que estava prestes a passar mal.
Dahyun caiu com a cabeça na bancada numa pancada forte. Desmaiou tão rápido que parecia encenação. Sana acreditou que fosse mais uma pegadinha da menina, mas quando a chamou e não obteve resposta, quando sacudiu o corpo desacordado da coreana e viu seus olhos fechados, percebeu o que tinha realmente acontecido.
— Ajuda aqui, por favor! – Pediu ao seu amigo que coincidentemente passava por ali. Ele atendeu, pegando a menor no colo e levando até um lugar calmo que Sana sugeriu. Era na área externa do hotel, perto da piscina. O garoto deitou Dahyun numa espreguiçadeira. – Valeu... Meu Deus, que porre! – Comentou ao ver o corpo ainda desacordado.
— E agora? – Yuta perguntou. – Ela morreu? – Disse nervosamente. – Puta que pariu, Sana!
— Se acalma, doente! – Falou alto. – Ela não morreu, olha. – Apontou para a barriga da menina, mostrando o movimento de sobe e desce mesma. – Ela está respirando, tonto.
— E o que a gente faz agora? Joga ela na piscina? Deixa ela aí e vai curtir a festa? – Dizia sem pausas. – Gosto da última ideia.
— Seu doente! – Riu, mas estava preocupada. – Busca uma água gelada, eu jogo na cara dela e ela acordará com certeza. – Ele assentiu. – Vou ficar aqui esperando você e garantindo que nada pior aconteça com essa aí.
— Essa não é a Kim Dahyun? – Analisou o rosto. – A garota problema da nossa sala?
— Ela mesma. – Fez um gesto de empurrão com as mãos. – Vai buscar a água logo.
— Por que você está a ajudando? Ela não é tipo sua maior rival aqui?
— Yuta, vai buscar a água! – Berrou.
O garoto sumiu de sua vista num piscar de olhos e foi correndo até o salão, já que Sana praticamente mandava nele, mas não era maldade. Yuta é seu melhor amigo, eles têm intimidade.
— Garota, por que beber tanto justamente na primeira festa dos jogos? – Sana perguntou para si mesma e notou que o rosto de Dahyun estava suado. – E agora você vai suar? Seu corpo está desmaiado, como pode sentir calor? – Continuava a falar sozinha e analisar a situação.
As gotículas de suor já eram muitas e bem percebidas por toda extensão do rosto de Dahyun, tendo também em seu pescoço. Aquilo não parecia normal e logo deixou a Minatozaki assustada.
— Porra... – Resmungou levantando-se e indo em direção a menor. – Você vai me pagar por acabar com minha festa, Kim Dahyun! – Tirou a jaqueta de moletom que a garota usava e amarrou os cabelos da mesma. – Se bem que eu nem queria vir... – Suspirou pensativa. – E a culpa disso é sua também!
— Voltei! – Yuta apareceu atrás da garota com o pedido. – Aqui.
— Valeu. – Pegou a garrafa, abriu e jogou sem delicadeza o líquido na cara de Dahyun.
— AI! – Disse a Kim, acordando. – Porra! – Tentava secar a face com as mãos. – Por que diabos jogaram água em mim? – Perguntou ainda de olhos fechados. – Ah... – Disse assim que viu Sana. – Você, óbvio. – Arfou aborrecida.
— É, Yuta, você tinha razão. – A japonesa começou. – Eu deveria ter deixado a bebum aqui e ir curtir a festa. – Olhou para o rapaz, mas não o encontrou. – Yuta?
— Está alucinando agora? – Dahyun perguntou.
— Ele é meu amigo, besta. E estava bem aqui, até trouxe a água.
— A que você jogou em mim?
— Sim.
— Ótimo, é bom ele correr mesmo! – Tentou levantar, mas sua embriaguez não tinha desaparecido. – Ai, porra, 'tá tudo girando. – Sentou-se novamente. – O que rolou comigo?
— Bebeu demais, claro. – Respondeu e levantou em seguida. – Enfim, você está viva. Tchau.
— Espera. – Pediu. – Não tenho como sair daqui... Pode avisar algum dos meus amigos? – Sana a fitou. – Por favor... – Disse com má vontade.
— Achei que ia agradecer. – Revirou os olhos. – Aviso.
— Valeu... – Disse baixinho, quando Sana já tinha dado as costas para sair. A japonesa ouviu aquilo, mas não respondeu. Pensou que se Dahyun fazia questão de um "por nada" deveria, ao menos, falar alto o suficiente. De toda forma, não pôde conter um leve sorriso.
*
— Dahyun, sua fudida! – Seungsik disse. – Dar PT no primeiro dia, porra? – Reclamou catando a menor e deixando a mesma apoiar-se em seu ombro.
— Pode me levar para o quarto caladinho?
— Não! – Freou os passos. – Por que bebeu tanto assim?
— Sessão de terapia a essa altura do campeonato, Seungsik? – Fez cara de impaciência. – Eu dispenso até as terapeutas que meus pais arrumam para mim, o que te faz pensar que agora eu aceitaria?
— Acho que sou muito mais legal que essas profissionais aí. – Deu de ombros e voltou a caminhar com a garota.
O silêncio se estabeleceu entre os dois. Não houve mais tentativa de conversa ou desabafo. Dahyun estava quieta e era irredutível. Ninguém consegue tirar algo de sua cabeça se ela quiser muito fazer. Ninguém consegue obrigá-la a fazer algo se ela não quiser. É sempre assim, sempre foi assim.
— Prontinho. – O rapaz disse deitando a menina na cama. – Você 'tá bem? Posso voltar para a festa ou você corre risco de morrer?
— Pode voltar. – Respondeu tirando os sapatos. – Avisa a Chaeyoung que eu vazei. Combinamos de voltar juntas, já que estamos dividindo quarto, mas eu acabei... – Olhou para si mesma. – Acabei impossibilitada disso.
— Eu aviso, sim. – Passou pela porta e acenou um "tchau", saindo definitivamente em seguida.
*
Após avisar ao amigo da Kim sobre seu estado como fora solicitada, Sana retornou para o meio da festa a procura de seus amigos.
As pessoas eram todas conhecidas, não havia ninguém naquela escola que não reconhecesse a Minatozaki ou que recusasse festejar ao seu lado, mas a japonesa já tinha sua turma e não abria mão dos mesmos por nada. Era sempre com as mesmas pessoas, curtindo da mesma forma, mas melhorando sempre.
— Obaaa! – Nayeon disse quando viu Sana retornar. – Onde estava, sumida?
— Vocês não vão acreditar! – Yuta começou. Estava empolgado para contar tudo que viu com a amiga, mas foi impedido pela mesma, que lhe deu uma cotovelada de leve no estômago. – AI! – Exclamou alto demais.
— Estava por aí. – Sana respondeu sem remorso. – O que rolou de bom na minha ausência?
— Nada de mais. – Deu de ombros e entregou um copo cheio para a amiga. – Mas pode rolar se você começar os trabalhos. – Incentivou que Sana bebesse o líquido.
— O que é isso?
— Bebe.
Apenas assentiu.
Bebeu tão rápido quanto um piscar de olhos. Reconheceu o gosto amargo em sua boca imediatamente. Era abscinto. Seus olhos brilharam, suas pupilas dilataram e seu corpo já se movia conforme a música.
Sabia que mais duas dozes dessa bebida era perigoso, mas não ia exceder. Sana nunca excede. Estava tranquila, animada, o sentimento de curtir como se fosse o último dia de sua vida já pairava sobre seu peito e ela já respondia ao chamado.
Sana dançou, beijou, bebeu um pouco mais de outras bebidas e sentou-se, ao final, querendo repor as energias.
— Que foi? – Momo perguntou. – Por que parou?
— Calma, né? – Sana respondeu ofegante. – Preciso descansar.
— Ih... Agora fodeu a festa. – Mina disse olhando ao longe com uma expressão de negação. – Vamos vazar antes que sobre para a gente.
— O que? – Nayeon ouviu o alerta de sua amiga e procurou o alvo que a japonesa mais nova tanto mirava e temia. Era Yuna. – Claro, aquela doente tinha que estragar a felicidade da gente. – Catou sua bolsa em cima da mesa e se pôs a seguir o conselho da Myoui.
— Esperem, talvez ela nem queira confusão. – Jennie soltou. – Quem sabe só quer curtir uma noite normal. – Bebericou mais um pouco de sua bebida favorita e sorriu largamente acreditando na própria fala.
Jennie é uma garota otimista, que encaixa perfeitamente no grupinho. Ela é louca na medida certa, é festeira e muito 'da paz'. É uma companhia perfeita para momentos como este, de tensão e receio, onde uma palavra calma é muito bem-vinda.
— Aí você acorda. – Momo disse rindo, mas prontamente pegando sua bolsa também. – Cadê a Tzuyu para irmos logo?
— Eu vou falar com aquela vadia agora mesmo! – Sana disse levantando-se rapidamente da cadeira com uma fúria absurda. Seu olhar era cego, sua pele era avermelhada e os seus sentimentos eram confusos demais para narrar.
— Sana, não. – Jennie tentou segurar a japonesa, mas sua ira era mais forte. Ela estava apenas conseguindo atrasar a ida da Minatozaki.
— Não é a Tzuyu ali? – Momo distraiu-se do momento de tensão para observar a taiwanesa trocando papo com Jihyo numa mesa afastada. – OU, TZU! – Chamou a atenção da jovem que assim que encontrou o olhar da Hirai, espantou-se e dirigiu-se até a mesma. – Tenta segurar a Sana. – Pediu assim que a mais nova brotou em sua frente depois de passos largos e nervosos.
— Oh, Sana-yah! – Falou a Chou num tom irritado. – O que foi? 'Tá querendo ferrar com tudo, é?
— Ela que quer! Certeza que vai contar para o tiozinho dela! – Exclamou tentando escapar das amigas.
— Deixa contar, vamos só sair daqui logo. – Suplicou piedosa.
— Não. – Soltou-se de Jennie e saiu enfurecida. – Ei! – Gritou chegando perto da Shin. – O que faz aqui?
— Me divertindo? – Olhou-a de cima a baixo com uma expressão de desdém. – Talvez indo dançar, beber um pouco... Acho que isso você fez demais, né?
— Beber? Sim, bebi. – Encarava a mais alta com um olhar impiedoso. – Bebi tanto que não consegui me conter a vir falar com você.
— Oh, e o que deseja, amiga? – Usou um tom de deboche.
— Não vai contar para o seu tio sobre essa festinha clandestina?
— Isso não. Não o afeta em nada e eu também estou me divertindo. – Suspirou pesadamente. Já estava aborrecida. – Mais alguma coisa?
— Por que caralhos você me trancou naquela sala com a Kim? – Olhou para a mais alta com sangue nos olhos.
— Eu quis. – Respondeu dando de ombros e tomando o resto da bebida que tinha em sua taça. – Por que? Algum problema? Não gostou, foi? – Fez bico fingindo tristeza. Estava debochando mais ainda. – Da próxima vez te tranco sozinha, então. – Riu alto e suas amigas acompanharam.
— Você é doente, porra? – Franziu o cenho. – O que eu te fiz para me trancar? E trancar justamente com a Kim?!
— Eu sei que você gostou. – Falou mais baixo, ao pé do ouvido da japonesa.
— Quê? Do que está falando? – Perguntava nervosa. – Claro que não!
— Eu estava lá, Sana, atrás da porta. Nunca saí. – Riu maléfica. – Eu ouvi toda a conversa de vocês e foi... Digamos... Interessante.
— Sua psicopata! – Avançou na menina e lhe direcionou tapas, mas todos com pouco êxito, afinal a Shin estava sóbria e conseguiu desviar e Sana estava bêbada e fora si, além de não ser nem um pouco boa de briga. – Se fizer isso outra vez, juro que acabo com você! ACABO COM VOCÊ, SHIN YUNA!
— Está tão irritada porquê? Percebeu que é tão chata que nem a doente da Dahyun te aguenta e agora quer descontar essa frustração em cima de mim? – Aproximou-se novamente da morena. – Cuidado ao me ameaçar, Minatozaki, assim você facilita demais para mim...
— O que você quer, afinal?
— Expulsar você. – Cerrou os olhos. – Você e a Dahyun que fazem o meu colégio de quintal.
— O colégio não é seu, perturbada. – Retrucou de imediato. – E você nunca vai conseguir me tirar daqui.
Mais alguma coisa ia ser dita, mas não foi possível. Tzuyu chegou na cena e tirou a melhor amiga dali rapidamente. As duas sumiram da vista da Shin e logo todas as líderes estavam no caminho para voltar aos seus quartos.
O caminho até os dormitórios não foi nada silencioso. Não tinha como ser diferente com Nayeon e Momo no mesmo grupo. As duas tagarelavam sem parar sobre a festa louca que encerrou por hoje. Elas riam, falavam alto e gesticulavam bastante.
Sana era a piada da vez. A forma como a Minatozaki partiu para cima da Shin foi assustadora, como dizia as duas amigas histéricas, mas tudo se tornou uma comédia quando a japonesa bêbada não conseguiu fazer nada do que prometeu.
— Vocês são péssimas! – Mina disse rindo fraquinho. – Quando os ânimos se acalmarem eu quero ver como as coisas vão ficar.
Continuaram como antes. Tzuyu e Sana conversavam baixinho. Na verdade, a taiwanesa falava e a Minatozaki escutava. Além do álcool dificultar sua compreensão, a discussão com a Shin deixou a garota abalada o suficiente para permanecer em silêncio. Suas amigas já faziam barulho o suficiente para sua mente, pensou.
Alguns passos adiante e o grupinho se dividiu. Jennie, Sana e Tzuyu foram para um quarto e Mina, Momo e Nayeon para o outro.
— 'Tô morta! – Momo disse ao entrar no quarto de hotel. – Dancei tanto que nem sinto minhas pernas.
— Quer uma massagem? – Mina ofereceu.
— Não precisa, amor. – Sorriu casto. – Vamos dormir, uma noite de sono resolve tudo.
— AI QUE ROMÂNTICO, PARA! – Nayeon disse exagerando a voz e o sotaque. – Meu Deus, que casaaaaal! – Revirou os olhos.
— Por que você quis trocar com a Tzuyu, hein? – Momo falou rindo. – E por que ela aceitou trocar, meu pai?
— Medo de vocês fornicarem com ela dentro do quarto e também vontade de checar a Sana. – Deitou-se na cama. – A Minatozaki bebeu todas hoje, a Tzuyu ficou preocupada, principalmente porque a Sana quase nunca bebe além da conta.
— E você não tem medo? – A Hirai perguntou.
— De quê?
— Eu e Mina... – Alongou o som do "a". – Com você dentro do quarto? – Hesitou, mas acabou falando. Segurava o riso a todo custo.
— ECA! – Berrou. – Se ousarem fazer algo do tipo eu juro que me meto no meio de vocês e brocho as duas na hora!
— ECA, DIGO EU! – Mina exclamou. – Você no meio, credo!
— Boa noite! – Momo atravessou o assunto e cobriu-se até a cabeça. – Silêncio, preciso nanar.
— O que foi aquilo na hora que a Sana quis avançar na Yuna, hein? – Mina disse ignorando a fala da namorada e recebendo o olhar da Im de confusão, que logo tratou de explicar. – Quando procuramos pela Chou para irmos embora, Momo a encontrou de conversa com a Park.
— E o que tem? – A japonesa mais velha perguntou com a voz abafada pelo cobertor.
— É a Park Jihyo, Momo. – Salientou como se isso fizesse a mente da maior clarear. – Ela é do grupo da Dahyun, aquelas meninas que vivem fazendo travessuras na escola.
— Eu sei, e daí?
— Momo, vai dormir. – Nayeon falou cansada. – Não percebe? O grupo da Dahyun é muito bagunceiro, já nos ferraram por tabela algumas vezes, não se lembra?
— Lembro. Onde querem chegar?
— A Tzuyu perto daquela menina não parece boa coisa. – Mina soltou pensativa. – Vou investigar.
— Qual seu medo? – Sua namorada questionou.
— Não sei, mas não sinto cheiro de coisa boa...
— A Tzuyu tem que se afastar dessa garota. – Nayeon começou. – Sendo amizade ou qualquer coisa, ela não pode ficar perto desse grupinho.
— Gente, por que não? – Momo perguntou mais uma vez confusa.
— Primeiro, a Dahyun odeia a Sana e a Sana é do nosso grupo. Caso a Kim queira ferrar a japonesa, com certeza vai respingar na gente. – Mina falou. – Segundo, além de não ser boa influência, aquele grupinho doido pode interpretar errado e acabar fazendo algo contra nós todas. Sem respingar nada, iríamos ser o alvo principal. – Concluiu. – Vou dar um jeito de afastá-las.
— Como se nem sabe se são realmente próximas?
— Vou dar um jeito, Momoring.
— E pode contar comigo. – A Im reforçou.
*
— E aí, pinguça. – Chaeyoung disse ao fechar a porta do quarto e olhar para a cama encontrando uma Dahyun preguiçosa. – 'Cê 'tá bem?
— Você está melhor, tenho certeza. – Sorriu de leve e tirou por completo o lençol que cobria seu rosto. – Esses olhos sorridentes me dizem algo, mas quero que sua boca verbalize! – Sentou-se animada. – Qual o motivo desse brilho diferente que você carrega?
— Está mudando de assunto... – Cerrou os olhos e chegou perto da Kim. – Eu te conheço bem demais, Kim Dahyun, e sei quando quer mudar o foco da conversa, principalmente se a pauta que está tentando ocultar for a senhorita. – Riu.
— 'Tô achando que está me conhecendo até demais. – Revirou os olhos. – Dessa vez está enganada, mas não vou alongar o argumento, estou curiosa para saber das suas novidades. – Retrucou sem demora.
Dahyun era ágil como poucos. Apesar de ter tal intimidade com a melhor amiga e a ciência de que a mesma lhe conhece dos pés à cabeça, consegue, ainda assim, engabelar a Son para que sua curiosidade e preocupação se transforme em euforia para lhe contar as próprias novidades.
— EU BEIJEI A SOMI! – Berrou alto demais e deu pulinhos inocentes até a cama que sua melhor amiga estava. – FOI MÁGICO.
— MEU DEUS??? – Devolveu a euforia e as duas, já próximas, deram as mãos e simularam pulinhos. Estavam contentes demais juntas. – Como foi isso, mano?
— Ah... – Coçou a nuca e desviou o olhar. – Detalhes que não precisam de notícia, né? – Sorriu nervosamente.
— Foi numa ocasião nem um pouco favorável, presumo. – Dahyun disse deixando seu sorriso morrer também. – Desembucha.
— Fizeram uma brincadeira na festa. – Começou desconfiada. – Algo como "beijo surpresa". – Fez aspas com as mãos. Ela gesticulava bastante quando ficava sem jeito. – Resumidamente: participei disso, a Somi também e mais uma penca de adolescentes.
— Essa parte 'tava meio óbvia. – Desdenhou impaciente.
— A Somi estava vendada e eu também, mas o pano que cobria meus olhos não estava bem posicionado. – Comprimiu os lábios por timidez. – Eu consegui ver que beijaria ela. Não ajeitei o tecido, trapaceei mesmo!
— PORRA, SON CHAEYOUNG! – Riu descontroladamente assim que a amiga terminou a história. – Esse foi o tal beijo de vocês que foi "mágico"? – Imitou o jeito de fazer aspas com as mãos que a amiga tinha feito mais cedo. – No dia que vocês saíram juntas pensei que já fosse rolar, mas não. Agora isso?! Você já foi melhor na arte de pegação...
— Eu ainda sou boa, mas com a Somi é diferente... Algo é diferente e eu não faço ideia do que é! – Reclamou tristemente, jogando-se no corpo da amiga.
— Sai fora. – Empurrou-a. – Olha, por que só não aplica seus métodos com a Jeon também? Se sempre funcionou com todas, com ela não será diferente.
— Aí é que 'tá. – Estalou os dedos e voltou a posição anterior. – Ela é diferente de todas as outras donzelas que já passaram por mim... – Seu olhar era pensativo e dramático. – Ela é outra parada, entende?
— Não.
— Verdade, você não ama ninguém.
— Claro que amo! – Retrucou ofendida. – Amo meu cachorrinho, oras.
— Dahyun você não vê mais esse pulguento há anos!
— MAS AINDA O AMO! – Fingiu drama e deitou o corpo na cama com violência. – Apesar de não poder criá-lo, ele sempre será meu bichinho... – Forçou uma carinha triste.
— A culpa é da sua asma! Como era mesmo o nome dele? – Chaeyoung perguntou fazendo força para lembrar. – Era... Era...
— Cereja.
— ISSO! – Estalou os dedos como se tivesse lembrado sozinha. – Cereja... – Reforçou. – Não aguento o nome feminino para um cachorro macho! – Riu de leve ao lembrar. – Você é muito besta, Dubu.
— Cereja é minha fruta favorita, precisava batizar o bichinho com algo que já amo para amá-lo ainda mais!
— Faz sentido...
— Que noite louca da porra! – Jeongyeon disse entrando de supetão no dormitório. – E aí, lindas. – Fechou a porta. – Bebum, como 'cê vai?
— Bem. – Respondeu a Kim, rapidamente. – O que rolou para a festa ser louca?
— Muita gente bêbada que nem você, aposto. – A Son disse nada empolgada.
— Que nada! – A Yoo disse ainda um tanto elétrica. – A Sana partiu para cima da Yuna numa hora lá e foi loucura.
— COMO É? – A falta de empolgação de Chaeyoung virou o completo oposto ao ouvir tais palavras saírem da boca da amiga.
— A Sana?! – Dahyun disse incrédula.
— Isso mesmo. – Começou a contar enquanto trocava de roupa. – Não sei detalhes do que foi dito, vazei assim que as amigas da Minatozaki a tiraram de perto da Shin, mas ouvi uns berros por parte da japonesa, que estava muito bêbeda, diga-se de passagem, e notei mais provocações da Yuna, como de praxe.
— Por que elas brigaram? – A mais nova perguntou. Dahyun apenas ouvia com atenção e agia como quem não dava a mínima.
— Deve ter sido porque a Yuna trancou a Sana numa salinha e quase fez a mesma perder a apresentação.
— E aquela ali adora a atenção que recebe como líder de torcida, né? – Perguntou a Son retoricamente, justificando.
— Exato. – Yoo aproximou-se de sua cama. – Enfim, foi isso. Depois que tiraram a Sana de lá, o grupinho das líderes e boa parte da galera vazou. Muita gente saiu só de ter visto a Shin chegar também. – Cobriu-se. – Sabe, medo dela denunciar para o tio...
— Quando convém ela fica caladinha... – Dahyun comentou, fazendo o mesmo que a mais velha. Cobriu-se e deu a entender que iria dormir.
Sua mente vagava por muita gente, muitos acontecimentos e muitas ações. Pensou muito no dia de hoje e em tudo que rolou consigo e com o resto da turma. Gravou muitas informações sobre a Shin por pensar serem úteis na sua vingança contra a mesma.
Dormiu rapidamente, apesar de sua mente nunca acalmar. Não sonhou com nada, como de costume, mas seu sono era pesado demais ainda assim. Com os pensamentos confusos e barulhentos, com os sentimentos estranhos e nada quistos pela Kim, ela dormiu.
Seria um milagre se isso ocorresse numa noite comum, mas o álcool ainda se fazia presente em seu organismo e juntamente de toda a confusão que ele lhe causou, o sono era inevitável. Dormiu. Dormiu para acordar e dar início ao que planejara por horas.
*
"Senhorita, você é uma trapaceira
Bem, eu também"
Chapter 5: Mariners Apartment Complex.
Chapter Text
Mariners Apartment Complex – Lana Del Rey
"Eles confundiram minha gentileza com fraqueza
Eu estraguei tudo, eu sei, mas Jesus
Uma garota não pode apenas fazer o melhor que consegue?"
*
"Subindo e descendo as escadas; Contando de um a dez repetidas vezes; Enrolando a mão na manga do casaco preso em sua cintura; Pensando em várias coisas ao mesmo tempo e temendo o mesmo de sempre.
— Um, dois, três... – Sobe e desce os degraus com certa pressa. – Quatro, cinco, seis... – Já estava ofegante. – Sete, oito, nove...
— Dahyun? – A voz grossa e rígida lhe faz ficar em alerta.
— Dez. – Parou, na parte mais alta da escada e encarou o homem dono da voz. – Oi, pai.
— Está na hora, vamos. – Encarou a menor mais uma vez antes de continuar a breve caminhada até a porta de saída.
Os dois entraram no carro, que já tinha a mãe da Kim dentro, e seguiram viagem até um consultório já conhecido pela pequena.
— Desça. – A voz feminina de sua progenitora ecoa em sua mente e a faz divagar por poucos segundos. Obedece a maior finalmente e segue, ao lado dos mais velhos, para a entrada do local.
— Bom dia. – O Kim fala ao passar pela secretária e seguir consultório adentro. – É aqui. – Falou quando parou em frente a uma porta grande e branca.
— Pai, mãe... – Dahyun disse com a voz chorosa. Olhava nos olhos dos pais com um olhar piedoso, inquieto e receoso. – Eu não quero ir...
— Dahyun, já chega. – Disse a mulher. – Você precisa ir. Tem que se tratar.
— Eu não sou louca, nem doente! – Respondeu a jovem com euforia.
— Não se trata disso. – O Kim começou. – Já estamos cansados disso também, não percebe? Inúmeras reclamações na escola e vários profissionais sendo trocados... Assim não pode ficar, Dahyun.
— Eu prometo nunca mais fazer nada de errado! – Juntou as mãos e esfregou uma na outra. – Nunca mais faço nada na escola e nem em lugar algum.
— Estamos cansados das suas falsas promessas também. – Finalizou e virou-se para a porta novamente, dando três leves batidas na mesma. – Olá, doutora, bom dia. – Disse com um largo e falso sorriso assim que a profissional abriu e apareceu.
— Bom dia, queridos. – Com um sorriso gentil nos lábios, deu passagem para a família entrar. – Sentem-se. – Assim o fizeram. – O que houve?
A sala era em maioria branca, mas com alguns detalhes. No lado direito, uma estante com jogos e brinquedos era vista, além de desenhos bonitos e coloridos enfeitarem esse canto da parede.
Do outro lado, ao fundo, uma mesa e uma cadeira de tamanho mediano se encontravam. Eram coloridas e divertidas, distrairiam qualquer um, mas ao mesmo tempo emanam conforto.
Na parede da esquerda, a mais perto de Dahyun, algumas frases estampavam o local. Frases aleatórias. Algumas motivacionais, outras realistas demais.
A última parede, a que ficava atrás da psicóloga, continha apenas algumas prateleiras embutidas e sofisticadas, com livros e cartas. Essa, sem dúvida, foi a favorita de Dahyun.
— Obrigado mais uma vez, doutora. – O pai da Kim falou ao cruzar a porta para ir embora. A mãe da pequena apenas lançou um sorriso, mas Dahyun nem isso fez.
Seguiram os três de volta para casa num silêncio absurdo. Não houve consulta comum, apenas uma triagem. Dahyun não disse nada além do que lhe fora perguntado. Sempre direta e objetiva, sem espaço para dúvidas ou nascimento de assunto. Cortava qualquer tentativa de conselho e fez da breve consulta mais breve ainda.
— Eu não quero voltar lá. – A mais nova disse assim que o carro parou na garagem.
— Pare com isso. – A mãe falou sem muita delicadeza. – Você tem que voltar.
— Não entendo. – Suspirou pesado. – Se eu não quero receber o tratamento, não deveriam me forçar. – Deu de ombros, aborrecida. – Algo assim só funciona se o paciente estiver disposto e eu não estou.
— Por que não?
— Eu odeio falar da minha vida para estranhos, mãe.
— Ela é uma profissional, Dahyun. – O homem começou. – É doutora em psicologia, uma das melhores do nosso país e uma das únicas que realmente se importa com o trabalho real da psique.
— Vão perder tempo. – Falava enquanto caminhava até a escada. – O meu tempo, o dela e o de vocês, mas se insistem... – Sumiu da vista dos pais enquanto subia os degraus.
Nada mais foi dito, não tinha como haver discussão ali, mesmo que pacífica. Dois advogados não aceitariam perder para uma adolescente problemática jamais, nem mesmo se a tal adolescente fosse sua filha.
— Cereja? – Dahyun chamava pelo cão com uma voz doce. – Cerejinha cadê você? – Assoviou, estalou os dedos, falou alto, mas nada do cachorro aparecer. – Onde está o Cereja? – Falou mais alto para que seus pais ouvissem mesmo no andar de baixo. – PAI, MÃE! – Berrou, já que de primeira não obteve resposta. – Cereja... – Andava pelos quatro cantos do andar de cima atrás do animal e nada dele.
— É agora... – A Kim mais velha disse negando com a cabeça. – Está preparado? – Olhou para o marido.
— Tenho que estar.
— Cadê o meu cachorro? – A jovem perguntou aborrecida e preocupada depois de descer as escadas rapidamente. – Não o acho em lugar algum.
— Mandei tirarem ele daqui. – Falou como quem dizia a coisa mais banal do mundo.
— Como é? – Dahyun imediatamente ficou zonza. Parecia que sua pressão havia baixado. – Pai, o que disse?
— Mandei tirarem o Cereja dessa casa. – Repetiu o mesmo jeito de falar. – Ele não podia ficar aqui nem mais um segundo, Dahyun.
— COMO PÔDE FAZER ISSO? – Berrava já chorando. – Onde ele está?
— Não se preocupe, mandei para um bom canil, lá cuidam de cachorros melhor do que você um dia poderia. – Encarou o rosto vermelho da jovem, mas não sentiu remorso algum. – Pode visitá-lo quando quiser, mas duvido que ele sinta falta. – Riu de leve, sozinho.
— Por que fez isso? – Perguntou com a voz cansada.
— Você tem asma, filha. – A mãe disse. – Suas crises estavam mais frequentes e achamos melhor, depois de consultar especialistas, tirar o cachorro daqui.
— Eu tenho a bombinha de ar, não tinha problema em mantê-lo aqui... – Olhava para o chão ao falar, suas mãos estavam em seus cabelos os apertando com força. – Onde é esse canil? Quero ir buscá-lo.
— Infelizmente não vai ser possível. – O mais velho respondeu. – É em outra cidade, mas quando quiser vê-lo, é só me avisar com antecedência que mando o motorista te levar.
— Eu quero ver meu cachorro agora!
— Dahyun, não.
— EU QUERO, PAI! – Gritou e chorou alto demais. Seu choro sempre foi muito intenso, mas esse estava pior. – Eu quero. – Disse com dificuldade ao tentar parar de chorar. – Eu... Preciso... – Buscava o ar, mas não achava. – Eu pre- – Tentava respirar com a boca e o nariz, mas estava ficando mais vermelha ao passo que não conseguia inalar oxigênio.
— Droga! – A mãe da pequena disse e saiu correndo pela casa em busca de uma bombinha de ar.
— Não preciso de vocês. – Dahyun disse com menos dificuldade agora e menos vermelha também. – Eu sempre ando com ela no bolso. – Mostrou a bombinha que tinha usado nesse minuto. – Eu sei me cuidar muito bem sozinha, ok?
— Sei... – O homem desdenhou.
— Não há terapia que coloque em meu caminho que me faça mudar! – Falava alto enquanto voltava para seu quarto. – EU ODEIO TUDO ISSO!"
— Dahyun! – Jeongyeon balançava o corpo da menor com uma certa velocidade e força. – DUBU, ACORDA!
— AI, CARALHO! – Disse a Kim, quando acordou finalmente. – Por que me acordou assim, mano?
— Você está toda suada. – Colocou a mão na testa da garota, retirou e mostrou a umidade. – E estava se mexendo muito, fiquei preocupada.
— Estou bem. – Secou o suor com rapidez. – Foi só um sonho ruim.
— O que sonhou?
— Umas lembranças do passado... – Disse envergonhada, mas dando a entender que não queria dar detalhes sobre nada. Levantou-se da cama e seguiu ao banheiro. – Finge que isso não aconteceu, 'tá? – Falou, em forma de súplica, antes de adentrar definitivamente o recinto e a amiga apenas assentiu.
Dahyun ligou o chuveiro e ajustou a água para gelada mesmo que o clima não pedisse por isso. Jogou seu corpo para debaixo d'água sem demora e ficou estática por minutos, apenas sentindo o líquido gélido bater em sua pele de forma bruta.
Seu corpo não mexia, não emitia som, era quieto. Diferentemente de sua mente, que estava uma bagunça absurda. Seus pensamentos eram muitos, seus medos estavam mais aparentes o sonho em formato de lembrança que acabara de ter se fazia mais presente ainda.
Uma dor física atingiu seu peito, mas não era nenhuma doença. Era amargura, tristeza, ansiedade. O aperto no coração tinha nome, sobrenome e um dna parecido com o seu.
*
— Levantem, palhaças! – Momo disse puxando os cobertores das outras três líderes de torcida ainda adormecidas. – Sabem que horas são?
— Não! – Tzuyu respondeu alto, mas puxando o cobertor para si novamente. – Estamos sem relógio, não percebe?
— Eu respondo, então: é muito, muito tarde! – Continuou a atrapalhar o sono das três. – Vamos, meninas, levantem! Temos que aquecer antes dos jogos.
— Como caralhos você conseguiu entrar aqui? – Sana perguntou se dando por vencida e finalmente levantando.
— A Nayeon tinha a chave da Tzuyu. – Respondeu com um sorriso convencido nos lábios. – E agradeça por isso, senão íamos perder a hora e a culpa seria totalmente de vocês!
— Epa! – Jennie disse tirando a venda dos olhos. – Não íamos nos atrasar, eu coloquei um alarme no meu celular e ia acordar as outras duas sem problemas.
— Colocou o alarme para que horas?
— Seis e meia.
— Sabe que horas são?
— Não.
— SETE!
— Ah... – Coçou a nuca desconfiada e levantou em seguida, fingindo que nada tinha acontecido, mas tratou de levar o celular consigo para o banheiro para checar se realmente eram sete horas da manhã e se tinha, de fato, colocado um alarme para despertar.
— Eu... – Sana disse inconformada ao ver a coreana entrar no banheiro. – Eu levantei primeiro, era minha vez de usar!
— Vai no meu quarto, a Nayeon já saiu uma hora dessas.
— Valeu, Momoring! – Passou pela japonesa e deu um beijo casto em sua bochecha já devidamente maquiada.
— Ei. – Antes que Sana partisse, a japonesa segurou seu pulso e virou seu corpo para ela, encarando seu rosto suavemente. – Você está melhor?
— Melhor do quê? – Franziu o cenho.
— Não lembra de nada?
— Eu tenho algo para lembrar?
— Esquece... – Soltou o pulso da menor e deixou que continuasse seu caminho. – Vou contar até três, Chou Tzuyu, se eu chegar no três, pego seu celular, coloco seu dedo na digital e acho quem é sua namoradinha fantasma, ouviu bem?
Não recebeu nenhuma resposta, a taiwanesa continuava imóvel e num sono, aparentemente, profundo.
— Um... – Começou já impaciente. – Dois... – Só um murmuro foi ouvido, mas nem um músculo mexeu-se. – Dois e meio... – Momo aproximou-se da cama da maior já mirando os olhos no celular que descansava em cima da mesinha ao lado do travesseiro. – Dois e setenta e cinco... – Esticou a mão para pegar o celular e com a outra agarrou um dedo da mais nova, pronta para colocar em prática o que havia prometido. – Trê-
— OK, OK, EU JÁ LEVANTEI! – Berrou e tomou o aparelho das mãos da mais velha com certo alvoroço. – Você joga sujo demais, Hirai!
— E você é péssima com horários.
— Deve ser porque tive que apagar muitos incêndios nessa madrugada, né?
— Sana bêbada é realmente uma coisa preocupante. – Sentou-se na cama de Tzuyu enquanto mirava a maior com olhar de líder, algo como se estivesse ordenando só com as pupilas um "levante-se imediatamente!". – Ela quase não bebe, é estranho mesmo. Sabe o motivo?
— Não e aparentemente nem ela.
— Por que?
— Antes de dormir perguntei, mas só obtive um "sei lá" como resposta. – Deu de ombros.
— E você? – A estrangeira lançou um olhar confuso sobre a Hirai.
— O que tem eu?
— O que fazia conversando com a Jihyo?
— Conversando, ué. – Deu de ombros novamente, mas seu comportamento agora era tímido. – Por que?
— Achei que não tínhamos amizade com ninguém daquele grupo.
— E não temos, eu só troquei algumas palavras com ela.
— Tem certeza? Vocês pareciam muito íntimas...
— E você estava alcoólizada quando notou isso, certo? – Assentiu a contragosto. – Então, poupe-me de questionamentos aleatórios, Momo.
— Foi só uma pergunta, não precisa se ofender.
— Não me ofendi. – Deu de ombros mais uma vez. Sua linguagem corporal denunciava muitas coisas, mas Momo não era uma pessoa perceptiva. – Não gosto daquela galera, são todos idiotas e imaturos, apenas tive um papo besta com a Park sobre drinks é só isso...
— Entendi... – Falou alongando o som da palavra, mas tinha realmente se convencido da resposta.
— É sério, pode acreditar. – Reforçava nervosamente.
— O que está rolando? – Jennie perguntou curiosa ao abrir a porta e ouvir somente a última frase da Chou para a Hirai.
— Você demora demais tomando banho! – A mais nova disse, ignorando a pergunta da Kim, adentrou o banheiro e fechou a porta com violência.
— Eu hein... – Jennie disse.
*
— VAI SE FODER, PORRA! – Chaeyoung berrou com raiva. – O CARA NÃO TOCA A BOLA, É MUITO FOMINHA! – Reclamava como se tivesse alguém do lado ou como se os jogadores fossem ouvir e acatar.
A Son estava na arquibancada assistindo ao jogo de futebol. O segundo do campeonato e o mais difícil até agora. Ela sempre gostou de esportes, assisti-los e analisá-los, mas executá-los nunca foi o seu forte.
— NÃO, NÃO, NÃO! – Continuava berrando. – LATERAL, MEU AMIGO, LATERAL! – Colocava as mãos no cabelo nervosamente.
— Vai dar ruim... – Comentou para si mesma, mas numa altura considerável para a outra coreana ouvir.
— Se continuar desse jeito, vai mesmo. – Respondeu a Son, mesmo que não tenha sido com ela. – AH, NÃO! – Levantou bruscamente. – TEM UMA LINHA, AMIGÃO, UMA LINHA! NÃO ULTRAPASSA ELA, BELEZA?
— Precisamos de quantos pontos nesse jogo? – Perguntou, olhando para Chaeyoung dessa vez, depois de uma risadinha do jeito da mesma.
— Só vencer, é isso que importa agora. – Respondeu aborrecida e sentou-se novamente. – Desculpe. – Olhou no rosto da loira que conversava com ela. – Fiquei nervosa demais com o jogo. Precisamos de três pontos.
— Ah, isso é muito difícil? – Aproximou-se mais da menor. – Não entendo muito...
— Não é. – Respondeu rápido, afinal o jogo voltava a ficar interessante. – Se sair um gol agora é a chance de tornar a vitória muito mais fácil no final do campeonato.
— Miyeon. – Esticou a mão para a frente. – Cho Miyeon.
— Chaeyoung. – Segurou e balançou a mão da garota em cumprimento. – AI, CARALHO! É AGORA... – Berrou de novo e assustou a loira. – VAI, TOCA ESSA BOLA! AEEEEEEEEEEEEEEEEE!!! – Pulou de alegria e apertou ainda mais a mão da menina sem perceber. O gol tinha mexido um pouco com a noção da Son. – Meu deus, mil perdões. – Soltou finalmente.
— Tudo bem... – Sorriu desconfiada. – Você vai fazer algo depois do jogo?
— Assistir ao outro. – Riu. – Mas pode sempre surgir algo mais interessante, certo? – Sorriu sacana.
— Estava pensando nisso. – Devolveu o gesto. – Quer sair para algum lugar ou sei lá?
— Eu ad- – Antes que pudesse responder seu celular toca e lhe tira do ambiente. – Alô? – Coloca o dedo no ouvido vago e se afasta um pouco da Cho, tentando compreender o que lhe é dito. Ao fim da ligação, desliga o aparelho e volta para perto da coreana. – Tenho que ir.
— Por que? – Perguntou um tanto curiosa demais. – Pra onde?
— Depois a gente se fala! – Berrou já afastada da garota e sumiu num pulo.
Miyeon senta novamente em seu lugar e analisa a situação um pouco apavorada demais. Pensa em sair dali e contar o que houve para mudar os planos, pensa em continuar ali e ver o que acontece e pensa em mais mil coisas, mas nada executa, afinal a chegada de alguém que senta justamente ao seu lado concretiza que não é Miyeon quem deve pensar no que fazer.
— O que está fazendo aqui e cadê a Son? – Perguntou autoritária.
— Eu conversei com ela, mas a mesma recebeu uma ligação e não me deu chances de acompanhá-la. – Respondeu nervosamente. – Desculpe, Yuna, eu tentei.
— Uma ligação, é? – Perguntou retoricamente. – Isso não é bom sinal... Não te deixou ir junto e nem deu brecha para descobrir nada, imagino. – Assentiu. – Isso é coisa da Dahyun, tenho certeza.
— E o que vamos fazer?
— Não há o que fazer, você estragou tudo! – Olhou nos olhos da mais velha com raiva. – Como pode ser tão incompetente?
— Posso continuar tentando, Yuna, prometo.
— Por agora não dá! – Berrou. – A Son já sumiu e não sabemos para onde foi, o que me resta é aguardar a peripécia da vez. – Arfou pesado e revirou os olhos. – Não pensou em segui-la, Cho? – Cerrou os olhos em julgamento. – Ainda bem que é rica, se dependesse do seu cérebro para viver... Sinto muito! – Riu debochada. – Não quero falhas novamente, ouviu bem?
— Sim. Desculpe.
— Agora saia daqui sem olhar para trás, não precisam nos ver tão juntas assim.
— Mas nós andamos juntas sempre.
— Não precisam achar que você é algo além de puxa saco. – Rebateu duramente e riu. – Saia! – Sua expressão mudou drasticamente e encarou a outra com desprezo ao ordenar.
*
— Eu vou cair pra trás de tanto cansaço! – Tzuyu disse em tom de choro.
— Ninguém mandou farrear e perder o foco. – Momo cutucou.
— Você fez a mesma coisa!
— Mas não estou reclamando, estou? – Riu sapeca com aquilo e recebeu uma toalha na cara como resposta. – Ai!
— Certo, crianças, parem de brigar. – Mina disse cansada. – Guardem as energias para o encerramento.
— Faz muito tempo que estamos guardando energia. – Nayeon começou. – Nós aquecemos e descansamos até a hora da abertura, depois que o relógio disse que era o momento, nos apresentamos e cá estamos nós descansando novamente até a hora certa.
— O que está querendo dizer? – Jennie perguntou curiosa, mas já com um sorriso danado querendo escapar.
— Que esses animais podem brigar à vontade, têm muito tempo para repor as energias. – Ela riu de leve com a própria brincadeira, mas Kim gargalhou alto e a maioria acompanhou. – Eu adoraria assistir uma briga agora... – Olhou para o nada, pensativa. – Me tiraria desse tédio infernal que me encontro.
— Vai dar uma volta, Im. – Momo sugeriu. – Volta quando faltar cinco minutos.
— Obrigada, líder. – Levantou e sorriu satisfeita. – Alguém me acompanha?
— Eu vou aproveitar esse tempo para tirar um cochilo, isso sim. – Tzuyu respondeu já deitando sobre as cadeiras. – Me acordem quando faltar três minutos.
— Cinco. – Momo disse.
— Três e meio.
— Cinco.
— Quatro...?
— Cinco.
— Quatro e meio e não se fala mais nisso!
— São só trinta segundo a menos, Chou. – Riu involuntariamente. – Cinco.
— QUE VIDA É ESSA, JESUS? – Fez drama e cobriu os olhos em seguida, tentando capotar o mais rápido possível.
— Eu vou com você, Nay. – Jennie disse recebendo ajuda da mesma para levantar. – Mais alguém?
— Vou ficar. – Mina disse.
— Eu também. – Momo falou.
— Eu vou. – Sana finalmente saiu do silêncio e acompanhou as amigas para sair, também, daquela sala.
Caminharam conversando sobre coisas aleatórias e sem um destino certo. Sana tinha sua cabeça confusa, mas ela mais doía de ressaca que de ansiedade.
Alguns flashes da madrugada atingem sua memória, mas nada é muito claro e acaba por deixar a Minatozaki mais atônita ainda.
— Sana? – Nayeon pergunta e desperta a mais nova dos próprios pensamentos. – O que você tem?
— Nada, só estou com dor de cabeça.
— Deve ser ressaca. – Jennie completou.
— E é. – Sana afirmou. – Preciso de um remédio ou vai ser impossível me apresentar mais tarde.
— Tem no meu quarto, é só pegar na minha mala no bolsinho pequeno da frente. – A Im disse solícita já mudando o caminho para os quartos do hotel. – Ou nós vamos até lá juntas e eu pego.
— Não precisa. – Sana disse freando a caminhada. – Continuem o passeio, eu pego o remédio e descanso um pouco, fiquem de boa.
— Qualquer coisa liga. – A Kim disse e a japonesa apenas assentiu.
Sana seguiu para o quarto de Nayeon a passos largos, caminhou tão rapidamente que chegou ao destino sem perceber. Abriu a porta com o cartão que a Im havia lhe entregado, procurou o comprimido e quando o achou, ingeriu sem demora.
Saiu do quarto da amiga com a intenção de ir para o seu e descansar, mas ao fechar a porta, uma vontade súbita de se refrescar a fez mudar de ideia.
Caminhou com pressa pelos corredores para ganhar tempo para curtir o que, agora, tanto almejava. Sana queria aproveitar que não havia ninguém por perto para nadar um pouco na piscina o que, além de relaxar seu corpo, aliviaria sua dor de cabeça também. E assim, então, seguiu.
*
— CHEGUEI! – Chaeyoung disse abrindo a porta de seu quarto vorazmente. – Vim o mais rápido que pude. – Sentou-se na cama esbaforida.
— Calma. – Seulgi disse, pegando uma garrafa de água e entregando a menor. – Bebe.
— Valeu. – Recebeu e tomou o líquido rapidamente. – Enfim, desembucha logo, Dubu.
— Vamos dar início ao que planejei contra a Yuna agora mesmo. – Dahyun respondeu com um sorriso maléfico nos lábios.
— E o que vai ser? – Jihyo perguntou.
— Vejam vocês mesmas e tentem adivinhar. – Tirou um lençol que cobria um carrinho de mão lotado de garrafas cheias de água sanitária. – E aí? – Não tirava o sorriso dos lábios.
— O que porra você está pensando em fazer com isso? – Jihyo perguntou assustada.
— Vamos jogar isso na Shin?! – Jeongyeon tinha o mesmo tom que a Park. – Dahyun, eu não sou muito fera em química, mas esse produto é tóxico.
— Não vamos jogar nela, suas bobas. – A Kim disse calmamente. – Vamos usar isso tudo aqui, mas não no corpo da Shin.
— E o que vamos fazer, então? – Seulgi questionou.
— É bom que não seja nada em que eu precise me esforçar de novo. – Seungsik disse suspirando e recebeu olhares confusos que logo tratou de explicar. – Eu que carreguei isso tudo até aqui e tenho certeza que carregarei até outro lugar também.
— Isso nem parece tão pesado, seu gay fresco! – A Son brincou.
— Você acha que ela me fez trazer só esse carrinho? – Revirou os olhos e virou-se, indo até o banheiro. – Aqui tem mais. – Puxou o que tinha dentro do banheiro e assim que mostrou, os queixos das meninas caíram.
— Dahyun, o que você está planejando, pelo amor de deus? – Seulgi usou o mesmo tom assustado que suas amigas. – Isso parece estar indo longe demais.
— Parem de medo besta! – Ajudou o rapaz a arrastar o carrinho até ficar ao lado do outro. – Não vamos deixar esse produto tocar na pele de ninguém e nem fazer ninguém cheirar, antes que me perguntem. – Revirou os olhos. – O que nós vamos fazer é simples, até uma criança consegue e nem causará problemas sérios.
— O que causará? – Jihyo perguntou.
— Dor de cabeça, raiva, desespero. – Riu ao imaginar. – Tudo na Yuna, claro.
— Ok, mas o plano você pretende contar que horas? – Chaeyoung perguntou.
— Agora. – Abriu a mochila e saiu distribuindo máscaras para todos ali. – Vamos levar tudo isso para a piscina e jogar toda essa água sanitária.
— Você enlouqueceu??? – Jihyo disse. – Acabou de falar que não vai tocar na pele de ninguém e tem a brilhante ideia de despejar todo o produto numa piscina PÚBLICA?
— Calma, Park. – Entregou baldes e algumas garrafas de água sanitária dentro dos mesmos para o peso no carrinho diminuir. – Vou cuidar para que ninguém entre na piscina, nem a Shin.
— E então porque vamos jogar isso na água? – Chaeyoung perguntou.
— Eu vou jogar todas as roupas da Shin lá dentro, nenhuma sairá ilesa.
— Seu plano é esse? – Jeongyeon começou. – Isso tem grandes chances de dar muito errado e de nem conseguirmos completar, afinal é na piscina do hotel, alguém pode nos ver.
— Não vão. – Falou seguramente. – Só existem três câmeras na área da piscina, é só tampar. – Tinha segurança até demais na voz. – As entradas para a piscina são quatro. Uma de serviço, que pode ser trancada e as outras três para hospedes, que serão vigiadas por vocês.
— E quem vai executar o resto? – A Yoo continuou.
— Eu, o Seungsik e a Chaeyoung. – Abriu a porta de seu quarto, já dando a entender que logo sairiam. – Está cedo, os jogos acabaram de começar, nem o de futebol encerrou ainda e esse era só o primeiro do dia.
— Então cada uma de nós vai ficar em uma entrada vigiando? – Seulgi perguntou e Dahyun assentiu. – E se alguém quiser passar?
— Mintam. Se forem hóspedes, digam que está em manutenção. – Sorriu satisfeita. – E se for algum funcionário, é só apitar que eu vou entender o que rolou.
— E o que vai fazer se alguém apitar?
— Simples, Seulgi, vocês correm e eu levo a culpa. – Mexeu na bolsa e tirou três apitos, entregando as devidas pessoas. – Nada dará errado para vocês.
— E as roupas da Shin, onde estão? – A Son perguntou.
— Dentro dessas duas malas, eu peguei cedinho. Esperei que todas saíssem do quarto e entrei nele com uma chave reserva que roubei da recepção. Como eu fiz essa última parte ainda é chocante até para mim. – Dahyun respondeu. – Mais alguma pergunta?
— Mais três. – Jihyo começou. – Onde conseguiu tanta água sanitária assim e todos esses equipamentos?
— Os apitos eu trouxe de casa, pensei que serviriam para alguma pegadinha. – Riu. – Os equipamentos e os produtos eu os roubei da despensa do hotel com a ajuda do querido Kang aqui. – Piscou para o rapaz que lhe virou a cara como resposta. – E a segunda pergunta, Park?
— Não era mais fácil só colocar numa banheira? Por que a piscina que é tão grande, num lugar tão arriscado e trabalhoso?
— Eu quero que ela passe vergonha na frente dos outros e pense que não tem mais jeito. – Deixou uma expressão de irritação transparecer. – A última pergunta?
— A piscina é enorme, apesar de ter muita água sanitária, ainda é pouca se comparada com o tanto de água em que vamos despejar o produto. Acho que não fará efeito algum nas roupas da Shin.
— Eu sei, mas não vamos só jogar o produto e as roupas, não. – Pegou as malas e pôs em sua frente. – Esses baldes que entreguei a vocês, é justamente para retirarmos boa parte da água da piscina. Só depois disso vamos jogar as coisas.
— Com três baldes? – Arregalou os olhos. – Já reparou o tamanho da piscina?
— Relaxa, Hyo. – Arfou. – Não precisamos esvaziar a piscina toda, vai dar certo. – Gesticulou para que saíssem todos do quarto. – Vamos começar logo.
*
"Pegue uma onda e absorva a doçura
Pense nisso, a escuridão, a profundidade
Todas as coisas que me fazem ser quem eu sou"
Chapter 6: Doin' Time.
Chapter Text
Doin' Time – Lana Del Rey
"Oh, tire esse véu dos meus olhos
Meu Sol ardente vai, algum dia, nascer
Então, o que eu vou fazer por um tempo?"
*
Todos estão nas posições corretas, determinadas por Dahyun, e dando continuidade ao plano da mesma.
— Já 'tá bom, Dubu? – Chaeyoung pergunta ofegante. – Acho que vai fazer um grande estrago nas roupas da Shin assim como está.
— Sim. – Dahyun disse jogando o último balde de água no lado que antes era para ser seco. – Podem sair. – Disse aos dois amigos que estavam dentro da piscina. – E se sequem, podem pegar um resfriado.
— Que linda sua preocupação! – Chaeyoung falou enquanto escalava a beira da piscina para sair da mesma. – Nem parece a peste que é.
— Não sou uma peste... – Riu.
— Imagina se fosse! – Seungsik falou brincando e jogou para Chaeyoung uma das duas toalhas que segurava. – Agora vamos ser rápidos despejando essa água sanitária, ok?
Dahyun ouviu o que rapaz disse e imediatamente deu início a penúltima, e talvez mais importante, parte do plano. Foi até os carrinhos de mão e empurrou um por um para mais perto da piscina, já autorizando a abertura das garrafas e o despejo do líquido.
Assim foi feito.
— A última foi! – Chaeyoung falou jogando a última garrafa longe.
— Agora recolham tudo e sumam, eu vou jogar essas roupas na piscina logo. – Dahyun disse com um tom sério e ansioso.
A coreana ajudou a recolher as garrafas, mas somente isto. Avisou, por mensagem, as três vigias que já podiam sair de seus postos e sumirem dali rapidamente; Depois, disse o mesmo a sua melhor amiga e melhor amigo, vendo ambos desaparecem de sua vista velozmente.
Dahyun pegou as malas, trouxe para perto de si, abriu ambas e começou a arremessar peça por peça de um jeito raivoso.
— Isso aqui é por me dedurar sempre! – Falou enquanto jogava uma blusa de marca. – E isso é por ter me trancado naquela salinha com a Sana. – Arremessou uma calça. – Isso aqui é por... – Ia completar, mas sua atenção foi tirada das roupas por uma movimentação perto de si.
Olhou para os quatro cantos tentando encontrar a razão do ruído e finalmente encontrou depois de algumas voltas no próprio eixo: era Sana.
— O que caralhos essa japonesa está fazendo aqui? – Perguntou para si num tom eufórico e preocupado. – Porra! – Sussurrou como se isso fosse lhe ajudar, mas mudou a postura furtiva rapidamente.
Não se deu ao trabalho de esconder a prova do crime, nem havia como fazer isso, afinal já tinha peças de roupa na piscina e o cheiro forte entregava tudo, então decidiu encarar a realidade dos fatos.
— Ai, que susto! – Sana disse com a mão no peito e olhos arregalados quando Dahyun brotou em sua frente do nada. – Dá licença. – Desviou da coreana, mas não adiantou. – O que foi, hein? – Continuava a caminhar lentamente, já que Dahyun não saía de sua frente. – Não vai falar nada?
— Vou. – Respondeu finalmente. – O que faz aqui?
— Como é? – Cerrou os olhos. – Eu estou aqui porque... – Ia concluir, mas mudou de ideia subitamente. – Não é da sua conta.
— Achei que os jogos estivessem rolando.
— Eles estão. – Respondeu com rudeza. – E eu achei que soubesse que não jogo nenhum deles.
— Eu sei disso. – Seu tom era desesperado. Tentava impedir o caminhar da garota, mas estava falhando miseravelmente e nem sabia dizer o motivo disso, já que sempre lidou bem com a Minatozaki ou qualquer um que estivesse em seu caminho. – Mas não tem que ficar lá? Digo, você faz aquelas piruetas o tempo todo...
— Aquelas piruetas... – Revirou os olhos e bufou. – Da para sair da minha frente, por favor?
— Primeiro me diz onde vai.
— Para a piscina, Dahyun, para a piscina.
— Não pode. – Respondeu com rapidez.
— Claro que posso, sai fora. – Escapou da garota e apressou os passos, quase correndo da Kim. A menor, por sua vez, seguiu a estrangeira sem timidez. – Caralho, me deixa! – Berrou quando ficou mais perto das malas jogadas no chão. – O que você quer de mim?
— Só quero que saia daqui. – Falou seriamente, mas não encarava o rosto da maior por muito tempo. Seu olhar era nervoso e variava o foco entre a menina, as malas e a água. – Por favor... – Suplicou timidamente e Sana lhe lançou um olhar desconfiado.
— Você pedindo? – Franziu o cenho. – Agora é que eu não saio mesmo! – Riu.
— É sério, Sana. – Aproximou o corpo da garota e a mesma não se afastou. – Sai, mais tarde você vem, toma um banho aqui, mas agora não.
— E por que não? – Levantou somente uma das sobrancelhas e encarou os olhos da Kim tão profundamente que conseguia se ver no reflexo de suas pupilas muito dilatadas.
— Porque eu estou mandando, oras! – Aproximou-se mais um pouco e segurou os braços da Minatozaki com força. – Sai daqui por pelo menos 5 minutos. – Falou já afastando os corpos dali.
— Me solta, garota! – Balançou os braços rapidamente e conseguiu se soltar, virando o corpo de costas para Dahyun e se deparando, finalmente, com as malas abertas. – É por isso que quer que eu vá embora?
— É, mas isso não é da sua conta. – Tentou agarrar os braços da japonesa novamente, mas sem sucesso. – Sana, sai!
— De quem são essas roupas? Tenho certeza que não são suas... – Agachou o corpo e pegou um vestido. – Você não usaria isso, principalmente sendo tão chamativo assim. – Virou-se para a garota ainda segurando a peça. – De quem é?
— Qual a parte de "isso não é da sua conta" que você ainda não entendeu? – Tomou a roupa com violência. – Sai logo, caramba!
— Eu vou descobrir a quem pertence tudo isso, Kim. – Agachou novamente e vasculhou as malas, analisando as peças detalhadamente.
— Sana, para com isso. – Pediu, mas seu tom era raivoso. – Sana, é sério. – Falava num volume normal, mas sua fala saía entre os dentes, o que dava um ar mais pesado a cada sentença.
— Já sei! – Sana disse animada. – É da Yuna! – Bateu leves palmas. – Aqui tem uma roupa com as iniciais dela... Só pode ser ela... – Catou a tal peça, levantou e ficou de frente para Dahyun, mostrando o que segurava. – E você tem bons motivos para querer prejudicá-la, então só pode ser da Shin!
— Parabéns! Quer um prêmio? – Perguntou debochada, mas já aproximando o corpo novamente. – Vai contar para ela?
— Não. – Disse e espantou a Kim com a resposta. – Termine de fazer seja lá o que tiver começado. – Olhou novamente para as roupas, mas não se atentou a piscina, o que, de certa forma, deixou Dahyun mais aliviada. – Eu também não gosto dela, então não ligo para o que vai fazer.
— Ótimo. – Num movimento rápido, tentou pegar a camisa que Sana segurava, mas ela desviou. – Me dá isso e sai daqui. – Falou rígida.
— Eu não disse que ia fechar os olhos para tudo, Kim. – Sorriu maldosamente. – Essa roupa aqui fica comigo como prova.
— Prova de quê?
— Se você fizer qualquer coisa durante o resto do ano que temos na escola contra mim ou meu grupo de amigos eu entrego você por isso que está fazendo. – Balançou a peça em provocação. – Não é um trato ruim, Dahyun, não seja boba.
— Eu odeio ser chantageada, Minatozaki... – Estava ofegante ao falar. – Já deveria saber disso.
— E eu sei disso, mas tenho algo que me protege. – Balançou a roupa novamente e Dahyun encarou aquilo fixamente. – Sabe que se o Wang souber do que pretende fazer é punição na certa... Agora imagine se ele sonha que é com a querida sobrinha dele e justamente nos jogos finais, um momento tão importante para a única coisa que ele, talvez, ame mais que a Yuna: a escola. – Riu debochada.
— Você é insuportável, garota! – Dahyun disse olhando nos olhos da maior, mas logo tornando a visão para o que estava em suas mãos. – Se algo for denunciado, eu escapo, eu sempre escapo. – Deu de ombros. – Não ligo se me denunciar.
— Está blefando. – O sorriso que estampava tinha morrido, mas a pose de superior não. – Se quiser pagar pra ver, tudo bem. – Sua vez de dar de ombros. – Mas eu não estou brincando. Se algo me acontecer ou acontecer ao meu grupo, essa camisa vai parar na sala do Wang. – Fez menção a sair dali, mas Dahyun pensou mais rápido.
A Kim estava se sentindo acuada, com medo. Estava sendo ameaçada e sabia do poder dessa chantagem.
Mexer com a Yuna é perigoso, mas ela tinha segurança que se fosse descoberta, acabaria incriminando a Shin junto e a punição não passaria de sermão. Com terceiros indo contra, principalmente se essa pessoa for a Minatozaki Sana, aluna queridinha do diretor, tudo muda.
Um passo para ir embora. Só foi preciso que Dahyun notasse um passo de Sana em direção a saída daquele local para que a mesma fosse para cima da japonesa furiosa. Foi uma briga sem socos, tapas ou agressões verbais. Nada era ouvido além de grunhidos.
Dahyun segurava a blusa de um lado e Sana de outro. Era uma batalha fácil de vencer para a Kim, já que é imensamente mais forte que a estrangeira, mas Dahyun não queria machucá-la.
— Solta, porra! – Dahyun disse com raiva, mas não aliviava os puxões no tecido. – Você sabe que não pode comigo, Sana.
— Então toma de mim! – Retrucou com a voz fina, já que colocava toda sua força para segurar a roupa. – Só vai conseguir ficar com a blusa se tomar a força!
— Filha da... – Dahyun não tomaria a blusa a força, não se para isso precisasse machucar Sana. Não entendia o motivo de tais ações, mas não fazia questão de saber. – Não vai soltar? Ok... Então, solto eu.
Sussurrou a última frase para não dar tempo de uma reação. Soltou a peça e não deu outra: Sana caiu.
— SANA, MEU DEUS! – Dahyun berrou ao perceber que Sana caiu da piscina e não no chão. – Porra, caralho! – Arregalou os olhos com a cena, mas não se prendeu muito a isso. Pulou na água imediatamente. – SANA! – Berrou quando pegou o corpo da japonesa. – Você 'tá viva, caralho?
Perguntou levantando a mesma na parede da piscina, colocando seu corpo no lado seco. A japonesa não respondia, não tinha ação. Dahyun estava aflita, mas assim que escalou e observou a menina, notou que a mesma respirava, deixando seu coração menos acelerado de medo.
— SANA! – Berrou no ouvido da maior como se isso fosse adiantar. – Sana, vamos... Acorda. – Balançava o tronco da garota de um lado para o outro sem delicadeza. – Porra, porra, porra! – Levantou do chão e foi até a mala aberta, procurando seu celular que tinha ficado ali. – Atende... – Disse desesperada depois de discar os números de Chaeyoung.
Nenhuma resposta. Pensou em ligar para o resto da turma, mas assim que ia colocar a ideia em prática, o aparelho desligou. A bateria tinha acabado, ninguém sabia do que tinha acontecido e só restava Dahyun acordada.
— Meu Deus... – Aproximou-se do corpo da japonesa novamente e sentou ao lado do mesmo. – Acorda, Sana, por favor... – Colocou uma mão em cima da outra no peito da Minatozaki e fez pressão. Apertando e aliviando para tentar fazê-la tornar. – Sana, se você acordar eu prometo que nunca mais faço nenhuma pegadinha assim. – Falava com a voz trêmula, seu choro já queria aparecer. – Eu prometo que... Que nunca mais mexo com você ou... ou com qualquer pessoa desse jeito... Só, por favor, acorda, vai. – Deixou com que as lágrimas caíssem. – Sana... Me perdoa, me desculpa por tudo, por favor.
Nada.
— Cinco, seis, sete... – Andava de um lado para o outro enquanto apertava a cordinha de seu moletom molhado. – Oito, nove... – Arfou pesadamente. – Dez. – Disse cansada.
Voltou seu corpo para perto da japonesa e analisou se sua barriga ainda se mexia pela respiração. Ao constatar que sim, um meio sorriso brotou em sua face e pensou que nem tudo estava perdido.
Lembrou de outra alternativa que ainda não havia tentado. Ficou de joelhos e mais perto da japonesa, inclinou o tronco, colocou uma das mãos no nariz da mesma, tampando-o, e aproximou seu rosto do rosto da maior, pronta para fazer respiração boca a boca.
— Eu espero do fundo do meu coração que isso funcione. – Dahyun disse. – Deus, me ajuda... – Implorou antes de seguir adiante. Fechou os olhos, encostou os lábios e puxou o ar. Repetiu a técnica umas três vezes rapidamente.
— QUE PORRA É ESSA? – Sana berrou depois cuspir a água.
— Você acordou! – Dahyun disse com um sorriso largo. – Ainda bem... – Suspirou aliviada.
— Você me beijou?! – Disse com o cenho franzido.
— Não, eu fiz respiração boca a boca. – Respondeu serena, mas já se levantando e se afastando.
— Se tentar me beijar de novo, eu mato você! – Limpou a boca com rapidez e expressão de nojo.
— Mano, eu salvei a sua vida!
— Depois de quase acabar com ela. – Levantou com dificuldade após recusar a ajuda de Dahyun. – Sai da minha frente! – Gritou coçando os braços.
— Toma. – Entregou uma toalha. – Se seca, pode pegar um resfriado ou coisa pior.
— Coisa pior? – Estava intrigada, mas antes que pudesse deixar isso claro, espirrou.
— Saúde.
— Acho que já peguei um resfriado. – Falou coçando mais ainda os braços.
— Desculpa por isso, 'tá? – Disse cabisbaixa. – Eu não queria te fazer passar por isso, é que você chegou e não queria me dar a blusa e aí eu não tive outra opção... Mas eu não tinha percebido que você ia cair na piscina. – Falava enquanto destampava uma garrafa d'água. – Bebe isso.
— E agora você se desculpa e acha que um gole vai resolver tudo? – Aceitou e bebeu um pouco do líquido. – Eu só não vou ficar mais tempo aqui discutindo com você porque tenho que tomar um banho rápido e trocar de roupa para me apresentar daqui a pouco. – Agora coçava as pernas.
— Bebe tudo. – Apontou para a garrafa. – Sério, é melhor que beba tudo.
— Por que? Não estou com sede. – A coceira passou para a barriga também e mais um espirro veio.
— Saúde. – Dahyun disse preocupada. – Não sabe mesmo porque estou dizendo para beber toda a água?
— Não. – Encarou a menor com curiosidade. – Deveria saber?
— A água da piscina, Sana... – Falou baixinho. – Não notou nada? – Negou com a cabeça. – Tinha água sanitária nela... Muita, inclusive.
— ÁGUA SANITÁRIA? – Berrou com os olhos arregalados.
— É. Você não sentiu o cheiro?
— Achei que fosse o cloro da piscina... – Coçava a cabeça com violência. – PORRA! – Gritou desesperada.
— O que foi? – Perguntou desesperada junto. – É por causa da sua roupa de líder? Olha é só um tecido e você ainda tem outra...
— Não é por causa de porcaria de uniforme nenhum, sua tapada! – Falou com dificuldade pela coceira que aumentava a cada instante e os espirros incessantes. – Eu sou alérgica!
— Puta que pariu! – Dahyun disse incrédula. – E agora?
— E agora que você precisa dar um jeito nisso, eu não quero morrer!
— Vem cá. – Puxou a mão da garota para um chuveiro próximo. – Fica aqui debaixo. – A água limpa começou a atingir o corpo de Sana. – Você pode mesmo morrer por causa disso?
— Sim, mas não vai acontecer. – Disse revirando os olhos.
— DUBU! – Chaeyoung berrou de longe, Dahyun acenou chamado a amiga e a mesma veio correndo. – O que rolou aqui, bro?
— Muita coisa... – Respondeu enquanto destampava outra garrafa. – Por quê não atendeu a minha ligação? – Entregou a garrafa para Sana e a mesma começou a beber com rapidez.
— Não ouvi tocar, mas assim que vi a chamada perdida te liguei de novo, só que deu desligado.
— Meu celular descarregou.
— Imaginei, por isso vim até aqui. Fiz bem?
— Muito bem! – Sana disse. – Ela quase me matou e não chamou ninguém nem para me enterrar!
— Como é? – Chaeyoung disse confusa.
— Nada. – Dahyun disse ignorando a fala de Sana. – Me dá seu celular. – A menor fez o que foi solicitada. – Fica aqui com ela, vou ligar para alguém e pedir para chamar uma das amigas dela e vou buscar algum remédio de alergia.
— Não me diga que... – A Son disse ao deduzir o acontecido.
— É... – A Kim falou com pressa. – Quando ela tirar toda a contaminação do corpo e beber a última de garrafa de água que tem aqui, leva ela para o quarto. Eu encontro vocês lá.
— Qual quarto?
— O dela, Chaeyoung, o dela! – Respondeu aos berros por já estar longe da mesma.
*
— Sana, como você está de verdade? – Dizia com a voz calma, mas com a preocupação aparente.
— Estou bem, pai, juro. – Respondeu com um sorriso leve no rosto por ouvir aquela voz. – Como estão as coisas por aí?
— Tudo ótimo, como você deixou.
— Que bom.
— Olha, filha, se você quiser voltar para casa, se sentir que as coceiras estão muito fortes ou que os espirros voltaram, é só me ligar, ok? Eu consigo te tirar daí rapidinho.
— Eu sei disso e obrigada, mas não quero ir. Vou ficar até o final.
— Por que insistir? Nem vai mais poder se apresentar... – Disse com pesar. – Desculpe, querida, mas já soube de tudo, inclusive disso.
— Não quero falar disso agora, pai. – Cortou o assunto com rapidez.
— Tudo bem... – Respirou fundo. – Só... só me prometa que vai se cuidar e me ligar caso precise.
— Eu prometo.
— E fique longe daquela garota, ok? – Seu tom era irritado de repente. – A tal Kim que lhe causou isso.
— Ok... – Assentiu cansada. – Tchau, pai.
— E aí. – Tzuyu disse saindo do banheiro. – Vai voltar?
— Não. – Suspirou.
— Talvez seja melhor, Sana. – Sentou de frente para a amiga. – Não vai poder se apresentar amanhã e ficar aqui só vai te deixar mais triste.
— Impossível eu ficar mais triste.
— Não diz isso... – Falou com pesar. – Sei que você gosta muito de ser líder e que é muito importante para você, mas pense bem na sua saúde.
— Já estou medicada e essas manchas horríveis não fazem nada além de me deixar ridícula.
— Não disse da saúde física, mas sim da mental.
— Só ficaria bem de verdade se pudesse voltar no tempo.
— Eu juro que queria poder te ajudar, Sana-ssi, mas não sei como. – Segurou a mão da amiga e fez um leve carinho ali.
— Não tem o que fazer, Tzu... – Suspirou novamente e recolheu a mão em seguida. – Obrigada mesmo assim.
— Não vai mesmo voltar para casa?
— Não.
— Certo, quando vamos destruir aquela nanica na porrada? – Nayeon apareceu do nada abrindo a porta com violência.
— Não vamos destruir ninguém na porrada, sua louca. – Momo falou fechando a porta atrás de si.
— Não? – Jennie soltou surpresa. – Eu realmente achei que íamos.
— A Nayeon só meteu essa do nada mesmo. – Tzuyu falou. – Violência não ajuda em nada e nem fará a Sana ficar melhor da alergia.
— Mas do psicológico tenho certeza que ficaria bem melhor. – Nayeon disse animada. – Certo, Sana? – Chegou perto da japonesa que apenas ria com tudo. – Eu considero isso um sim!
— Eba! – Mina disse sorridente. – Já está na hora de alguém colocar aquele grupinho todo em seu devido lugar.
— Parem com isso! – A Chou disse um pouco alto. – A Sana já não vai se apresentar conosco e agora vocês querem sair junto?
— Deveríamos fazer greve. – Momo disse.
— Greve? – Sana perguntou curiosa.
— É. Vamos pedir para adiarem os jogos até que a Minatozaki esteja bem. – Sorriu simples como se tivesse dito a coisa mais genial do mundo.
— Claro, o Wang vai aceitar com toda certeza, principalmente com o bom humor que ele deve estar. – Jennie disse.
— Bom humor? – Sana perguntou. – O que rolou com ele?
— Ah, já sabem de tudo. A Yuna deu um jeito de ferrar a Dahyun e ela vai ser punida com certeza.
— Vai nada... – Nayeon soltou sem paciência. – Nunca é, nunca vai ser. Não pelo Wang, pelo menos.
— O que está querendo dizer? – A taiwanesa perguntou.
— Exatamente o que disse assim que entrei nesse quarto. – A Im falava com veemência. – Nós que temos de tomar uma providência por tudo isso.
— Para com isso, mano. – A Hirai disse. – É o que a Tzuyu falou, não podemos ferrar ainda mais com o time.
— E a Sana? – Mina começou. – Vamos deixar o que rolou com ela por isso mesmo? Jura?
— Não, amor... – Momo disse com a voz mais baixa. – Mas vamos deixar para resolver isto quando chegarmos em Seul, quando todos os jogos acabarem e quando o humor do Wang melhorar.
— Até lá aquela doente já fez mais umas trezentas pegadinhas idiotas. – Nayeon disse e Mina concordou.
— Ok, mas nem sabemos se a Kim vai ser punida de fato. – Jennie disse. – Vamos esperar, que tal?
— Isso. – Tzuyu falou em concordância. – Vamos esperar, se nada acontecer, nós agimos. Pode ser?
— Podem parar com isso? – Sana disse. – Eu não quero pensar em vingança agora, só quero ficar quieta e chorar em paz.
— Sana, mas... – A japonesa mais nova tentou intervir, mas foi cortada.
— Não, Minari... – Continuou. – Eu agradeço vocês se preocuparem tanto assim, mas não quero que se prejudiquem por minha causa e muito menos comprometam os jogos...
— Sana, tem certeza? – Momo perguntou. – Podemos tentar conversar com o Wang ao menos.
— Deixem que ele resolve tudo sozinho. Esse não é um colégio democrático e nós sabemos disso. É melhor deixar rolar. – Deu de ombros. – Agora, se não se importam, eu quero ficar um pouco sozinha.
— Sem problemas. – Tzuyu disse. – Fica bem e qualquer coisa chama. – Depositou um beijo no topo da cabeça da japonesa e saiu do quarto junto das outras.
*
— Não vai nem tentar se defender? – O diretor dizia com uma voz rígida e furiosa.
— Já falei o que tinha para falar e o senhor não acreditou, então não posso fazer nada. – Deu de ombros.
Dahyun tinha falado toda a verdade. Contou tudo, desde o plano, até as motivações dele. Infelizmente, assim que falou sobre Yuna, recebeu a reação que imaginava, o chinês não acreditou e brigou com a coreana por isso.
— Minha sobrinha não fez nada disso, pare com tantas mentiras! – Dizia com o rosto vermelho de raiva. – E mesmo que tenha feito... Estragar todas as roupas dela? Isso não é justificativa...
— Não estraguei, não deu tempo. – Debochou. – E nem seriam todas, afinal ela tem outras dezenas de milhares em casa. – Revirou os olhos e aquilo só enfureceu mais ainda o homem. – E também nem seria estragar... Isso só depende do ponto de vista.
— Como assim?
— Ué, muitas pessoas customizam peças de roupa com água sanitária e fica um luxo! – Piscou um dos olhos, mas o homem não parece ter achado aquilo divertido.
— Não brinque comigo, Kim Dahyun! – Gritou.
— Não estou brincando, Wang, as pessoas realmente fazem isso! – Falava com a maior cara de pau.
— Não sou seu amigo, me chame de senhor! – Repreendeu. – Além de prejudicar a minha sobrinha, ainda fez muito mal a Minatozaki Sana... Eu realmente não sei o que fazer com você.
— Com a Sana foi um acidente! – Falou alto e de forma desesperada também. – Já me desculpei com ela e tentei ajudá-la assim que vi o que fiz.
— Isso não importa. – Sentou-se de novo em sua cadeira depois de andar de lá pra cá agoniado. – Já comuniquei o pai dela e ele está muito preocupado e chateado com tudo.
— Imagino.
— Ele exige que eu tome uma providência por tudo isso. – Coçou o cabelo nervosamente. – Falei com seus pais também.
— Como é? – Ficou surpresa e nervosa ao ouvir aquilo, até inclinou o corpo para mais perto do homem.
— Ficou espantada, né? Imaginei que teria essa reação... Eles me atenderam dessa vez e disseram que eu deveria tomar a decisão que julgasse necessária.
— E o que vai fazer, senhor?
— Gostei de ver o respeito na voz... Até acreditaria nessa sua encenação na tentativa de aliviar para o seu lado se não estivéssemos numa situação como essa. – Coçou a garganta antes de prosseguir. – Você está suspensa, Kim Dahyun.
— Como é?! – Dizia com o tom de voz mais incrédulo possível.
— Isso mesmo que ouviu. Está suspensa por uma semana.
— Mas é a semana de provas!
— Eu sei disso. – Sua expressão agora era serena, era como se quisesse fazer algo do tipo há muito tempo. – Vire-se.
— Mas o senhor não pode fazer isso.
— NÃO POSSO? – Berrou e levantou da cadeira ligeiramente. – Eu sou o dono do colégio, não é porque estamos numa viagem que você pode fazer tudo que quer e eu não posso ter as devidas ações!
— Desculpe. – Disse com a voz calma e piedosa. – Eu sei que o senhor está certo, mas... Mas eu não posso perder as provas, por favor... – Continuava com a voz mansa, mas encarava o homem nos olhos. – Deixa ao menos eu fazer as avaliações, é só isso que peço.
— Não sei se isso será possível. – Pareceu quase amolecer com a atitude.
— Qual é? – Seu tom mudou. – Pô, cê sabe das minhas notas, eu nunca fui ruim em nada, sempre me destaquei em cada matéria e não mereço nem isso?
— Para onde foi o "senhor" e a delicadeza?
— Desculpe novamente. – Falou depois de segundos boquiaberta. – O que eu quero dizer é que eu sempre me dediquei aos estudos, não é justo que eu perca as provas por um acidente.
— Você colocar água sanitária na piscina para estragar as roupas da Yuna não foi um acidente, você fez porque quis.
— Mas- – Ia retrucar, mas olhou a expressão de aborrecimento do homem ameaçar voltar e interrompeu a própria fala. – Eu posso fazer ao menos as provas? Faço e volto para casa, prometo.
— Eu decido como você vai fazer. – Disse seriamente.
— Então eu poderei fazê-las? – Perguntou animada.
— Sim. – Respondeu curto e grosso, sem dar brechas para felicidade da menor. – Seus pais a esperam lá fora.
— Hãm?
— Eles já sabiam que você seria suspensa, comuniquei primeiro a eles. – Levantou e foi até a porta. – Pegue suas coisas e deixe a sua chave do quarto na recepção.
— Ok... – O homem abriu a porta e a Kim passou.
Foi direto para seu quarto, sem distrações ou algo do tipo. Ao entrar, encontrou o ambiente vazio. Arrumou sua bolsa rapidamente e já estava pronta para sair, quando teve uma ideia.
Avistou, na mesinha de Chaeyoung, um caderninho que a mesma usa para desenhar, chegou perto, arrancou uma folha e catou uma caneta. Sentou-se na cama, posicionou o papel e o objeto e começou a escrever.
Escreveu o que teve vontade, mas de forma lenta. Procurava as melhores palavras e encaixava nas melhores sentenças. Ao finalizar, dobrou a folha e guardou no bolso.
— Bro! – Chaeyoung disse surpresa ao encontrar a amiga. – O que deu no Wang?
— Fui suspensa por uma semana.
— CARALHO! – Berrou. – E as provas?
— Eu fiz uma cena e consegui fazer as avaliações somente.
— Pelo menos isso... – Suspirou de alívio. – Já vai?
— Já. – Mostrou a mochila. – Cadê a galera?
— Estão vendo os jogos, como você pediu.
— E o que você faz aqui?
— Eu sabia que algo ia acontecer, só não imaginei que ele fosse ser, finalmente, rígido. – Deu de ombros. – Eu vim para checar você, ver se estava bem depois da bronca, mas não foi só uma bronca, então... – Disse sem jeito. – Eu sinto muito, cara.
— Isso é de boa, o pior ainda não aconteceu.
— Já sei. – Assentiu com a cabeça. – Seus pais já sabem?
— Não só sabem como estão aqui para me buscar. – Arfou pesadamente. – Me deseje sorte. – Colocou a mão na porta, pronta para sair.
— Toda sorte do mundo, bro! – Deu dois tapinhas nas costas da coreana mais velha. – Manda mensagem, ok?
— Pode deixar. – Abriu a porta e ia sair, mas algo a fez parar. – Faz um favor para mim?
— Manda.
— Entrega isso aqui para a Sana. – Colocou a mão no bolso e tirou o papel que foi dobrado muitas vezes. – Não abre, não lê, não diz muita coisa. Só entrega para ela e fala que eu pedi isso, ok?
— Ok... – Assentiu desconfiada. – Mas eu duvido que ela queira receber.
— Eu sei que ela está puta da vida comigo, mas não custa tentar... – Cruzou a porta. – Valeu, bro. – Acenou e saiu.
Caminhando pelo corredor, com a cabeça a mil, cansada e com medo, Dahyun é interrompida pela pessoa que menos queria ver no momento.
— Ah, não... – Bufou. – O que foi, Yuna?
— Nada, só quis assistir essa cena triste de você indo embora no meio da viagem porque foi suspensa. – Riu dissimulada. – Como foi a conversa com meu tio? Produtiva?
— Até que foi. – Respondeu com um sorriso sacana nos lábios. – Não vou para a escola por uma semana, mas ainda farei as provas... Não vejo como isso é desvantajoso, já que me dou bem em todas as matérias, perder aula não vai me prejudicar. – Riu pelo nariz e deu dois tapinhas no ombro da maior. – Acho que te devo agradecimentos, inclusive.
— Ele deixou você fazer as provas?! – Parecia chocada e irritada.
— Isso! Obrigada, Yuna! – Mandou beijos no ar com um tom debochado e aquilo só irritou mais ainda a Shin, que mais uma vez impediu os passos da Kim. – O que foi agora?
— Só para te informar que vai ficar tudo bem por aqui. – Dahyun fez cara de confusa. – Claro que todo mundo vai gostar mais de mim por ter conseguido sua suspensão, mas não é disso que estou falando.
— Vai sentir saudade, é? – Desdenhou.
— Nenhuma. Tudo vai ficar bem para mim, para a turma e, principalmente, para seu grupinho... – Abaixou o tom de voz e sorriu maliciosamente.
— Como assim?
— Nada, só estou te tranquilizando que vou cuidar muito bem deles, a começar pela maior problemática dos seis... – Riu alto, sozinha.
— Do que você está falando?
— Da Seulgi. – Revirou os olhos. – Ou você tem outra amiga mais doente que ela?
— Não fala assim dela! – Chegou perto da Shin e ela não recuou.
— Bate em mim, vai, bate! – Virou o rosto e ofereceu o mesmo para Dahyun. – Mas deixa uma marca bem feia nele, dá vários tapas, se for preciso. Assim vai ser mais fácil de conseguir te expulsar de vez.
— É por isso que implica tanto comigo desde sempre?
— Claro. Ou você achou que eu era assim de graça? Que nem você com essas pegadinhas sem graça que só faz tudo isso por que não tem carinho do papai e da mamãe. – Fez bico e forçou a voz. – Que dó da Dahyunzinha... Nem os pais aguentam... – Riu de novo.
— Sua filha da puta. – Disse com os dentes cerrados e o punho fechado, pronto para dar um soco no rosto da mais nova, mas desistiu. – Eu não vou cair no seu papinho e nem jogar seu jogo sujo. – Empurrou de leve a menina e seguiu andando pelo imenso corredor.
— Como se você fosse muito justa, né? – Falou alto para que Dahyun ouvisse, já que estavam um tanto distantes. – Tchau, Kim. Eu digo a Seulgi que você mandou um abraço. – Os passos da coreana cessaram e Dahyun voltou com pressa para perto da maior.
— Não mexe com ela, ouviu bem? – Segurou o colarinho da roupa da Shin e falou bem perto de seu rosto. – Seu problema é comigo, não com ela.
— Errado. – Afastou a mão da coreana de si. – Meu problema é com quem faz o meu colégio de quintal e o meu tio de palhaço! A Seulgi faz tudo que você manda, então eu quero ela longe daqui também!
— Não vai conseguir. – Apontou o dedo na cara de Yuna e berrou. – Não vai conseguir nos expulsar. Pode tentar o que for, mas vai falhar. Você sempre falha. – Afastou-se da garota novamente e começou a andar para sair do hotel.
— Não falhei dessa vez.
— Eu só fui suspensa, Shin, não se orgulhe disso. O que você fez mais parece um presente que uma punição.
— Não estou falando disso. – Dahyun freou.
— Como assim?
— A Seulgi, Kim. Dei um presentinho a ela também.
— O que você fez? – Virou-se para a Shin, mas ainda estava distante.
— Um pacote de bolachas. – Falou com um sorriso cínico no rosto. – E ela comeu tudinho... Comeu tão rápido que nem precisou dividir comigo.
— Está mentindo... – Dahyun disse nervosamente. – Chaeyoung me disse que ela-
— Estava vendo os jogos? – Dahyun assentiu. – E estava, mas eu consegui tirá-la de lá assim que a Son saiu. Quer saber como a fiz comer?
— Você não vale nada.
— Depois que a tirei de lá, caminhamos juntas pelos corredores, nós conversamos muito... Sobre você, inclusive. Ela te defende muito, Dahyun... Gostaria de saber como consegue fazer com que eles todos te sigam com tanta voracidade. – Fingiu simpatia. – Conversa vai, conversa vem, tirei um pacote de bolachas da bolsa e ofereci.
— Ela não cairia na sua conversa idiota, a Seulgi não é boba!
— Oh, agora você acabou de ofendê-la. – Riu debochada. – Ela relutou para comer, você sabe como ela é, mas depois de alguma insistência o primeiro biscoito foi comido e depois o segundo também... O terceiro... Daí em diante foi tão rápido que não consigo te dizer.
— VAI SE FODER, YUNA! – Berrou. – Onde ela está?
— Agora acredita no que eu falei?
— Onde ela está? – Perguntava ainda de longe. – Não me faça ir até aí e arrancar essa informação a força, porque eu juro por Deus que arranco. Não ligo de ser expulsa, eu faço você me contar e depois engolir cada desaforo. – Disse vermelha de raiva. – Pelo menos vai ter valido a pena.
— Vem, então. – Abriu os braços e Dahyun começou a caminhar lentamente, o tempo todo se forçando a parar. – Quer saber onde eu a deixei? Eu conto. – Disse provocativa. Ela queria que Dahyun avançasse nela, mas sabia que isso não aconteceria se não provocasse da forma certa. – A deixei na porta do banheiro, logo depois de comentar que ela tinha engordado um pouquinho...
— SUA FILHA DA PUTA! – Gritou e começou a correr até a Shin com ódio. – Eu vou aca-
— Dahyun! – Uma voz masculina e conhecida pela Kim lhe chega aos ouvidos e a faz parar no meio do caminho, virando em direção ao som. – Vamos logo.
— Pai? – A coreana disse ao encarar o homem sério em sua frente. – Eu já vou, antes preciso resolver algo.
— Não, Dahyun. – Falou sem nem olhar nos olhos da menor. – Vamos embora agora.
— Eu preciso ver uma amiga, pai. Vai ser rápido, eu juro. É que ela passou mal e...
— Agora, Dahyun!
— Deixa ao menos eu avisar alguém sobre isso.
— Essa garota na sua frente avisa. – O homem acenou para Yuna que lançou um sorriso gentil e muito humilde. – Vamos.
— Ela não! – Berrou. – A Chaeyoung, pai, ou a Jihyo...
— Ela é a sobrinha do Wang, Dahyun, ninguém melhor para avisar sobre um aluno que passou mal. – Segurou a mão da pequena sem delicadeza. – Não me aborreça ainda mais.
— Tchauzinho, Dahyun! – Yuna gritou de longe.
*
"Má, eu vim pra lhe dizer que ela é má, definitivamente
Má, teimosa, escandaloso e má, definitivamente
A tensão está ficando mais pesada
Eu gostaria de segurar a cabeça dela debaixo d'água"
Chapter 7: Change.
Chapter Text
Change – Lana Del Rey
"Ultimamente, estive pensando que é simplesmente dever de outra pessoa se importar
Quem sou eu para simpatizar quando ninguém deu a mínima?
Estive pensando que é simplesmente dever de outra pessoa se importar
Quem sou eu para querer tentar?"
*
— Conversa vai, conversa vem, tirei um pacote de bolachas da bolsa e ofereci. – Ouvia Yuna dizer aquilo a Dahyun e não pôde evitar de ficar boquiaberto com aquilo.
Yuta ouvia a discussão de Dahyun e Yuna por acaso. Ia passando pelo mesmo imenso corredor que ambas estavam e, já ouvindo o falatório de longe, escondeu-se quando ficou mais perto para assim ouvir tudo.
— A deixei na porta do banheiro, logo depois de comentar que ela tinha engordado um pouquinho... – Ouviu a fala de Yuna e sentiu uma dorzinha no peito em compaixão.
Não passa pelos mesmos problemas que a Kang, mas era um garoto inocente, não conseguia ser maldoso com ninguém. Era brincalhão em momentos que definitivamente não pediam por isso e até então esse era seu maior defeito.
— Tchauzinho, Dahyun! – Quando a Shin finalizou, o rapaz não pensou duas vezes se não ir quase correndo na direção contrária.
Era medroso e paranoico, apesar disso conseguiu pensar no que fazer, já que tinha em mente fazer algo para ajudar a Kang que com certeza passaria mal.
— Meu Deus, meu Deus, meu Deus... – Dizia repetidas vezes enquanto andava rapidamente. – Eu tenho que contar para alguém, a Seulgi não pode ficar naquele banheiro e passar por tudo isso. Mesmo que apronte com o colégio ela não merece... – Pensava alto demais. – A Dahyun já foi e com certeza não vou achar ninguém do grupo dela para avisar... – Olhava diretamente para o chão.
— Ai! – Disse colocando a mão no ombro esquerdo e acariciando o local, automaticamente fazendo Yuta tirar os olhos do piso e mira-los na pessoa em sua frente. – Oi? – Cutucou o garoto que parecia petrificado olhando para si. – Você é normal?
— Claro que sou! – Respondeu ofendido. – Desculpe ter esbarrado em você. – Tirou os olhos da loira bonita e mirou o chão novamente, pronto para seguir seu caminho até o dormitório de Sana, a quem contaria o que viu. – Tchau.
— Ei, espera. – Segurou o pulso do garoto. – Você é o japonês do intercambio?
— Já fui.
— Como assim?
— Já fui intercambista, mas me mudei para Seul definitivamente, então... – Olhou nos olhos da menina e petrificou novamente. – Por que? – Perguntou com uma cara de bobo.
— Ah, já ouvi falar muito de você. – O garoto franziu o cenho em confusão. – Acho que você sabe que cheguei há pouco tempo na escola... As pessoas me disseram tudo que eu deveria saber, e é isso. – Deu de ombros orgulhosa da explicação.
— Disseram, é? – Perguntou convencido. Yuta não era popular demais, não era atleta e não tinha talentos para exibir, ele só tinha beleza e um ego inflado. É claro que um elogio o faria o rapaz mais bocó do mundo. – Gostou do que ouviu?
— Claro que sim... – Sorriu sapeca. Esse era seu jeito de conseguir o que queria com rapazes como Yuta. Bastava sorrir, fingir inocência e pronto, eles são seus.
— Desculpe, mas como é seu nome?
— Miyeon. Cho Miyeon. – Curvou-se rapidamente e o rapaz fez o mesmo. – Prazer...?
— Yuta Nakamoto. – Sorriu feito criança quando ela lhe encarou nos olhos.
— Você quer fazer alguma coisa agora? – Sugeriu maliciosa e muito decidida. – Ou tem algum compromisso? Digo, você esbarrou em mim no corredor e parecia estar com pressa. – Perguntou dissimulada.
— Eu? – Falou nervosamente. – É, eu estava... Estava... Quero, sim.
— Oi?
— Quero fazer algo com você agora. – Arqueou as sobrancelhas de forma galanteadora e foi correspondido.
Os dois saíram juntos, agora pela direção oposta ao caminho que Yuta pretendia seguir, e foram fazer qualquer coisa de adolescentes fogosos.
Antes de tais ações, é claro, Miyeon tratou de avisar que havia feito o que fora solicitada. Pegou seu celular, de forma discreta enquanto caminhava ao lado do japonês, e digitou o que precisava, logo apertando em "enviar" para Yuna.
Miyeon: Comecei a fazer o que me pediu, já estou me aproximando do Yuta.
Yuna: Já era hora.
Miyeon: Me parece que foi em ótima hora, inclusive. O cara estava atordoado quando o encontrei.
Yuna: Você fez tudo direito, né?
Miyeon: E ainda estou fazendo, relaxa.
Yuna: Onde o encontrou atordoado assim?
Miyeon: Num dos corredores no hotel, perto do quarto da Dahyun. Vi o pai dela a caminho, inclusive.
Yuna: Porra, o Yuta deve ter ouvido minha briga com a Kim.
Miyeon: Vocês brigaram?
Yuna: Não, falei isso porque quis.
Yuna: Sim, brigamos, tonta.
Yuna: E isso não te importa agora, se concentra em fazer esse moleque se apaixonar e confiar cegamente em você.
Miyeon: Eu vou fazer, pode deixar.
Yuna: É bom que faça mesmo, ou já sabe...
*
Sana, sozinha em seu quarto como desejou, agora refletia em silêncio externo sobre tudo que havia acontecido.
Sentiu-se triste, desapontada, temerosa. Quis chorar, mas as lágrimas não vieram, quis gritar, mas não tinha forças. Estava num estado de tristeza em que não tinha coragem, apenas vontades.
Culpou-se, lamentou-se, irritou-se. Seus sentimentos eram tantos que mal conseguia percebê-los. Tem um buraco em seu coração que nunca se fechou, mas que, de certa forma, a conforta em momentos como esse.
A única coisa que conseguiu fazer, dentre todos os seus desejos, foi ler o livro que segurava há muito tempo. Sana o abriu numa página aleatória, já sabia as falas de cor, então a ordem pouco importava, e começou a ler.
"O principezinho não podia atinar para que pudessem servir, no céu, num planeta sem casa e sem gente, um lampião e o acendedor de lampiões. No entanto, disse consigo mesmo:
— Talvez esse homem seja mesmo absurdo. No entanto, é menos absurdo que o rei, que o vaidoso, que o homem de negócios, que o beberrão. Seu trabalho ao menos tem um sentido.
Quando acende o lampião, é como se fizesse nascer mais uma estrela, mais uma flor. Quando o apaga, porém, é estrela ou flor que adormecem. É uma ocupação bonita.
E é útil, porque é bonita."
Sana lia o Pequeno Príncipe mentalmente e ligeiramente. Era isso que importava. As palavras bonitas, o que cada parágrafo queria de fato dizer, as ilustrações simples eram apenas detalhes, que mesmo que muito significativos, ainda não chegavam aos pés do que o cheiro, a memória e a nostalgia do livro lhe causavam.
O buraco em seu coração jamais irá tampar, mas já que ele está aberto, pensou que deveria sempre preenchê-lo com coisas assim.
Lembrou-se de sua mãe e permitiu-se divagar. Sana quis tê-la consigo nesse momento, pedir desculpas, pedir colo. Quis receber um abraço quente, um afago no topo da cabeça, mas isso não aconteceria, e agora, finalmente, as lágrimas estavam prontas.
Sana chorou de saudade, de necessidade. Sana chorou feito criança, chorou o que não chorava há tempos.
Preenchia o buraco conforme ia vivendo. Hoje ele foi preenchido com o choro da vontade, da falta. Amanhã, talvez risadas o encham, talvez não.
Pensava sobre isso enquanto deixava seu rosto ser molhado, aproveitava o momento, mesmo que triste, da forma que achava necessária. Sentia o que sentia que devia sentir e demonstrou como quis, até ser interrompida.
— Oi, posso entrar? – A japonesa se espantou com o bater da porta e despertou de seu momento, forçando a mente a reconhecer aquela voz. – Sana, por favor, eu juro que vai ser rápido.
— Quem é? – Perguntou com a voz rouca pelo choro, mas que logo tratou de disfarçar. – Quem está aí? – Disse depois de coçar a garganta.
— Chaeyoung. – Respondeu impaciente. – Pode abrir?
— Está aberta.
— Isso quer dizer que posso entrar? – Sana ouvia a garota com impaciência também. Nisso elas combinavam. Então, sem demora e calma, levantou da cama e abriu a porta de surpresa, encontrando uma coreana assustada. – Acho que isso quer dizer um não...
— Quando dizemos "está aberta" logo depois de alguém ter pedido para abrir a porta, é meio óbvio o que isso significa, não? – Disse de forma rápida e aborrecida.
— Você estava chorando? – Chaeyoung perguntou assim que encarou o rosto vermelho da menina, ignorando sua fala.
— O que você quer comigo, Son? – Ignorou de volta.
— Vim te entregar isso. – Esticou a mão com um papelzinho extremamente dobrado. – A Dahyun mandou para você.
— Não quero, obrigada. – Fez que ia fechar a porta, mas a menor impediu com o pé.
— Vamos, pegue.
— O que tem aí?
— Eu não sei, ela disse que eu não deveria fazer perguntas e nem espiar o que ela escreveu.
— Então é algo que ela escreveu? – Soltou desconfiada.
— Acredito que sim, né? É um papel... Dobrado e secreto... A menos que você esteja comprando drogas, eu não sei o que estaria aqui. – Empurrou o papelzinho novamente para Sana.
— A Dahyun vende drogas?! – Perguntou perplexa.
— Não, porra. – Respondeu visivelmente apressada para ir embora. – Foi só uma piada, cara. Cadê seu humor?
— Ha. Ha. Ha. – Debochou.
— Ok, pega esse troço logo, a Dahyun me comerá viva se souber que não consegui te entregar. – Arfou cansada. – Se não quiser ficar com ele, atira pela janela, toca fogo, rasga, sei lá. – Já se distanciava da porta. – Mas recebe ele ao menos, ok?
— Ok... – Revirou os olhos.
— Ah, e melhoras aí... – Coçou a nuca desconfiada e assim que finalizou a frase, saiu correndo.
Sana bateu a porta e voltou para a cama. Estava irritada com a visita da Son, mas não focou muito nisso.
Não gostava daquele grupinho, principalmente depois de hoje. Sabia que Dahyun não tinha feito de propósito, mas ainda alimentava o pensamento de que se ela não tivesse esse jeito que tanto a irrita, nada disso tinha acontecido.
A Minatozaki jogou o bilhete na cama sem lê-lo, não fazia questão de ver o que acreditava ser um pedido de desculpas. Tinha raiva só de imaginar essa possibilidade, afinal, pensava que se a Kim queria se desculpar que, pelo menos, o fizesse pessoalmente.
— Ela não tem vergonha na cara? – Perguntava para si mesma em voz alta. – Faz o que faz e ainda me manda um bilhete... – Estalou a língua e negou com a cabeça. – Ela se faz presente para me atazanar até quando é suspensa. – Involuntariamente revirou os olhos.
Continuou remoendo aquilo em pensamento e a curiosidade sobre o que Dahyun escreveu no papel ainda lhe atormentava, por esse motivo, recolheu o livro novamente e voltou a ler.
Todavia, não conseguia por nada se concentrar. Sempre acabava desviando o olhar das páginas coloridas para o lado direito da cama, onde o bilhete ainda estava do mesmo jeito que recebeu.
— Caramba! – Exclamou impaciente com a própria cabeça inquieta. – Concentra, Sana.
Lia duas ou três linhas e se pegava encarando a mesma coisa. Era incontrolável e isso a deixava mais aborrecida ainda.
— Que droga! – Disse alto. – Ok, deixa eu ver isso logo. – Catou, com brutalidade, o papelzinho e foi desdobrando rapidamente. – Caraca, pra que dobrar tanto?
Assim que terminou de abrir, Sana relutou a ler a mensagem, mas depois de alguns segundos apenas, focou nas palavras escritas a mão:
Busan, Coreia do Sul; **/**/****
Oi, Sana... Tudo bem?
Eu não sei muito bem como começar a escrever isso para você, então vou só deixar minha mente comandar a caneta.
Espero que você esteja melhor que mais cedo e que amanhã esse processo se repita. Espero que sua mente relaxe e que você, mesmo que longe das apresentações, consiga curtir a cidade, os jogos e a galera.
Sinto muito por tudo isso que causei, de verdade. Peço desculpas sinceras e espero que você as aceite. Gostaria de ter falado isso para você pessoalmente, mas não pude, então resolvi escrever. Desculpe por isso também.
Não posso mudar o passado, mas no futuro posso fazer diferente. Não sei se lembra-se do que lhe disse quando ainda estava desmaiada, mas eu mantenho a minha palavra. Não irei mais mexer contigo ou com suas amigas, nem falarei com você, se assim quiser. Serei invisível para você, prometo.
Mais uma vez, desculpe-me.
Dahyun KIM.
— Você não precisava ser tão formal também... – Sana disse timidamente ao terminar de ler.
Estava mexida com a carta, sentiu que Dahyun tinha consciência e não era assim por maldade. Sentiu até remorso, mesmo que só um pouquinho.
Ia dobrar o papel novamente, quando notou algo no verso da folha. Ela analisou de perto, analisou de longe e concluiu que aquelas duas coisas quase abstratas eram: um rabisco e um desenho.
O rabisco era como o começo da carta, exceto que a única palavra que a caneta não cobriu no risco, era diferente do texto principal. Sana leu "importo" e pensou sobre, mas logo desistiu.
Com o desenho, depois de muita análise, a japonesa chegou à conclusão de que era uma menina segurando dois pompons. Aquilo estava mais para rascunho, devida a habilidade no desenho que Dahyun claramente tinha, mas ainda dava para identificar a figura.
Sem precisar pensar muito, Sana também concluiu que a menina na folha branca e muito dobrada era ela enquanto líder de torcida.
*
— Vou subir. – Dahyun disse assim que a porta de sua casa foi aberta. A garota parecia um foguete de tão rápida.
— Espera. – O pai da coreana travou seus passos quando a mesma já estava com o pé no primeiro degrau. – Antes vamos conversar.
— Agora não. – Dizia já colocando o outro pé.
— Kim Dahyun, volte aqui imediatamente! – Falou alto e rígido, fazendo a menor obedecer a contragosto.
— Por que não deram o sermão no carro? – Perguntou frustrada ao sentar no sofá. – É sério, eu não posso agora, pai.
— Ah, não pode? – Perguntou sorridente de irritação. – E quando a senhorita estará livre para nos dar explicações?
— Não precisa agir desse jeito, sei que estou errada. – Dahyun falava mansamente. – Só preciso muito avisar alguém sobre algo.
— Posso imaginar como deve ser importante. – A mãe da menor começou. – Vai acionar uma bomba que deixou plantada no hotel? Vai chamar alguma gangue para destruir alguma coisa? – Debochou irritada. – JÁ CHEGA, DAHYUN!
— Ok... – Disse depois de um suspiro alto demais. Não sabia dizer se estava triste, aprendeu a conviver com esse sentimento, então só seguia a vida. As broncas dos pais já doeram mais que hoje em dia, mas sempre irão machucar e deixar marcas. – Falem.
— Você já sabe de cor o que vamos falar, não é? – O pai da moça perguntou folgando a gravata. – Pensa que iremos dizer as mesmas coisas de sempre e depois te dar o castigo de sempre. Pensa isso, certo?
— Não vai ser isso?
— Não. – A mãe da menor interviu. – Hoje você vai ouvir um sermão, de fato, mas não como os outros, muito menos mais um para comparar com o próximo.
— Como assim?
— Essa é a última vez que falamos algo, Dahyun. – Disse seriamente e a menina não parecia ter entendido a gravidade. – Nós cansamos.
— Cansaram de mim? – A voz quis falhar, mas a Kim mais nova conseguiu manter a postura.
— De você, do seu jeito, das suas bagunças... Tem diferença? – O mais velho disse chateado. – Eu não vejo nenhuma.
— Uau. – Dahyun soltou impressionada, mas muito dolorida por dentro. – Acabaram?
— Você está de brincadeira com a nossa cara, menina? – A Kim mais velha perguntou abismada.
— Não, mas é que eu realmente preciso falar com alguém.
— Deixa, Hyemi. – O homem disse com a voz baixa. – Dahyun não quer mudar.
— Vai deixar que ela viva a vida dessa forma? Fazendo mal às outras pessoas?
— Eu não faço mal. – Dahyun disse. – Isso que aconteceu foi um acidente, não foi de propósito e nem era a Sana quem eu queria atingir.
— Se quer acreditar no que acabou de dizer, vá em frente. Se vê alguma lógica também, siga. – Kim Sanghun falou indo até a filha e ficando frente a frente com ela. – Por mim já deu. – Olhava nos olhos da filha. – Eu desisto.
— Eu também. – A mais velha completou, mas sem olhar a filha.
— Eu... – Dahyun começou. – Já que terminaram... – Seu coração já estava acelerado, seu choro queria vir, mas a menina não queria mostrá-lo para os seus pais. Seu corpo suava levemente em algumas partes e a Kim menor já conseguia sentir a falta de ar que lhe era conhecida. – É, eu acho que vou subir. – Disse virando-se e correndo até as escadas, apenas contando de um até dez mentalmente enquanto realizava tudo isso.
Subiu as mesmas sem repetições. Desapareceu das vistas de qualquer um numa velocidade impressionante, mas não conseguiu segurar tudo até seu quarto.
Assim que deu as costas, as lágrimas caíram. Assim que subiu as escadas seu fôlego já era pouco. Assim que ouviu aquilo dos pais, mais um pedaço de si fora esmagado sem dó.
Entrou no cômodo e usou a bomba de ar. Esperou até esse momento para usá-la, mesmo que já estivesse com ela, porque queria se punir um pouco, queria deixar seu corpo ficar frágil para que seu psicológico machucasse menos. Ideia tola, mas era assim que a Kim lidava consigo: se maltratando.
— Atende... Atende... – Dizia repetidas vezes enquanto ouvia o "tu... tu..." do celular. – Porra, Chaeyoung! – Exclamou irritada. – Jihyo, vamos, você é responsável, vamos... – Tentou ligar para a outra amiga, mas sem sucesso. Dahyun não tinha como imaginar que nesse momento a Park estaria escondida com sua namorada taiwanesa. – Jeongyeon, por favor... Atende esse caralho de celular... – Implorava com pesar, já que estava com a cabeça em muitos lugares ao mesmo tempo e nenhum lhe dava paz.
— Alô? – Disse a Yoo.
— Porra, finalmente alguém!
— Dubu! – Parecia feliz. – Já chegou em casa? Está bem?
— Sim e sim. – Respondeu com pressa. – Escuta, preciso te contar algo, mas não conta para o Seungsik, ok?
— Dahyun, o que houve? – Seu tom mudou de feliz para preocupado. – Sua voz está estranha. Seu nariz está entupido? Não esqueceu a bombinha, né?
— Não, não esqueci. – Arfou impaciente. – Estou bem, Jeongyeon eu só... Só peguei um vento gelado e meu nariz entupiu. – Mentiu. Jamais diria que estava chorando. – Agora me escuta.
— Estou ouvindo.
— Não conte para o Seungsik agora, ele vai se preocupar demais e se descontrolar também, isso é tudo que ela não precisa no momento.
— Ela quem? Por que não posso contar?
— OUÇA! – Berrou impaciente. – A Seulgi fez de novo.
— COMO É?
— Não sei onde ela está, mas imagino que num banheiro. De toda forma, procure por todos os lugares.
— Como você soube disso?
— A Yuna fez isso acontecer, mas depois te conto tudo. Agora vai atrás da Kang.
— Preciso avisar mais alguém, senão demorarei muito para encontrar.
— Chama as meninas, mas não por ligação. Elas não atendem. – Dizia desesperadamente. – Não avise o Seungsik agora. Ache as garotas e chame qualquer outra pessoa. Só avise ao Kang quando a Seulgi estiver melhor.
— Ok.
*
"Mudança é uma coisa poderosa, eu a sinto chegando em mim
Talvez, quando o verão tiver terminado
Eu estarei apta a ser honesta"
Chapter Text
How Soon Is Now – The Smiths
"Eu sou o filho e o herdeiro
De uma timidez que é criminosamente vulgar
Eu sou o filho e herdeiro
De nada em particular"
*
— Seulgi! – Jihyo berrou quando abriu a porta da última cabine e encontrou a amiga caída no chão. – Que droga! Me ajudem aqui.
Assim que ouviram o pedido, Chaeyoung e Jeongyeon foram com pressa até Jihyo e, com ajuda da mesma, levantaram a garota. Seulgi tinha a pele pálida, olhos fechados e boca e cabelos sujos de vômito.
Carregaram a menina com rapidez até o quarto, a deitaram numa cama e limparam a pequena sujeira que ainda tinha em seu corpo. Após isso, Jeongyeon saiu para buscar um chá e Chaeyoung foi junto. Jihyo ficou no quarto, ao pé da cama, observando sua melhor amiga em tal estado.
Passava as mãos quentes pelo cabelo da Kang com carinho, preocupação e amor. Sentia quase uma dor física a cada momento que lembrava o motivo do desmaio da amiga e, vez ou outra, deixava uma lágrima escapar de seus olhos.
Jihyo e Seulgi têm uma das amizades mais puras e belas. As duas são confidentes, quase um ser só. Brincam sobre tudo, falam sobre tudo e sentem tudo uma da outra.
— Quando você acordar, Seulgi, prometo que vamos conversar sobre coisas boas. Não falarei sobre esse episódio agora, sei que não gosta e nem te ajuda, mas me prometa algo também. – Jihyo dizia com a voz mansa e acolhedora enquanto segurava forte a mão da maior. – Prometa para mim que vai buscar ajuda, hm?
— Prometo. – Ouviu aquilo e se assustou. – Prometo por ela. – Era Seungsik.
— Como você soube? – Jihyo perguntou temerosa. – Não te avisamos porque...
— Eu já sei. – Aproximou-se da irmã. – Encontrei as meninas e elas me avisaram, eu já estava sentindo que algo do tipo ia acontecer. – Deu um sorriso triste. – Dizem que os gêmeos são um só nas dores, né? – Jihyo assentiu. – Vamos ser um só no tratamento também.
*
— Cansaram... – Repetia a palavra em voz baixa ao passo que jogava uma bola de beisebol no teto. – Cansaram de mim, do meu jeito...
Dahyun continuava a lembrar da discussão que teve com os pais. Lembrava com pesar e a contragosto, mas já havia perdido o controle de sua mente barulhenta há muito tempo.
Sua mente era confusa, agoniada. Seu coração era acelerado, suas mãos suavam e seu corpo doía. Estava em crise. Sua respiração não ficou mais fora de controle, ao menos, pois sua asma está controlada há muito tempo e raramente tem algum episódio grave. Geralmente está bem, mas se não estiver, somente um curto uso da bombinha já ajuda.
Parou com a bolinha e levantou da cama com rapidez por ter lembrado de algo importante. Abriu a porta do guarda-roupas, puxou algumas caixas de dentro e pegou um estojo de metal. Depois, devolveu tudo para o lugar, abriu as janelas e colocou uma cadeira na sacada de seu quarto.
Dahyun tinha pensado em algo que a ajudaria, pelo menos por agora, a relaxar. Colocou uma música num volume moderado, sentou-se na cadeira que preparou e abriu o estojo. No recipiente tinha tudo que precisava para relaxar como queria.
Após poucos minutos de preparação, Dahyun acendeu o isqueiro e queimou a seda, já inalando a fumaça. Fez o movimento umas duas vezes devagar, depois deu continuidade de forma mais despojada.
Era lenta num geral, mas já podia sentir seu corpo amolecer, sua mente esvaziar e seu peito se acalmar. Estava como queria: relaxada e tranquila.
Com a música boa demais aos seus ouvidos e uma paz interior forte, catou o celular, tirou uma foto, coisa que quase nunca faz, e postou. Sem medo, sem receio, sem pestanejar.
dahhyunnee (dahyun):
Continuou no próprio planeta até mesmo depois que o cigarro havia acabado. A música ainda era boa demais, o clima ainda era extremamente agradável, mas a fonte tinha esgotado.
Dahyun voltou seu foco no telefone e viu que sua publicação atingiu pessoas demais. Por sorte e esperteza, a garota tem uma conta secreta, longe de adultos e pessoas que possam lhe encrencar. A garota ria sozinha ao ler os comentários em sua foto, as curtidas que subiam rapidamente e ria ao se analisar na fotografia que nem ao menos mostrava seu rosto.
Era engraçado por acontecer, era engraçado por ser, era engraçado para Dahyun como poucas coisas um dia foram. Riu, gargalhou, berrou tanto que até chorou. Suas bochechas doíam, seu rosto era vermelho, mas agora, pelo menos por agora, sua aura era tranquila.
Uma das notificações era de mensagem privada. Leu o nome de quem lhe enviava o texto e ficou surpresa ao reconhecer o inesperado remetente. Abriu a DM e leu:
m.by_sana (sana): você não deveria fumar.
dahhyunnee (dahyun): por que?
m.by_sana (sana): não faz bem à saúde.
dahhyunnee (dahyun): 👍
m.by_sana (sana): ah... eu só queria te dizer que vi o bilhete.
dahhyunnee (dahyun): ok.
m.by_sana (sana): bom, eu te desculpo, sim...
dahhyunnee (dahyun): como vc está?
dahhyunnee (dahyun): digo, as manchas, os espirros, a coceira.
m.by_sana (sana): melhor do que mais cedo ;)
dahhyunnee (dahyun): que bom.
A Kim bloqueou o celular imediatamente. Levantou e arrumou tudo como estava antes. Borrifou um perfume na sacada e dentro do quarto para disfarçar o cheiro da erva e, por fim, fechou as janelas.
Eu disse que seria invisível para você, Sana. Isso com certeza te agradou, senão não faria questão de me avisar que leu o que eu escrevi... Vou manter a minha palavra, não se preocupe.
Pensou.
*
Dois dias depois...
— Cara, eu com certeza vou rodar nessa prova. – Tzuyu disse aflita.
— Você que não quis que eu te desse aulas... – Sana falou colocando seu material sobre a mesa.
— Se isso te conforta, Chou, também vou rodar nessa matéria. – Momo falou cansada. – E nem a Mina conseguiu me fazer entender esse troço que é química orgânica.
— É até legal. – Sana comentou e recebeu olhares reprovadores como resposta. – De toda forma, eu sento ao seu lado, Tzuyu, não é difícil pescar da minha prova. – Sorriu sapeca.
— Que horror! – A estrangeira colocou a mão no peito fazendo drama. – O que pensa de mim? Eu não faço esse tipo de coisa... – Disse enquanto afastava a carteira para mais perto ainda da carteira da japonesa.
— Não sejam bobas! – Nayeon comentou. – O professor é o maior bocó e nós somos atletas, não vai ser difícil e nem preciso tirar mais que a média.
— Fale por você, Im. – Jennie comentou. – Eu não tive tempo de estudar justamente por causa dos treinos... – Arfou cansada. – Meus pais vão me matar!
— É, mas a vida é assim mesmo. – Nayeon riu e sentou-se em seguida. – Eu mostro minha prova para você, fofa.
— Por sua conta e risco aceitar cola dessa daí. – Tzuyu brincou e recebeu uma bolinha de papel na cara como represália.
— Bom dia, bom dia. – O professor diz ao entrar na sala e fechar a porta. – Já sabem as regras: celulares em minha mesa e materiais embaixo da carteira de cada um.
— É agora o começo do meu fim... – Momo reclamou olhando para cima como quem pedia uma intervenção divina. – Ai, que mundo cruel!
— Calada, Hirai. – Nayeon disse num sussurro. – Sua namorada sempre te socorre, não precisa fazer charminho.
— Eu tenho que inovar, né? – Momo disse rindo. – Se eu só aceitar sempre, sem fazer um charme, ela pode se cansar.
— Ei! Eu nunca vou me cansar. – Mina reclamou rindo. – Vamos ficar quietas agora, ele já vai entregar as folhas.
— PROFESSOR. – Disse alto assim que entrou na sala com alvoroço. – Desculpe o atraso. Bom dia, professor. – Curvou-se. – Posso entrar?
— Anda logo, Kim Dahyun. – Deu de ombros. – Sua sorte é que estou de bom humor.
— Vai ficar melhor ainda quando corrigir a minha prova! – A Kim disse sorrindo enquanto caminhava até seu assento.
— Bro, como você está? – Chaeyoung perguntou quando a amiga sentou ao seu lado. – Achei que ficaria sem minha enciclopédia na prova de hoje.
— Bem. – Suspirou cansada e secou o suor de sua testa com as mãos. – Não perderia essa prova por nada. O tanto que me humilhei para o Wang deixar eu realizar as avaliações e o tanto que eu corri para chegar aqui na hora foi brincadeira... – Arfou novamente.
— Por que não veio de carro? – Jihyo perguntou.
— Estou de castigo. – Respondeu dando de ombros. – Meus pais cansaram de mim e resolveram me cansar também. – Brincou. – E conseguiram... Corri demais, estou morta de cansaço!
— Você é louca, Dubu. – Jeongyeon comentou. – Como consegue fazer piada numa situação assim?
— Acostumei. – Deu de ombros e virou para frente, cutucando o ombro de Seulgi. – Como você está?
— Bem. – Respondeu quando virou o rosto e encarou a menor. – Obrigada por avisar a galera sobre o que rolou.
— Eu teria feito mais se pudesse...
— Não, tudo bem, foi o bastante. – Sorriu gentilmente, mas era claro para Dahyun e para qualquer um que soubesse da situação que aquele sorriso entregava tudo, menos felicidade.
— Seulgi, você tem que procurar ajuda... – Começou com receio, mas continuou. – O Seungsik me disse que vai garantir que você vá ao médico e ao psicólogo, mas você também precisa querer se curar para que o tratamento funcione.
— Você sabe disso mais do que ninguém, né? – Perguntou sem receio. – Não tenho motivos para mentir para você, acho que me entende mais que qualquer um nesse sentido.
— No sentido "não querer contar tudo sobre si para um terapeuta"? – Ela assentiu. – Sim, eu entendo.
— Meninas, silêncio. – O professor disse aproximando-se. – Estou finalizando a entrega das provas, por favor, comportem-se.
— Desculpe, senhor. – Seulgi disse tornando a postura para a frente.
— Desculpe. – Dahyun falou e logo esticou o corpo mais perto da Kang. – Vamos continuar essa conversa, certo? – Perguntou num sussurro ao pé do ouvido da mais velha.
— Vamos. Depois da escola eu vou até sua casa, ok?
— Podemos ir juntas, já que hoje tem uma prova no último horário.
— Como você vai fazer, já que não pode assistir às aulas?
— Quando acabar essa, vou para casa. Quando der a hora da outra, eu volto.
— Então combinado. Já que você sempre sai mais rápido, me espera no banco da entrada, ok?
— Ok.
*
Fim das aulas e das provas do dia. Sana já havia se despedido das amigas e seguia para seu armário apenas para guardar os livros. Estava ansiosa para ir para casa e começar a se preparar para a prova de amanhã, não conseguia esconder o sorriso só de pensar na avaliação.
Era o momento do bimestre que usava um talento e um lazer ao seu favor: a escrita. Estando triste ou feliz, ocupada ou sem nada fazer, Sana sempre arruma um jeito se riscar uma folha. Sempre. O papel é seu confidente, seu psicólogo e seu amante.
A maioria dos alunos já tinha ido embora, então o silêncio era quase absoluto. Quando Sana ficou de frente ao seu armário, ouviu passos apressados perto de si e olhou em direção ao som. Era Dahyun. A coreana estava de fones, um casaco de moletom grande e escuro como sempre e caminhava olhando para o chão.
Sana não se prendeu olhando para a Kim, continuou o que tinha de fazer e logo abriu seu armário. Quando ia guardando os cadernos notou algo de diferente ali, algo que aprendeu a ignorar por um curto período de tempo, mas que agora chamava mais atenção, já que a dona do objeto tinha acabado de passar por ela.
A Minatozaki avistou a gravata de Dahyun, a mesma que a Kim tentou amarrá-la e a mesma que levou consigo quando saiu daquele bendito banheiro.
Pegou a peça e gritou por Dahyun, mas além de estar distante, a música que ouvia nos fones era alta demais. A coreana não ouviu e Sana desistiu depois de uma única tentativa. Guardou a gravata novamente e seus cadernos em seguida, fechando o armário e caminhando rumo a sua casa.
— Prosa... – Dizia para si mesma enquanto caminhava sem pressa. – Prosa é tão fácil, mas ao mesmo tempo tão complicado... Tem que ser perfeito, tem que prender o leitor. – Suspirou. – Se ela pedir algum tema social eu vou pirar!
Pensava alto enquanto ia até sua casa. Sana conversava sozinha com frequência, não importando onde e nem quando. Estava sempre entre os dois mundos: seu verbal e o mental. Deixava que os dois papeassem a todo momento e isso fazia com que ela chegasse à conclusões mais facilmente.
— Tenho certeza que o tema será livre... – Falava de um jeito que mais parecia um pedido. – Tomara que seja livre mesmo.
Ao passo que estava animada para a prova de redação que teria amanhã, também estava nervosa. Literatura e redação são suas matérias favoritas e as que mais faz questão de tirar as melhores notas possíveis.
Sana ama escrever, principalmente poesia, e ama ler, principalmente livros de fantasia. Seu dom para tal arte foi percebido ainda jovem, quando escrevia em diários sobre seus sentimentos e rotinas. Sua leitura sempre foi exercitada pela mãe, hábito que mantém até hoje.
— Cheguei! – A japonesa gritou abrindo a porta de casa.
— Oi, lindinha. – O pai da menor falou com um sorriso carinhoso nos lábios. – Como foram as provas?
— Tranquilas, como sempre.
— Você é meu orgulho, sabe disso, certo? – Deu um beijo casto no topo da cabeça da jovem e a guiou para a sala de jantar. – Vamos comer conosco?
— Não, obrigada. – Disse forçando um sorriso. – Não estou com fome agora, pai.
— Certo. – Sentou-se. – Pelo menos cumprimente sua madrasta, Sana. – Lançou um olhar calmo. Sana jamais conseguiria lhe negar um pedido, nem mesmo o pior deles.
— Oi, Sooyoung. – Sana disse com o rosto sério. – Vou para o meu quarto, ok?
— Olá, Sana. – A mulher respondeu com a mesma seriedade. – Coma, sei que está faminta.
— Não quero. – Virou de costas, pronta para ir embora daquele ambiente.
— Eu disse, Shitara, sua filha não gosta de mim. – A mais velha reclamou num tom ameno, mas que carregava os piores sentimentos. – Ela me culpa.
— Não diga isso, ela só...
Sana freou quando ouviu a fala de sua madrasta, mas deu continuidade aos passos quando a mesma terminou a sentença. Quis ficar e ouvir toda a conversa, principalmente a resposta de seu pai, mas desistiu. Pensou em falar algo, mas desistiu também. A única coisa que fez foi sair dali.
Abriu a porta de seu quarto e trancou a mesma quando estava dentro do recinto. Tirou a mochila das costas com rapidez e se despiu com violência. Uma simples frase mexeu consigo de forma absurda. Odiava aquela mulher, a voz dela e tudo que ela fazia ou falava. Odiava que seu pai a amasse, odiava sentir ódio e odiava se importar tanto com as coisas que ela profere.
Depois de um banho quente e relaxante, Sana deitou-se na cama e encarou o teto. Sua mente só pensava em uma coisa, uma pessoa, uma situação.
Abafou, com um travesseiro, gritos de cansaço, de dor. Depois, vestiu-se e sentou-se em sua escrivaninha. Catou seu livro favorito e abriu na primeira página, a que tinha a dedicatória de sua mãe.
"Para minha pequena atleta e dançarina. Que o principezinho te ensine tudo de mais mágico. Boa leitura, a mamãe te ama.
Ass: Minatozaki Kana"
— Desculpa, mãe...
*
"Cale a sua boca, como você pode dizer que
Eu faço as coisas do jeito errado?
Eu sou humano e preciso ser amado
Assim como todo mundo precisa"
Notes:
os próximos capítulos também terão povs, este é o último com formato solo de narrador.
obrigada pelas views e comentários!!
Chapter 9: Hope Is a Dangerous Thing For a Woman Like Me To Have - But I Have.
Chapter Text
Hope Is a Dangerous Thing For a Woman Like Me To Have - but i have – Lana Del Rey
"Ela não poderia se importar menos, e eu não poderia me importar mais
Então, não há nada mais a dizer sobre isso
Exceto que a esperança é uma coisa perigosa para uma mulher como eu ter"
*
Pov Dahyun
— Oi. – Ouvi aquela voz e levantei imediatamente do banco em que estava sentada. – Está esperando há muito tempo? – Era Seulgi.
— Não. – Respondi retirando o fone dos ouvidos. Eles não tocavam música ou qualquer outro som, eu só estava usando para não ter que cumprimentar alguém. – Vamos?
Caminhamos lado a lado, sem pressa e sem silêncio. Conversávamos sobre tudo e sobre nada. Com liberdade para falar qualquer coisa e sem timidez para isso também.
Gosto da amizade que constituí com meu grupo. Todos somos muito próximos e muito sinceros também. Não há amarras, medos ou vergonhas em nossos papos e momentos juntos. Se existe um problema, ele será resolvido em conjunto. Pode levar tempo, mas isso não é um empecilho.
Eu queria poder demonstrar mais o que sinto, queria poder fazer mais por eles e ser mais, mas não consigo. É como se uma trava, quase que uma corrente invisível, me prendesse em mim mesma. Não consigo sair, expressar o que meu subconsciente deseja e nem agir conforme minha criança interior quer. É sufocante, agoniante. É terrível.
— Eu sinto muito que a Yuna tenha feito isso com você, Seulgi. – Comecei. – Foi culpa minha, de certa forma, eu provoquei. Desculpa. – Falei encarando o chão.
— Para, Dubu. – Respondeu com a voz mansa. – A Yuna não fez nada comigo, eu que entrei naquele banheiro e me maltratei.
— Mas ela te induziu.
— Pode até ser, mas se eu não fosse fraca, nada disso teria acontecido. – Suspirou alto demais e eu senti que ela queria chorar, mas não a olhei para confirmar. – A culpa é minha.
— Não diz isso. – Falei com um certo nervosismo. – Você fez o que fez, é fato, mas não tem controle sobre isso, está fora do seu alcance. Pelo menos por agora, enquanto não tem ajuda.
— Eu sei...
— Não quer buscar ajuda? – Finalmente levantei a vista e vi seu rosto sério. Ela não chorava como eu imaginei, mas tinha os olhos tristes.
— Eu quero mudar, mas não sei se consigo.
— Do que você tem medo?
— De mim, talvez. – Deu de ombros e aquela frase me fez enrijecer. – Dos meus pais, do futuro... Eu tenho muitos medos.
— Qual deles impede seu tratamento?
— Não sei... – Fugiu do assunto. Aqui eu entendi que estava perguntando demais, então recuei. – Você disse que me entendia quanto a isso. – Começou a contornar uma aresta que me deixou em estado de alerta. – Por que não gosta de terapeutas e psiquiatras?
— Não gosto de falar da minha vida para ninguém. – Respondi curta e objetiva, encarando o chão novamente.
— Vamos, seja mais específica.
— Você está parecendo um deles agora... – Reclamei, mas ela não parece ter ligado. – Ok... Eu não gosto de falar sobre mim para alguém que não conheço, não gosto de sentir que estou sendo analisada e não gosto que digam como eu sou ou como devo agir. Quem são eles, afinal?
— Profissionais. – Riu fraco. – Se pensa assim, então por que me aconselha a ir a médicos e psicólogos? – Encarou meu rosto, mas eu não encarei de volta. Olhava, dessa vez, para o chão, notando suas pupilas me queimarem apenas pela visão periférica.
— Uau. – Falei depois de arfar. – Porque sei que eles funcionam, que ajudam.
— Ué?
— Eu não gostar de consultas assim não significa que não saiba da eficiência. – Dei de ombros. – O que eu vou te contar agora fica só entre nós, ok? – Parei de frente ao seu corpo e, finalmente, olhei em seus olhos sem desviar.
— Ok.
"A calma desse consultório sempre me deixou atordoada. Não gosto de barulhos altos ou muito movimento, mas tanta calmaria assim, num lugar como esse e numa situação como essa, me incomoda além da conta.
— Kim Dahyun, pode entrar. – Ouço aquela voz que tanto me agrada e tanto me anima.
A psicóloga abre a porta de sua sala e me espera adentrar. Assim que o faço, ouço o barulho dela fechando-se atrás de mim e logo me sento na cadeira de sempre: a vermelha de plástico. A Sra. Kwon vem atrás, sentando-se em minha frente, na cadeira de plástico rosa.
— Bom dia, pequena. – Ela diz com um sorriso contagiante nos lábios. – Como está hoje?
— Bom dia, senhora Kwon. – Faço uma breve reverência nas condições que me cabem. – Vou bem e a senhora?
— Oh, vou bem também, obrigada. – Riu de leve. – Quer me contar como foi a semana?
Para uma criança de 10 anos é normal responder a essa pergunta com felicidade e empolgação, afinal estaria descrevendo as várias brincadeiras que realizou nos últimos sete dias, mas não era esse o meu caso.
Assim que ouvi sua pergunta, inevitavelmente meu sorriso desapareceu. Minha mãos suaram levemente e eu comecei a balançar a perna. Era estranho como tudo acontecia em mim tão rápido e ao mesmo tempo, como se tivessem apertado algum botão.
— Pequena? – Falou comigo com um olhar manso, mas sua voz não era doce como sempre, dessa vez ela estava com um tom preocupado. – Dahyun-ssi, você está bem? – Segurou nas minhas mãos que estavam fechadas em punho sobre a mesa. – Não quer falar como foi sua semana?
— Não, tudo bem. – Respondi tornando à realidade. – Não foi muito legal...
Contei-lhe sobre as advertências que tomei de professores e do diretor, contei das reclamações dos meus pais e das crises de choro também.
Eu descrevia tudo de forma acelerada, intensa e sem pausas. Minha respiração estava um pouco descompensada, meu olhar era nervoso e minhas pernas balançavam ainda mais.
— Seus pais brigaram com você alguma vez? – Perguntou encarando meu comportamento.
— Sim, mas eu mereci. Fiz besteira na escola, então eles ficaram chateados. – Dei de ombros.
— Por que fez besteira na escola?
— Não sei... – Procurei por algum motivo, mas nenhum veio a mente. – Eu quis.
— O que você fez?
— Joguei papel higiênico molhado por todo banheiro feminino. – Sorri ao lembrar. – O diretor me levou para sala dele e ligou para os meus pais.
— O que ele disse para seus pais?
— Nada. Eles não atenderam.
— Oh, entendo. – Suspirou pesadamente. – Como você se sentiu sobre isso?
— Sobre a bronca do diretor, sobre a pegadinha ou sobre meus pais não terem atendido ao telefonema?
— As três coisas.
— Normal. Fiquei alegre. Fiquei... Não sei.
— Vamos falar da última. – Endireitou-se na cadeira. – Quis chorar?
— Sim.
— Seu coração doeu? Como se estivesse apertadinho?
— Sim.
— Ficou com vergonha?
— Do que?
— De qualquer coisa. Ficou?
— Sim.
— Acha que isso é tristeza, então?
— É... Acho que sim. – Deixei-me ficar desse jeito novamente. – Fiquei triste por eles não terem atendido a ligação. É, fiquei.
— O que aconteceu antes de você decidir fazer a pegadinha?
— Nada.
— Certo... – Acatou. Ela nunca me forçava a nada, nem induzia. Me deixava falar o que quisesse, no momendo em que me sentisse pronta e da forma que eu achasse melhor. Era confortável. Eu amo nossas sessões. – Me diz sua rotina antes da pegadinha. Conte-me tudo que fez durante esse período, em detalhes. Pode me contar tudo que aconteceu, né?
— Posso. – Catei um cubo mágico que estava na mesinha de plástico de cor amarela e comecei a brincar com ele enquanto falava.
Descrevi, nos mínimos detalhes, quatro dias e algumas horas. Em determinado momento, me apeguei a coisas que acredito serem inúteis e bobas, mas fiz sem perceber. Depois, acabei esquecendo do que estava falando e a Sra. Kwon me ajudou. Foi difícil lembrar de tudo, já que minha memória não é muito boa, mas dei o meu melhor. Fiquei feliz com isso.
— Eu tinha preparado uma maquete para um trabalho da escola e depois que terminei tudo, fui me aprontar para dormir. – Estava falando sobre o quarto dia, o penúltimo antes da pegadinha.
— Sobre o que era essa maquete?
— Era para retratar uma viagem a algum lugar com belezas naturais, para a aula de geografia. – Sorri ao falar sobre isso. Gosto da professora de geografia. – Então, fiz de uma viagem a ilha de Jeju, que aconteceu há uns três anos, mas que ainda me lembro muito bem dela!
— Você gosta de praia?
— Bastante! Adoro nadar. – Sorri novamente e ela retribuiu. – Uma vez eu assisti vários documentários sobre o mar, foi muito divertido.
— Certo, certo. – Anotou algo. – Esse trabalho foi aprovado?
— Ah, ele não valia nota, somente pontos.
— E quantos pontos você recebeu?
— Se você fizesse a maquete, ganharia um ponto na média bimestral, se não fizesse, não ganhava. – Expliquei com paciência. – Eu ganhei um ponto.
— Entendi.
— Um menino da minha sala não ganhou, mas ele fez uma maquete. – Continuei sem me importar. – Só que ele fugiu do tema, então zerou.
— Uma pena, né? – Disse depois de anotar mais. – A sua viagem a Jeju, foi com seus pais?
— Sim. – Minhas pernas balançaram novamente.
— Como esse trabalho deveria ser feito?
— É só fazer uma maquete, senhora Kwon... – Ri desconfiada. – A senhora nunca fez uma? – Falei sem filtros. – Podemos fazer qualquer dia, se quiser. – A cortei antes que pudesse dizer algo.
— Já fiz, mas podemos fazer uma juntas, sim. – Levantou-se e eu a segui com o olhar. – Quer fazer agora?
— Sim.
Ela pegou alguns materiais na prateleira e os colocou em cima da mesinha. Nós começamos a mexer nas coisas com rapidez. Eu soltei o cubo mágico assim que foi preciso e logo comecei a colar alguns papéis no isopor.
O cheiro de tinta guache, cola branca e giz de cera já podia ser sentido no ambiente todo. Era divertido. Não lembrava mais o que estávamos conversando, afinal quando a Sra. Kwon me pediu para montar a mesma coisa que montei para aula de geografia, fiquei em silêncio absoluto e escutava apenas minha respiração, pensando em absolutamente nada.
— Dahyun? – Ela me cutucou, tirando-me do momento em que eu me encontrava. – Já terminou, foi?
— Sim.
— Deixe-me ver. – Analisou tudo e sorriu. Ela viu o mar, as cabanas, a areia, algumas conchas e três pessoas. – Quem são?
— Meu pai, eu e minha mãe.
— E o que está escrito aqui? – Forçou a visão para ler a legenda, mas não conseguia entender nada que eu havia rabiscado.
— Oh, isso foi só uma exigência da tia, nada de mais. – Dei de ombros desconfiadamente.
— Pode ler?
— É... – Hesitei, mas dei continuidade. – Diz assim: "Feito por papai, mamãe e Dahyun."
— Por que escreveu isso, pequena?
— A tia pediu para fazermos de uma viagem a algum lugar com belezas naturais... Pediu para que montássemos a maquete com os nossos responsáveis.
— Então seus pais te ajudaram?
— Não.
— Como assim?
— Minha mãe estava viajando e meu pai no escritório. Ele disse que não tinha tempo, então eu fiz sozinha.
— E como você se sentiu sobre isso? Sabe me dizer?
— Isso eu sei.
— Como se sentiu?
— Com raiva.
— Por que?
— Isso eu não sei direito... Mas chorei, gritei no meu quarto e... Não lembro mais.
— Não se lembra do que fez depois?
— Não me lembro de como me senti depois.
— Foi como se estivesse fora de controle?
— Um pouco, sim.
— Se sentiu ansiosa? – Eu franzi o cenho com aquela palavra que não conseguia lembrar do significado. – As palpitações, a sudorese, o nervosismo...
— Ah, sim, senti.
— Fez o que combinamos?
— Você diz contar até dez enquanto ando?
— Sim. Você fez?
— Fiz."
— Poxa, Dubu... – Seulgi disse com pesar. – Não sabia dessas coisas, eu sinto muito.
— Já faz muito tempo, está tudo bem. – Falei sem hesitação em mentir. Eu e Seulgi sabíamos que não estava tudo bem e que não fazia muito tempo, afinal esse tipo de coisa com os meus pais ainda acontece, mas não iria me alongar nesse assunto. – Te contei para você ver como eu, apesar de odiar fazer terapia, reconheço que ela me ajudou muito e é fundamental.
— Obrigada. – Sorriu gentilmente quando parou de frente a sua casa. – Por me contar tudo isso, confiar em mim e por tentar me ajudar.
— Não conte isso para ninguém, ok? Só você e a Chaeyoung sabem disso.
— Pode deixar.
— Fica bem, Kang. – Falei sorrindo de leve e já me afastando de ré. – Qualquer coisa estamos aqui, é só gritar.
— Valeu, Dubu. Digo o mesmo para você, ok?
— Ok, ok... – Desviei de seu olhar e apenas lancei um "V" com os dedos antes de me virar de costas para ela e seguir meu caminho.
*
Pov Sana
— Beleza, tio! – A voz alta chega aos meus ouvidos e em seguida ao meu quarto. – E aí, delícia! – Tzuyu bateu a porta quando entrou. – Como você está?
— Bem... – Respondi desconfiada. – O que houve?
— Como sabe que houve algo?
— Você veio aqui para estudar matemática, conforme combinamos, e chega perguntando se eu estou bem... Isso é estranho.
— Qual é? Não posso me preocupar com minha melhor amiga? – Colocou a mão no peito fingindo drama. – Mas, está certa, aconteceu algo.
— BINGO!
— Isso não significa que eu não me importe com você, é só que se você respondesse que não está bem, eu não ia te alugar com meus problemas. – Riu timidamente e eu não pude evitar de ser contagiada. – Espera... – Chegou perto do meu rosto e analisou o mesmo. – Você chorou?
— O que?! – Empurrei seu corpo para longe. – Claro que não, doida!
— Sei... – Cerrou os olhos e me encarou profundamente. – Se não quer contar, tudo bem. Mas não pense que me engana, Minatozaki Sana!
— Credo, eu hein! – Virei a cadeira giratória para frente da minha escrivaninha, como estava antes, ficando de costas para a Chou, assim evitaria que ela me lesse ainda mais. – Diz logo o que rolou, senão vou abrir o livro de trigonometria.
— Espera, espera. – Virou minha cadeira rapidamente e quando eu estava de frente para ela, notei que a taiwanesa estava sentada em minha cama. – Ok, vamos lá: as meninas estão desconfiadas de mim e da Jihyo.
— Eita!
— Pois é... Preciso de ajuda, Saninha.
— Quando você me chama no diminutivo é para me preparar para um favor, mas dessa vez já pediu antes. Uau. – Fiz drama.
— Na verdade, te chamo no diminutivo porque seu nome é muito fofinho e eu te amo muito... – Forçou uma fofura que me fez querer vomitar.
— Ok, chega. O que quer que eu faça?
— A Mina e a Nayeon estão decididas a conversar com a Jihyo e dar uma prensa na coitada. Elas já falaram comigo e disseram que devo ficar longe da Park, já que ela é do grupo da Dahyun.
— Elas te disseram tudo isso?
— Na verdade, não. Só a segunda parte. – Franzi o cenho, curiosa. – A primeira parte eu deduzi. A Momo veio com um papo estranho para cima de mim esses dias e eu fiquei desconfiada, aí então só juntei dois mais dois.
— Entendi. A Momo é inocente demais e não liga para o grupo da Dahyun, mas as outras duas...
— Ligam e muito! – Completou. – Com certeza fizeram a cabeça da Hirai para ficar esperta.
— Sua sorte é que ela não consegue. – Rimos. – Mas, sério, como posso te ajudar?
— Elas vão falar com você sobre isso com certeza, já que querem apoio só de quem odeia aquele grupo.
— Está dizendo que eu os odeio?
— É... – Falou timidamente. – Olha, eu sei que não é muito fã da minha namorada, não precisa ficar tensa. Sei que não gosta de ninguém daquele grupo, muito menos a Kim, mas eu preciso que ignore isso dessa vez.
— Não odeio... Isso é uma palavra muito forte, não combina comigo.
— MINATOZAKI SANA? – Levantou bruscamente e colocou a mão na minha testa, checando se eu não estava com febre. – Você está doente?! Sempre detestou todos ali e suas ações, PRINCIPALMENTE KIM DAHYUN! O que aconteceu?
— Nada. – Tirei a mão dela de cima de mim. – Eu não gosto dela e nem do grupinho, exceto a Jihyo que te faz feliz, mas odiar é uma palavra... Sei lá... Não use essa palavra.
— Ok... Estranha.
— Estranha é você! GAY! – Joguei uma caneta nela, que foi a primeira coisa que consegui pegar para arremessar. – Anda, diz o que quer que eu faça.
— Quando elas te procurarem, não dá corda. Tenta tirar essa ideia besta da cabeça delas e diz que eu não tenho nada com a Jihyo, caso contrário você, como minha melhor amiga, saberia.
— Eu digo, mas não sei se isso vai convencê-las.
— Acho que vai segurar a onda delas pelo menos por enquanto. Eu faço minha parte do lado de cá.
— Que seria...?
— Dar menos mole em relação a isso. Vou parar de ver a Jihyo ás escondidas na escola, pelo menos por enquanto, e vou demonstrar que detesto todos do grupo da Kim na frente da Mina e da Nayeon.
— Bom plano. – Balancei a cabeça positivamente.
— Obrigada.
— Podemos estudar agora?
— Ah... HA! – Gritou como se tivesse feito uma grande descoberta. – Já sei o que rolou com você...
— Como assim, sua besta?
— O livro. – Apontou com os olhos, mas eu fingi não ver. – O Pequeno Príncipe. – Abaixei a cabeça com vergonha. – Eu sei o que esse livro significa para você e também sei que não costuma lê-lo com tanta frequência.
— Eu leio sempre.
— Não. Você lia sempre, há muitos anos que não pega muito no livro, exceto quando está triste ou quando sente saudade da sua mãe. Geralmente as duas coisas andam juntas. – Encarou meu rosto com cumplicidade. – Sana-yah, você pode me contar tudo. O que te fez pegar nesse livro dessa vez?
— Saudade da minha mãe, você mesma disse.
— Em Busan eu sei que foi isso, mas e hoje?
— Em Busan o buraco é bem mais embaixo, você sabe.
— Tanto sei que não te questionei sobre isso lá, mas aqui e agora, vendo você com ele de novo, num intervalo de tempo tão curto eu... Eu tenho que perguntar. – Respirou fundo. – Sua madrasta fez algo?
— A Sooyoung? Não.
— Sana...
— Ok, ela disse uma frase idiota que eu dei muita importância, mas não tem problema, já passou.
— Você sabe que não passou. – Segurou minha mão. – O que ela disse?
— Nada importante, só a ouvi dizer ao meu pai que eu não gostava dela e que eu a culpava.
— O que o tio respondeu?
— Não sei, eu saí.
— O que ela quis dizer com culpa é o que eu estou pensando?
— Sim...
— Sana, precisa deixar isso ir. – Falou seriamente e eu senti um frio na espinha. Odeio mudanças e despedidas. Juntar as duas coisas me fazia ter calafrios só de pensar. – Digo, enquanto se prender a essa história, jamais terá paz.
— Eu não consigo e nem quero me soltar dessa história. – Falei, finalmente, encarando seu rosto. – É a minha história, Tzuyu. É a minha mãe.
— Eu sei, meu anjo, mas não pode ficar sofrendo tanto assim... Sua mãe não ia querer isso.
— Se ela soubesse de tudo, jamais tinha aberto as portas da casa dela para a Sooyoung, por exemplo. – Falei com dificuldade. – Ela, onde estiver, está olhando por mim, sei disso, mas não pode desgostar ou gostar de como ajo.
— Isso é uma especulação, Sana, para de se maltratar, por favor... – Fez um leve carinho em meus ombros, mas eu me mexi e tirei suas mãos dali com brutalidade. – Ok, desculpe. Não vamos falar mais disso.
— Obrigada.
— Vem cá. – Segurou meu pulso, abriu a porta do meu quarto e deu a deixa de que sairia dele me levando junto.
— Espera. – Falei e ela freou. – E o estudo de matemática para a prova?
— Que se dane a prova, eu quero ver um sorriso sincero em seu rosto, Sana-chan! – Sorriu alegremente para mim e continuou seus passos apressados comigo atrás de si.
*
"Aí está uma nova revolução, uma evolução barulhenta que eu testemunhei
Nascida da confusão e da conspiração silenciosa que eu conheço bem
Uma mulher moderna com uma constituição fraca, porque eu ainda tenho
Monstros embaixo da minha cama dos quais nunca pude me livrar"
Chapter 10: Bascket Case.
Chapter Text
Basket Case – Green Day¹
“Você tem um tempo para me ouvir choramingar
Sobre tudo e nada, de uma vez só?
Eu sou um desses
Idiotas melodramáticos
Neurótico até o talo”
*
Pov Narrador
— Yuna, eu já disse que estou fazendo tudo direitinho, conforme me pediu. – Miyeon falava impaciente enquanto observava o comportamento paranoico da outra. – Até vou aproximar aquelas duas... – Sussurrou a última parte.
— Não sei se devo confiar tão cegamente em você. – Respondeu ríspida como sempre e sentou ao lado da coreana mais velha em seguida. – Enfim, como o Yuta está reagindo?
— Você quer saber se ele já confia em mim e está apaixonado? – A outra assentiu. – Não está apaixonado, é muito cedo para isso. Estamos saindo há poucos dias apenas. A confiança... Digamos que está sendo mais fácil.
— Quero detalhes, Miyeon, detalhes. – Falou irritada. – Na festa de hoje você tem que deixar ele gamado. Tem que dar um jeito, Miyeon, é sério. – Seu tom era quase desesperado.
— E como sugere que eu faça o garoto confiar cegamente em mim e me amar incondicionalmente assim do nada? Fazendo mágica? – Riu. – A bruxa aqui é você. – Gargalhou alto com a própria piada, mas a Shin não gostou do que ouviu e, após lançar um simples olhar sério e reprovador, devorou a felicidade da Cho. – Desculpe. O que acha que devo fazer?
— Não sei, quem coleciona romances aqui é você. – Desdenhou. – Você com certeza sabe mais do que eu sobre como fazer um garoto adolescente ficar caidinho por uma menina.
— Sei e já estou fazendo isso, mas não é um processo rápido. Por que quer com essa urgência?
— Não posso dizer agora, você pode estragar meus planos com essa sua boca grande.
— Boca grande?! – Colocou a mão no peito realmente magoada. – Yuna, fiz tudo que me pediu e não contei a ninguém... O que pretende fazer na festa de hoje?
— Nada muito grande, mas gostaria de somar à minha coleção de podres da Minatozaki... Foquei muito na Dahyun esses últimos dias e fui vitoriosa, vou fazer o mesmo com a japonesa. – Revirou os olhos involuntariamente.
— Mas a Kim só foi suspensa, até fez todas as avaliações. – Disse sem malícia e Yuna irritou-se ao ouvir aquilo. – E com certeza foi bem em todas... Como aquela garota consegue ser tão inteligente com uma rotina torta dessas? – Pensou alto e teve uma punição por isso. Yuna arremessou uma almofada no rosto da loira imediatamente à tal frase. – Droga, Shin, foi mal!
— ‘Tá vendo? É por isso que te chamei de boca grande. Elogiar a Kim na minha frente é demais até para você. – Bufou. – Enfim, consiga a confiança do Yuta, precisarei dele hoje a noite, mesmo que indiretamente, e no futuro vou precisar ainda mais. – Sorriu maliciosa e maléfica ao imaginar seus próximos passos.
— Não vai me contar mesmo o que pretende? – Miyeon questionou inocente.
— Não.
— Como vou poder te ajudar, então?
— Faça o que eu mando e pronto, estará ajudando.
— Eu faço, mas me promete que não é nada muito grave. – Disse com receio. Era inegável como sentia medo da Shin só de olhar em seus olhos. – Não quero causar mal a ninguém, só faço o que você manda para você não me querer fora desse colégio também. – Disse sem filtros e sem se tocar que aquilo poderia voltar contra si. – Você sabe das coisas da minha família... Não posso sair desse colégio...
— ‘Tá, já chega de choradeira, Miyeon. – Arfou cansada e irritada. – Não vou te expulsar e nem expor, basta me obedecer, exatamente como tem feito esse tempo todo. – Sorriu feito uma vilã de filmes.
— Me promete que não vai me forçar a fazer mal a ninguém?
— Não te prometo nada, mas se você quer acreditar que o que já está fazendo não é “mal”, por mim, tudo bem. – Deu de ombros debochada. – Mais alguma coisa? – Abriu a porta de seu quarto, indicando que queria que ela saísse dele.
— Por que faz isso com elas?
— Você diz com a Kim e a Minatozaki? – Assentiu. – Não gosto delas e elas fazem o meu tio, que trabalhou duro para construir o melhor colégio da Coreia do Sul, de palhaço. Não posso aceitar isso. – Falou com convicção, fazendo a Cho acreditar fielmente. A garota é ingênua, acreditaria em qualquer coisa, mesmo nessa mentira.
— Posso perguntar só mais uma coisa? – Disse ao levantar e ficar rente com a Shin, já perto da porta, pronta para ir embora após ouvir a resposta.
— Pode, só não sei se vou ter saco para te responder.
— Como sabe das coisas da minha família? – Disse receosa e um tanto abalada emocionalmente também. – Sei que já te perguntei isso há um tempo, quando comecei a fazer as coisas para você, mas na época não tive respostas suas, então... Imaginei que agora teria.
— Eu vou te responder só porque está fazendo tudo direitinho esses dias. – Sorriu sarcástica. – Eu sou sobrinha do diretor, sou dona disso tudo aqui. – Levantou o braços, com glória, mostrando todo o palacete no pequeno gesto. – Se ele tem acesso a todos os arquivos dos alunos, eu também tenho.
— Isso não é errado? – Olhou para baixo, temerosa. – Achei que fosse confidencial e o Sr. Wang não pudesse mostrar a ninguém não-autorizado.
— Nada nesse colégio é proibido para mim. – Voltou a sorrir feito vilã, mas dessa vez, empurrava a Cho de leve com as mãos para fora de seu quarto. – Meu tio não sabe que eu sei de tudo sobre os alunos, isso o prejudicaria e ele me repreenderia com certeza, mas eu sei fazer as coisas escondidas.
— Entendi.
— Agora vai embora, Miyeon. – Disse assim que a coreana menor estava completamente fora de seu quarto. – As aulas já acabaram e a maioria dos alunos já devem ter ido embora, vai ser estranho você aparecer por lá se demorar mais.
— Ok, eu já vou. – Acenou simpaticamente com as mãos e deu as costas em seguida, caminhando apressadamente.
Miyeon sabia das regras:
Não podia perguntar além da conta, isso poderia irritar a Yuna e sobraria para si, caso isso acontecesse;
Quando for no quarto da Shin, que fica aos fundos da escola, na hora de ir embora, deve andar ligeiro para não encontrar conhecidos e evitar questionamentos;
Sempre obedecer a Yuna, caso contrário sua vida vivaria um inferno maior ainda;
E existiam as regras que a Cho inventou para si mesma, que se referem a ela enquanto aluna da escola e “amiga” da Yuna:
Ser sutil, esperar o momento de saber mais;
Sorrir e concordar, mesmo que sinta o extremo oposto, já que isso evita conflitos;
Procurar pontos fracos na Yuna para se defender no futuro;
Ser simpática, tentar ser amiga e sugerir algo sempre;
A garota era ingênua, quase boba, mas não era burra. Miyeon não gostava de ser tratada como capacho, não gostava de prejudicar os outros e nem de falsidade, apenas o fazia para sobreviver.
Apesar de sua aparência bem aceita pela maioria, Yuna não desviou da Cho. Com seu acesso irrestrito ao histórico e vida de todos alunos do colégio Integral, a Shin soube rapidamente que o passado de Miyeon não era algo de que a coreana se orgulharia, muito menos falaria sobre.
Infelizmente, ela teve de ceder à sobrinha do diretor, conseguindo o silêncio e permanência no colégio em troca. Era difícil, mas ela não tinha outra escolha. O ano já estava acabando, o tempo era curto para Miyeon se livrar da Shin e se vingar dela também, mas pensava consigo mesma que enquanto há tempo, há chances.
*
Pov Sana
— Comprou os ingressos? – Momo perguntou afoita quando sua namorada apareceu na mesa do refeitório. – Diz que sim, diz que sim, diz que sim!
— Sim! – Respondeu jogando os tickets sobre a mesa. – Comprei um para cada.
— AI, QUE LINDEZA! – A Hirai disse ao segurar o papel e abraçá-lo com força. – Que belezura, esse show vai ser incrível!
— Momo, você é surpreendente. – Jennie disse rindo do jeito da amiga. – Mais cedo estava deprimida pela última prova ter acabado e agora já está quase saltitando de satisfação.
— Primeiro: eu não fiquei triste pela última prova ter acabado, eu fiquei triste por ela ser a única que eu tenho a certeza de ter ido bem. – Fez bico, mas logo mudou a expressão. – Segundo: claro que estou feliz, olha esses ingressos, cara! NÓS VAMOS TODAS JUNTAS, NÉ?
— Eu não sei... – Nayeon respondeu ao analisar o papel. – Não gosto muito de rock, talvez eu passe essa. – Jogou o papel para o meio da mesa.
— Qual foi, Im? – Tzuyu disse sentida. – Se não gosta da música, vá ao menos pelas amigas queridas que você tem. – Fez drama, mas a coreana mais velha continuava irredutível. – E pela cachaça de graça que vai ter lá... – Revirou os olhos ao notar o sorriso maroto que Nayeon ameaçava esboçar.
— AGORA ISSO FICOU INTERESSANTE. – Catou o ingresso novamente, dobrou e guardou em sua mochila. – Vamos todas juntas ou nos encontraremos lá?
— Onde vai ser mesmo? – Perguntei sem muito interesse.
— Naquela boate que costumamos ir. – Tzuyu respondeu. – Double Nine o nome, o dono é o tio da Jihyo, a garota da nossa sala. – Falou tão rápido que foi impossível não atrair olhares desconfiados.
— Como você sabe tanto? – Mina questionou.
— Todo mundo sabe disso, Myoui. – Falei fingindo segurança, seguindo o pedido que minha amiga havia me feito dias atrás. – De toda forma, acho que vai ser divertido.
— Que voz cansada é essa, senhorita Sana? – Nayeon falou com uma sobrancelha levantada. – Não te conheci assim, tão desanimada para uma festa.
— Não é desânimo, só cansaço. – Suspirei e bocejei em seguida. – Viu só? Estou com muito sono...
— Por que não vai para casa e descansa até a hora da festa? – Momo sugeriu. – Nós passamos na sua casa para te pegar.
— Que proposta tentadora, mas não posso matar aula. – Sorri de canto. – Vou só tomar um copo de café puro, acho que resolve.
— Sana-yah, você estuda tanto para quê? – Tzuyu disse. – Se quiser ir para casa de forma legal, pode ir na enfermaria e pedir licença, mas eu acho que seria mais emocionante para você se saísse escondido mesmo.
— Emocionante? – Falei confusa. – Por que preciso disso?
— Você tem uma vida certinha demais dentro da escola, Minatozaki.
— Não tenho, não. – Falei emburrada, mas eu sabia que o que minha melhor amiga dizia era verdade. – Eles vão fazer a chamada, se eu não responder, saberão que fugi.
— Como você é amadora, Sana! – Jennie berrou e riu. – Já matei aula tantas vezes e nunca fui descoberta. – Deu um beijinho em seu próprio ombro. – É só alguma das meninas falar “presente” por você.
— Vão reconhecer que não é minha voz. – Argumentei mais uma vez.
— Mana, todo mundo sabe imitar a sua voz. – Nayeon falou. – Mas, se está com medinho de sujar seu currículo impecável e está afim de terminar a escola sem nenhuma história legal para contar, tudo bem. – Deu de ombros.
— Espera, como assim todas vocês sabem imitar minha voz? – Perguntei curiosa.
— Foi nisso que prestou mais atenção? – Momo falou rindo e eu assenti. – Ok, vamos lá: presente! – Afinou a voz e fez um sotaque japonês exagerado de propósito, apenas para me irritar.
— Eu não falo assim. – Disse de braços cruzados.
— Presente, Sr. Professor. – Nayeon forçou a voz aguda, levantou da cadeira e curvou-se. Não tinha sotaque em sua fala, mas o tom estava igual o de Momo.
— Não vou emitir uma fala sobre isso. – Respondi indignada.
— Presente, tia Young, como a senhora está? – Tzuyu disse com os olhos arregalados e sorrindo feito boba. Ela estava imitando meu comportamento, que para ela é exageradamente fofo, ao mesmo tempo que copiava a minha voz, tal qual Momo e Nayeon.
— Ok, entendi. – Revirei os olhos e segurei a risada, não podia me dar por vencida. – Se mais alguém conseguir imitar, eu vou.
— Está admitindo que fizemos direitinho? – Momo perguntou orgulhosa e eu assenti.
— Bom dia, professor, presente! – Mina forçou a voz e ficou o menos parecido das quatro que tentaram, mas ainda lembrava bastante.
Droga!
— Ok, eu vou.
Levantei, mordisquei um último pedaço do meu sanduíche, catei minha mochila e saí, depois de dar tchau para as minhas amigas.
Segui meu caminho com rapidez. Caminhava sem prestar atenção na paisagem ou na música que tocava num volume moderado em meus fones. Minha cabeça não pensava em nada além da minha cama.
Apesar de gostar de estudar, ao fim da semana de provas sempre fico exausta. Estudo muito, além do que preciso para resolver dez questões, mas não consigo evitar.
*
Pov Dahyun
— Ei, Dahyun, espera! – Ouvi me chamarem, então freei os passos. – Pode me fazer um favor? – Quando virei, encarei aquele rosto e franzi o cenho ao não reconhecê-lo.
— Oi... Quem é você?
— Sou a Miyeon da outra turma. – Sorriu simpaticamente para mim. – Pode me fazer um favorzinho? É simples e está no seu caminho.
— Que favor é esse?
— O professor entregou as provas. – Balançou a mão cheia de papéis. – São de matemática.
— Oh, quer que eu as entregue para você, é isso? – Fiquei com preguiça só de imaginar realizar esse serviço e já ia me preparando para a desculpa que iria usar para recusar.
— Não! – Riu envergonhada. – Sou da turma B, mas o professor me entregou todas as provas e pediu para eu distribuir em troca de um pontinho extra. – Desviou o olhar do meu. Ela parecia nervosa. – De toda forma, aqui está sua prova. – Esticou um papel dobrado ao meio.
— Valeu. – Recebi e guardei na mochila depois de conferir a nota rapidamente. – Que favor quer?
— Só tem mais outra prova da turma A comigo, mas vi que a dona já foi embora.
— E eu também já tenho que ir, não posso nem lanchar aqui, senão, caso o diretor veja, minha punição pode ser pior. – Falei descontraída, mas olhando para o relógio invisível em meu pulso, indicando que estava com pressa. – Não sei como posso te ajudar... Quem é a pessoa que ainda não recebeu a prova?
— A Sana.
— E ela já foi?
— Sim, a vi sair agorinha.
— Quer que eu entregue para ela, não é?
— Se puder, claro. – Sorriu novamente. Seu sorriso era fofo e cativante, assustadoramente convincente também. – Sei que veio de bicicleta, então não fica difícil para você alcançá-la. – Apontou para a esquerda. – Ela foi por ali. É o mesmo caminho que o seu, certo?
— É... – Respondi desconfiada. – Ok, eu entrego. - Estiquei a mão e capturei a folha.
— Obrigada, Dahyun. – Sorriu novamente e eu apenas balancei a cabeça.
Coloquei a prova de Sana junto da minha na mochila, subi na bicicleta e comecei a pedalar com rapidez. Muitos questionamentos passaram pela minha mente, sobre várias pessoas diferente e várias situações.
Por que Sana já foi embora? Justamente ela que é tão certinha... Por que Miyeon me pediu esse favor? Não era só esperar até segunda-feira ou chamá-la no instagram? Quem sabe poderia até entregar o exame na festa de hoje...
Fora esses, minha mente sorria com outro tipo de pensamento. Olhei rapidamente a minha nota da prova, mas foi o bastante para me arrancar um sorriso sincero, que pude finalmente estampar agora que estou pedalando sem ninguém por perto. Gosto de me sentir feliz assim. Com liberdade, sem precisar dar explicações.
Eu posso sorrir, gargalhar e outras coisas com meus amigos por perto, claro, mas minha própria companhia me agrada tanto quanto e, pedalando nessa velocidade, recebendo esse vento na cara, fica ainda melhor.
— Ou! – Gritei quando avistei a garota de longe, mas ela não ouviu. – Psiiii, Sana! – Berrei e usei o sininho da bicicleta, mas ainda não obtive resposta.
Pedalei mais rápido e passei da garota, dei uma curva rápida, subi na calçada, ainda em cima do veículo, e parei na frente da japonesa, impedindo sua passagem.
— Que isso?! – Ela falou assustada, tirando os fones de ouvido. – Dahyun? – Olhou meu rosto e franziu o cenho surpresa em me ver.
— Eu. – Tirei a mochila das costas, peguei o papel em minha mochila e a entreguei. – Aqui.
— O que é isso?
— Abre.
— Exame de matemática da Escola Integral de Seul, aluna Kim Dahyun, número... – Interrompi sua fala, puxando a folha de volta. – O que foi isso?
— Errei de papel. – Coloquei o meu de volta na mochila e puxei o certo dessa vez. – Aqui está.
— Minha prova?
— Sim. Amassou sem querer... – Disse receosa, mas a garota pareceu ignorar.
— Por que está com ela? – Questionou enquanto desdobrava a prova e parou as palavras quando leu o que estava escrito no papel. – O que eu errei???? – Falou um pouco alto e sua expressão agora era um tanto indignada.
— Enfim, tchau.
— Espera. Quanto você tirou?
— Pra que quer saber?
— Eu vi sua nota, não precisa responder. – Revirou os olhos. – Pode me dar o exame rapidinho?
— Vai checar minha resposta? – Meu tom aumentou pela surpresa. – Quer corrigir sua prova com a minha?! – Não disfarcei o sorriso chocado e satisfeito.
— Cala a boca e me dá.
— Quanta educação, Minatozaki Sana! – Debochei. – Um por favor faria sua mão cair?
— Anda, Dahyun, é sério.
— Não estou ouvindo... – Assoviei e olhei para cima, fazendo cena.
— Por favor... – Disse entre os dentes, aborrecida.
Peguei a minha prova e estiquei para ela, que recebeu com brutalidade, amassando ainda mais o papel. Inclinei meu corpo para ver qual questão a Minatozaki tinha errado, mas ela desviou, impedindo que eu conseguisse enxergar direito.
Por sorte minha, deu tempo de bisbilhotar qual o número da questão e também, dessa vez por azar da outra, checar sua pontuação final também.
Não era uma diferença gigantesca, eu tirei 10 e a japonesa 9,5, nada que me faria ter a mesma reação que ela, mesmo que adore uma competição e vencer, justamente ela.
— Ok, já viu. – Tomei a minha prova e guardei rapidamente. – Parabéns pelo nove e meio. – Alonguei a fala somente para irritá-la um pouco mais. – Agora será que posso ir?
— Eu vou checar isso com o professor amanhã, Kim! – Cerrou os olhos e me encarou.
— Amanhã é sábado, Sana. – Ri involuntariamente. Era engraçado seu jeito desesperado por perfeição. – Boa sorte com isso.
Virei a bicicleta e fiz que ia sair, a ouvi dizer mais alguma coisa, algo que me faria parar de pedalar e continuar a provocação, mas eu prometi que não seria mais assim com ela, então não serei.
Vou ser invisível, já estou sendo, somente tive de fazer um favor, por acaso. Claro que brinquei com a cara dela por diversão, mas foi simples, passageiro. Não consegui resistir.
*
— Para onde vai tão linda assim? – Pergunta depois de colocar toalhas dobradas em cima da minha cama.
— Oi, Mei. – Sorrio largamente ao vê-la. – Não sabia que viria hoje. – Vou para perto dela sem demora e abraço seu corpo com força. – Vou sair com uns amigos.
— Os de sempre, hm? – Eu assenti e ela apenas deu risinho bobo. – Como você está, Tofu?
— Esse apelido de novo, Mei? – Falei envergonhada. – Estou bem e você?
— Muito bem! – Afastou as toalhas sobre a cama para mais perto de mim. – Sua roupa de banho está cheirando a lavanda, como gosta. Me diz, tem mais alguma coisa que precise ser lavada?
— Fora o chão, nada. – Dei de ombros e ela apenas sorriu.
— Esse eu limpei mais cedo, quando estava na escola. Não sentiu o cheiro bom? – Fingiu mágoa. – Preciso melhorar minha limpeza, então.
— Claro que senti, sua boba! Você vem toda semana, não dá tempo do cheiro se esvair... – Peguei as toalhas e guardei. – Agora preciso ir, Mei.
— Vai lá, Tofuzinha, divirta-se! – Afagou meu cabelo e acenou quando eu cruzei a porta do meu quarto.
Hoje meu dia estava feliz. Estava alegre de um jeito que não eu tinha costume. Tirei a nota mais alta da turma, vi a Mei e ainda vou sair com meus amigos para um show de rock. Essa sexta está mais que perfeita.
Encontro meu pai na sala de estar, mas ele não falou comigo. Minha mãe está no escritório, não falei com ela o dia todo. Sigo meu caminho, então, cruzando a porta sem dar tchau ao homem.
— Oi, oi. – Falo quando entro no carro do Seungsik. – Caraca, abre esse vidro! Vocês passaram tanto perfume que com as janelas fechadas eu posso sufocar!
— Eu juro que não conheço ninguém mais dramático que você, Dubu. – O rapaz falou, obedecendo meu pedido.
— Como se você não tivesse passado um horror de perfume também, né? – Seulgi disse brincalhona. – Sinto daqui o cheiro forte, quase se mistura com o perfume do Seungsik.
— Essa sapatão usa perfume masculino, é por isso que parece com o do seu irmão! – Jeongyeon disse rindo e todos acompanharam, inclusive eu.
— Combina comigo tal fragrância, fazer o que? – Dei de ombros. – Cadê a Chaeyoung?
— Ela disse que ia no carro dos pais. – Yoo respondeu.
— Já até posso imaginar o motivo. – Falei e eles concordaram. – Caraca, a reputação da Chae ‘tá foda! – Rimos.
— Todo mundo sabe que ela quis o carro para tentar impressionar mulher. – Seungsik disse. – Não sei como consegue, juro. Qualquer um da nossa escola pode ter o carro que quiser, a Chae é inocente demais.
— Ela me disse que faz isso não pelo carro, mas pela energia que uma mulher no volante transmite. – Seulgi falou segurando a risada ao lembrar da história. – Falou que uma mulher dirigindo atrai mais mulheres.
— Essa sabe bem! – Jeongyeon comentou ironicamente. – Sabe tanto que até agora está num romance travado e platônico com a Somi.
A conversa continuava solta com risos, alguns berros e muita aleatoriedade. Permiti-me aproveitar cada segundo com eles, da forma mais simples e completa. Não segurei emoção alguma, ri sempre que quis, falei alto quando deu vontade e fiquei em silêncio também.
Às vezes eu consigo ser eu sem medo, sem vergonha. Meus amigos me dão segurança, mas sou travada até com eles. Não consigo controlar minha mente sempre, mas dessa vez estou manipulando-a para o bem. Hoje eu vou ser feliz, vou curtir e me permitir. Eu vou fazer o que eu quiser fazer.
*
Pov Sana
Depois de acordar de um longo cochilo da tarde, levanto e me arrumo para a festa. Gosto de me produzir, mas não perco tempo com isso. Sou rápida, então logo escolho a roupa perfeita para a ocasião, coloco e saio.
Encontro minhas amigas do lado de fora da minha casa, mas apenas uma parte do grupo por enquanto. No carro de Tzuyu, Nayeon e Jennie se fazem presentes. Momo e Mina foram juntas e nos encontrarão por lá.
O caminho é como sempre: barulhento, animado e caloroso. Chegamos, contudo, muito rápido. Descemos no carro ainda empolgadas e seguimos para dentro do bar mais afoitas ainda. Quando ouvimos a música alta, ao cruzar a entrada, os sorrisos em nossos lábios se faziam impossíveis de disfarçar e os corpos eram incontroláveis.
Dançamos, cantamos junto da canção pop, já que o show de rock ainda não havia começado, e bebemos um bocado também. Eu fiquei apenas nos drinks leves, afinal com pouco álcool já me animo e sem álcool nenhum já sou animada. Não sinto que preciso de bebidas para me divertir completamente, mas se tiver vontade, eu bebo. Hoje esse não é o caso.
Depois de alguns bons minutos mexendo o corpo, sinto uma fisgada no tornozelo e paro. Analiso o local e percebo que o salto do meu sapato quebrou, por isso senti dor ao forçar.
— ‘Tá tudo bem, Sana-chan? – Jennie pergunta solícita. – Ai, não... – Diz ao notar o calçado quebrado. – Senta, forçar somente um dos pés é igualmente ruim.
— Valeu. – Disse e acatei.
— Que isso, suas molengas? – Nayeon falou se aproximando. – O que rolou?
— O salto da Sana quebrou. – A Kim avisou.
— Que droga... – Ela falou analisando a situação. – Tira o outro pé e volta para a pista! – Sorriu e piscou um dos olhos como se tivesse dado a solução mais genial do mundo.
— Faz sentido. – Jennie concordou e riu.
— Vou fazer isso, afinal se eu ameaçasse ir embora, principalmente por esse motivo, a Tzuyu me comeria viva! – Falei depois de arfar pesado ao tirar o outro sapato.
— Por falar nela... Onde anda aquela taiwanesa estranha? – A Im questionou e eu fiquei nervosa involuntariamente.
— Ela... – Comecei. Pensava tão desesperadamente numa resposta convincente que no fim, gaguejei e respondi com demora. – Ela foi... Acho que...
— Desembucha, Minatozaki! – A mais velha me fitou, deixando-me ainda mais apreensiva.
— Ali, olha. – Jennie apontou e eu pude, finalmente, suspirar de alívio.
Alívio por não precisar responder e por ver que a Chou está de um jeito nada suspeito. Analiso minha melhor amiga e sorrio sem querer vendo ela brincar com algum desconhecido na pista de dança.
— Ali. – Completo, satisfeita.
— Ok, agora que já tirou o sapato, podemos voltar a dançar? – Nayeon disse animada. – Ou você tem algum plano malicioso agora?
— Eu?! – Falei fingindo inocência. – Não sou uma menina que sai por aí com pensamentos indecentes... – Revirei os olhos e ri, contagiando as outras duas. – Não pretendo beijar ninguém hoje, mas se rolar, rolou. – Pisquei um dos olhos, me gabando.
— Isso quer dizer que sim, você vai. – Jennie completou. – Mas, se não for fazer isso agora, será que podemos voltar para a pista? Elas estão um pouco perdidas sem nós... – Apontou para Momo e Mina que claramente davam um show dançando. Pareciam duas profissionais, dava vontade de ficar apenas olhando.
— Com certeza estão... – Nayeon brincou e fez menção a ir embora, esperando por mim e Jennie apenas.
— Vocês podem ir, eu vou guardar esses sapatos no carro e pegar um drink depois.
— Decidiu ficar doidona hoje, Minatozaki?
— Não, Im, é só para matar a sede. – Lambi os lábios e segui.
Catei as chaves com Tzuyu, segui para seu carro, guardei meus pertences e calcei um chinelo velho que achei, por sorte, no porta-luvas. A sandália parecia ser de seu pai de tão surrada e grande que era, mas só tinha aquilo para usar, então não me apeguei a detalhes, apenas lamentei pelo sapato caro e pelo look ter ficado estranho com o novo calçado.
Caminhei de volta para a festa e, ao entrar, fui direto onde disse que iria. Segui para o bar e sentei na banqueta mais afastada. Pedi ao barman um dry martini e esperei enquanto mexia no celular.
— Oi, gata. – Ouvi uma voz masculina e desconhecida bem ao pé do ouvido. – Posso me sentar? Sim, né? – Não esperou minha resposta, quando pisquei mais uma vez seu corpo já estava na banqueta ao meu lado. – Bebe algo?
— Já pedi. – Sorri rapidamente. Estava sem paciência para homem hoje, principalmente desconhecido, intrometido e cheirando a cachaça.
— Me diz o que foi, vou pedir a mesma coisa e tomamos juntos. – Piscou e sorriu feito um galanteador de filme ruim. Eu apenas revirei os olhos e o rosto, não respondendo a sua fala. – Anda, gata, não se faz de difícil.
— Seu drink, senhorita. – O barman esticou a taça para mim e eu agradeci, esticando a mão para pegar a bebida.
— Ei! – Falei aborrecida. Eu teria conseguido pegar a taça, se o homem desconhecido ao meu lado não tivesse sido mais rápido. – Me dá.
— Ei, ei, calma, docinho. – Colocou um pouco do meu cabelo atrás da orelha. Como resposta, bati em seu braço, afastando-o, mas isso parece ter animado ele ainda mais. – Você é durona? – Riu. – Ótimo, adoro domar uma fera!
— Sai fora, cara. – Falei seriamente e encarando seu rosto. – Eu não quero nada.
— Com uma roupinha curta assim... – Umedeceu os lábios e olhou para todo meu corpo. – Você está pedindo. – Colocou a mão na minha coxa descoberta e aquilo me deixou assustada.
— Vai se ferrar, seu doente! – Peguei a taça e joguei a bebida na cara dele, depois levantei rapidamente da banqueta e apressei os passos para longe.
— Sua vagabunda! – Ele berrou, mas ninguém parecia prestar atenção. Era uma festa lotada, com música alta e muita bebida. Ninguém conseguiria ouvir ou prestar atenção, exceto eu que estou na situação. – É bom correr, se ficar, eu vou te pegar! – Berrou de novo e aquilo fez meu coração acelerar de ansiedade.
Procurei por alguma das minhas amigas enquanto caminhava, mas nada chegava aos meus olhos. Nenhum conhecido cruzava meu caminho e aquilo só me fazia ficar mais tensa.
O homem ainda vinha atrás de mim, mais irritado e determinado que nunca, e eu, no auge do meu desespero, não vi outra alternativa a não ser sair da boate.
Decisão ruim. Muito ruim.
— Você é irritada, mas é burrinha também, sabia? – Ouvi seus gritos novamente e quando me dei conta ele estava atrás de mim. – Vir aqui para fora só facilitou para mim, sua vadiazinha do caralho.
Eu ia gritar, mas me faltou voz no momento certo. Quando me dei conta, já estava praticamente encurralada, numa rua deserta e no meio ao monte de carros.
— O que você quer comigo? – Falei com a voz trêmula. – Me deixa em paz, por favor...
— Agora está sendo educada? O que aconteceu com a fera lá de dentro? – Secou o rosto brutalmente. – A fera que jogou álcool no meu rosto. CADÊ VOCÊ, HEIN? – Chegou perto demais de mim e eu quis morrer ali mesmo.
— OU, SEU FILHO DA PUTA! – Alguém berra e eu reconheço o timbre. Era Dahyun. – SAI DE PERTO DELA AGORA! – Continuou a gritaria, mas ainda de longe.
— É briga de casal, garota, não se mete. – Falou mudando a postura. Agora o homem desconhecido fingia ser meu namorado e um ser humano carinhoso. Estampava um sorriso ridículo nos lábios e ameaçou fazer outro carinho em meu cabelo, mas eu desviei.
— Ela já tem alguém e eu sei que esse alguém não é você. – Dahyun disse chegando perto junto de um rapaz. – Vai vazar por bem ou por mal?
— O que acha que pode fazer comigo, sua ninfeta? – Voltou a ser o que demonstrou a princípio. – Se me irritar, vou me divertir com você também. – Sorriu feito um psicopata.
— Dahyun, sai daqui. – Falei com dificuldade e medo. Muito medo. – Chama ajuda, mas não fica aqui para correr perigo.
— CALA A BOCA! – Ele disse com ódio. – Vocês duas já me irritaram demais. – Mexeu no cinto da calça, folgando o mesmo. – Agora irão ver!
— Eu acho melhor você não fazer isso. – Era Seungsik. – Cara, você está bêbado, fora de si. Não vai conseguir fazer nada contra ninguém, principalmente estando em menor número. – Chegou perto do homem e encarou seu rosto profundamente. – É melhor ir embora ou eu chamo a polícia e você se ferra de vez.
— Então chama! – Berrou. – Além de putas que nem essas duas, odeio viadinhos que nem você! – Mexeu novamente no cinto, abrindo por completo finalmente. – Pensa que tenho medo? Vou dar uma lição nos três agora mesmo!
— Não vai, não. – Uma voz desconhecida chega aos meus ouvidos.
— AGORA VOCÊ SE FUDEU, SEU OTÁRIO! – Dahyun gritou e riu. Bateu palmas animadas também. - Acaba com ele, tio!
— E você, quem é? – O homem perguntou.
— O dono disso tudo. – Chegou perto de seu rosto e analisou-o por completo. – Venha. – Catou o braço do homem com violência e saiu com ele na direção dos seguranças.
— Acredito que ele vá chamar a polícia. – Seungsik falou. – Deu tudo certo no final. – O rapaz suspirou aliviado.
— Obrigada. – Falei caindo no chão. Sentei e fiquei com os joelhos levantados, afundando minha cara no meio deles. – Obrigada por isso, de verdade. Não sei o que faria se vocês não tivessem aparecido.
— Agradeça ao beck sagrado da Dahyun e ao ouvido apurado dela também. – Brincou.
— Oh, claro. – Falei sem jeito. – Obrigada, Dahyun. - Olhei em seus olhos vermelhos e ela me encarou sem desviar. – De verdade.
— Você está bem? – Foi a primeira coisa que disse. Perguntou depois de agachar perto do meu corpo encolhido. – Ele te machucou?
— Não deu tempo. Estou bem, só mexida... – Suspirei tristemente. – Acho que vou embora...
— Quer que eu te leve? – A Kim disse rapidamente. – Digo, eu e o Seungsik. Quer?
— Não precisa, vou me despedir das minhas amigas e peço carona a uma delas.
— Sana? SANA! – Ouvi a voz de quem estava em meus pensamentos: Tzuyu. – Sana-yah, cadê você?
— É ela. – Falei. – ESTOU AQUI! - Gritei e acenei. – Obrigada mais uma vez, Seungsik e Dahyun.
— Fica bem, japa. – Dahyun disse, sorriu e saiu junto de seu amigo quando notou que Tzuyu estava próxima.
*
"Às vezes eu tenho medo de mim mesmo
Às vezes minha mente prega peças em mim
E uma coisa leva a outra
Eu acho que estou surtando
Será que estou paranoico?
Ou eu só estou chapado?"
Chapter 11: Holiday.
Chapter Text
Holiday – Green Day²
"Ouça o som da chuva que cai
Caindo como uma chama do Armagedom (ei!)
A vergonha, aqueles que morreram como desconhecidos"
*
Pov Dahyun
— Mano, que loucura! – Seungsik diz depois que entramos novamente na boate.
— Tadinha... – Falei.
— O que houve? – Jihyo nos pergunta quando sentamos na mesa reservada para o grupo todo, mas que somente a Park se encontra nela agora. – Por que essas expressões caídas?
— Acabamos de presenciar uma coisa muito chata com a Sana. – Meu melhor amigo começa.
Ele conta o que aconteceu, mas eu permaneço em silêncio. Queria complementar a história, mas fiquei abalada demais com tudo. Procurei minhas amigas com os olhos e as achei separadas. Jeongyeon estava no barzinho pedindo algum drink e Seulgi dançava solta na pista ao lado de Chaeyoung.
Aquilo, de forma inconsciente, deixou-me aflita. Olhar para a Yoo e vê-la sozinha me deu um medo quase irracional de que acontecesse a ela a mesma coisa que vi acontecer a Sana. Observar as outras duas dançando foi menos tenso, mas ainda me preocupou, e imaginar que Jihyo estava, esse tempo todo, sozinha na mesa também me maltratou.
Tive medo por elas e por mim. Fiquei reflexiva em silêncio, lutando contra minha própria ansiedade. Eu sabia que coisas assim aconteciam aos montes, mas nunca havia visto pessoalmente e nem com alguém conhecido. Pensei em Sana novamente. Fiquei tensa, preocupada. Senti uma empatia por ela como jamais senti.
Foi um sentimento semelhante ao do dia da pegadinha em Busan, quando lhe causei mal, mas agora é muito mais intenso. Sinto que preciso ajudá-la, assegurar que tudo está bem, mesmo que eu não tenha nada a ver com isso e que, talvez, não possa fazer nada realmente.
É agoniante não ter controle da situação e não poder evitar que algo do tipo ocorra comigo, uma de minhas amigas ou qualquer mulher. Me apavora, sufoca.
— Dahyun, está tudo bem? – Jihyo pergunta cuidadosamente depois de dar um estalo com os dedos na frente dos meus olhos.
— Está. – Respondo e me levanto em seguida.
— Onde vai? – O rapaz pergunta.
— Não sei.
Saio de perto deles e vou em busca de alguém que nem percebo. Quando me dou conta estou caçando Sana nos quatro cantos da boate. Vejo suas amigas sentadas, aglomeradas num cantinho e percebo, após chegar um pouco perto, que estão todas em volta da Minatozaki.
Sana parece triste, sensível e temerosa, mas suas amigas demonstram a ela o oposto disso. Me pego admirando o jeito delas com a japonesa e penso ser uma tentativa de amenizar sua dor.
Elas riem, falam algo em volume alto, mas que eu não presto atenção, e depois bebem. Sana bebe junto, ri junto depois de um tempo e acaba levantando e seguindo as garotas até o meio da pista. Lá elas dançam e cantam conforme a música, agora de rock, que inicia junto do show principal.
Com isso, minha mente se alivia. Fico mais suave quando vejo que a japonesa tem com quem contar. Uma espécie de sororidade bateu em mim e eu tive de atender. Eu gostaria que fizessem o mesmo por mim, mesmo se fosse Sana.
Saio, ao concluir que ela ficará bem, e volto para perto dos meus amigos, que já curtem perto do pequeno palco, apreciando a música animada que toca em alto e bom som.
Eu canto junto, me permito animar, ignoro o ocorrido trágico e sigo com a noite da forma que planejei: fazer o que eu quiser, da forma que me fizer bem.
*
Pov Sana
Eu estava imersa no som, nem reconhecia mais a letra da canção, tudo eram batidas graves e agudas, nada fazia sentido, mas estava bom.
Antes eu estava triste, assustada, mas minhas amigas lidaram bem comigo e me fizeram esquecer um pouco. Da maneira delas, é claro, eu segui os conselhos e permaneci na festa.
Bebemos, dançamos, cantamos e quando me dei conta, o show já havia encerrado, a madrugada estava perto do fim e todas estávamos cansadas de farrear.
O que aconteceu me deixou mal e vai demorar a sarar, se um dia o fizer, mas nessas pequenas horas consegui chegar à conclusão, com ajuda do meu grupo, que não vale a pena sofrer tanto por um babaca como aquele. É triste, lamentável, que algo assim sempre acontece, mas felizmente eu consegui seguir em frente rapidamente.
— Vamos. – Tzuyu diz entre bocejos.
— Apoio. – Nayeon responde da mesma forma.
— Se demorarmos mais cinco minutos, juro que capoto aqui mesmo. – Jennie comentou.
— Eu já vou. – Mina disse. – Momo não consegue nem formular uma frase direito e está quase dormindo em pé, me desejem sorte para levar essa querida para casa!
— Boa sorte. – Falei – Vou só ao banheiro e a gente vai embora, ok? – Elas assentiram e eu segui.
Fui ao banheiro com uma certa dificuldade, tropeçando em meus próprios pés e rindo à toa quando isso ocorria. A vida sempre parece muito boba aos olhos de um bêbado.
— Oh, desculpe. – Falei quando tentei abrir uma cabine já ocupada.
— Já estou de saída. – Falou e logo a porta se abriu, saindo de dentro alguém já conhecido por mim: Dahyun. – Oh, Sana... – Parecia surpresa ao me ver e um tanto alcoolizada também. – Você está bem?
— Estou... Obrigada de novo. – Falei simples e ela sorriu. Eu nunca tinha visto a menina sorrir desse jeito. Não consigo explicar como estava, afinal minha visão não era das melhores devido ao álcool em meu corpo, mas posso resumir em: diferente. Seu sorriso naquele momento foi diferente.
— Não precisa mais me agradecer, você faria o mesmo por mim e eu faria por qualquer outra pessoa também. – Disse e eu quase me ofendi, se a menina não tivesse sorrido novamente. Sua fala não foi provocativa ela foi... Gentil. – Já está indo embora? – Perguntou quando eu entrei na cabine e fechei a porta. Ela falava um tanto alto e deu para ouvir um som de água, indicando que estava lavando as mãos.
— Sim, elas estão me esperando terminar aqui. – Depois de responder, terminei o que tinha de fazer, abri a porta e fiquei ao lado da Kim, lavando as mãos também.
— Ok, tchau. – Disse, virando-se de costas para enxugar as mãos.
— Eu falei com o professor de matemática. – Comentei indo para o mesmo lugar da garota. – Eu errei mesmo a questão.
— Eu sabia! – Riu feito uma bocó e aquilo quase me irritou. – Digo, era meio óbvio isso...
— Não era, não! – Fiquei emburrada involuntariamente.
— Certo, senhora dona da razão. – Riu novamente. – De toda forma, foi só meio ponto de diferença...
— É uma grande coisa para mim.
— Por que?
— Eu gosto de tirar sempre dez. – Dei de ombros. – Você não?
— Eu não tiro sempre dez...
— Mas gostaria, não gostaria? – Lancei um olhar cerrado e ela desviou.
— Por muito tempo, sim, mas mudei.
— O que houve?
— Você houve. – Franzi o cenho sem entender, mas estava curiosa. – Depois do lance de Busan, eu refleti e mudei.
— Então parou de fazer pegadinhas?
— Com você, sim, mas não foi só isso que mudei. – Demonstrei curiosidade novamente e logo ela continuou. – Deixei nossa competição de lado, eu disse que seria...
— Invisível. – Completei. – Eu li a carta, Dahyun.
— Então é isso, não irei te incomodar mais, sinto que perder as apresentações dos jogos foi muito ruim para você, então fiquei mal...
— E foi, mas vida que segue.
— Posso perguntar porquê? – Disse receosa.
— Por que gosto tanto de ser líder? – Assentiu. – Minha mãe queria isso para mim, já que ela foi uma na época de escola e, bem... Quero dar orgulho para ela mesmo que nessas circunstâncias.
— Entendo. – Disse ainda sem jeito e encarando o chão, não olhava em meus olhos por nada. – Desculpe por aquilo de novo.
— Hoje você fez algo que apaga seu erro em Busan, então não precisa mais se culpar. – Lancei um sorriso simpático para ela, mas a mesma não subiu a visão para vê-lo. – O que foi? Por que só olha para baixo?
— Eu sou tímida.
— Você?! – Berrei em negação. – Qual foi, você fala com todo mundo e ainda vive fazendo peripécias, que timidez é essa?
— Sei lá, garota. – Deu de ombros, acuada. Senti que mexi num lugar que não devia. – Eu já vou.
— Espera. – Segurei seu pulso, fazendo-a frear. – Posso perguntar algo também? Já que perguntou a mim...
— Só não sei se respondo.
— Por que faz tantas pegadinhas na escola?
— Não.
— Não o que?
— Não vou responder. – Deu as costas novamente, mas desfez de imediato. – Mas pode fazer outra pergunta. – Dizia sem dificuldades na fala, mas seu comportamento era mais desajustado que o normal. Acredito que a garota não estava sóbria.
— Você ainda está chapada?
— Essa é a sua pergunta? – Riu. – Não, não estou. Estou bêbada.
— Não era essa a minha pergunta! – Segurei novamente seu pulso quando ela ameaçou ir embora. – Não tenho uma pergunta a fazer, mas um anúncio, talvez. Gostaria que seguisse.
— Então é um pedido?
— Não é um pedido. – Revirei os olhos. – Não estou te pedindo nada.
— Ok, japa, você que sabe. Diz.
— Pode parar de ser invisível.
— Então posso te atormentar de novo?
— Não foi isso que eu quis dizer... – Bufei e revirei os olhos impaciente.
— Quer um "oi" e um "bom dia" meu toda manhã, então? – Ria sozinha feito criança atentada. Bastou eu dizer que podia aparecer de novo para mim que voltou, de imediato, a sacanear com a minha cara.
— Você é muito idiota, sabia? – Arfei. – Quer saber? Pode ser invisível, não ligo.
— Agora já foi, já me deu abertura. – Disse provocativa, de forma infantil, aproximando e afastando seu rosto do meu, quase como quem diz "lero-lero, ninguém me pega".
— Garota, você é insuportável. – Respondi da mesma forma, mas quando me aproximei, ela freou. Parou instantaneamente e se afastou. – O que foi? Perdeu a graça? Só você pode caçoar, então?
— Não é isso. – Respondeu timidamente, mirando o chão novamente. – Tchau, Sana. – Não deu as costas para sair, ao invés disso, fez menção para que eu saísse.
— Que foi?
— Você não estava de saída?
— Você também estava.
— Mas meus planos mudaram. – Pegou um cigarro no bolso e mostrou juntamente de um isqueiro. – Se me der licença, quero ficar de boa...
— Não pode fumar dentro da boate.
— Vai me dedurar pro tio Park? – Brincou. – Não é perigoso, todo mundo já está indo embora... – Tossiu muito, assim que fechou a boca, de forma violenta. Parecia procurar o fôlego e não achar, então, rapidamente enfiou a mão no outro bolso de seu casaco e pegou uma bombinha para asma, usou e guardou novamente.
— VOCÊ TEM ASMA?! – Falei chocada.
— Sim, tenho. E daí? – Deu de ombros. – Não é contagioso, fofinha, não precisa de alvoroço.
— Eu sei disso. – Aproximei meu corpo do dela, mirando em seu cigarro recém aceso. – Você não deveria fumar.
— Isso de novo? Eu sei que faz mal à saúde e blá blá blá.
— Você tem asma, faz mais mal ainda.
— Acho que eu sei disso... – Desdenhou. E eu, como um flash, tomei o cigarro de sua mão, joguei no chão e pisei. – EI! Qual foi, Sana, enlouqueceu?
— Você que enlouqueceu pelo visto.
— Isso é da minha conta, falou? MINHA! – Ficou colada em meu corpo, sua expressão era de raiva. – Porra... Que droga!
— Não vou me desculpar por isso, eu te ajudei.
— Eu vou vazar daqui logo, mais um minuto contigo e eu surto, juro que surto! – Passou por mim e foi direto para a porta, tentando abri-la. – Não, não, não... De novo NÃO!
— O que foi?
— Trancaram a gente aqui.
— Nem ferrando! – Corri para a porta e tentei abrir, mas sem sucesso. – Essa dá para arrombar?
— Eu não vou destruir a porta da boate do tio da minha amiga. – Respondeu se afastando. – Espera que já já abrem de novo, eles sempre revistam antes de fechar o bar. – Sentou no chão, longe de mim.
— Que droga!
— E você ainda amassou meu último cigarro... Como vou ficar de boa trancada com você agora? – Olhou para o teto como quem pedia ajuda divina. – QUE MERDA!
— Não está sendo divertido para mim também, ok?
— Ótimo, vamos ficar em silêncio, então.
*
Pov Narrador
Dez minutos depois...
O silêncio no local era imenso, Dahyun só tentava driblar o sono forte que sentia e Sana estava desejando sair dali o mais rápido possível. A japonesa tentava quase uma telepatia com suas amigas para darem falta de sua companhia e virem lhe procurar.
Mas isso não aconteceu.
— Ok, eu vou surtar. – Sana disse, levantando-se. – Vamos bater e gritar, assim alguém nos ouve.
— Mana, isso é uma boate, é a prova de som!
— Porra... – Virou-se para Dahyun e encarou seu rosto. Ela olhava para baixo novamente. – Você devia pensar em algo ou me ajudar a fazer qualquer coisa, assim a gente sai logo.
— Não vou gastar neurônio com algo inútil. Nos resta esperar e pronto, apenas isso. – Olhou para a japonesa finalmente. – Dorme que o tempo passa mais rápido.
— Eu não vou dormir no banheiro de uma festa! – Inevitavelmente fez expressão de nojo, o que para Dahyun soou como ataque de praticinha ou nojinho desnecessário. A Kim, sem controlar, revirou os olhos para a cena. – O álcool ainda está no seu corpo para você ter coragem de fazer uma coisa dessas?
— Um pouco, sim. – Estava visivelmente bêbada.
— Eca...
— Vamos voltar a fazer silêncio? Estava tão bom. – Suspirou debochada.
— Não, por favor. – Suplicou. – Se eu ficar em silêncio mais um pouco, vou pirar e tenho certeza que você prefere aturar uma Sana tagarela que uma Sana surtada.
— Na verdade, estou curiosa para saber como é uma Sana surtada. – Riu provocativa.
— Muito. Mais. Barulhenta. – Retrucou rapidamente e Dahyun, finalmente, se deu por vencida.
— Ok...
— Vamos ao jogo de perguntas de novo. – Sugeriu e recebeu um gemido de reclamação da coreana como resposta. – Vou levar isso como um "sim".
— Deus, me mata agora, por favor!
— Você é chata, sabia? – A Minatozaki soltou sem filtros e Dahyun arregalou os olhos surpresa.
— Não sou chata, você que é fútil.
— Não sou fútil, você que é rabugenta!
— Que briga mais madura... – Desdenhou de si mesma. – Não quero mais brincar das perguntas.
— Mas eu não fiz nenhuma... – Fez um bico triste e Dahyun ignorou.
— Uma pena.
— Te falta um amor, sabia? – Disse do nada e a Kim ficou nervosa ao ouvir. – Uma paixão para amolecer esse seu coração de pedra, se é que você tem um...
— Que conversa mais chata. – Levantou desconfiada. – Mas conseguiu me fazer agir. – Bateu com força na porta. – ABRE AQUI, ELA ESTÁ TENTANDO ME MATAR! ESTÁ ME TORTURANDO!
— Para com isso, sua idiota, eu não falo mais nada, ok?
— Estou tentando chamar atenção rapidamente, tonta, mas o que sua companhia me causa é quase uma tortura mesmo. – Sorriu debochada e Sana bufou irritada, mas levantando e batendo na porta junto. – SOCORRO!
— Ficou tão dedicada para ir embora só porque falei que você precisava de uma namorada? – Sana falou provocativa. Era sua vez de irritar e caçoar da Kim. – Acho que precisa, mas duvido que encontre alguma quem te aguente.
— Você fala como se eu fosse insuportável como você.
— É pior.
— Sabe que acabou de concordar que é insuportável, né? – Parou de bater e encarou a japonesa, rindo de sua cara sem graça. – Ai, japa... Que figura!
— Chega, garota! – Empurrou o braço de Dahyun, afastando de leve seu corpo do local. – Suas provocações já encheram o saco, sabia?
— Sabia.
— CHEGA, DAHYUN! – Berrou irritada e empurrou mais um pouco o corpo alheio de forma agressiva.
— Minatozaki, não vai por esse caminho... – Disse quando recebeu o segundo empurrão. – Não quero te machucar.
— Não vou te bater, a violenta louca é você. – Respondeu chegando perto demais do corpo da Kim. – Eu odeio você!
— Eu também odeio você, então vamos sair logo daqui. – Respondeu mansamente, fingindo não ligar para a situação, mas quando ameaçou sair de perto, foi impedida pela mesma. – Sai da frente...
— Não adianta gritar, você mesma disse. – Começou e Dahyun escutou atentamente. – Por que tentar mais?
— Melhor do que dar ouvidos às suas bobagens.
— Ainda sobre o lance de você precisar de uma paixão para ser humano de verdade, né? – Perguntou e ao não obter resposta, sorriu sapeca. – Nunca te vi com alguém... Por que? Não consegue, né?
— Não quero falar disso com você, Sana. – Olhou nos olhos da estrangeira e suplicou de forma discreta. – Por favor...
Sana parecia ter caído em si. Parou de provocar, quase pediu desculpas por aquilo, e voltou a sentar. Dahyun fez o mesmo, sentando-se no lugar de antes. O silêncio voltou a se estabelecer no local e as duas não trocaram nem olhares desde então.
Dahyun estava chateada com a fala de Sana, deixou-se incomodar por algo que a japonesa não tinha como saber ser um assunto delicado. Ficou pensativa, um tanto ansiosa e agora, rezava em pensamento, para alguém aparecer e lhe tirar dali.
20 minutos depois...
Mais silêncio, menos ajuda. O incômodo era grande nas duas, o sono já era presente em ambas e a agonia também.
Sana andava de um lado para o outro e Dahyun continuava no lugar de sempre, na posição de sempre e com o mesmo pensamento e sensação.
— Ei... – A voz da japonesa quebrou o silêncio e desfocou Dahyun de sua própria mente. – Desculpe ter falado aquilo, vi que mexeu com você e... Enfim, eu sinto muito. – Disse, ainda em pé, de frente para a coreana.
— De boa. – Dahyun respondeu depois de levantar a visão e enxergar a menina em sua frente com um meio sorriso nos lábios.
— Posso? – Apontou para o lado da Kim, pedindo para ocupar aquele espaço e imediatamente foi respondida positivamente. – Sei que gosta do silêncio, mas eu queria falar algo rapidinho...
— Pode dizer.
— Falei aquilo sobre relacionamento só para mexer com você, não para pegar numa ferida. Não me referi a sua aparência, nem nada, só retruquei uma provocação.
— Tudo bem, eu mereci. – Deu de ombros. – Não me incomodei pela possibilidade de você ter falado sobre minha aparência, mas legal saber que me acha linda... – Começou séria e terminou rindo. Dahyun sempre brinca quando está chateada, nunca deixa suas verdadeiras emoções transparecerem e foi exatamente isso que fez aqui.
— Sua idiota... – Brincou. – Que bom que não foi isso. Acho que nem teria credibilidade para ofender sua aparência.
— Por que? – Virou o rosto de lado, Sana retribuiu o gesto. As duas estavam se encarando agora, sem desviar, sem armas, sem insultos.
— Porque você é realmente bonita, não tem como refutar isso... – Disse sem jeito.
— Para com isso. – Respondeu timidamente ao elogio. – Você... Também é bonita...
— Eu sei. – Sorriu e beijou seu ombro. – Brincadeira. Obrigada.
*
Pov Dahyun
— Eu sei. – Sorriu e beijou seu ombro. Sorriu com os olhos mais que com a boca. Eles se fecharam quase que completamente e formaram praticamente um "c" de cabeça para baixo. Foi tão singelo que acabei sorrindo de volta.
Ficamos em silêncio por algum tempo que não sei dizer quanto, nos encarando diretamente nos olhos e sem desviar. Os sorrisos ainda existiam, mas agora eram tímidos e mais fracos. Também era singelo.
— Acho que vamos ficar aqui para sempre. – Comentei do nada.
— Pelo menos agora não está tão insuportável, não é? – Soltou um arzinho pelo nariz e eu fiquei com a bochechas quentes involuntariamente.
— É, acho que sim. – Virei a cabeça para frente novamente e segurei minhas próprias bochechas na tentativa falha de esconder o que Sana com certeza já tinha percebido.
— Ficou com vergonha? – Ela notou e não disfarçou isso. Esticou a cabeça para frente para me ver melhor e fazer com que eu a visse também. – O que foi?
— Não é vergonha, deve ser o calor. – Falei convicta. Eu realmente acho que foi o calor, não há outro motivo fora esse afinal.
— Hm... – Mexeu-se rapidamente e logo estava sentada em minha frente com a mão na minha testa. – Você não está suada...
— Mas estou com calor. – Continuei firme.
— Com um moletom desse tamanho?
— É por causa dele que estou com calor.
— Então tira. – Deu de ombros como quem não ligava para nada.
— Tiro. – Assim o fiz. Abri o zíper e retirei o casaco com facilidade, deixando a pequena regata que eu usava por baixo a mostra. Não reparei em muita coisa, agora eu realmente estava com vergonha, então só olhei para baixo de novo.
— Uau... – Senti seus dedos nos meus braços. – Vamos uma queda de braço? – Sugeriu empolgada e quando levantei a visão seu corpo já estava na posição da luta.
— Sério isso?
— Sim, vamos!
— O que eu ganho com isso?
— Nada, você vai perder. – Cerrou o olhar e sorriu vitoriosa.
— Mas e se eu ganhar?
— O que você quer?
— Meu beck de volta!
— Como vou arrumar um?!
— Se vira.
— Ok, mas se eu ganhar eu escolho o que eu quero.
— Que seria...?
— Não se preocupa, você disse que eu vou perder mesmo. – Desdenhou e ajeitou seu braço, puxando o meu com o outro. – 1, 2, 3... JÁ!
Coloquei pouca força apenas para zoar com a cara dela. A luta havia começado e meu braço não se movia, minha força era apenas para segurar a de Sana. Não ataquei, apenas impedi que derrubasse meu braço.
Fingi bocejar, fiz caras e bocas e até falei algumas frases bobas, mas a Minatozaki não caiu na pilha, o que foi desapontador. Decidi, então, finalmente vencer essa briga. Arrumei a postura para finalmente colocar força, mas a japonesa tinha outra estratégia.
— ABRIRAM! – Berrou do nada e eu olhei para a porta, desfocando da queda de braços e esquecendo a força. Sana aproveitou o momento e derrubou meu braço assim que pôde. – Parece que a fodona Kim Dahyun perdeu essa!
— Você roubou, não valeu! – Disse emburrada ao cruzar os braços. – Melhor de três!
— Não... A aposta foi somente para uma rodada e essa você perdeu!
— O que vai querer, então? – Perguntei aborrecida pela derrota injusta.
— Se você ainda estivesse naquela de ser invisível para mim, eu pediria para parar...
— Você pediu.
— Não foi um pedido, já falei.
— Ok... – Ri de leve com sua teimosia.
— Enfim, como você já parou com aquele lance, acho que preciso pensar no que pedir agora. – Fez uma breve pausa enquanto coçava o queixo e forçava seu cérebro a trabalhar. – Quero te ajudar a conseguir uma namorada!
— O que?!
— Isso mesmo! – Sorriu animada. – Como ficou mexida com aquilo que falei, acho que posso ajudar.
— Eu não quero sua ajuda com isso e não quero uma namorada.
— Você perdeu a queda de braços, Dahyun, tem que aceitar.
— Outra coisa, isso não. – Encarei seu rosto seriamente e fiz seu sorriso sumir. – É sério.
— Ok, ok... Irritadinha você. – Pensou mais um pouco durante outra pausa. – Sai comigo amanhã para uma baladinha ou um parque de diversões...
— É sério isso? – Assentiu. – Isso é uma tentiva sua de me apresentar a alguém, né?
— Sim, mas desse jeito você não pode negar!
— Posso sim, quer ver? – Imitei seu sorriso empolgado de forma debochada. – Não aceito isso também.
— Droga, Dahyun!
— Por quer tanto me apresentar a alguém?
— Conheço alguém que tem um tipo muito específico e você se encaixa perfeitamente nele, fora que eu disse aquilo mais cedo e... Acho que eu ajudaria, é isso.
— Tipo específico? – Perguntei curiosa. – E pode esquecer do que me disse mais cedo, já foi, não ligo mais.
— Mas eu ligo, você tem que ter alguém para ser... Digamos... Mais... Legal. – Falou receosa.
— Odeio me autodepreciar na frente dos outros, mas você não me dá escolhas... – Arfei. – Não tem como você arrumar alguém para mim, você estava certa quando disse que não consigo. Eu não consigo manter um relacionamento porque eu sou... Confusa demais.
— Ninguém é normal. – Disse sorridente demais e otimista demais também. – Além disso, um defeitozinho é normal, aposto que essa minha conhecida adoraria você com qualquer personalidade.
— Porque eu sou o tipo dela?
— Isso.
— O que ela gosta exatamente para você ter tanta certeza que ela ignoraria todo o resto?
— Ah, ela gosta de meninas loiras, com um estilo como o seu e com olhos grandes. – Disse ao passo que olhava para cada coisa que citava. – Além disso, qualquer um gosta, hmmm... Do seu tipo físico, digamos assim. – Ficou visivelmente nervosa. Foi engraçado.
— Meu tipo físico? – Afastei a manga do moletom que ainda cobria uma parte do meu braço só para me gabar um pouco mais e deixar a Minatozaki sem graça. – Como assim?
— Ah, você sabe... Os braços fortes... – Dizia com expressão de desdém, mas passava a ponta dos dedos sobre o local que falava. – E essa barriga definida aí. – Tirou a mão e revirou os olhos, comportando-se como quem não ligava para nada. – Já disse isso para você uma vez, é legal isso tudo aí, deveria mostrar mais e assim arrumaria uma namorada.
— Já chega desse lance de namorada, não acha? – Apoiei minhas mãos nos joelhos, deixando minha postura ruim e ficando mais próxima do rosto da japonesa. – E não precisa disfarçar, eu sei que você está babando.
— Oi?! – Arregalou os olhos e eu ri.
— Brincadeira, sua boba, sei que só quer me ajudar. – Dei um leve empurrão nela enquanto ria, mas ela petrificou o olhar quando tornou à posição. – Sana? – Seus olhos miravam em algo que prefiro estar enganada. – Para onde está olhando, Minatozaki? Estou suja? – Limpei os lábios e ao redor deles também.
— Não está. Só olhei... Sei lá. – Mexeu a cabeça com rapidez afim de dispersar. – Eu ainda estou bêbada, Dahyun, não faz pergunta difícil.
— Oba! Esse é exatamente o momento certo de se fazer perguntas difíceis! Bêbado não consegue mentir. – Falei sapeca e ela desviou o olhar do meu.
— É sério, melhor pararmos por aqui...
— Ué, por que?
— Porque com álcool no meu corpo, eu não tenho muito controle do que sinto ou do que faço.
— Estranho, você pareceu bem contida até agora.
— Eu disfarço bem.
— Exceto nesse minuto, já que te peguei, descaradamente, mirando minha boca, né? – Brinquei, mas ela ficou séria e voltou a me encarar.
— É.
— Como é?! – Falei nervosamente. Não espera por uma resposta como essa.
— Por algum motivo, depois que você tirou esse casaco, eu comecei a reparar mais em você...
— É porque esse monte de tecido me cobre e eu não sou tão grande... – Ri sem jeito, tentando cortar o clima e o assunto, mas ela ignorou.
— Dahyun... – Disse num sussurro e voltou a focar em meus lábios. – Já sei o que quero que faça por perder a queda de braço.
— O que? – Perguntei com receio.
— Eu quero um beijo.
— Oi????
— Se não quiser, tudo bem. – Deu de ombros.
— Sana, eu...
— Isso não sai daqui, juro. Não contaremos a ninguém e quando acordarmos, vamos fingir que nunca aconteceu.
— Promete?
— Sim. – Sorriu maliciosamente e mordeu seu lábio inferior, movendo seu tronco para perto de mim. – Você quer?
— Não faz pergunta difícil... – Parafraseei a japonesa e ela sorriu ao perceber. Um sorriso diferente do singelo de antes. Esse era perto demais da minha visão, era sacana e sutil. Me envolveu e puxou, foi tão rápido que não percebi e logo estava sentindo a maciez de Sana em mim.
Foi um beijo lento, delicado. Os lábios quentes da japonesa pareciam devorar os meus com uma fome insaciável. Eu retribui cada coisinha. Foi estranho, diferente, novo, mas foi bom. Minha mente estava a mil, eu não entendia como isso tinha acontecido e nem o motivo, mas não me permiti pensar muito sobre, pelo menos enquanto o beijo rolava.
Sana agarrou minha nuca com vontade, deixando parte de sua palma tocar em minha mandíbula. Eu agarrei a sua também depois de uns segundos, mas não estava confortável e Sana parecia querer mais.
No instante da separação de nossas bocas, eu abri os olhos e vi Sana mover-se para mim, assisti tudo aquilo estática, perplexa, mas deixei rolar. A Minatozaki sentou em meu colo e retomou o beijo intenso novamente. Agora, minhas mãos iam na sua cintura, apertando o local suavemente.
Ouvi a respiração forte de Sana contra meu rosto e fiquei em estado de alerta. Aquilo era mais que um beijo, mais que um prenda. Era sensual, gostoso, viciante. Segurei a bunda de Sana com a mão vaga e ela soltou meus lábios para gemer baixinho. Eu arfei assim que ela fez tal coisa, mas não nos demoramos nisso e rapidamente o beijo retomou.
A japonesa segurava meus cabelos com força, entrelaçando os dedos nele de forma violenta e malandra, ela sabia demais o que estava fazendo e eu apenas deixava.
Nunca fiz sexo, nunca fiquei com ninguém tão intensamente como agora, apenas fazia o que instinto sugeria e via, pelas reações da garota, que estava agradando.
— Quem trancou esse banheiro?! – Ouvimos a voz masculina familiar aos meus ouvidos e nos desgrudamos na hora. Era o tio de Jihyo, dono da boate. Seu tom era irritado e intrigado. Ouvíamos mais uma voz, que julguei ser a de um funcionário qualquer em seguida o barulho das chaves chega aos nossos ouvidos.
Sana sai de cima de mim quase num pulo e levanta numa rapidez impressionante, eu faço o mesmo, colocando o casado de volta e fechando o zíper em seguida.
Nós ficamos nos encarando todo o tempo até a porta ser aberta, foram segundos constrangedores e desajeitados.
— O que estavam fazendo aqui, garotas? – O Park pergunta surpreso.
— Alguém nos trancou aqui. – Respondi e Sana apenas balançou a cabeça concordando.
— Faz muito tempo?
— Muito. – A Minatozaki disse com o tom afoito e ofegante, como se tivesse segurado a respiração até agora. – Mas, enfim, que bom que abriu... Tchau. – Curvou-se e saiu ligeiramente, eu me despedi do homem e zarpei para fora afim de encontrar Sana.
— Sua bolsa. – Falei ao vê-la. – Esqueceu lá dentro...
— Ah, valeu. – Sorriu timidamente.
— Ah... Espera. – Cocei a nuca nervosamente. – O que rolou lá dentro... É...
— Nunca aconteceu, eu sei. – Disse séria e eu respirei aliviada. – Ainda te odeio.
— É recíproco. – Completei. – Não conte para ninguém.
— Eu não teria essa coragem. Não conte também.
— Não vou. – Segui caminhando ao seu lado, já que nosso caminho era o mesmo. – Vai a pé?
— Minhas amigas me deixaram, então, sim, eu vou.
— Não deixaram. – Falei quando avistei rostos conhecidos. – Ali não é a sua amiga altona?
— Tzuyu? Está vendo a Tzuyu? – Freou e procurou pela taiwanesa.
— Isso. – Apontei. – Ali.
— É ela mesmo. – Acenou e gritou para a melhor amiga, que quando encontrou a dona da voz, acenou de volta e sorriu aliviada. – Tchau. – Disse e saiu de perto, indo de encontro a Tzuyu.
— Tchau. – Falei desconfiada e sem jeito. Minha cabeça estava a mil, não sabia mais como raciocinar e ainda tinha que caminhar muito até chegar em casa. Hoje o dia vai ser longo...
dahhyunnee:
*
"Eu peço licença para sonhar e discordar das mentiras vazias
Este é o amanhecer do resto de nossas vidas
Esta é a nossa vida em um feriado"
Chapter 12: Im a Firefighter.
Chapter Text
Im a Firefighter – Cigarettes After Sex
"É um passeio no parque de diversões
Algum tipo de montanha-russa
Te leva pra cima e quando te traz para baixo te dá borboletas no estômago"
*
Pov Dahyun
— DAHYUN! – Ouço um berro bem ao pé do ouvido seguido de um choque contra meu rosto. – ACORDA, PORRA!
—Cara... – Falo abrindo os olhos. Era Chaeyoung. – Está muito cedo para me acordar, não acha?
— Dubu, são quatro horas da tarde. – Jihyo diz segurando o riso. – Que cachaça foi essa ontem? Você ficou até depois que a galera foi embora, cara...
— Ah... Não aconteceu nada de mais, foi normal. Uma festa normal. – Respondo um pouco nervosa ao lembrar de tudo que aconteceu mais cedo. – PUTA QUE PARIU! QUATRO HORAS DA TARDE? – Pulo da cama como se tivesse levado um choque e começo a tirar a roupa da festa, dirigindo-me ao banheiro.
— Que isso? Festa de topless? – Jeongyeon brinca ameaçando a tirar a blusa.
— Cobre isso, pelo amor de Jesus Cristo! – Chaeyoung diz enquanto tampa os olhos e faz uma expressão enojada. – Conta aí, Dubu, por que esse sono tão pesado?
— Ué, eu bebi muito e fiquei até tarde na festa... Normal. – Falava enquanto tomava banho. – Chega de falar de mim, né? O que vieram fazer aqui, afinal?
— Você nos chamou, sua tapada. – Jeongyeon comenta.
— Quê? – Digo num tom mais baixo, como se tivesse pensado alto. Eu não lembrava de ter feito isso. Na verdade, não lembro de muita coisa depois de ficar presa no banheiro. – Falei?
— Sim, cara. Não lembra? – Jihyo pergunta. – Devemos ir embora, então? Sua cachaça foi muito braba, cruzes!
— Não! – Respondo. – Eu lembro, sim. – Minto. – Esperem só eu sair daqui e já conversaremos.
Tomo meu banho mais depressa ainda e trato de checar as mensagens do meu celular antes de sair do banheiro. Lá vejo que criei um grupo com as três aqui presentes e mandei um texto explicando, muito veementemente, o motivo de precisarmos fazer algo com a Yuna.
— Oi... – Digo ao sair do banheiro já devidamente vestida e limpa. – Já almoçaram?
— Claro. – Elas respondem em coro.
— Certo, vou pedir para trazerem minha comida aqui no quarto e podemos conversar enquanto eu como. – Falo. – Querem algo?
— Não, valeu. – Jihyo responde.
— Uma água, por favor. – Jeongyeon diz com uma expressão piedosa. – Não foi só você, Dahyun, que exagerou no álcool...
— Não quero nada. – Chaeyoung fala. – Mas quando seu almoço chegar, vou roubar alguma coisa do seu prato com certeza.
Desço apressadamente até a cozinha, faço o pedido ao chefe, que já preparava o jantar, e subo. Durante todo o processo penso sobre a conversa que prometi ter com minhas amigas hoje e como vou conduzir isso no improviso.
É fato que sempre quis dar o troco na Yuna desde que tudo aconteceu, mas estava adiando até minha mente pensar em algo genial para fazer. Isso não aconteceu e eu agi na adrenalina e na não-sobriedade, então terei de soar muito convincente se não quiser ouvir questionamentos ou levantar suspeitas sobre mim.
— Certo, comece a falar, Kim. – Chaeyoung fala assim que fecho a porta do meu quarto.
— Ok... – Puxei o ar e caminhei até minha cama magicamente arrumada. – Bom, eu chamei só vocês porque acho que vai ser melhor assim. O Seungsik podia tornar isso muito pessoal e a Seulgi com certeza seria contra.
— Além de ficar envergonhada. – Minha melhor amiga completou. – Já sacamos essa parte. 'Tô curiosa sobre o plano de fato.
— O plano? – Pergunto em voz alta sem querer e fico mais nervosa ainda ao notar seus olhares confusos sobre mim. – Ah, claro, o plano. O plano... – Continuo antes que possam perguntar algo. – Eu quero que a Yuna pague pelo que fez a mim e a Kang, mas principalmente, pague por ser esse pé no saco infame que nos segue sempre.
— Como? – Jeongyeon perguntou. – Dubu, não leva a mal, mas você parece um pouco... Confusa.
— Também estou achando. – A Son disse.
— Eu? Confusa? – Usei um tom ofendido, mas era tudo teatro e muito nervosismo. – Não estou nada disso, relaxem. Enfim, se querem saber do plano, fiquem quietas, vou falar.
— Estamos esperando... – Chaeyoung fingiu bocejar e riu em seguida quando lhe lancei um olhar reprovador.
— Ainda preciso que me ajudem a fortalecer a ideia, mas a base está toda aqui. – Apontei para minha cabeça. – Acho que seria maravilhoso acertá-la justamente no ponto fraco dela, a deixando completamente sem norte.
— Mas qual o ponto fraco daquela vaca? – Jihyo perguntou. – Ela sabe tudo de todos porque é sobrinha do diretor, mas nós não sabemos nada dela.
— De fato... – Jeongyeon diz, mas seu tom é intrigante. Ela parece pensar numa solução. – Mas todo mundo tem um ponto fraco, até aquela psicopata do caralho.
— Certo, Yoo, mas qual? – A mais nova pergunta.
— O que ela mais gosta na vida? Ao menos o que faz questão de dizer que gosta, o que é?
— Não sei.
— Sua tonta, é o posto de ser a "dona" do colégio. Acho que ela gosta de brincar de deus, então se aproveita dos privilégios de ser quase dona daquilo tudo.
— Vai demorar até que ela seja realmente dona. – Comento. – Mas é algo que vai acontecer de qualquer forma, a não ser que... – Faço uma pausa involuntária devido aos pensamentos acelerados que me ocorrem. – A não ser que o Wang descubra quem é a vadia da sobrinha dele e tome alguma atitude.
— Logo aquele frouxo? – Chaeyoung diz indignada. – O plano parece bom, mas ele é um babão, nunca faria nada contra a Shin.
— Eu concordo. – Jihyo diz depois de um suspiro decepcionado. – Vamos supor que consigamos realmente fazer com que ele veja quem é a Yuna de verdade. Ele vai dar um castigo, com sorte uma suspensão, mas nada além, muito menos impedir que ela seja dona do colégio futuramente.
— Não precisamos garantir que ela não assuma a direção. – Começo a falar. – Vamos sair da escola daqui uns meses, então só precisamos parar a ações imbecis da Yuna por enquanto.
— Onde a parte da direção entra nisso, então? – Jongyeon pergunta, mas não me dá chance de pensar para responder. – JÁ SEI!
— DIZ! – Falamos as três ao mesmo tempo.
— Já que falamos do que a Yuna mais gosta, vamos falar do diretor... O que o Wang mais gosta nessa vida?
— Dinheiro. – Respondemos juntas novamente.
— EXATO! E o que dá dinheiro a ele? Nossas matrículas aqui! – Ela notou nossas expressões um pouco confusas e tratou de esclarecer logo. – Se algo grande acontecer com a Yuna, algo que põe em risco a nossa estadia aqui, o diretor vai fazer qualquer coisa para garantir que a gente não saia.
— Ele não faz tanta questão assim de nós 4 assim... – Chaeyoung comentou. – Digo, ele é um babão dos nossos responsáveis, mas é só.
— E quem disse que precisa ser somente nós? – Jihyo solta do nada depois de um longo período em silêncio. – Galera, tem um pai que o Wang respeita acima de tudo, que jamais ousaria desafiá-lo.
— O pai da Dahyun? – Chaeyoung pergunta, mas Jihyo nega. – Quem, então?
— O da Sana. – Jeongyeon fala. – É ele, certo?
— Exato.
— Como vamos usá-lo para isso, cara? – Chaeyoung contesta.
— É... – Jihyo solta desconfiada e rapidamente recebo olhares queimando sobre mim.
— EU?! – Falo espantada. – Por que? Eu sou a pessoa menos improvável para isso, mano...
— Você era. – A Park continua e eu fico confusa. – Acho que a Sana não te odeia mais como antes.
— Por quê? – Pergunto temendo que ela saiba sobre o beijo.
— Ela respondeu sua foto no instagram com descontração e te seguiu. – Jeongyeon respondeu sacando seu celular e aproximando a tela de mim, fazendo questão que eu veja o comentário na minha publicação mais recente:
m.by_sana: Gostei da foto, loirinha. ;)
Eu publiquei isso? Ah, mais uma coisa da qual não me lembro desde o lance no banheiro, ótimo. Penso em silêncio e continuo a analisar tudo.
— Isso não quer dizer nada, galera. – Dou de ombros e desvio o olhar. – Vou bloquear ela.
— Caralho, você realmente não suporta aquela garota. – Chaeyoung fala chocada. – Não faz isso, usa essa "trégua" da parte da Minatozaki ao nosso favor, pô.
— Está sugerindo o que eu acho que está sugerindo?
— Todas estamos... – Jihyo responde. – Ninguém comenta algo assim na foto de alguém que odeia.
— Vamos esquecer disso, pelo amor. – Falei entre um arfo e outro. – Ela devia estar louca, bêbada e saiu respondendo qualquer um.
— Provavelmente, mas mesmo assim é uma boa oportunidade de você ficar perto dela e conseguir que o senhor Minatozaki apoie nossa causa. – Jihyo disse com os olhos piedosos. – Por favor, Dubu... É pela Seulgi.
Eu não ia acatar. Não quero ficar perto de Sana, ser amiga dela ou lhe pedir um favor, mas ao encarar o rosto em súplica de Jihyo e ouvir que é pela nossa amiga tive de aceitar.
— Ok... – Falei a contragosto. – Mas eu não sei como fazer isso, vocês tem que me ajudar.
— E pensar que viemos aqui para você ditar o plano... – Chaeyoung soltou entre risadas e nós acompanhamos.
Conversamos mais depois que minha comida chegou e depois que eu terminei de comer também. Passamos o resto da tarde batendo papo, bolando o plano e jogando conversa fora. Até o início da noite eu tive companhia e minha mente ficou ocupada por causa disso, mas agora elas já foram e eu estou sozinha novamente.
Estou sozinha com minha cabeça inquieta, com minhas memórias tortas e com um sentimento estranho em meu peito. É um desconforto que me faz rir sem querer, não sei explicar direito, mas é algo que eu só senti uma vez e bem menos intenso que agora. É estranho e eu não gosto de estar sentindo.
*
Pov Sana
— Bom dia, bom dia. – Falo quando encontro meu pai e minha madrasta no sofá da sala. – Não vai trabalhar hoje, pai?
— Boa tarde! – Sooyoung corrigiu.
— Oi, filhota! – Meu pai respondeu. – Hoje é Sábado, querida, só alguns telefonemas bastam. – Riu gentilmente e depois passou o braço pelo ombro de Sooyoung, o que ferveu meu sangue involuntariamente. – Por quê? Está precisando de algo?
— Do seu negócio? – Perguntei e ri com vontade. – Não estou querendo nenhum bife ou algo assim por agora, mas obrigada. – Lancei um leve sorriso para ele e o homem retribuiu em seguida.
— Sana-yah, não trabalho só vendendo carnes, mas perguntei se precisa de alguma coisa no geral. – Pensei em soltar a coisa que mais desejei durante quase dez anos, mas me contive.
— Não, papai, obrigada. – Sorri novamente e saí.
Eu ouvi Sooyoung dizer alguma coisa num tom de reclamação, mas tratei de me afastar antes que pudesse entender o que ela falava.
Eu já podia imaginar do que se tratava. Algo como "sua filha nunca vai me aceitar" ou "dê um jeito nessa menina, Shitara, ela não me respeita" e por aí vai. Independentemente da frase que foi dita meu desejo não muda. Quero que eles se separem ou melhor ainda, queria que ela nunca tivesse aparecido em nossas vidas, principalmente na vida da minha mãe.
A última coisa é impossível controlar, já que não se pode mudar o passado, então deixo apenas em minha mente, mas a primeira eu fomento até hoje e a todo momento.
*
— Então... – Tzuyu disse quebrando o silêncio que havia se instalado depois de um bom tempo conversando comigo. Nós estávamos na sorveteria. – Por que sumiu do nada ontem?
— Quê? – Eu estava tomando um gole do meu milk-shake quando ouvi sua pergunta. Meus olhos arregalaram de leve, mas não pude conter a bebida quieta, já que me espantei com o questionamento. Acabei cuspindo um pouco do que bebia. – Meu deus, que terror! – Falei ao notar a pequena bagunça em cima da mesa e em minha blusa. – Desculpa, Tzu.
— Relaxa, você não cuspiu milk-shake em mim, só na mesa e na sua roupa, por mim tudo certo. – Riu, mas em seguida me ajudou a limpar. – Por que ficou nervosa quando te perguntei sobre ontem?
— Não fiquei nervosa. Fiquei? Não fiquei!
— Está nervosa de novo. – Cerrou os olhos e me encarou. Ela me conhece bem demais, então tive que desviar de suas pupilas curiosas. – Quem você beijou ontem?
— TZUYU! – Berrei sem querer e quase derrubei a taça de milk-shake. – Porra, o que está acontecendo comigo hoje?
— Você está nervosa porque beijou alguém quando sumiu na hora de ir embora, mas não quer me contar. – Sorriu cínica e orgulhosa. – É isso, não é? – Puxou meu queixo com o dedo indicador e encarou meus olhos fujões.
— Não. Sua doida, de onde tirou isso? – Desdenhei com o melhor teatro que pude. – Não beijei ninguém ontem e também não sumi, foi tudo um mal entendido.
— Como assim?
— Alguém me trancou no banheiro. – Ela franziu o cenho, ainda desconfiada e desacreditada. – É sério, a Dahyun estava lá, pode perguntar.
— COMO É? – Berrou e todos da sorveteria nos encararam. – Desculpa aí, galera, é que minha amiga me contou um babado forte, vocês entendem, né?
— Sua doida, fala baixo! – Reclamei, mas estava rindo muito, então não tinha muita autoridade.
— Você beijou a Dahyun! – Disse num tom eufórico, mas num volume moderado dessa vez. – Foi isso que aconteceu!
— ENLOUQUECEU?! – Minha vez de berrar e obter a atenção de todos do lugar. – Desculpem. –Abaixei a cabeça com vergonha, mas levantei o braço para dar um tapinha na testa de Tzuyu. – Do que está falando, mano? Bebeu?
— É brincadeira, Sana. – Ria, mas não saía som. Batia leves palmas, devida às duas represálias que levamos, e lacrimejava de tanto gargalhar. – Porra, quase morro de rir!
— Ainda não entendi nada.
— Esquece... – Revirou os olhos e bufou. – Só brinquei com você, é óbvio que não beijou a Kim, vocês se detestam, isso seria muito estranho. – Riu mais um pouco.
— Por que estranho?
— Vocês não combinam nadinha, é por isso. – Deu de ombros.
— Você acha, é?
— Qual foi, Sana? Se continuar perguntando tanto assim, vou começar a achar que gosta da Kim e deu uns amassos nela naquele banheiro. – Disse séria e eu enrijeci, mas quando ela notou minha expressão petrificada, logo abriu um sorriso largo e riu novamente. – Pô, você caiu mais uma vez! Estava brincando, claro.
— Chega de brincadeiras com a Dahyun, pode ser? – Ela assentiu. – Enfim, voltando ao assunto... Nós duas fomos trancadas lá e só abriram a porta naquela hora que te encontrei no estacionamento.
— É, eu disse que ficaria te esperando e que as meninas podiam ir embora.
— Obrigada por isso, inclusive. – Segurei sua mão sobre a mesa. – Elas estavam tão loucas ontem, ainda bem que foram para casa logo... Sinto muito ter feito você esperar lá.
— Não foi ruim, eu fiquei com a Jihyo.
— Sério?! – Sorri largamente com aquilo. – Não é arriscado?
— Até é, mas ficamos dentro do meu carro, então ninguém nos viu. Ela saiu poucos minutos antes de você chegar.
— Ela sabe que eu sei sobre o namoro de vocês?
— Sabe... – Respondeu timidamente e eu amoleci com a cena. Minha melhor amiga é um pouco doida e mandona, mas seu jeitinho apaixonado é encantador. – Ela quase me matou quando eu disse que tinha aberto tudo para você.
— Que boba! Eu jamais espalharia ou tentaria impedir. Por que ela não abre o jogo com as amigas dela também?
— Ela fez isso, mas mais ninguém do grupo dela sabe fora a Seulgi.
— Ninguém? – Negou. – Isso é medo de que alguém pense parecido com a Mina e a Nayeon?
— Não, definitivamente, não. – Seu olhar ficou caído de repente. – Ela me disse que ninguém ali se importa com isso, a Dahyun é meio que a líder e ela também não liga. A Kim só faz questão de fazer pegadinhas e pegar no seu pé, só que nem isso faz mais...
— Que bom que nisso aquele grupo presta. – Disse sem filtros. – Com todo respeito à sua namorada, Tzu, mas você sabe que aquela galera só leva o tempo em brincar e ser desagradável... E a Kim não parou de pegar no meu pé coisa nenhuma.
— Ué?
— Eu disse a ela que poderia parar com essa besteira de "ser invisível" para mim, mas ela entendeu isso como sendo "pode implicar comigo de novo" e voltou com essa palhaçada. – Revirei os olhos involuntariamente. Já estava irritada em tocar no nome dela. Só de tocar no nome dela. – Caralho, eu não me entendo...
— O que foi?
— Eu fiz algo, que nunca imaginei e nem quis fazer, mas fiz. – Falei sem pensar nas consequências que isso me traria. – Estou me odiando por ter feito, estou odiando a pessoa também, estou com ódio de tudo, na verdade.
— Não 'tô entendendo porra nenhuma que você está dizendo, mas continua.
— Queria voltar no tempo e apagar o que eu fiz, o que pedi para fazer comigo e... – Dei uma pausa ao lembrar de algo. – E apagar outra coisa! – Disse elétrica e Tzuyu ficou mais confusa ainda. – Isso eu posso apagar... – Catei o celular, sem deixar minha amiga ver o que eu fazia, e fui direto na publicação da Kim. Procurei meu comentário e excluí o mesmo. – Estou um pouco mais leve agora.
— O que caralhos está acontecendo? – A Chou diz abismada. – É a sua madrasta, não é? – Ela me conhecia bem demais, mas dessa vez errou, afinal não tem como me conhecer sobre algo que não lhe contei. Suspirei aliviada ao ouvir sua pergunta e ela ficou ainda mais confusa com o sorriso involuntário que soltei depois do suspiro.
— Sim, é ela. – Comecei um teatro novamente. Desfiz o sorriso e entrei no modo séria. Tzuyu errou quando achou que meu nervosismo se tratava de Sooyoung, mas não errou ao me perguntar sobre. Apesar da mulher não meu foco hoje, ela ainda me atormenta e ainda faz parte do meu desconforto diário. – Não consigo engolir aquela mulher...
— Aconteceu algo?
— Não, nada. Mas não precisa acontecer, né? – Dei de ombros.
— Já falei isso antes, mas preciso dizer de novo pelo visto. – Segurou firme minhas mãos sobre a mesa. – Você precisa superar a morte da sua mãe, Sana-chan... Eu te amo muito e odeio ver você sofrer com isso, então precisei te falar assim, com todas as letras. – Recuei o toque ao ouvir aquelas palavras.
Eu não estava mal por conta da minha mãe ou madrasta, não hoje ao menos. Eu nem estava mal de qualquer forma. Só estou incomodada com o que fiz, com raiva de mim mesma e confusa sobre aquilo, nada mais. Mas ouvir isso da minha melhor amiga, do nada, e num estado são foi totalmente diferente de quando eu a ouvia numa crise.
— Eu já superei a morte dela, só não superei, nem nunca vou superar, a causa.
— Foi trágico, eu sei. Um acidente nunca é fácil, mas não há o que você possa fazer...
— Não é por isso, Chou, você sabe bem.
— Ainda essa história de achar que sua madrasta tem alguma coisa a ver com o acidente? – Eu assenti. – Sana, a Sooyoung era amiga da sua mãe, seria cruel demais até para ela.
— Eu sei que a Sooyoung nunca maltratou a mim ou ao meu pai, então não posso assegurar que ela é má, mas eu via, e ainda vejo, como ela trata a memória da minha mãe.
— Como assim?
— Eu preferi, na época, acreditar que estava enganada, mas hoje eu tenho certeza... – Puxei o ar para falar sobre o assunto que para mim é delicado. – Um dia a peguei lendo um livro que foi da minha mãe. Tinha sido um presente do meu pai para ela... A Sooyoung lia com desdém, Tzuyu, até passava as páginas com brutalidade.
— Isso pode ter sido só impressão.
— Eu também achava isso, então deixei pra lá, mas um tempo depois vi um outro livro, igual ao que meu pai presenteou minha mãe, na mesa de cabeceira da minha madrasta.
— E o que tem de mais?
— Além dela fazer meu pai comprar um igual para ela, o que já acho bizarro, eu abri e vi a dedicatória na primeira página...
— O que dizia?
— Era exatamente a mesma dedicatória que meu pai havia escrito para minha mãe, mas mudando o destinatário. Mas a letra não era do meu pai... Ela mesma escreveu aquilo para si.
— Até aí eu acho apenas estranho, nada que diga que ela tem alguma coisa a ver com o acidente da sua mãe.
— O livro que era da minha mãe sumiu depois desse dia, Tzuyu. Aos poucos tudo que era da minha mãe foi sumindo, tal qual o livro. Só restou o que eu guardo dela, somente isso. Não tem fotos, não tem nada... Exceto as roupas.
— Isso é ótimo, não? – Disse esperançosa e tentando me animar.
— A Sooyoung usava essas roupas quando meu pai se casou com ela, cara... Hoje em dia não faz mais isso, a moda mudou, acho que ela encheu o saco. O lance é que ela parece querer tomar o lugar que foi da minha mãe e fazer parecer que ela nunca existiu, entende?
— Você já tinha me falado algo parecido, mas nunca tinha comentado sobre ela usar as roupas da sua mãe... Bizarro. – Disse desconfiada. – De toda forma, Sana-yah, isso só mostra que a Sooyoung é uma doida, nada mais. Ela pode sentir ciúmes do seu pai e fazer esse tipo de coisa estranha, mas não significa que ela provocaria a morte de alguém...
— Principalmente se esse alguém tiver sido seu amigo... – Ela me encarou. – Era isso que ia dizer, né? – Ela assentiu receosa. – Olha, não precisa acreditar em mim, nem me dar força, só não tenta tirar isso da minha cabeça, por favor.
— Sana...
— Todo mundo já esqueceu dela, até o meu pai quando cedeu às vontades da nova esposa... Eu não posso sumir com a memória dela também, não eu.
— Certo, desculpe. – Segurou minha mão novamente e fez um carinho de leve com os dedos. – Vamos pedir mais um milk-shake e falar só de coisas alegres?
— Por favor!
*
Pov Dahyun
03:27
O relógio marcava um horário que com certeza eu deveria estar dormindo e não ver, mas não era assim. Ninguém manda na própria mente, ninguém nunca conseguiu me endireitar e eu já desisti de tentar, por isso mais uma vez, mais uma madrugada, estou acordada e sem sono algum.
Eu nem fazia questão de dormir, nem ao menos me esforçava para capotar. Fazia qualquer coisa, menos fechar os olhos. Depois de ver um filme longo, peguei o celular e nele esqueci de tudo. Não vi o tempo passar, nem dei ouvidos ao que estava ao meu redor. Estava muito focada em nada, somente o fazia.
Rolava os dedos pela tela sempre encontrando algo novo, algo que prendia e me despertava. Foi assim até agora, até o momento em que, do nada, o tédio bateu e eu me senti elétrica, precisando fazer algo, qualquer coisa, agora. Nesse minuto, nesse instante.
Obedecendo à súbita energia que se apossou do meu corpo, visto roupas quentes, coloco perfume, pego os fones de ouvido e o celular e finalmente saio de casa.
Tenho a certeza de que ninguém me viu sair, nem os funcionários, e ligo a música diretamente em meus ouvidos depois de passar pela primeira esquina de distância de casa. A rua é calma, clara e fria. Está agradável, então me permito contagiar.
Não sei para onde ir, não sei o que fazer, apenas saí de casa para gastar a euforia que me consumiu aleatoriamente, então ando sem destino. É divertido.
Minha mente ainda é agitada e eu ainda estou confusa, mas nessas condições as coisas ficam um pouco mais claras. Eu caminho mais rápido, ouvindo a guitarra forte da música tomar conta dos meus tímpanos por completo, e aproveito.
"— Eu quero um beijo."
Sou atingida por uma memória recente completamente do nada e me espanto. Continuo a correr depois de uma mexida rápida na cabeça afim de dispersar os pensamentos incômodos literalmente.
"Sorriu maliciosamente e mordeu seu lábio inferior, movendo seu tronco para perto de mim. – Você quer?"
Meu estômago esfriou. Meu corpo inteiro parecia gelado, eu estava estranha. Mais estranha que mais cedo. Era tudo muito estranho. Eu sorri sem querer e quando notei fiquei séria novamente. Estava lutando contra minha própria mente e nem sabia dizer ao certo o motivo.
— PORRA! – Parei a corrida no meio da rua e exclamei em voz alta por não conseguir conter meus pensamentos.
Não funcionou.
*
Pov Sana
— Tzuyu, você é louca, cara! – Falei ao ver a garota, sentada ao meu lado, colocar a cabeça para fora da janela do carro. – Entra logo, porra!
— A Sana é tão certinha que enjoa, papo reto! – Momo disse com a fala embolada. – 'Tô contigo, Tzu! – A Hirai abaixou seu vidro, no banco atrás do meu, e colocou a cabeça para fora também.
— Se um caminhão passar e der uma de "Hereditário" em vocês, eu não me responsabilizo. – Falei e continuei observando a estrada, porque já que eu era a única sóbria do carro, estava dirigindo.
— Momoring, já chega, né? – Mina disse puxando a namorada para baixo. – Tzuyu, cadê sua namorada fantasma para te impedir de fazer essas besteiras, hein? – Riu e Tzuyu lançou apenas o dedo do meio para a japonesa menor.
— Cadê a Nayeon? Não estou ouvindo a voz dela e isso é estranho demais. – Falei e olhei no retrovisor, caçando a coreana, mas sem encontrá-la.
— Acho que a Jennie matou ela. – Tzuyu disse rindo feito criança. – Precisamos comprar um carro de sete lugares... Não dá para sairmos assim, tão apertadas.
— Eu não matei ninguém, porra! – Jennie diz depois de muito tempo. – A Im está dormindo, exatamente como eu achava que estava, mas era só uma distração de bêbado.
— Distração de bêbado? – Perguntei.
— É. Sabe quando estamos tão alcoolizados que do nada começamos a olhar para um ponto fixo e esquecer do mundo? – Eu assenti. – E ao mesmo tempo que pensamos em nada, pensamos na coisa mais foda do mundo? – Assenti novamente. – Isso é o que eu chamo de distração de bêbado.
— Você é tão didática para uma bêbada louca. – Tzuyu comentou. – Quero dormir que nem a Nayeon aaaaaaaa! – Disse arrastado demais.
— Então aproveite. – Falei rindo e freando o carro. – Chegamos no primeiro destino.
— Aqui é a casa da Nayeon? – Mina perguntou apertando os olhos. – Acho que preciso de óculos, não estou vendo nada...
— É porque você está olhando para o cabelo da Momo. – Falei negando com a cabeça e rindo fraco. – Galera, que cachaça foi essa?!
— Você não se juntou a nós por quê? – A Myoui perguntou.
— Só não estava no clima.
— E como essa bebedeira improvisada rolou mesmo? – Continuou.
— A Tzuyu disse que queria uma dose de vodka lá na sorveteria, mas o funcionário encarou ela de um jeito torto e a Chou ficou...
— FIQUEI PUTA! – Berrou. – Poxa, era só uma dose.
— Tzuyu, aquele lugar é familiar, principalmente frequentado por crianças... – Jennie disse entre risadas desengonçadas.
— Que seja! Não merecia receber aquele olhar julgador... – Fez um bico piedoso e eu apertei suas bochechas.
— Enfim, quem vai descer com a Nayeon e dormir com ela hoje? – Perguntei.
— Eu já tenho planos. – Momo disse e Mina concordou. – Vida de quem namorada é isso, meus amigos... – Sorriu satisfeita.
— A Jennie, desce com a Im e fica com ela. – A Chou disse dicidida.
— Ok, né... – Fez o que foi solicitada.
— Vai obedecer a uma bêbada? – Brinquei.
— Meu sono é grande demais para rebater ou para continuar nesse carro até chegar em casa... – Falou depois de acordar Nayeon e tirar ela do carro. – Valeu, falou.
As duas acenaram e seguiram para a porta da frente, eu só dei partida quando ambas entraram finalmente.
Segui viagem e o próximo destino era a casa da Hirai. Agora o silêncio era maior, Tzuyu tinha capotado de sono ao meu lado e as duas lá atras estavam quase do mesmo jeito. Aproveitei, então, para colocar uma música baixinha e curtir o clima da madrugada que tanto me agrada, mas que raramente o vejo.
Ao colocar uma canção, reparei que o relógio marcava 03:14 da manhã, fiquei assustada com o horário, mas rapidamente me acalmei ao lembrar que ainda é domingo.
— Estão entregues. – Falei ao parar na casa da japonesa mais velha. Saí depois que elas fecharam a porta de casa e segui viagem novamente.
Em menos de dez minutos tinha deixado todo mundo, parando nesse momento, em frente à casa da Chou.
— Ei, acorda. – Balancei o corpo da maior e ela apenas resmungou. – CARALHO, A JIHYO ESTÁ AQUI! – Berrei e assisti a mais nova abrir os olhos com pressa.
— Ah, você mentiu... – Reclamou. – Já chegamos, né?
— Sim e sim. – Sorri sapeca, mas ela nem viu. – Como vai ser?
— O que?
— Com o carro.
— Ah, pode ficar com ele, amanhã eu pego com você.
— Beleza. – Esperei ela sair do carro e vir até minha janela. – Dorme bem e qualquer coisa me liga.
— Você também. – Sorriu torto e depositou um beijo na minha sobrancelha, o qual era para ser em minha testa. – Obrigada por ter aceitado festejar mesmo sem beber.
— Não precisa agradecer por isso, eu gosto. – A vi se afastar e ir em direção a porta de sua casa. – Entra logo, pinguça.
Assim que fechei a boca, a garota acatou. Eu, ao notar, dei partida no carro mais uma vez e segui para minha casa.
A noite era bonita, um pouco fria, mas eu não me importava. O frio me deixava preguiçosa, mas era bom. Dirigi com a música no mesmo volume de antes, ouvindo mais o vento que entrava pelas janelas todas abertas, que a própria canção do rádio.
Não tem muita gente na rua e nem muitos veículos, a cidade não dorme, mas as pessoas se alocam nos lugares. As luzes são a prova disso, afinal ao andar por aí encontro vários letreiros de boates e restaurantes acesos.
Passo em frente a Double Nine, mesma boate de ontem, e me pego lembrando de tudo, em detalhes. Eu esqueci o que não ligava de esquecer, mas lembro o tempo todo do que eu queria jamais recordar. Se arrependimento matasse, eu já estaria enterrada...
— Porra, Sana! – Penso alto, reclamando comigo mesma. – Por que você fez isso, hein? Que saco!
Eu dirigia sem muita preocupação e, devido ao trânsito calmo e a hora da madrugada, também dirigia sem tanta atenção.
Infeliz decisão.
— PORRA! – Gritei ao frear bruscamente. – Está tudo bem? Eu te machuquei? – Perguntei ainda dentro do carro, mas com a cabeça para fora. Estava analisando a situação. Tinha alguém se levantando do chão bem na frente do meu carro. – Espera... – Pedi enquanto abria a porta e saía do veículo. – Está tudo bem com você? Desculpe-me...
A pessoa usava uma calça cargo perta, moletom preto e touca. Tinha cabelos longos e loiros e...
— Dahyun?! – Falei quando a menina virou o rosto para mim. – Porra, não olha por onde anda, não?
— Mano... – Resmungou baixinho e enrolou o fone de ouvido, o guardando no bolso em seguida. – Você me atropelou e está brigando comigo? É isso mesmo?
— Não te atropelei.
— E o que eu estava fazendo no chão AGORA HÁ POUCO? – Disse indignada. – E o que aconteceu com o pedido de desculpas e a preocupação com a pessoa que você quase matou? – Fez drama e não conteve o sorriso traquina, deixando-me mais irritada ainda.
— Vai se ferrar... – Revirei os olhos e virei as costas, indo em direção ao carro novamente.
— Qual foi? Vai fugir sem prestar socorro? – Reclamou birrenta.
— Você está bem, não está?
— Quem disse?
— Você parece bem.
— Obrigada, eu sei que sou absurdamente linda. – Estalou a língua e levantou as sobrancelhas, orgulhosa. – Mas isso não significa que esteja bem.
— Eu perguntei se estava, então prestei socorro. – Falei já pronta para entrar no carro.
— É, mas nem me deu tempo de responder. – Suspirou alto demais, parecia que fazia questão que eu ouvisse suas lamúrias. – Ai, ai! Que dor terrível! AAAAAAAAAAAAAAAAAAIIIIIII! – Falou alto e com um tom exagerado e estranho. – Eu vou chamar a polícia, ok, Minatozaki?
— O que você quer, garota? – Bufei irritada e olhei para a Kim que segurava os braços e tinha uma expressão fingida de dor.
— Está tarde... Estou cansada...
— Quer uma carona? – Pergunto séria.
— Ah, se você insiste, sim, quero. – Soltou os braços e desfez a expressão anterior, dando lugar a um sorriso sapeca. – Obrigada, japa.
— Mas... – Disse confusa e num tom baixo enquanto eu entrava no carro. – Insistir? – Me questionei num sussurro, mas logo deixei para lá. – Preciso que me diga onde é sua casa.
— Meu deus! Nem um jantar antes? – Colocou a mão no peito, fazendo drama. – Eu não sou uma qualquer, sua aproveitadora!
— Idiota... – Revirei os olhos e dei partida. – Não sei porque não te expulso desse carro agora mesmo.
— Porque você quase me matou e agora me deve isso.
— Eu não quase te matei e também não te devo nada!
— Ah... Deve, sim. – Falava com uma expressão extremamente irritante. Fazia um bico pequeno, tinha as sobrancelhas franzidas e ria de vez em quando. Extremamente. Irritante. – Já disse que ligo para polícia para te denunciar... Inclusive, você tem carteira?
— Cala a boca...
— E esse carro nem é seu.
— Como sabe? – A olhei intrigada.
— A placa é de Taiwan. – Revirou os olhos e me olhou como se eu fosse burra. – Achou que era uma doida que sabia de coisas aleatórias?
— Sim.
— EI! – Me repreendeu.
— Besta... – Falei rindo de leve e ela me acompanhou. – Vai me dizer onde é sua casa ou não? Estou andando em linha reta e nada...
— Não vou te dizer onde é minha casa, só queria te fazer gastar gasolina. – Sorriu feito criança atentada e eu cerrei os olhos lhe encarando como um adulto resmungão. – Gostasse?
— Você é muito criança, sabia? – Bufei. – Onde te deixo, então?
— Aqui está bom. – Apontou para um ponto de ônibus.
— Vai pegar um ônibus?
— Não, vou andando.
— Garota, você não sabe falar sério, não? Que saco, é sempre uma brincadeirinha! – Reclamei aborrecida e ela apenas me olhou confusa.
— Eu estou falando sério... Vou andando para casa... – Respondeu desconfiada. – Você é doida?
— O que? Não! – Disse nervosa e envergonhada. – Foi mal... É que eu estou... Sei lá...
— Estranha? – Perguntou quando eu parei o carro onde ela me pediu.
— Isso. Estranha. Estou me sentindo estranha.
— Eu também estou assim... – Disse desviando o olhar do meu mais uma vez. Ela mirava sempre abaixo dos meus olhos. – Desde... Você sabe o que, eu estou me sentindo desse jeito.
— Eu sei como é, estou assim também. – Falei timidamente.
— Queria fazer parar. Como faço parar, Sana? – Levantou a vista e me encarou com o olhar pidão e bobo. Eu respondi a sua pergunta negando com a cabeça e sorrindo depois de ver seu rosto. – Acho que vou pegar o ônibus.
— Não quer mesmo que eu te deixe em casa?
— Não. Vou de ônibus mesmo.
— Ok... Quer que eu espere ele passar? – Sugeri simpática e ela mudou de comportamento do nada.
— Não quero, sai fora. – Praticamente pulou do carro. – Eu estou estranha por isso, você é estranha e está me infectando, é isso!
— Deixa de ser doente, porra. – Falei sem filtros. – Fecha essa porta, quero ir logo para casa.
— Com prazer. – Empurrou a porta do carro com toda força, fazendo um barulhão. – Obrigada por quase me matar hoje.
— Já falei que isso não aconteceu, o carro nem triscou em você direito...
— Não falei do atropelamento, falei da sua conversa chata e torturante... – Sorriu traquina novamente e eu revirei os olhos em resposta. – Aquilo é quase uma morte, cara!
— Vai se ferrar, garota! – Falei dando partida no carro novamente. – Eu-
— Me odeia? – Sorriu largamente.
— Isso. Eu te odeio.
— Eu também te odeio, japa.
*
"E agora estou desejando seu beijo
Aposto que você poderia ler em meus lábios
Cachoeiras eu estou saltando"
Chapter 13: Avalancha.
Chapter Text
Avalancha – Héroes Del Silencio
"A loucura
Nunca teve um professor
Para nós que vamos navegar
Sem um rumo certo"
*
Pov Narrador
Segunda-feira, começo de semana e início de novas metas. Sana chega cedo na escola como de costume, senta em seu lugar de sempre e começa a revisar a matéria já que nenhuma de suas amigas chegou.
Era quase um vício da japonesa ser além de pontual, talvez ser "atrasada ao contrário"... Sempre chega bem antes do horário marcado e desfruta do tempo livre de maneiras diversas. Ora estudando, ora usando o celular, ora ouvindo música.
Somente dois alunos chegam tão cedo assim no colégio: Yuna, por morar nele e Sana, pelo seu jeito metódico de viver. Hoje, exceção, mais algumas pessoas se encontram na escola tão adiantadamente assim: Miyeon e Yuta. Não juntos, mas também não separados.
— E aí, Saninha. – O japonês fala ao entrar na sala de aula vazia e ver Sana lendo um livro. – Atrapalho? – Pergunta quando se senta na cadeira em frente a Sana.
— Oi, Yuta. – Responde fechando o livro. – Não está atrapalhando. O que foi?
— Nada... – Respondeu desconfiado. – Só quis te dar um oi.
— Desembucha logo. – Encarou fundo os olhos do rapaz e ele, em resposta, fez um leve charme desviando, mas retornou já fazendo menção a falar. – Você tão cedo na escola e comunicativo... Isso é estranho demais!
— Estou aqui tão cedo porque vim com uma garota. – Ele começou timidamente e sua amiga não escondeu o olhar arregalado e curioso, com uma dose de euforia também. – Você não conhece a menina, eu acho.
— Me diz quem é, então. – Falava enquanto dava várias batidas leves no braço do rapaz em sua frente.
— Não posso...
— Por que? – Não escondeu a decepção. – Não me diga que ela namora! – Deixou-se surpreender e empolgar-se sozinha. – Yuta, seu safado! Pegando casadas agora, é?
— Deixa de ser louca, Sana! – Repreendeu e riu sem jeito em seguida. – Não posso contar quem é porque ela me pediu isso, me fez jurar que não revelaria para ninguém.
— Por que esse mistério todo?
— Ela é tímida e tem pais muito conservadores, disse que eles não podem sonhar que ela está namorando na escola.
— Espera aí... NAMORANDO? – Ele assentiu. – JÁ ESTÃO NAMORANDO?! – Assentiu novamente. – Yuta, que bom! – Sorriu largamente e deu um beijo na mão do rapaz. – Não pode dizer quem é nem para mim?
— Não... Eu gostaria muito, mas não posso trair a confiança da M- – Interrompeu as próprias palavras e ficou nervoso instantaneamente. A japonesa o olhava fixamente com muita curiosidade. – Trair a confiança dela. – Corrigiu-se.
— Hm... – Cerrou os olhos e encarou o rapaz, o intimidando, depois afastou-se e riu. – Se não pode me contar quem é a azarada, então tudo bem, eu respeito. Mas só por enquanto, ouviu bem?
— Assim que ela permitir, você será a primeira a saber, Sana-chan! – Nakamoto sorriu envergonhado. – Somos melhores amigos, afinal. Com certeza ela deixará eu te contar logo.
— Espero muito por isso. – Sorriu um sorriso de finalização. Não tinha mais o que dizer e nem assunto a puxar, Sana até já estava pronta para pegar o livro de antes e retomar a leitura, mas Yuta tinha outros planos.
— Sana-chan, e você? – Perguntou cuidadoso depois de alguns segundos em silêncio. A Minatozaki o encarou confusa. – Está saindo com alguém? – Agora o garoto sorria mais que o normal e hesitava a cada palavra. Era evidente seu nervosismo, mas Sana não deu atenção por não pensar em uma razão para o rapaz sentir tal coisa.
— Não. – Respondeu curtamente. – Sabe que não pretendo namorar enquanto estiver na escola... Meus planos são outros.
— Eu sei... Estudar, se formar, ganhar o mundo e só aí se envolver, certo?
— Exatamente.
— Pensei que estava vendo alguém... – Retomou a pose nervosa e receosa. Sana continuava confusa. – Você me contaria se fosse o caso, né? – Seus olhos encaravam a menor com tristeza e dúvida, mas para a garota era só tudo muito esquisito.
— Claro, cara, somos amigos. Melhores amigos. – A japonesa respondeu com um sorriso casto nos lábios, o qual o rapaz não retribuiu. – Aconteceu alguma coisa, Yuta?
— Não, nada. Só perguntei por perguntar. – Levantou-se com pressa. – Eu... Eu volto depois. – Disse nervosamente, já indo até a saída.
— Vai encontrar com a garota misteriosa, né? – Brincou, mas não obteve resposta do Nakamoto fora um sorriso forçado.
O rapaz cruzou a porta com certa pressa e seguiu para o lugar combinado com Miyeon, a biblioteca, que a essa hora da manhã está completamente vazia e sossegada, além de ser distante de tudo. Yuta entra no local, procura pela namorada, mas não a encontra, então senta-se numa cadeira afastada e espera.
O atraso da Cho tem um motivo, um motivo com nome e sobrenome: Shin Yuna. As duas conversavam desde mais cedo no quarto da mais nova sobre tudo que conseguiram fazer até aqui e o que ainda irão fazer.
— Tirou fotos? – Yuna pergunta empolgada.
— Não deu, o banheiro era fechado e eu estava do lado de fora. – Miyeon respondeu fingindo seriedade.
— Droga, Miyeon! – Exclamou irritada. – Não serviu de nada, então. DE NADA! – Encarou a mais velha e se aborreceu com o sorriso, quase risada, que a outra estampava. – Do que está rindo? Engole esse sorriso, antes que você se arrependa! – Berrou, mas a Cho não acatou.
— Calma, Yuna-ssi. – Disse orgulhosa e tirando algo do bolso. – Lembra-se da câmera que me deu outro dia?
— A que você deveria ter usado para filmar a Kim fazendo alguma peripécia? – Perguntou retoricamente. – Sim, lembro. O que tem?
— Ela é pequena, fácil de esconder... – Mostrou o objeto e sorriu vitoriosa. – Eu escondi no banheiro pouco antes de trancar a Minatozaki e a Kim dentro.
— NÃO BRINCA! – Abriu um largo e feliz sorriso ao ouvir tais palavras e capturou o objeto da mão da coreana mais velha com uma velocidade absurda. – O que vou encontrar aqui? – Referiu-se a filmagem.
— O que você imaginava... – Yuna não disfarçava a felicidade em estar certa e em conseguir algo que tanto queria. – As duas se pegaram fortemente por uns minutinhos apenas, mas acho que é o suficiente.
— É mais que suficiente! – Disse alto. – Finalmente um trabalho bem feito, Miyeon, parabéns!
— O que vai fazer com o vídeo? – Ignorou o desdém da outra. – Digo, os pais de ambas aceitam a sexualidade das filhas e seu tio não tem restrições quanto a isso... Como vai conseguir ferrar elas com um vídeo?
— Aquelas duas estão pouco se fodendo se os pais aprovam ou se o diretor aprova, isso não faria diferença nem se ambos fossem contra essa pegação... – Começou de forma incisiva. – Eu sabia que as duas estavam se querendo desde o dia que as tranquei naquele quartinho em Busan, então adiantei as coisas.
— Isso me parece mais uma gentileza, Yuna.
— Pode até ser, mas só por enquanto. – Catou o notebook, ligou e plugou o cartão de memória no eletrônico. – Elas se odeiam, mas se querem. Têm uma rincha cravada na escola, os dois grupos odeiam uns aos outros... Acha mesmo que não tenho arma nenhuma contra a Dahyun e a Sana?
— Vai usar esse vídeo para chantageá-las?
— Por pouco tempo, mas vou. – Riu. – Preciso me divertir um pouquinho, afinal. Mas vou divulgar logo. Elas vão morrer de vergonha e a vegonha delas me faz bem.
— Por que? Achei que queria só expulsá-las daqui.
— Isso é só o prato principal, antes tem o aperitivo... – Fingiu estar faminta e logo deu play no vídeo. – Em que minuto começa a nojeira daquelas duas?
— Não sei, não chequei.
— E como sabe que deu certo? – Começou a ficar rude novamente.
— Sabendo, ué. – Deu de ombros. – Eu coloquei a câmera, apertei para filmar e depois parei de gravar. O arquivo tem quase uma hora, que é praticamente o tempo que elas ficaram trancafiadas, então deduzi que funcionou. – Falava sem preocupação e não obtinha resposta de Yuna.
A Shin mexia no computador com pressa e nervosismo, avançava o vídeo com muita expectativa e sempre que achava ser o momento certo, decepcionava-se, pois nada de mais era mostrado.
Continuou a assistir rapidamente e, quando estava perto do fim, ouviu o diálogo torto das duas. Não entendia muita coisa, afinal o microfone era ruim e a acústica de um banheiro também, mas compreendeu a palavra "beijo", já preparando-se animadamente para o que iria ver.
— É agora! – Yuna disse roçando as mãos uma na outra, como um vilão de desenhos animados. – Eu acho... – Parou o ato e começou a pular o vídeo para tentar enxergar algo, mas sem resultado. – Miyeon, só tem essa filmagem?
— Sim, só essa. – Sorria satisfeita a espera de elogios pelo trabalho bem sucedido, mas recebeu apenas uma encarada séria e intimidante da maior. – O que houve, Yuna? Não gostou do que viu?
— Se eu tivesse visto algo, com certeza adoraria. – Respondeu rangendo os dentes e se levantando da cama, depois começou a se aproximar lentamente de Miyeon, que caminhava para trás na mesma velocidade. – CADÊ A PORRA DAQUELAS DUAS NA GRAVAÇÃO?
— Estão lá, ué. – Disse desviando do olhar raivoso da mais nova ao passo que ficava cada vez mais encurralada no quarto. – Não está?
— NÃO! – Berrou bem no rosto da loira. – NÃO TEM NADA!
— Como assim não? Eu fiz tudo certinho, Yuna, eu juro! – Dizia com um temor evidente.
— Teria algo, mas você posicionou a câmera num local sem um bom campo de visão. – Apontou para a tela do laptop. – OLHA! – Mexeu na cabeça da mais velha com raiva, a forçando fazer o que queria. – NÃO FILMOU PORRA NENHUMA, ELAS ESTÃO FORA DO ENQUADRAMENTO!
— Yuna, meu Deus... – Respondeu com a voz trêmula. – Desculpe-me eu... Eu não tinha ideia, juro...
— Sai da minha frente. – Falou num tom moderado depois de virar-se de costas. – SAI!
— Já vou, desculpe-me mais uma vez. – Disse abrindo a porta.
*
Miyeon caminhou com pressa até a biblioteca para encontrar o namorado, corria contra o tempo, afinal em poucos minutos o sinal tocaria e as aulas começariam por hoje.
— Oi... – Ela disse sentando-se ao lado do japonês. – Está aqui há muito tempo? – Lançou um sorriso inocente e o rapaz, que estava impaciente pela demora, derreteu ao observar a ação.
— Não, cheguei há pouco. – Mentiu e retribuiu o sorriso gentil. – Eu... Eu chequei o que você disse.
— Está falando da Sana? – Assentiu. – Questionou a Sana sobre aquilo que te contei?
— Sim.
— E aí?! – Agora não era fingimento, Miyeon realmente estampava um sorriso genuíno de satisfação e alívio, mas teve de finalizar o mesmo quando percebeu o tom triste na voz do namorado. – O que houve?
— Você estava certa, ela mentiu para mim. – Disse olhando o chão e Miyeon permitiu-se sorrir mais um pouco sem que o rapaz visse e suspeitasse de algo. – Ela mentiu sobre estar com alguém logo depois de ter quase exigido saber sobre você.
— Eu te falei que a Minatozaki não é sua amiga de verdade, não falei? – Ele balançou positivamente a cabeça e a Cho puxou a mesma para debaixo da sua, abraçando o garoto suavemente. – Eu vi ela com a Dahyun, Yuta, elas estão saindo com certeza.
— Eu acredito em você, amor.
— Obrigada por isso, benzinho. – Revirou os olhos, sem deixar o maior notar, e forçou a voz para algo aveludado e carinhoso. Ela tinha em mente que precisava continuar com o papel de mocinha apaixonada e preocupada com o namorado. – Agora vai fazer o que te pedi?
— Vou, Miyeon. – Soltou-se do abraço da parceira e a encarou nos olhos fixamente. – Eu vou te ajudar com a expulsão.
— Obrigada, lindinho. – Deu um selinho breve no rapaz e o puxou para a mesma posição de antes. – Sabe, eu só faço isso porque a Yuna disse que contaria aos meus pais sobre nosso namoro... Eu arrisco tudo pela gente, Yuta. Você faz o mesmo, certo?
— Com certeza.
*
Pov Dahyun
Com pressa saio de casa, pois mais uma vez acordei atrasada. Corro pelas ruas sem vergonha alguma para chegar à escola e ter mais um dia de aula chato e torturante.
Combinei com Jeongyeon, Jihyo e Chaeyoung que faria a partir de hoje o que acertamos dias atrás, então cá estou eu, suada, com calor e cansada adentrando o colégio para começar o plano.
— Bom dia, professora. – Falo quando encontro Tiffany entrando na sala um pouco antes de mim. – Desculpe o atraso.
— Tudo bem, Dahyun. – Ela sorri gentilmente e aponta para meu assento. – Sente-se logo que a aula já vai começar.
— Por que a pressa, Sra. Young? – Nayeon questiona. – Alguma novidade hoje?
— Como adivinhou, Im? – A mais velha diz com uma animação evidente. – Hoje não vamos resolver questões, nem ouvir músicas e nem treinar o inglês na fala... Pelo menos não hoje...
— AULA VAGAAA! – Momo berra e todos riem, incluindo a professora.
— Nada disso, Hirai. – Young continua. – Não teremos folga, mas também não teremos uma aula comum.
— Chega de suspense, né? – Chaeyoung diz animadamente. – Mete bronca, Tiffany, passa a tarefa sem medo de ser feliz!
— Obrigada, Son. – Ela ri da menor e continua. – Vamos fazer um trabalho de inglês. – A reação de todos, até a minha, é de cansado e decepção. – O que é isso?! Achei que eu fosse a professora mais querida dessa turma... – Fez drama.
— Não é nada pessoal, tia. – Jeongyeon disse. – É que o fim de semana mal acabou, sabe? Ainda estamos de... De ressaca!
— Vocês bebem, por acaso?! – Ela perguntou espantada e recebeu um falso "não" em coro. – Eu vou fingir que acredito nas palavras de vocês...
— Que trabalho é esse? – Jennie pergunta entusiasmada. Ela é a melhor aluna dessa matéria, a única matéria que Sana não é a primeira sempre.
— Vocês irão formar duplas e apresentar algum diálogo teatral em inglês aqui na frente. – De novo as reações foram eufóricas e insatisfeitas. – Acalmem-se! Vale ponto na média e vocês mesmos escolherão as duplas, só há uma regra.
— Qual? – Jennie perguntou novamente.
— Eu vou chamar o nome de alguém e esse alguém escolhe sua dupla. Não pode mudar, tem que acontecer desse jeitinho. – Ela catou a lista de chamada e analisou os nomes em silêncio.
— Mas aí é injusto! – Seungsik começou. – Quem vier primeiro na lista, escolhe sua dupla de boa, mas quem estiver mais ao final da chamada não escolhe nada... – As reações foram alvoroçadas e a professora decidiu mudar o discurso.
— Ok, ok... Eu chamo o nome e pergunto qual a dupla, se a outra pessoa concordar, está formada. Todos de acordo? – Um "sim" em conjunto foi ouvido. – Certo... Vocês têm três dias para analisar ou adaptar o diálogo, decorá-lo e apresentá-lo aqui na frente.
— Pode ser qualquer um? – Tzuyu perguntou.
— Eu vou sortear os diálogos assim que formar as duplas. – Finalizou.
— Se liga, Dubu. – Chaeyoung sussurrou para mim e eu apenas assenti.
— O destino gosta mesmo da gente. – Jeongyeon comentou e eu não entendi, mas também não dei importância.
— Já sabe. – Jihyo disse depois de uma cutucada nada delicada em meu braço. Só aí, então, eu entendi o que elas estavam tentando me dizer.
Fiquei estática, visivelmente nervosa e receosa, já que eu iria fazer algo que normalmente não faria. Encarava Tiffany chamar os primeiros nomes e anotá-los no quadro com muita cautela, mas minha mente não era calma como o resto do ambiente.
Senti mais um cutucão em meu braço e deduzi ser Jihyo novamente, mas não chequei. Com isso, despertei-me do transe e forcei meu corpo e mente a se desprenderem da timidez e medo também.
— EU QUERO DUPLA COM A SANA! – Falei alto sem querer numa sala completamente em silêncio. Todos os olhares pousaram em mim depressa e ao mesmo tempo meu rosto ficou vermelho e quente. Foi uma situação embaraçosa e constrangedora, eu quis sumir ou voltar no tempo para nunca ter feito tal coisa, mas era impossível. – Por favor... – Concluí num tom baixinho e mirando o chão em seguida.
Eu não vi, mas tenho certeza que além de olhares curiosos e assustados pelo meu berro, também recebia encaradas desconfiadas. Ainda arrisco dizer os principais donos das encaradas: Sana e seu grupo.
— Ok, Dahyun, mas espere chegar na sua vez para me dizer a dupla. – Tiffany respondeu e continuou seus afazeres.
Vi minha amiga Park bater a mão na testa em desgosto, notei Chaeyoung rir baixinho e observei Jeongyeon negar forte com a cabeça. Ainda mirei nos Kang e eles apenas tinham o cenho franzido em confusão.
Não recebi cutucão dessa vez, agi por conta própria levantando da cadeira e indo em direção ao assento de Sana. Curvei-me e sussurrei em seu ouvido um pedido para que aceitasse ser minha dupla. Não expliquei e não insisti, saí dali assim que terminei a frase e ao passo que caminhava de volta para minha carteira, sentia queimar sobre mim mais olhares desconfiados.
*
Pov Sana
— O que ela quer fazendo dupla com você, mano? – Tzuyu perguntou curiosa. – Que menina doida. – Riu de leve.
— Sana, não aceita. – Mina disse seriamente. – Com certeza isso é mais um plano besta daquele grupo, fica longe.
— Não sou de concordar com esse lance, mas dessa vez eu concordo. – Momo disse. – Sei lá, muito nada a ver ela fazer um negócio assim. – Deu de ombros despreocupada e logo respondeu para a professora que havia chamado seu nome.
— Daqui duas pessoas é o nome dela. – Mina continuava. – Vai negar, certo?
— Não sei, Minari, não ligo para ela e quero uma boa nota... Idiota ou não, a Kim é inteligente e eu quero sempre me sair bem, então... – Falei sem jeito.
— Sana-yah, essa garota te fez perder as últimas apresentações do time. – Nayeon comentou. – Agora vai colaborar com ela?
— Gente, é só falar umas coisas lá na frente... – Jennie começou. – O que a Dahyun faria com a Sana numa situação assim? Vocês estão ficando paranoicas.
— Obrigada. – Falo.
— Chega de discussão, vamos ver a resposta da Minatozaki. – Tzuyu interrompe.
— Kim Dahyun, sua dupla ainda é a Sana? – A Sra. Young pergunta.
— Sim. – A Kim responde.
— Minatozaki Sana, você está de acordo?
— Estou. – Respondo e já percebo as expressões desgostosas de Mina e Nayeon. – Gente, relaxem... – Falo olhando para elas.
— O que ela sussurrou no seu ouvido, hein? – Tzuyu pergunta baixinho. – Não foi nenhuma ameaça não, né?
— Claro que não! – Respondo rindo. – Só pediu que eu aceitasse ser sua dupla.
*
— Ok, somente dois diálogos restam... – Tiffany começou. – E somente duas duplas também. Nayeon e Jennie, Sana e Dahyun, certo? – Nós assentimos. – Vamos lá. – Colocou a mão esquerda no potinho dos diálogos e a mão direita no potinho com os nomes das duplas. – Dupla: Nayeon e Jennie. – Suspirei aliviada, mas o nervosismo voltou em seguida. – A apresentação será o segundo ato, cena um, de "Noite de Reis".
Elas sorriam satisfeitas com o papel, afinal a obra é uma comédia e cai bem demais com a personalidade das duas. Eu queria algo de Shakespeare, já que amo sua literatura, mas perco as esperanças ao ouvir que uma peça dele foi destinada a outra dupla.
— Vocês não sabem o que tem aqui, mas eu, que separei tudo, posso dar um dicazinha... – Tiffany brincou fazendo suspense. – É a peça mais famosa do mais famoso escritor inglês.
Senti meu corpo ficar feliz de novo. Shakespeare apareceria mais uma vez e viria para mim. A única coisa que não me atentei é que...
— Sem mais enrolações. – Ela pegou os dois papeis e abriu praticamente ao mesmo tempo. – Dupla: Dahyun e Sana; Peça: Romeu e Julieta ato dois, cena dois.
A única coisa que não me atentei é que eu encenaria aquilo com Dahyun na frente de todos, o que já seria ruim com uma peça normal, pior então com uma romântica.
A professora se despediu e saiu da sala após nomear o que minha dupla faria, eu, ao notar que Tifanny cruzou a porta, levantei-me da cadeira e fui em direção a Dahyun:
— Espero que tenha me escolhido para fazer um trabalho bom. – Digo ao chegar perto dela. – Aliás, por que quis fazer comigo?
— Porque sim. – Respondeu sem vontade. – E relaxa, o trabalho não é complexo, não precisa pegar no meu pé. Além disso, minhas notas são ótimas, não precisa ficar receosa comigo no dia.
— Como assim "no dia"?
— Ué, daqui três dias é a outra aula da Young. Estou dizendo que não precisa ficar receosa comigo na hora da apresentação que é daqui 3 dias.
— Está querendo dizer que só vamos nos ver na hora de encenar?
— Sim...?
— Está louca?! – Falo alto e ela se espanta. – Eu amo literatura e inglês não é o meu forte, então esse é um trabalho perfeito para mim e eu aceitei fazer com você conforme me pediu... – Ela me encarava sem expressão alguma. – Não me irrite, Kim Dahyun.
— Você pode ficar pior que agora? – Riu sozinha. – Olha, você se irritou sozinha, não fiz nada...
— Esse é o problema! – Franziu o cenho em confusão. – Ai... – Arfei já estressada. – Nós vamos ensaiar desde hoje, entendeu?
— Mandona. – Reclamou baixinho, mas eu ouvi.
— Como é?
— Te chamei de mandona. – Disse alto. – Por que? – Levantou-se e me encarou, ficando bem perto de mim. – Algum problema?
— Você não me dá medo, Kim. – Falei depois de revirar os olhos. – Essa pose de valentona de série americana não cola comigo, beleza? – Afastei seu corpo de perto de mim com a ponta dos dedos. – Agora responde: onde vamos fazer o trabalho?
— Na sua casa, na minha não rola. – Disse calmamente e sentou em seguida. – Meus pais nunca estão em casa e não quero curtir meu momento "forever alone" com você.
— Na minha casa também não rola. – Falei. – Minha madrasta está sempre lá e... Enfim, ela é um saco.
— Uiii! – Brincou. – Agora me deu uma vontade louca de conhecer a sua madrasta, sabia? Sinto que seríamos ótimas amigas.
— Por que?
— Temos muitas coisas em comum... Ela não gosta de você, eu também não... – Riu sapeca e eu desdenhei.
— Verdade, têm mesmo muitas coisas em comum. – Entrei na pilha.
— O que?
— As duas são filhas da puta. – Sorri orgulhosa e ela ficou séria e sem resposta.
— Ok, na minha casa.
— Vai me dizer onde fica?
— Não. Eu te busco.
— Qual foi, hein? Qual a diferença?
— A diferença é que não quero que saiba meu endereço.
— Mas eu vou até sua casa, verei o caminho. Vou ficar sabendo onde é do mesmo jeito.
— Vai nada. – Respondeu convicta e eu quis refutar, mas não pude. Ela virou o rosto para frente, me ignorando, e em seguida o professor da vez entrou. Eu tive de ir para meu assento.
*
"A Lua exerce estranhas influências
Que se contradizem, e não há quem as decifre"
Chapter 14: Kiss It Off Me.
Chapter Text
Kiss It Off Me – Cigarettes After Sex
"Vi você no lado da estrada
Pude ver que você estava andando devagar, bebendo uma vitamina
Em um boné de beisebol pêssego, caindo no meu colo
Você estava com tanta sede"
*
Pov Dahyun
— Boa, Dubu! Já começou a dar andamento ao plano direitinho. – Chaeyoung disse quando me sentei ao seu lado no refeitório. – Já trocaram números de telefone? Começaram a mandar mensagens? – Fez uma expressão brincalhona, mas que só me deu agonia ao imaginar.
— Credo, não. – Respondi. – Nós vamos nos encontrar mais tarde lá em casa para ensaiar o diálogo de inglês.
— Tudo isso de antecedência? – Jeongyeon começou. – Aposto que foi a doida da Sana que propôs isso.
— Sendo ou não, é melhor assim. – Jihyo disse disfarçadamente, pois avistou que os Kang já se aproximavam. – Quanto antes você se aproximar da Sana, mais rápido vai conseguir convencer o pai dela a ficar do nosso lado contra a Yuna.
— Hey! – Seulgi falou quando chegou perto de nós. – Qual o motivo dessas caras sérias? – Encarou a mim e a Jihyo. – Aconteceu algo?
— Posso chutar... – Seungsik começou depois de roubar uma maçã da minha bandeja. – A Jihyo brigou com a Dubu porque essa anã louca quer fazer mais uma gracinha. – Ele riu e as outras também, com exceção apenas de mim e Park. – Errei? É algo mais sério? – O rapaz adotou uma postura sem brincadeiras e sentou rapidamente. – Gente, vocês estão me assustando.
— É isso mesmo. – Jihyo começou antes que eu tivesse reação. – Ela queria mais uma pegadinha, mas eu impedi.
— E por quê? – Seulgi questionou. – Faz tempo que não fazemos nada... Acho que deveríamos brincar para comemorar que a semana de suspensão da Kim acabou. – Os rostos sapecas dos meus amigos eram todos iguais. – O que tinha em mente, Dahyun?
— Nada. Eu... – Falei pausadamente devido a dificuldade em arrumar uma mentira. – Acho que vou parar com esse lance de pegadinha.
— Como é?! – Ouvi aquilo em coro.
— Por agora, é claro. – Voltei atrás, forçando um sorriso e notei seus rostos se acalmarem. – Vamos mudar de assunto...
— Também acho. – Seungsik disse malandramente. – O que foi aquilo na aula, senhorita Kim? – Cerrou os olhos me encarando. – Qual a sua com a Sana?
— Ah... – Seulgi interrompeu. – Já sei! – Eu enrijeci e notei as outras ficarem do mesmo jeito. A diferença é meu medo não é só pelo plano, mas sim pelo segredo que guardo desde o dia da festa. – Fez dupla com a Minatozaki para aprontar alguma com ela, certo?
— O que?! – Deixei transparecer que estava surpresa.
— E a Jihyo te impediu... – O outro Kang completou. – Poxa, Park... Eu adoraria ver a próxima peripécia da Kim. – Brincou.
*
Pov Sana
— Vai sair? – Ouvi Sooyoung perguntar quando já estava com a mão na maçaneta.
— Sim, vou fazer um trabalho.
— Onde?
— Na casa de uma... – Interrompi minhas próprias palavras quando encarei a mulher. Petrifiquei por alguns poucos segundos ao notar o colar dourado que ela exibia em seu pescoço nu. Ele era familiar demais aos meus olhos, familiar a essa casa, familiar, principalmente, ao meu quarto. Reconheci o objeto por ter pertencido a minha mãe e por ser uma das únicas coisas dela que ainda ocupam essa casa. E só ocupam, claro, porque eu guardo. Aquele objeto estava no meu quarto, nas minhas coisas. – Na casa de uma amiga, você não conhece.
Não dei tempo de ouvir uma resposta sua, apenas passei pela porta alvoraçada. Pensei sobre a joia até o momento em que um carro parou em minha frente. Era Dahyun dirigindo, com uma cara de sono e com as mesmas roupas de sempre.
Ela me cumprimentou brevemente e deu partida no automóvel quando eu fechei a porta após entrar. Não trocamos mais palavras. Eu estava ocupada demais pensando em Sooyoung e a Kim, com certeza, não fazia questão de papo.
Seguimos no quase absoluto silêncio, exceto pela música de rock que Dahyun insistia em ouvir num volume acima do moderado. Pouco minutos depois, percebo o carro estacionar e a porta da casa da garota se abrir. A Kim estava certa: eu realmente não reparei no caminho de sua casa.
— Meu quarto é lá em cima, vamos. – Ela falou e rapidamente subiu as escadas de dois em dois degraus. – Pode entrar. – Disse com a mão na porta. Quando passei, ouvi o barulho da mesma se fechar. – Como vamos fazer isso?
— Decorou seu texto?
— Não tudo, é muito grande, afinal. – Deu de ombros e sentou-se na cama em seguida. – Você decorou?
— Eu já sabia antes mesmo desse trabalho. – Me gabei e ela sorriu cínica com a cena. – Podemos começar?
— Claro. – Levantou-se, afastou alguns móveis e se pôs em minha frente, mas um tanto afastada de mim. – "Oh, falou! Fala de novo, anjo brilhante, porque és tão glorioso para esta noite"... – Interrompeu as próprias palavras e me olhou com o cenho franzido e com expressão de incômodo. – Esse texto é uma droga!
— Não é, vamos continuar. – Falei calmamente e ela franziu mais ainda o cenho, aproximando-se de mim. – O que foi?
— Eu que pergunto! – Ela diz já mais próxima. – Você está bem? Falei mal do trabalho e de uma obra que você claramente gosta...
— Eu ouvi. E então?
— Não vai retrucar, me xingar ou sei lá?
— Não.
— O que rolou, japa? – Tomou o texto da minha mão e olhou para mim com um olhar cuidadoso. – Você está bem?
— Não, mas não quero falar sobre isso. Vamos fazer o trabalho. – Peguei os papeis de volta.
— Não vai rolar com você desse jeito. – Ela começou receosa e eu não entendi. – Se quer fazer direito, então imagino que as duas partes precisam... Precisam estar em harmonia.
— Eu e você nunca vamos estar em harmonia.
— Sei disso, mas agora é pior que o normal. Concorda? – Assenti. – Vem aqui. – Afastou-se e deu leves batidas em sua cama, eu fiz o que fui solicitada e sentei-me ao seu lado. – Não precisa me dizer o que aconteceu, mas vamos tentar fazer esse estresse sumir por um tempo, hm?
— Como?
— Eu aprendi algo uma vez que acho que vai ser útil agora. – Ela respirou fundo, ficou de frente para mim e tocou na minha testa, deslizando a mão sobre ela. – Fecha os olhos. – Passou a mão pelos mesmos me forçando a acatar. – Não preciso saber como foi que o seu problema aconteceu e nem com quem, mas se quiser dizer, eu ouço.
— Não quero.
— Tudo bem... – Falava mansamente com as mãos sobre meus olhos fechados. – Imagina um mundo perfeito, ok? O seu mundo perfeito, onde o que aconteceu e te deixou mal, jamais aconteceria lá. – Fiquei surpresa ao ouvir aquilo e logo tratei de imaginar. – Está imaginando? – Assenti. – Quer me dizer como é esse mundo?
— Ele é... – Hesitei. – Ele é colorido como o atual, mas tem um cheiro mais agradável.
— Posso imaginar, Seul tem muitos carros, o cheiro de fumaça é constante. – Brincou e eu ri com ela. – Está gostando desse mundo?
— Estou. – Sorri ao imaginar mais. – Nele, minha mente é mais sossegada, calma... Não sei se você entende isso, mas só da minha cabeça desacelerar, já é um cenário perfeito.
— Pode crer que eu entendo demais o que está dizendo. – Soltou um arzinho pelo nariz e em seguida retirou a mão dos meus olhos. – Pode abri-los, se quiser. – Assim o fiz. – O que te impede de fazer desse mundo que vivemos o mundo perfeito?
— Uma pessoa que está nele.
— O que fez com ela enquanto imaginava o paraíso?
— Nada. Ela só não estava lá.
— Não pode fazer o mesmo no mundo real? – Denunciei que não entendi. – Não pode fingir que ela não existe?
— Não é tão simples.
— Tudo é simples, se a gente simplificar. – Ela sorriu após umedecer os lábios, endireitou a coluna e encarou meus olhos profundamente. Foi a primeira vez que fez tal coisa. – Essa pessoa vai continuar na sua vida, nesse mundo, não tem como controlar isso, mas você pode criar uma proteção.
— Como assim?
— Só você vai saber como.
Ouvi aquilo e senti um estalo em minha cabeça. Parecia que uma luz havia acendido e agora eu enxergava tudo, pelo menos por enquanto, de forma racional. Foi diferente. Eu falei sobre meu problema sem falar dele diretamente. Foi... Bom.
Como justamente Kim Dahyun conseguiu arrancar isso de mim? Como ela sabe dessas coisas?
— Vamos ensaiar. – Disse depois de um tempo em silêncio, logo me levantando e puxando Dahyun pelo pulso. – "Ai de mim!"
— Acho que nossas falas estão muito grandes... – Disse sem seguir com o combinado. – A professora falou que podíamos enfeitar ou reestruturar, não falou? – Assenti. – Vamos fazer isso.
— Cortar tudo agora? Agora que já estou aqui para ensaiar? – Perguntei indignada e notei seus olhos revirarem.
— Que saudade da Sana quieta de agora há pouco... – Arfou. – Vamos improvisar os cortes, depois do primeiro ensaio, veremos se ficou bom. – Encarei-a com rigidez, mas ao analisar seus olhos atentos, desisti.
— Ok... – Puxei o ar, olhei para o texto e continuei. – "Ai de mim!"
— "Oh, falou! Fala de novo, anjo brilhante!" – Finalizou serena.
— Esse é o corte? – Ela assentiu despretenciosa. – Cortou mais da metade da fala, Dahyun! – Reclamei.
— Sana, depois a gente organiza, lembra?
— Ok... – Arfei aborrecida. – "Romeu, Romeu! Ah! Por que és tu Romeu? Renega o pai, despoja-te do nome; ou então, se não quiseres, jura ao menos que amor me tens. – Suspirei. – Hm... – Interrompi minhas falas. – Gostei disso.
— De cortar as falas?
— É. – Ela sorriu vitoriosa assim que fechei a boca. – Mas, muita calma, Kim Dahyun. – Seu sorriso morreu e deu lugar a um grunhido de reclamação. – Se vamos falar menos, precisamos agir mais.
— Como assim?
— Esse ato é praticamente inteiro distante, precisamos mudar isso. – Notei sua atenção sem desdém e prossegui. – Vamos fazer com que Romeu vá até Julieta mais depressa, ok?
— Como?
— No improviso, Dahyun... – Lancei um sorriso debochado e vitorioso. – "Ai de mim!"
— "Oh, falou! Fala de novo, anjo brilhante!"
— "Romeu, Romeu! Ah! Por que és tu Romeu? Renega o pai, despoja-te do nome; ou então, se não quiseres, jura ao menos que amor me tens." – Digo atuando da melhor forma possível. Dahyun faz conforme o roteiro e finge pensar no que fazer, tal qual Romeu. – "Meu inimigo é apenas o teu nome. [...] Que há num simples nome? O que chamamos rosa, sob uma outra designação, teria igual perfume. Assim Romeu, se não tivesse o nome de Romeu, conservara a tão preciosa perfeição que dele é sem esse título". – Cheguei perto de Dahyun, que não recuou nem por um segundo e encarei seu rosto agora tímido. – "Romeu, risca teu nome, e, em troca dele, que não é parte alguma de ti mesmo, fica comigo inteira." – Continuei a olhando profundamente a espera de sua fala, mas nada saía de sua boca. – Dahyun, sua fala.
— Ah, verdade... – Desviou dos meus olhos e encarou o papel. – "Sim, aceito tua palavra. Dá-me o nome apenas de amor, que ficarei rebatizado. De agora em diante não serei Romeu".
— "[...] Dize-me como entraste e porque vieste. Muito alto é o muro do jardim, difícil de escalar"
— "Do amor as lestes asas me fizeram transvoar o muro". – Ela disse sem desviar os olhos de mim e eu, preparei-me para responder sua fala depois de umedecer os lábios.
— "No caso de seres visto, poderão matar-te". – Encarei Dahyun conforme o roteiro pedia. Fiz o que tinha que fazer, nada além. E aproveitei ao máximo também.
— "Ai! Em teus olhos há maior perigo do que em vinte punhais de teus parentes. Olha-me com doçura, e é quanto basta para deixar-me à prova do ódio deles". – Ela parecia um robô dizendo tudo aquilo. Antes estava despojada, segura, mas agora encenando, ela parece tímida e receosa.
Parecia que Dahyun tinha medo de mim, da minha presença e da nossa proximidade. Ignorei, todavia, tudo isso. Aproximei-me mais ainda do corpo da coreana, conforme o roteiro pedia. Não o roteiro de Shakespeare, mas sim 'o de Sana'.
Era minha vez de dizer a fala, mas nada disse. Era minha vez de ficar nervosa e tal qual um robô. De repente, como se eu tivesse que provar do meu próprio veneno, esqueci do texto, das ações de Julieta e do motivo pelo qual eu estava tão próxima assim do rosto da Kim.
— Sana? – Dahyun disse, mas eu não respondi. Eu ouvia o que ela falava, mas não demonstrava entender. – Sana, sua fala. – Ela falou com pressa, desviando o olhar de mim, mas eu, mais uma vez, não respondi a isso.
— Eu esqueci. – Falei calma e segura. Abaixei a visão e vi como nossos corpos estavam próximos, quase colados. Ela afastava-se pouco a pouco e eu tive de conter o riso para uma cena tão singela como aquela. – Quando foi que ficou decidido que você seria Romeu?
— Jura? – Ela disse incrédula, ao passo que se afastava mais uma vez. – Você me imagina sendo a Julieta?
— Não.
— Então pronto. Vamos ensaiar? – Afastou-se por completo dessa vez. – De onde paramos, sem voltar, ok?
— Então porque está tão distante? – Sorri malandra e ela, como sempre, não me olhava. – Nesse pedaço Romeu e Julieta estão juntos, bem próximos.
— Ok. – Veio em minha direção e eu fui na dela. Por algum motivo existia uma tensão no ambiente. Uma tensão sem nenhum adjetivo. – É sua vez de falar, Sana. – Disse quando eu fiquei em silêncio mais uma vez. Não conseguia explicar minhas atitudes e nem minhas vontades, eu fazia o que fazia sem nomear, mas Dahyun não respondia da forma correta.
— Repete a fala anterior, vamos continuar dali.
— "Ai! Em teus olhos há maior perigo do que em vinte punhais de teus parentes. Olha-me com doçura, e é quanto basta para deixar-me à prova do ódio deles" – Eu ia dizer a minha fala, mas não o fiz. Assisti Dahyun repetir aquela linha, com aquele comportamento quieto e timidez evidente, com muita atenção. Analisei sua boca proferir cada palavra e observei seus olhos mirarem o nada.
Não disse minha fala, improvisei. Colei nossos corpos, larguei meu texto e fiz Dahyun segurar na minha cintura. Segurei na nuca da coreana como quem já sabia o que fazer há muito tempo e aproximei nossos rostos em seguida.
O vapor quente de sua respiração se combinava com a minha de um jeito hipnotizante, um jeito que eu esperava acontecer o mesmo com os nossos gostos.
E assim aconteceu.
Eu, mais uma vez, tive a iniciativa de tudo, inclusive de iniciar o beijo. Isso não me incomoda, já que quando começo, Dahyun completa continuando. O encaixe de nossos lábios era perfeito, a maciez da boca dela na minha era viciante e a lentidão que fazíamos tudo deixava ambos os corpos quentes.
Era um calor inexplicável, sentido somente por nós duas, um calor intenso, marcante. Não existia suor ou cansaço, mas existia fogo. A cada virada de cabeça, a cada pegada diferente e a cada som que fazíamos era mais calor, mais fogo.
— Meu Deus, desculpa! – Ela falou depois de largar de mim rapidamente. Eu a encarei com desgosto, não queria parar agora, afinal.
— Desculpa pelo quê? Eu que te beijei. – Umedeci os lábios mais uma vez, mordiscando levemente o inferior.
— Mas eu contribuí.
— Eu gostei disso. – Comecei a me aproximar de seu corpo nervoso e ela se afastava um pouco. – Você não?
— Não. Não gostei, Sana. E não me beije novamente. – Respondeu séria, arrisco dizer que um tanto irritada. O problema é que na situação em que me encontro, ver seu rosto bravo é muito, mas muito estimulante.
— Se não gostou, então porque retribuiu? – Aproximei meu corpo mais bruscamente, encurralando a menor contra a parede. – Se não gostou, por que não me empurra e me tira de perto de você? Eu estou cada vez mais perto... – Falei quando encostei nossas barrigas e depois nossos colos.
— Eu... Eu não sei. – Respondeu com dificuldade. Ela olhava para tudo, menos para mim. – Você está me prendendo, é por isso que não saio daqui!
— E desde quando tenho mais força que você, Kim? – Passei a ponta dos dedos nos braços da coreana e ela arregalou os olhos quando sentiu. Eu ri de leve com a cena um tanto adorável. – Se não me quer assim tão perto... Se não quer mais me beijar, por que não recua quando eu falo assim, tão pertinho do seu rosto? – Sussurrei a última parte com a boca virada para sua orelha, mas encostando nossas bochechas.
— Sana... – Disse de forma cansada, quase que num suspiro. Foi aí que senti sua mão pairar em minha cintura. Ela pegava de leve, sem força e sem segurança, parecia que cada ação e cada frase eram milimetricamente calculadas. Dahyun definitivamente não estava acostumada com improviso ou situações assim.
Bem, nem eu estava.
Beijar a Kim nunca passou pela minha cabeça, mas desde que fiz isso pela primeira vez, só senti vontade de fazer de novo e de novo e de novo.
Algo no seu jeito bobo e desengonçado me atiça, intriga e instiga. Eu quero saber sobre ela, ouvi-la, senti-la de novo em mim e para mim.
Dahyun é intrigante, curiosamente curiosa, estranhamente atraente e surpreendentemente boa em tudo.
Com a mão leve na cintura, um suspiro meu foi ouvido e logo seu toque singelo virou uma pegada firme. Não pude deixar de amolecer e demonstrar isso, mostrar para Dahyun, ficando mole em suas mãos, que eu estava ali para ela, que ela poderia fazer o que quisesse comigo. Eu ainda a odeio, mas a desejo na mesma intensidade.
— Vai me beijar de novo ou vai esperar que eu implore por isso? – Perguntei encarando os olhos da coreana, a mesma só deu um sorrisinho sacana. – Se continuar me pegando desse jeito, não vai ter escolha a não ser...
— A não ser o quê, Sana? – Perguntou depois de apertar um pouco mais. – Responde.
— É... – Enrolei-me nas minhas próprias palavras, nem consegui disfarçar a dificuldade em formular uma frase enquanto as mãos da Kim me agarravam com tanta veemência. – Por que não descobre sozinha? – Mordisquei o lábio mais uma vez e mirei na boca alheia, a menina não esperou meu próximo passo e finalmente fez o que eu quase implorei para fazer.
Beijou minha boca com vontade, com um desejo igual ao meu. Eu desejava o toque de Dahyun e ela desejava me tocar, dava para perceber pela intensidade em que nos beijávamos.
— Tofu, Tofu? – Ouvimos depois de duas batidas na porta. Paramos o beijo, mas não nos soltamos. – Está aí? – Era uma voz feminina, não conhecida por mim e com um sotaque estrangeiro.
— Oi, Mei. – Dahyun respondeu timidamente. – Estou.
— Pode abrir? – A tal Mei pediu, mas eu também estava ali e querendo entender tudo.
— Quem é? – Perguntei baixinho, ainda com as mãos da outra em volta do meu corpo. Eu sorria com tudo que estava acontecendo e Dahyun apenas implorava com os olhos pidões para que eu parasse. – "Tofu"? – Dei risada e ela tampou minha boca.
— Essa é a Mei, ela trabalha aqui. – Soltou-me por completo. – Espera um minuto! – Foi até a porta e abriu a mesma. – Oi.
— Só queria avisar que seus pais chegaram.
— Quê? – Sua voz denunciava surpresa. – O que houve para chegarem tão cedo?
— Estão pedindo para você descer.
— Vai, Mei, adianta aí... – Pediu de um jeito despojado. Era engraçado ver que com a Mei ela era calma, tranquila, diferente de qualquer outro adulto fora o tio da amiga Jihyo.
— Chegaram cedo porque precisam ir a um jantar de negócios. É só o que sei, Tofu, desça e cheque o resto. – Dahyun me olhou assim que o apelido foi dito, sua expressão era de vergonha.
— "Tofu", Mei? – Disse indignada. – Esse apelido é para criança... Eu já sou quase uma adulta. – Fez um bico adorável que não condizia com sua frase. Nessa situação ela parecia uma criancinha mimada.
— Oh, claro! – A mulher corrigiu-se brincando. – Já é quase da minha idade, né? – Sorriu largamente um sorriso mais que gentil. Consegui ver, somente com esses poucos minutos, que Mei é um ser adorável e que faz muito bem a Dahyun. – Mas, mesmo crescida, sempre será minha menina.
— Eu sei... – Disse timidamente. – Mas "Tofu"? Isso não... – Apontou para mim, que estava sentada na cama dela, e olhou para a mulher como quem dizia "tem visita, finge aí". A mulher apenas acenou para mim e riu com o jeito bobo da Kim.
— Quem mandou ser branca como um Tofu? – Ela continuou. – Enfim, Kim Dahyun, desça logo. Eles não parecem bravos, mas sabe como o humor muda rápido por aqui...
— Já vou. – Fechou a porta e virou-se para mim. – Você ouviu, né? – Eu assenti. – Vamos descer, falo com eles e dependendo do papo, nós continuamos o ensaio.
— Certo. – Respondi já levantando e seguindo a garota.
*
Pov Narrador
— Oi. – Dahyun falou quando desceu as escadas e encontrou seus pais sentados no sofá. – Mei disse que queriam falar comigo.
— Sim, filha. – O homem começou. – Apronte-se, precisamos ir a um jantar de negócios.
— Show, bom apetite. – Falou sem filtros.
— Você vai também, Dahyun. – Como a chinesa previu, o humor é muito instável quando se trata dos Kim. – Vista-se, sairemos em duas horas. – Continuava sério.
— Você acabou de falar que é um jantar de negócios... Eu não trabalho ainda, pelo menos até onde eu sei. – Deu de ombros. – E também não 'tô afim.
— Tem razão, você não trabalha ainda, você dá trabalho. Muito trabalho, por sinal. – A mulher disse sorrindo cínica. – Você não tem querer, Kim Dahyun, já basta não nos obedecer na escola, agora quer nos fazer passar vergonha diante de pessoas influentes também?
— Por isso acho melhor não ir, já que só faço merda. – Usou uma palavra ruim e foi repreendida com o olhos de ambos queimando sobre si. – É a verdade, ué.
— Poupe-nos de seus dramas, Dahyun. E de seu vocabulário ridículo também. – O Kim falou. – Você precisa ir, todos irão com suas famílias, temos de fazer o mesmo.
— Só por isso fazem questão de mim, né? – Sorria, mas não estava feliz. Seu sorriso era de tristeza com o comportamento dos pais, quase que uma indignação e Sana percebeu isso. A japonesa ficou afastada de Dahyun, mais próxima da escada, observando a conversa. – Só querem mostrar para os outros que somos uma família perfeita, mas é tudo mentira!
— Dahyun, já chega. – A mãe da menor falou cansada. – Arrume-se, precisamos sair em pouco tempo. – Levantou-se do sofá e avistou o rosto estranho. – E você quem é?
— Minatozaki Sana, senhora. – Curvou-se. – Prazer em conhecê-los.
— Prazer. – Falaram os mais velhos ao mesmo tempo.
— Minatozaki, é? – Sanghun perguntou e Sana assentiu. – Conheço seu pai, menina. Ótimo empresário, um grande homem! – Sorriu gentilmente. – Aposto que você é uma ótima filha também.
— Obrigada, senhor. – Sorriu timidamente.
— Aliás, o que faz aqui?
— Vim f-
— Nós estávamos fazendo um trabalho. – Dahyun interrompeu. – Era por isso também que eu queria ficar e não ir a esse jantar. – Tentou soar convincente, mas não conseguiu.
— Você? Dedicada a um trabalho? – Hyemi falou. – Dahyun, somos seus pais, não pode nos enganar. – Riu e foi saindo da sala, indo em direção as escadas e parando em frente a Sana para uma despedida breve. – Mande lembranças a Sooyoung, querida.
— A senhora a conhece? – Sana perguntou surpresa.
— Sim, há anos.
— Eu não quero ir. – Dahyun falou, cortando qualquer princípio de conversa entre sua mãe e Sana. – É sério, não quero mesmo.
— Mas você vai. – O Kim falou firmemente, seguindo a esposa.
— Então vou levar a Sana! – Disse birrenta, convencida de que iria com isso, conseguir a permissão para ficar em casa. – Vocês não podem negar, já que gostam tanto da família Minatozaki, pelo visto. – Se gabou, porém durou pouco dessa vez.
— Tudo bem. – Hyemi disse tranquila. – Será ótimo, inclusive.
— Como é?! – A Kim mais nova soltou perplexa. – Já viram como essa japonesa se veste? – Tentava a todo custo convencer os mais velhos a negarem a presença de Sana e consequentemente a sua também. – Ela vai chegar nessa festa coberta de rosa, parecendo um carro alegórico.
— Ei! – Sana repreendeu. – Eu ainda estou aqui, sabia?
— Quieta. – Piscou disfarçadamente para a outra como quem dizia "entra na onda". – E ela nem sabe falar coreano direito!
— Acho que ela fala super bem. – O pai da garota disse. – E pare de dizer coisas assim de Sana, Dahyun! Comporte-se!
— Mas... Mas...
— Nada de "mas", vá se arrumar. – Começou a subir os degraus depois que sua esposa o fez. – Arrumem-se, quero ambas prontas pontualmente, ok? – Sorriu simpático para Sana, mas não olhou Dahyun da mesma forma. Para a filha seu olhar era intimidador.
— Por que falou que eu iria?! – Sana disse para a Kim mais nova quando notou que os mais velhos já haviam sumido dali. – Nem sabe se eu quero ir, cara!
— Nem precisa mais, eu só queria ver se com isso eles me deixariam ficar em casa, mas não rolou. – Deu de ombros emburrada e começou a subir a escadas acompanhada de Sana. – Não precisa ir, vai para casa.
— Estava só me usando, então? – Fez drama e Dahyun riu sem querer, logo disfarçando. – Agora que me chamou, eu vou!
— Tanto faz.
— Será que dá tempo de eu ir em casa me arrumar e voltar para partirmos?
— Tomara que não dê. – Provocou. – De todo jeito, só não coloca aquelas coisas coloridas e chamativas demais, por favor.
— Do jeito que você fala parece até que eu me visto como uma árvore de natal.
— É quase isso. – Disse implicante e recebeu um tapa como resposta. – Ai, japa! Doeu, tá?
— Se não fosse para doer, eu dava um beijinho. – Fez uma expressão de desdém e Dahyun ficou nervosa de imediato. – Não se preocupe, Kim. Não quero mais te beijar, aquilo foi efeito de Romeu e Julieta, apenas isso.
— E eu estava chapada, por isso que retribuí. – Deu de ombros e a japonesa a encarou com surpresa.
— Como é?! Você fumou de novo? Cara! – Deu outro tapa no ombro da menor. – Você tem asma, sua louca! Não pode fumar.
— Era brincadeira... Ai, Sana! – Acariciou o local atingido enquanto fazia uma expressão penosa. – Chega de me bater, não acha?
— Você merece cada tapa!
— Vai logo para sua casa e se apronta, mano. – Abriu a porta do quarto dando passagem para a Minatozaki. – Não vai querer se arrumar aqui, né? Não é por nada não, mas acho que no meu armário não tem roupas do seu estilo de boneca... – Provocou de novo e Sana cerrou os olhos em sua direção, já levantando a mão para lançar outro tapa. – Desculpa, desculpa! – Afastou-se para se defender. – Mas é sério, vai rápido.
— Vai me mandar a localização da sua casa dessa vez? Vou precisar para ir embora e para vir até aqui.
— Não. – Sana franziu o cenho. – O motorista te leva em casa e nós te buscamos lá quando estiver pronta.
— Você é muito chata, Kim Dahyun. – Passou pela porta. – Eu mando mensagem avisando.
— Tchau, japa.
*
"Se você vai partir meu coração, este é um bom começo
Beije-me
Você sempre morde o lábio quando o sente, enquanto nos movemos lentamente
E seu boné de beisebol pêssego é jogado
Sob o cesto de roupas e suas joias"
Chapter 15: Freak.
Chapter Text
Freak – Lana Del Rey
"Mas quando você é agradável, meu amor
Você é tão incrível em todos os sentidos
Você é frio como gelo, meu amor
Eu não quero brigar, meu amor
É como eu disse a você
Se você ficar, eu vou ficar"
*
Pov Dahyun
— Boa noite, senhores. – Meu pai disse ao se aproximar da mesa grande. – Minha mulher, que já conhecem, Kim Hyemi. – Segurou no ombro da minha mãe e a mesma sorriu acenando levemente. – Minha filha é esta aqui. Kim Dahyun. – Puxou-me com força, já que não fui por vontade própria até a frente. – E essa é... Uma amiga de minha filha, Minatozaki Sana. – A japonesa sorriu e curvou-se sem que meu pai pedisse nada, parecia estar habituada a situações do tipo e a também não ligar de fingir toda essa etiqueta.
— Uma Minatozaki entre nós? – Um homem disse alegremente e eu apenas observava tudo aquilo. – Como vai o seu pai, pequenina?
— Vai bem. Estamos todos bem. – Sana respondeu simpática e sentou-se em seguida ao meu lado.
— Diga a ele que mandei um grande abraço e que o espero nos jogos de quinta-feira, hm? – Ele riu como um tio de churrasco, só faltou dar leves tapinhas na própria barriga. E o faria, acho, se não estivesse usando um terno tão apertado.
— Digo, sim. – Sorriu mais uma vez e desviou o olhar do desconhecido.
— O conhece? – Perguntei entre sussurros.
— Sim, são os pais do Yuta. – Franzi o cenho inevitavelmente. – Yuta é o japonês que estuda com a gente... Meu amigo, lembra?
— Não, nunca o vi mais gordo. – Respondi dando de ombros e mirando nas taças de vinho sobre a mesa que os garçons enchiam a todo momento.
— Ele que me ajudou quando você desmaiou lá em Busan.
— Oh, então foi ele que jogou água em mim?! – Assentiu segurando a risada. – Ainda tenho que dar o troco naquele bocó por isso! – Suspirei. – Mas agora vou dar atenção a outra coisa. – Lambi os lábios e Sana me encarou curiosa.
— O que vai fazer?
— Nada que eu vá me arrepender, tenho certeza. – Sorri sapeca, catei umas das taças vazias e coloquei em minha frente.
— Vai beber? – A Minatozaki perguntou com uma expressão indecifrável por mim.
— Vou. – Dei de ombros e preparei-me para atuar para quando o garçom chegar até mim e duvidar da minha maior idade. – Silêncio, ele vem aí. – Referi-me ao copeiro.
— Boa noite, senhoritas. – Ele disse já estendendo a garrafa até meu copo. – Devo servir a dama? – Perguntou-me com uma cara de desconfiado, mas eu já estava atuando e respondi positivamente com uma segurança admirável.
— Ela tem dezessete anos. – Sana disse estragando meus planos.
— Oh, desculpe-me. – O rapaz retirou a garrafa e a taça que continha um pouco do líquido.
— Espera... – Pedi, mas sem resposta. – Droga, japonesa! Por que fez isso?
— Não vou deixar você beber aqui, numa ocasião como essa.
— Você não manda em mim, sabia? – A encarei com raiva, mas seu comportamento era indiferente.
— Nem quero, mas posso impedir que faça esse tipo de bobagem. – Levantei-me de imediato, irada e entediada. Queria sair daquela sala, sair dessa mesa cheia de desconhecidos, sair dessa situação idiota que meus pais me meteram, então nem olhei para trás. – Aonde vai? Dahyun! – Dizia de um jeito que nem era baixo, nem era alto.
— Kim Dahyun! – A única voz que conseguia me parar chegava aos meus ouvidos. – Posso saber onde está indo? – Meu pai perguntou.
— Ah... Tomar... Tomar um ar. – Respondi nervosamente. – Eu já volto para o jantar, ok?
— Tem ar suficiente naquela sala. – Aproximou-se do meu corpo lentamente. – Volte, sente-se e sorria. Não me faça passar vergonha, esse é um jantar muito importante. – Disse baixinho perto do meu ouvido. – Agora.
— Agora eu preciso de um ar mais que tudo. – Respirei fundo buscando oxigênio.
— Não me diga que é mais uma crise de asma! – Neguei. – Ótimo, pelo menos isso. – Analisou-me de cima abaixo e notou meu comportamento inquieto. – Não vai me dizer que é mais uma vez ansiedade... O que está sentindo dessa vez? Tremedeira, sudorese ou vai chorar? Hoje não, Dahyun, hoje não.
— Tudo bem. – Respondi a contragosto e cabisbaixa, mas seguindo o homem para o lugar de antes.
— Eita, o que aconteceu? – Sana perguntou com a voz delicada. – Dahyun, está tudo bem? – Insistiu depois de receber meu silêncio em resposta. – Dahyun?
— Sana, me deixa.
— Olha, eu só não te deixei beber por medo de seus pais brigarem com você... – Dizia receosa e cheia de dedos. – Mas, se faz tanta questão assim, arrumo uma taça de vinho rapidamente.
— Não quero mais.
— Vamos, Dahyun, não é pra tanto...
— Por que todo mundo diz isso para mim? – Virei para ela e encarei sua face. – Todo mundo sempre me diz que minhas reações são demais, são exageradas... Mas o que eu posso fazer se eu sinto exatamente isso?!
— Eu... Ah... – Claramente ela não sabia o que dizer e estava surpresa com meu súbito desabafo.
— Não tem nada a ver com a droga do vinho, eu não ligo para isso. Porra... – Arfei cansada e mirando o chão novamente. Minha mente tentava ao máximo contar até dez, mas não conseguia.
— Seu pai falou algo com você, foi isso? – Não respondi. – Anda, Dahyun, diz alguma coisa para que eu possa te ajudar.
— Quer me ajudar? – Ela assentiu. – Então me tira dessa sala. Não sei como, mas dá um jeito de me fazer sumir desse jantar idiota e de perto dos meus pais. Assim você me ajuda. – Olhei para ela assim que terminei a frase. Minha expressão era de cansaço. Eu sabia que não tinha como ela realizar o meu desejo, então fui sincera ao pedir, pois no final eu sabia que não tinha como ela me ajudar, já que ninguém jamais conseguiu.
— Por favor? – Ouvi a voz simpática da japonesa e levantei a vista para entender o motivo. Foi surpreendente, confesso, mas só deixei-me demonstrar choque quando tudo finalmente aconteceu. – Obrigada. – Agradeceu com um sorriso largo e voltou para perto de mim. A Minatozaki estava falando com meu pai e voltou de lá satisfeita. – Vem. – Falou para mim e puxou meu pulso em seguida.
Levantei e segui a maior por onde ela me guiava. Eu não conhecia esse lugar, mas ela parecia estar familiarizada. Nada foi dito até chegarmos no destino final.
Era uma sala, quase um depósito, afinal estava cheio de ferramentas e poeira, com uma janela grande que dava vista para as árvores da rua e uma lâmpada que piscava sem parar.
— Aqui você consegue respirar? – Ela disse quando fechou a porta do local.
— Quer me matar e nem disfarça, não é, Minatozaki? – Levantei somente uma das sobrancelhas e a encarei com intriga. – Sou asmática e você me traz para uma sala com mofo e pó?! – Brinquei, mas a japonesa não parecia ter achado graça. Pelo contrário, seus olhos arregalaram em preocupação e nervosismo com aquilo. – Ei, calma. 'Tô zoando com você...
— Idiota! – Arremessou um pincel que encontrou em uma das prateleiras. – Você pode ficar aqui o tempo que quiser, tratei de convencer seu pai e ele não virá te procurar.
— O que você disse a ele?
— Disse que nossa professora mandou um teste surpresa, que valia ponto e tudo. – Piscou orgulhosa e eu ri com a cena. – Ele acreditou, ok?
— Não duvido. O velho é burro demais quando se trata de coisas assim... – Revirei os olhos involuntariamente. – Valeu aí. – Disse sem jeito. – Show. – Fiz um positivo com as mãos e sorri com a língua entre os dentes.
— Por nada. – Respondeu contendo o riso. – Quer conversar sobre o que rolou com o senhor Kim?
— Não mesmo. – Respondi de imediato. – Digo, não é um papo muito interessante...
— E o que seria um papo interessante?
— Olha, já que me ajudou a sair daquele ambiente sufocante, vou te deixar escolher nosso próximo assunto, o que acha? – Ela sorriu. – Nada de roupas. – Continuava sorrindo, mas revirou os olhos. – Nada de namoros. – O sorriso morreu. – E nada de retrucar minhas oposições! – Minha vez de sorrir orgulhosa.
— Isso é o que você chama de "pode escolher o assunto"? – Assenti e ela bufou irritada. – Para seu azar, sou tagarela e consigo pensar em umas vinte coisas diferentes para conversarmos.
*
Pov Sana
Passamos alguns minutos falando sobre nossos gostos nas mais aleatórias coisas, fazendo graça do que normalmente não é piada e rindo exatamente por isso. Era um clima agradável que nunca havia sentido com a Kim. Era simples, honesto e tranquilo.
— Você é boba! – Falei rindo alto. – Já chega, vou morrer desse jeito! – Tentava parar de rir, mas quanto mais tentava, mais ria. Ela era igual.
— A culpa é sua, japa! – Disse com a mão na barriga. – Ai... Porra, fazia tempo que não gargalhava assim.
— É bom, né? – Perguntei retoricamente. – Se sente melhor?
— Sim. – Olhou para mim sem receios. – Ah, e posso te contar o que rolou com meu pai se quiser saber. – Soltou do nada e eu me espantei. – Mas só se quiser, não quero te alugar com meus problemas chatos.
— Não, pode falar. Eu ouço.
Ela suspirou uma, duas, três vezes antes de finalmente proferir a primeira palavra. Dava para ver como o assunto era delicado para a Kim e como ela não gostava de falar sobre si mesma, sobre seus problemas e sobre seu jeito. É irônico, sobretudo, que ela seja assim, afinal mais cedo me incentivou a ficar bem e até me ajudou com isso de forma quase clínica.
Ainda me pergunto onde ela aprendeu aquelas coisas, como sabe dizer aquelas palavras tão precisas e como conseguiu acalentar minha cabeça perturbada tão rapidamente.
Ainda bem que logo tratou de me responder todos esses questionamentos.
— Você pode achar que sou só uma peste na escola de graça, mas não é bem assim... – Dizia com uma certa hesitação. – Eu não faço tudo aquilo por diversão ou tédio. Bem, um pouco, sim. Mas comecei, e continuo, para conseguir que olhem para mim, entende?
— 'Tô acompanhando.
— Te contei de como meu pai falou comigo agora há pouco e você viu lá em casa como as coisas funcionam, acho que dá para ter uma ideia com o que eu lido todos os dias há anos... – Eu assenti com pesar. – Não quero só chamar atenção deles por chamar, eu quero ser vista por eles. Foi o jeito que eu encontrei de lembra-los sempre que têm uma filha viva e que mora com eles.
— Eles não esqueceram disso, Dahyun, tenho certeza.
— Pior é que se não esqueceram, só não ligam mesmo. – Deu de ombros. – Não os vejo e quando trocamos algumas palavras é sempre uma repreenda. E não, não é só por causa do que faço na escola.
— E por que é?
— Eu não sei... – Desviou o olhar de mim, mirou o chão e segurou as mãos com força. – Acho que eles não estavam preparados para uma filha tão problemática como eu e... Sei lá, desistiram de ser pais.
— Tenho certeza que não foi isso, cara. – Aproximei-me de seu corpo sentado perto da janela. – E você não é problemática.
— Queria eu que você estivesse certa sobre tudo isso, principalmente a última parte. – Riu sem achar graça. – Você viu que os pais do seu amigo Yuta não vieram com ele? – Mudou de assunto e de expressão. – Outros também vieram sem os filhos ou sem as esposas... Eu poderia ter ficado em casa, né?
— Já está aqui, por que se lamentar?
— Minatozaki, vamos fazer um trato? – Aproximou o corpo do meu e encarou profundamente os meus olhos. – Alguns tratos, na verdade.
— Diga.
— Primeiro: não contar o que conversamos aqui para ninguém. – Olhava tão seriamente para mim que aquilo parecia uma ordem, não um pedido.
— Não vou contar. Qual o outro trato?
— Já que te contei o que rolou comigo, por que não conta o que aconteceu com você mais cedo?
— Sou obrigada a contar?
— Não, mas acho que deveria.
— Por que?
— Porque... – Arfou impaciente e relutando para não dizer algo. – Porque me ajudou e acho que vai te ajudar também. – Falou rapidamente.
— Ajudou você? Como assim?
— Eu fiquei bem melhor depois que conversamos e só cresceu depois que contei o que havia acontecido.
— Você já fez terapia, não fez?
— Sim.
— Ainda faz?
— Não.
— E por que parou?
— Já falei demais de mim por hoje, Sana... – Respondeu desconfiada. – É a sua vez agora.
— Promete que não vai contar a ninguém e nem usar isso contra mim?
— Usar contra você? – Me olhou chocada. – Por que eu faria isso?
— Não sei... Em alguma pegadinha, talvez.
— Não, não. Eu prometo. – Mostrou o mindinho e eu fiz o mesmo, depois apertamos e giramos levemente, logo em seguida soltando. – O que aconteceu com você mais cedo?
Falei para Dahyun sobre Sooyoung, sobre não gostar dela e sobre o episódio de hoje não ser o primeiro. Relatei meu desconforto, angústia e saudade da minha mãe. A coreana me ouviu atentamente e vez ou outra deixava um bico triste escapar. Foi relaxante, ela tinha razão.
— Ok, mas não entendi por quê você culpa essa mulher pelo acidente com sua mãe. – Ela disse receosa. – Sooyoung é louca, mas ainda não vi relação com a tragédia...
— Isso é assunto para quando me disser sobre sua terapia. – Pisquei debochada e ela revirou os olhos. – Acho que posso propor um trato melhor.
— Qual?
— Vamos combinar que, quando estivermos ruins, pra baixo ou algo do tipo, vamos conversar uma com a outra, em forma de troca como agora. Eu falo algo, depois você. Sem conselhos elaborados, sem julgamentos e sem receio. – Estiquei a mão para ela. – E em total segredo. Combinado?
— Combinado. – Apertou minha mão. – Agora vamos voltar para a sala, a fome bateu. – Levantou num pulo e me ajudou a fazer o mesmo enquanto segurava minhas duas mãos, puxando-me para cima. – Depois de você. – Abriu a porta e me deu passagem, depois fechou a mesma atrás de si.
— Ainda bem que falou, meu estômago está roncando altíssimo! – Comentei enquanto caminhávamos até os nossos assentos. – Gosta de carne?
— Quem não gosta?
— Então, aproveite. – Usei os hashis e coloquei um pedaço generoso em seu prato que já estava servido de macarrão. – Essa é da melhor qualidade. – Ri sapeca e ela retribuiu.
— São as carnes da empresa do seu pai, né? – Eu assenti e ela, em seguida, comeu. – São boas mesmo, mas só porque são do seu pai. – Franzi o cenho sem entender e ela explicou. – Se fossem suas, seriam péssimas, duras e podres! – Deu a língua e eu a respondi com um beliscão no braço.
*
— Gostaram do jantar, meninas? – A senhora Kim perguntou.
— Sim, estava delicioso. – Respondi.
— A carne era ruim. – Dahyun falou rindo baixinho, mas não pude repreendê-la naquela circunstância.
— Sana, diga-me onde é sua casa, por favor. – O Kim falou e eu fui guiando o mesmo pela rua grande. – Adoraria ver o seu pai, mas já está tarde, terei de deixar para outro dia, querida. – Ele continuou quando eu apontei a casa certa já com o carro próximo.
— Oh, sem problemas. Obrigada pelo jantar e pela carona.
— Por nada, garota. – Os mais velhos responderam em coro e eu fechei a porta do carro em seguida.
— Tchau, japa. – Dahyun disse quando o carro já estava se afastando. Ela fez um "V" com os dedos e estalou a língua, piscando somente um dos olhos como despedida. Eu acenei um "tchau" normal, logo entrando em casa.
*
Pov Narrador
Era madrugada, mas nem todos dormiam. Dahyun, como sempre, estava esperta, pilhada às três e meia da manhã. Usava seu celular para ver coisas variadas e aleatórias como de costume e ria das bobagens que cruzavam sua vista pela tela.
Sentia seu coração relaxado, não doía, não era acelerado. Dessa vez, como poucas e raras, o sossego reinava em si. Sua mente transmitia paz, tranquilidade e despreocupação. A coreana gostava desse sentimento, gostava tanto que fazia questão de expressá-lo.
Gargalhava alto, conversava sozinha, cantarolava a música de rock que tocava baixinho na televisão e vez ou outra balançava a cabeça no ritmo da canção. Era um clima bom, positivo e ameno. Era o favorito de Dahyun. Conseguir ser ela mesma, no seu tempo e da sua forma. Sem amarras, sem o controle de ninguém. Sem vergonha de si mesma, sem receio do seu "eu".
Era Kim Dahyun, pura e simplesmente. Não a garota problema da escola, não a transtornada que seus pais não sabem lidar, mas a adolescente cheia de vida, de vontades e desejos. A menina frágil que se esconde com frequência no personagem bravo e frio que lhe protege do resto.
m.by__sana:
Sana, por outro lado, contrariava sua rotina, sua personalidade e suas manias ao ficar acordada até essa hora. Não pregou o olho somente por falta de sono, mas pelos estudos, pela mente incansável e pela curiosidade incessante.
Lia o roteiro, que deveria encenar em dois dias, sem parar. Já sabia todas as falas, ações e mudanças feitas, mas insistia em praticar, pois só assim esqueceria do que tanto luta para não lembrar.
Era fato que o acontecimento com sua madrasta a abalou. Não é o primeiro e nem o último ato de Sooyoung que fere Sana no seu ponto mais fraco. A japonesa sentia tristeza e revolta mais que qualquer outro sentimento. Ela queria explicações, justificativas. Queria respostas e nada mais.
dahhyunnee: O que está fazendo acordada a essa hora, Srta. Aluna-Exemplar-do-Colégio-Integral-de-Seul?
O barulho da notificação de mensagem direta a desperta do exercício de atuação de forma brusca, quase como um choque, e Sana cata o celular para responder sem pensar duas vezes.
m.by__sana: Estou ensaiando Romeu e Julieta, coisa que você deveria fazer também.
dahhyunnee: A essa hora? Só se eu estivesse louca!
m.by__sana: Maluca ficarei eu, se no dia da apresentação você não tiver decorado tudo.
dahhyunnee: Relaxa, japa. Eu sei fixar umas palavras bobas no cérebro, ok? Você viu no ensaio.
m.by__sana: ...
dahhyunnee: O que foi? Vai dizer que não fui bem?
m.by__sana: Quer a verdade?
dahhyunnee: Sim, mas não preciso dela e nem acredito na sua opinião.
m.by__sana: Você parecia um robô interpretando o Romeu.
dahhyunnee: QUÊ?
dahhyunnee: E você parecia uma doente falando tudo quase cantando!
m.by__sana: KKKKKKKKKKKKKK
m.by__sana: Calma, Dahyun, não leve para o pessoal.
dahhyunnee: Você é chata demais, meu deus! É só um trabalho bobo, não precisamos vencer o oscar com ele.
m.by__sana: Achei que adorasse o primeiro lugar na escola.
dahhyunnee: Eu gostava de competir para ganhar de você, mas estamos juntas dessa vez, então não ligo.
m.by__sana: E eu que sou a chata?
dahhyunnee: É!
m.by__sana: Ai ai
m.by__sana: Como estão as coisas por aí?
dahhyunnee: Na minha casa?
m.by__sana: Sim.
dahhyunnee: Não brigamos mais, eles nem falaram comigo exceto quando deixamos você em casa.
m.by__sana: O que disseram?
dahhyunnee: Falaram que eu deveria ser como você.
dahhyunnee: Ô NOJEIRA!
m.by__sana: Vai se ferrar, Kim Dahyun!
m.by__sana: Eles estão certos, você deveria mesmo seguir meu exemplo.
dahhyunnee: Exemplo de como agir como uma boneca 24 horas por dia? Dispenso.
m.by__sana: Não sou assim!
dahhyunnee: Acredite na própria mentira, se preferir.
dahhyunnee: Ow, mudando de assunto agora: A mona lá fez mais alguma coisa?
m.by__sana: A Sooyoung? Não, nada. Nem a vi. Vim direto para o meu quarto, nem cumprimentei meu pai.
dahhyunnee: Não desconta no querido a raiva da sua madrasta.
m.by__sana: Não faço isso, é que estava sem paciência mesmo.
m.by__sana: Obrigada por perguntar, inclusive.
dahhyunnee: Tanto faz. Perguntei por curiosidade apenas.
m.by__sana: Ainda não desistiu dessa pose, Kim Dahyun? Já sei que você é muito gentil quando quer, nem adianta esconder.
dahhyunnee: Que pose? Eu realmente só perguntei por curiosidade, Minatozaki.
m.by__sana: Hmm sei...
m.by__sana: Se quer saber, acho muito engraçado seu jeito de ser legal.
dahhyunnee: Show. Valeu.
dahhyunnee: 'Tava aqui pensando... Podemos fazer mais um trato?
m.by__sana: Quantos combinados vamos fazer desse jeito?! Kkkkkk
dahhyunnee: Só fizemos um, já que você cancelou os outros.
m.by__sana: De fato. Agora diz.
dahhyunnee: O que você está fazendo?
m.by__sana: Ué
m.by__sana: Estava lendo o roteiro de Inglês... Por que perguntou de novo?
dahhyunnee: E no que estava pensando?
m.by__sana: Em Romeu e Julieta.
dahhyunnee: Só isso?
m.by__sana: Sim, Dahyun, só isso. Por quê?
dahhyunnee: Ah... Por nada.
dahhyunnee: Não vai perguntar o mesmo para mim?
m.by__sana: Kkkkkkk o que você está fazendo?
dahhyunnee: Ouvindo música.
m.by__sana: E no que estava pensando?
dahhyunnee: Em você.
dahhyunnee: Lembrei de mais cedo, naquele quartinho empoeirado... Foi divertido, né?
m.by__sana: Sim, foi. Eu adorei.
dahhyunnee: Droga, eu queria tanto te beijar agora.
m.by__sana: Eu também queria, loirinha.
m.by__sana: Se pudesse, iria até sua casa agora mesmo.
dahhyunnee: Você pode vir, a porta já está aberta.
m.by__sana: E o que me espera aí?
dahhyunnee: Nada excepcional, apenas uma boa música de rock num som ambiente e eu.
m.by__sana: Gosto mais de pop.
dahhyunnee: Não importa o gênero. Eu só...
dahhyunnee: Só queria que estivesse aqui para conversarmos como mais cedo, eu realmente gostei daquilo.
m.by__sana: Eu também. Gostei muito.
m.by__sana: Já sei o que faríamos se eu estivesse aí...
m.by__sana: Além de jogar conversa fora, poderíamos ouvir a música, dançar com ela, curtir.
dahhyunnee: E depois que a música acabasse e não tivesse mais assunto?
dahhyunnee: Você voltaria para casa?
m.by__sana: Aí, então, você mata seu desejo e me beija.
dahhyunnee: Sana... Vou pegar as chaves do carro agora mesmo! Kkkkkkkk
m.by__sana: Não faz isso! Kkkkkk
m.by__sana: Já vai amanhecer, nós precisamos dormir e amanhã tem aula.
dahhyunnee: Poxa, tinha que me lembrar disso? :/
dahhyunnee: Boa noite, então.
m.by__sana: ESPERA!
m.by__sana: Fala qual era o trato que você ia propor.
dahhyunnee: A gente pode... Ficar... Desse jeito de agora?
dahhyunnee: Digo, quando der vontade e tal... Sem compromisso nem nada, só... Só sei lá.
m.by__sana: Sim, Dahyun, a gente pode se beijar de vez em quando.
m.by__sana: Boa noite, loirinha.
dahhyunnee: Boa noite, japa. :D
*
"Poderíamos dançar lentamente uma música de rock
Beijar enquanto dançamos
Conversar até nós dois ficarmos deprimidos
Meu amor, se você quer ir embora
Venha para a Califórnia
Seja uma aberração como eu, também"
Chapter 16: Vennice.
Chapter Text
Vennice – Billy Joel
"Vá devagar, sua criança louca
Você é tão ambicioso para um jovem
Mas se você é tão esperto
Me diga por que ainda tem tanto medo?"
*
Pov Sana
"Era uma tarde bonita de terça-feira, eu brincava como uma criança normal, ria como uma criança normal e aproveitava o dia livre como qualquer outra. Meu peito era cheio de saudade, mas de felicidade também. Minha mãe chegaria hoje da França, viagem que fez a trabalho, e nós poderíamos fazer alguma coisa juntas como sempre.
Meu pai está inquieto. Do nada seu humor mudou, não sei o motivo, mas não chego a me preocupar. A Tia Sooyoung está aqui também. Ela não sai de perto do meu pai por nada, parece tentar tranquiliza-lo de algo que desconheço.
A tarde bonita dura pouco tempo, pois rapidamente o telefone toca, meu pai corre e atende, desliga e me encara, me abraça e me beija, chora e não diz nada.
Como uma criança de cinco anos pode lidar com isso de forma clara? Eu não sabia o que estava acontecendo, fiquei assustada ao ver meu pai daquele jeito, mas não consegui obter explicações suas. Rapidamente senti meu corpo ser agarrado e tirado dali. Sooyoung me pegou no colo e levou-me até meu quarto, deixando a babá ali. A mulher tentava brincar comigo, mas não conseguia fazer direito. Seu olhar era sério, preocupado e angustiado. Eu sabia que ela estava triste. Triste como meu pai, triste como eu logo ficaria.
Ouço a tia Sooyoung conversar alto com meu pai, mas não me lembro o que foi dito. Meu pai não retruca, só chora. Seus gritos são de dor, quase dor física, e sua reação é rápida. Não deu tempo de brincar por mais que cinco minutos. Meu pai entrou no meu quarto alvoroçado, aborrecido, abatido e com o rosto molhado de tanto chorar. De novo abraça meu corpo, beija-me e faz carinhos agoniados em minhas costas.
— Papai, o que aconteceu? – Pergunto confusa e observo a babá tampar o rosto. – Papai? – O homem me solta, afasta-se um pouco de mim e me encara profundamente. Seus olhos são inchados, vermelhos e molhados. Sua expressão era assustadora. Eu quis chorar também.
— Sana... – Ele finalmente disse algo enquanto segurava meu rosto entre suas mãos grandes. – A mamãe... Ela, não pôde vir hoje. – Fungou forte e comprimiu os lábios. – Preciso que confie em mim, hm?
— Por que ela não vem? – Perguntei curiosa, mas ainda assustada com o estado do meu pai. – Não comprou passagem, foi isso?
— Querida, sua mãe... – Tentava dizer algo, mas não conseguia finalizar. Sua voz era trêmula, suas mãos e testa suadas e seu choro mais intenso ainda. – Desculpe-me, filha. Eu deveria estar sendo forte por você... Desculpe-me, Sana.
— Papai, eu te desculpo, não precisa chorar. – Sequei as lágrimas que molhavam suas bochechas. – Mas por que está pedindo perdão?
— Eu... Eu não consigo. – Falou com dificuldade e medo. Ele não me encarava mais. – Seja mais forte que eu então, pequena. Eu sei que consegue.
— Papai, eu sou pequeninha...O senhor é mais forte. – Dei um leve sorriso bobo e ele retribuiu, mas tristemente. Olhou-me novamente com pesar, segurou firme meu rosto e parecia se esforçar para dizer algo. – A mamãe disse que homens choram, não precisa ficar com vergonha. – Cortei, sem perceber, qualquer princípio de fala do homem, o fazendo desabar mais ainda. – Papai? O que aconteceu?
— Ai, meu Deus. – Ele disse quase num grito de desespero. – Como dói!
— Papai, aconteceu algo com a mamãe? Foi isso? – Perguntei com os olhos marejados. – Ela está dodói?
— Sana... – Ele disse num suspiro exausto.
— Pequena, sua mamãe fez uma viagem. – Sooyoung interrompeu o homem e ficou agachada ao meu lado, abraçando meu pai enquanto olhava para mim e falava comigo. – Ela vai demorar a voltar, ok? Mas seu pai já está com saudades, por isso está chorando.
— Para onde ela foi? – Ela desviou o olhar e ficou sem jeito. Meu pai não me olhava, estava quase desmaiado no colo da Choi. – Ela... Ela morreu? – Perguntei querendo receber qualquer resposta, menos uma afirmativa.
— Sim, Sana. – A mulher disse sem soltar o meu pai. – Eu sinto muito, mas ela não iria querer te ver chorar, pequena.
Ignorei sua fala. Um zumbido infinito tomou conta dos meus ouvidos e eu só conseguia pensar em abraçar meu pai. Meti meu corpo no meio dos dois e o homem soltou a mulher rapidamente. Ele me abraçou com força, com amor e com o amparo que eu precisava.
Choramos juntos, lamentamos juntos, ficamos juntos.
[...]
— Está pronta? – Meu pai perguntou quando terminou de dar um nó em sua gravata.
— Sim, só preciso pegar uma coisa.
— O que vai pegar? – Agachou em minha frente e conversava comigo enquanto ajeitava o laço em meu cabelo.
— Você disse que poderia dar um presente para a mamãe levar para o céu com ela, não disse? – Assentiu. – Eu pensei em pegar as nossas meias.
— Meias, Sana? – Ele riu casto. – As que vocês usavam em conjunto? – Eu assenti. – Ok, menina. – Levantou-se e deu um rápido afago em meus cabelos. – Pegue isto e seu texto. Preparou um discurso, certo?
— Fiz como o senhor pediu, Papai. – Falei e ele apenas balançou a cabeça.
Segui a passos largos até o quarto dos meus pais. Era lá que a meia da minha mãe ficava junto da minha. Eu sabia onde procurar, afinal era um objeto muito usado por nós duas e muito significativo também, eu só não sabia que iria encontrar dentro do recinto alguém também procurando por algo.
Era Sooyoung. Eu não tinha calçado meus sapatos ainda, então meus passos eram silenciosos, a mulher não me ouviu chegar e eu não fiz questão de demonstrar. Caminhei devagar pelo corredor assim que ouvi a voz da coreana ecoar pelo cômodo. Ela dizia coisas das quais não lembro totalmente, mas seu tom era inesquecível. Dizia cada sílaba com tranquilidade, paz, felicidade. Era estranho para um momento como esse, para o dia do enterro de sua melhor amiga.
Eu fiquei escondida, ouvindo e tentando entender tudo. Quem dera eu fosse mais velha, mais esperta e sabida. Com certeza teria decifrado cada palavra, cada tom, cada intenção, mas isso não aconteceu. Somente guardo na memória a frase "Eu sinto muito, mas não por mim. Finalmente meu." Era confuso, indecifrável e suspeito, mas apenas para o meu eu mais velho.
— Tia Sooyoung? O que faz aqui? – Perguntei adentrando o quarto por completo.
— Ah, querida... Como está? – Escondeu algo atrás de si e veio em minha direção com pressa. Abraçou meu corpo com força e deu um sorriso amarelo ao final. Eu não retribuí nenhum dos gestos, não deu tempo. – Desculpe, eu só... Só queria me despedir dela mais uma vez.
— Não vai conosco para o cemitério?
— Oh, não. – Negou com a cabeça de forma estranha. – Seu pai acha melhor eu ficar e... E eu tenho um compromisso.
— Entendi. – Passei por ela e fui ao closet, abrindo a gaveta e pegando as meias em seguida. – Tchau! – Cruzei a porta e sumi."
Meu coração era acelerado, minha pele fria e suada, meus dedos trêmulos, minha cabeça dolorida. Só entendo cada um dos sintomas e seus motivos quando abro os olhos abruptamente, atordoada, agoniada e intrigada.
— Que merda de sonho foi esse? – Pergunto para mim mesma, forçando meu corpo a levantar da cama e iniciar o dia que promete ser longo. – De onde eu tirei essas memórias? – Continuei a me questionar em voz alta enquanto me dirigia ao banheiro. – Não lembrava de nada disso... Caraca.
*
Choi Miyeon –
Tópico 1
— Amor, não sei bem se quero continuar com isso. – Yuta dizia nervosamente após a namorada ter lhe contado sobre o plano da Shin de forma detalhada. – A Sana não merece isso, além do mais você nem tem certeza que ela e a Dahyun estão tendo algo.
— Está duvidando de mim? – Fez drama e conseguiu arrancar do garoto uma preocupação exacerbada.
— Não, Miyeon, nunca. É só que você disse que suspeita... Não podemos confiar cegamente num instinto, né? – Tentou soar tranquilo, mas na realidade tinha receio da reação da garota com aquilo. Apesar de pouca duração, o namoro dos dois, para o japonês, duraria a vida toda.
— Não é uma suspeita. – Disse fingindo suspense e o rapaz a encarou em confusão. – Eu não queria ter que fazer isso, mas se for para te fazer acreditar, então eu faço. – Buscou o celular e acessou a galeria. – Vou te mostrar um vídeo que ocultei da Yuna. Fingi que a câmera não captou a imagem, mas na verdade gravou tudo e muito mais! – Virou o aparelho com o vídeo pausado no momento certo. – É só dar play e verá a Sana e a Dahyun se beijando aos montes no banheiro da boate.
— Por que você filmou isso? – Perguntou antes de iniciar a gravação.
— A Yuna mandou e você sabe que não posso questionar. Fiz o que pude para não prejudicar alguém, consegui enganar a Shin mentindo sobre a filmagem, mas ela não vai descansar, você sabe.
— No fim vocês querem a mesma coisa, não é? – Encarou a coreana de um jeito nada tímido. – Querem expulsar a Sana, certo?
— Não quero, mas Yuna quer, então eu tenho que fazer... Não precisa se sentir culpado em ajudar, meu amor, a Minatozaki tem sobrenome, dinheiro e inteligência, isso não vai prejudicá-la jamais. – Acariciou o rosto quieto do japonês. – E ela não teria essa preocupação toda com você... – Provocou de um jeito inocente, revivendo a ira do rapaz.
— Você não acha que ela só não me contou por que se arrependeu ou sei lá? Talvez ela nem lembre que fez isso, devia estar bêbada. – Seus olhos denunciavam como não gostava de compactuar com aquilo, mas seu coração pedia o contrário. – Miyeon... O que mais sabe da Sana para afirmar que ela não é uma boa amiga?
— Só isso não é o suficiente? – Negou. – Não me force a falar... Por favor...
— Miyeon, diz. Se for só o lance da Dahyun, não vou ajudar em expulsão nenhuma. – Disse com firmeza, atitude rara para ele, mas desejada pela Cho, dando mais credibilidade a sua atuação.
— Aqui. – Pegou seu celular da mão do rapaz, fechou o vídeo e abriu numa captura de tela, virou o aparelho e esperou o garoto ler. Era uma conversa falsa entre Sana e ela, onde a Minatozaki afirmava saber sobre o namoro dos dois e mesmo assim propor que Miyeon ficasse com ela. – Embaixo ainda tem uma chantagem, mas não sei se você deveria ver. – Fingiu preocupação, mas o rapaz não esperou mais que dois segundos. Passou a foto e leu a outra mensagem, que dizia: "Se você não fizer o que eu quero, conto para os seus pais sobre o relacionamento". – Eu sinto muito, benzinho. – Fez um bico e acariciou o topo da cabeça do menino.
— Eu não acredito! – Exclamou decepcionado. – Como ela pôde?! Isso é tão estranho, não parece a Sana que conheço.
— É porque você achava que conhecia ela...
— O que preciso fazer para ajudar você e a Yuna? – Levantou a vista e encarou a namorada com uma raiva clara da agora ex-amiga.
— Nada muito trabalhoso. – Disse após dar um beijo no rapaz.
[...]
— Ele caiu direitinho, Shin, exatamente como você previu. – Miyeon falou com uma expressão orgulhosa.
— Ótimo. Seu vídeo não deu certo, mas pelo menos com o japonês você está acertando.
— Já pedi desculpas por isso, não precisa ficar me lembrando. Da próxima vez, vou tratar de posicionar a câmera melhor, não se preocupe. – Disse fingida, sem conter o sorriso esperto nos lábios.
— Acho bom. – Virou-se na cadeira e encarou a outra. – Está rindo? – A outra ficou séria imediatamente e negou com a cabeça. – Eu vi você rindo, Cho... – Levantou-se e foi para perto da coreana menor. – Não está mentindo para mim, né?
— Não! – Respondeu de imediato. – Eu não mentiria para você, Yuna.
— Acho muito bom, Miyeon... – Sentou-se muito próxima da loira. – Caso eu descubra que está me traindo, já sabe. – A menor somente balançava a cabeça positivamente em desespero. – Sabe que eu conto tudo sobre sua família imunda, não sabe?
— Eu sei, Shin, eu sei. – Sua postura agora era nervosa e inquieta. – Eu não fiz nada além do que você mandou, eu juro!
— Eu acredito, garota. – Sorriu cínica. – É só um aviso, sabe? Para refrescar sua memória... É bom sempre te lembrar do que sou capaz e do que sua família nojenta significa. Não concorda? – Gargalhou.
— Desculpe-me. – Falou de cabeça baixa.
— Repete se não quiser que eu abra a boca e conte para todos sobre sua mãe puta e seu pai adúltero. Repete! – Berrou forçando a coreana a lhe encarar. – Cadê?
— Desculpe-me, Shin Yuna, eu não fiz nada e nem farei, prometo. – Disse mais alto, mas com dificuldade.
— Sabe, eu gosto da sua história... – Saiu de perto da coreana e voltou para a cadeira de antes. – Rende uma boa novela, concorda? – Sorriu debochada, mas a Cho só ouvia aquilo com tristeza e raiva. – Uma prostituta engravida de um magnata casado, o magnata sustenta a puta, prometendo se casar com ela quando a filha bastarda nascer, mas adivinha? – Bateu leves palmas em volta de si enquanto ria sozinha e encarava Miyeon com superioridade. – A vagabunda da sua da mulher não conseguiu sobreviver ao parto e morreu... – Fez um bico forçado. – O ricaço assumiu a filha, mas nunca assumiu a mãe da menina...
— Yuna, já chega. – Implorou. – Por favor, eu já pedi desculpas.
— Não me interrompa, Cho! Continuando... – Respirou fundo. – No fim, você ficou sem mãe biológica e sem mãe adotiva, sendo motivo de vergonha para o pai e para o resto da sua família. – Riu alto demais só para provocar. – Eu deveria te chamar de filha da puta? – Encarou a jovem com desdém. – O que acha? É criativo, certo?
— Yuna, para. – Suplicou com os olhos marejados e voz trêmula. – Por favor...
— Eu veria essa novela, você não? – Sorriu ao fim da frase e levantou-se, indo em direção a porta. – Sai. – Abriu e apontou. – Só volte aqui com novidades úteis, entendido?
— Sim.
— Filha da puta... – Disse baixinho antes de bater a porta. – Eu poderia escrever um show de comédia, hm? – Perguntou para si mesma quando ficou sozinha. – Filha da puta... Que história você tem, Cho Miyeon! Que história!
*
Choi Sooyoung –
Tópico 2
**/**/ 2010
Manhã;
— Shitara, eu não aguento mais esperar! Desse jeito não dá! – Falava aborrecida enquanto forrava a cama. – Não consigo mais levar isso adiante. Não percebe como me machuca?
— Eu entendo, mas não posso agir por impulso, Sooyoung. – O japonês dizia do outro lado da cama, ajudando a forrá-la. – Também não gosto dessa situação, mas pense no meu lado.
— Eu já sei isso decorado, Minatozaki, não precisa repetir. – Bufou. – Você é casado com uma mulher já quista por muita gente nos negócios, você tem uma filha de apenas cinco anos, blá blá blá, eu sei! Droga! – Deu um tapa no travesseiro quando o colocou no lugar. – Será que não percebe como o casamento de vocês é estranho? A Kana vive viajando, você não sai nunca com ela quando estão os dois em Seul... Vocês nem vivem mais como um casal.
— Sooyoung... – Coçou a testa nervosamente. – Eu... Não é bem assim, vamos...
— Não é? – Encarou o homem. – Quando foi a última vez que vocês dois fizeram amor?
— Para com isso, Choi, que pergunta mais idiota!
— Nem se lembra, não é? – Continuou a intimá-lo. – Eu não aguento mais esperar por você, Shitara. Sempre novas desculpas, novos motivos. Você adia tudo. Tudo!
— Não posso pedir separação assim de repente, querida. – Chegou perto do corpo da coreana, que tentava se esquivar, mas não conseguia. – Espere mais um pouco, hm? Sana é muito apegada a mãe e não faz ideia de que eu estou apaixonado por outra. Nem minha esposa sabe...
— E o que pretende fazer? Continuar me encontrando às escondidas? – Gesticulou fortemente. – Eu não quero mais viver sendo a outra, Shitara. Não quero!
— Você é a única para mim, mas tem a Sana...
— Droga! Se não é uma, é outra! Nunca eu, nunca a Sooyoung! – Soltou-se dos braços do homem. – Não me ama mais, é isso? Arrumou outra amante?
— Para.
— Se tiver arrumado outra, boa sorte. – Dizia mansamente. – Eu duvido que ela consiga ser discreta como eu e te ajudar com sua esposa assim como eu faço. – Sentou-se na cama novamente, desolada. – Quando vocês dois brigam, eu acalmo a Kana para dar tudo certo. Quando ela me confidencia algo, eu te conto. Eu, sempre eu!
— Sooyoung, eu sei de tudo isso e aprecio. Sou grato, infinitamente grato. – Sentou ao lado da mulher. – Eu só peço um tempo, só mais um pouquinho, hm? – Segurou a mão da mulher. – Eu vou me separar e vou casar com você, eu prometo.
— Quando? Já faz um ano que me enche de falsas promessas.
— Assim que possível. – Sooyoung soltou a mão rapidamente. – Vamos, me diga o que posso fazer para te deixar mais calma.
— Você só pode fazer uma coisa: assumir nosso amor. Só isso e nada mais. – Levantou-se e ficou de frente para o homem. – Me assumindo, eu não precisarei de mais nada, afinal ser sua mulher já é o pacote completo.
— Como assim, querida?
— Estou dizendo que, quando finalmente se casar comigo, vai poder me tratar dignamente. E é isso que eu exijo. Quero ser bem tratada, Shitara, não aguento mais essa situação atual.
— Não está feliz com esse apartamento? Achei que gostasse dele... – Dizia sem jeito. – Tudo bem, nós podemos ajeitá-lo ou... Ou eu te compro um novo!
— Essa droga de lugar? – Desdenhou brava. – Você é milionário, Shitara, sua família mora numa manção, sua esposa só anda cheia de joias... E eu? O que eu tenho? – Seu tom já estava alto novamente. – Um cubículo para morar, sem luxo, sem joias, sem valor algum! É só para você poder vir em segredo e ir embora pela manhã. – Colocou a mão na maçaneta. – Assim como agora. – Riu com raiva.
— Sooyoung, eu vou resolver isso, tenha calma. – Levantou-se e ficou perto da mulher. – O que você quer?
— Eu quero tudo que a Kana tem, ela sempre tem o melhor. – Encarou o homem com os olhos vermelhos de ira. – Quero as joias, os presentes, as roupas caras. Eu quero me sentir valorizada assim como você faz ela se sentir.
— Vou fazer tudo isso acontecer, só me dê um tempo e... – Ia completar, mas a coreana o interrompeu.
— Não. – Abriu a porta. – Eu vou resolver isso de uma vez por todas.
— O que vai fazer, querida? – Aproximou o corpo da mulher, mas ela recuou. – Diga o que pretende.
— Sai. – Abriu ainda mais a porta, mas o homem não se moveu. – Sai, Shitara, ou eu juro que faço um escândalo. – Sem resposta. – SAI! AGORA! – Berrou muito alto, assustando o homem e o fazendo acatar finalmente.
**/**/2010
Tarde;
— Só liguei para saber como você está... – Dizia com a voz calma, mas hesitante. – Depois da nossa discussão você não respondeu aos meus e-mails e... Bem, eu fico preocupado.
— Não precisa ficar. – Respondeu séria, fria e dura. – A Kana já chegou da França?
— Deve estar pousando em Seul nesse exato momento.
— Você vai buscá-la no aeroporto ou eu devo ir?
— Ainda não sei, ela dirá. – Suspirou. – Como você está, afinal?
— Mais calma.
— Ótimo. Tudo se resolve com muita calma, hm? Paciência, querida, paciência...
— Preciso desligar agora, ok?
— Tudo be...
O homem ainda ia se despedir quando escutou o som da ligação encerrada.
A coreana havia passado parte da manhã pensando no que fazer para conseguir finalmente o que tanto queria: casar-se com Minatozaki Shitara. Ela o amava, afinal, amava a vida que o homem poderia lhe proporcionar e amava ainda mais tomar o lugar de Kana, sua melhor amiga. Quis que, a qualquer preço, o casamento fosse desfeito imediatamente.
Pegou o celular novamente e ligou para sua melhor amiga. Assim que Kana atendeu, feliz e simpática como sempre, Sooyoung proferiu os fatos da maneira mais dura, direta e fria possível. Usou um tom alvoroçado, sofrido, com adjetivos ofensivos e intrusos. Comentou sobre a intimidade dos dois, dando veracidade à história, e provocou a japonesa com ameassas crueis, usando sua filha Sana como argumento.
Desligou o telefonema sem despedida nem aviso prévio. Não pensou duas vezes em nada do que fez, até se orgulhava de tal.
Sorria mostrando os dentes, cantarolava uma música que vinha de sua cabeça e rodopiava pelo apartamento ao som da mesma. Tinha o coração leve, mente satisfeita e orgulho de si.
Ela só não esperava que Kana fosse reagir tão mal com a notícia. Naquela mesma tarde, dirigindo seu carro, a Minatozaki vinha a muitos quilômetros acima do limite. Tinha uma raiva absurda dentro de si, os olhos marejados e dor no peito pela traição.
Culpava-se e sentia-se estúpida, mas nada a fazia frear. Pelo contrário, a japonesa pisava mais forte no acelerador a cada momento, mesmo com o trânsito cheio, estando em plena luz do dia e com dificuldade de enxergar.
Naquela mesma tarde, num instante, algo parou Kana, seu carro, seus pensamentos e sua dor. A Minatozaki, para não bater de frente a uma bicicleta, vira o carro bruscamente, encostando no veículo apenas de raspão, salvando a vida do ciclista e não a sua. O carro deslisou pela estrada e capotou metros a frente, parando com os pneus para cima e fazendo Kana morrer na hora.
*
Shin Yuna –
Tópico 3
— A gente pode brincar com vocês? – Yuna diz com um sorriso largo no rosto ao chegar perto da grupo de crianças reunido.
— Sai fora, estranha. – Uma garota responde com expressão de nojo.
— "A gente" quem? – Um menino pergunta curioso, mas com intensões ruins por trás.
— Eu e meus papais. – Aponta para o lado, mas não há nada ali. – Podemos?
— Não! – Uma das crianças grita e sai correndo. – Saiam daí, ela é louca e vê fantasmas! – Berrou já de longe.
— O que? – A Shin pergunta confusa. – Não corram, eu só quero brincar. – Ia andando atrás das crianças, mas elas sempre se afastavam. – Por favor...
— Shin Yuna vê fantasmas! Shin Yuna vê fantasmas! – Uma menina disse com um tom debochado.
— Não vejo fantasmas, são meus papais!
— Seus pais morreram, garota. – Um menino se aproxima e diz sem filtros. – Sai de perto da gente!
— Mas... Mas... – Ameaçou chorar. – Meu tio disse que eu deveria sempre imaginar os dois comigo, mesmo que não estejam mais aqui... Não é por mal...
— Ninguém gosta de você, menina. – Uma criança empurrou Yuna para o centro da rodinha formada. – E você vê fantasma, então só pode ser bruxa!
— Eu não! – Dizia desesperadamente enquanto sentia seu corpo girar pela roda de crianças. Ela estava sendo empurrada de um canto a outro, sem saída e nem razão lógica para tal. – Me deixem sair, por favor.
Esse era mais um dia como todos os outros nos anos que Yuna passou estudando nas séries menores. Sempre repreendida, maltratada e intimidada. Não tinha coragem para dizer ao seu tio sobre, não fazia nada para mudar e só se entristecia com isso.
Tentava imaginar seus pais sempre, como Wang havia sugerido, numa tentativa de confortar a pequena que tinha perdido seus pais adotivos ao mesmo tempo, mas estava cada vez mais difícil tornar o pensamento realidade.
A cada conversa em voz alta que tinha, a garota se prontificava de checar se algum colega estava por perto. Sabia que se ouvissem, viraria chacota e sofreria mais. Foi crescendo, criando medos, raivas, e foi perdendo a inocência. Sua imaginação não era mais fértil como antes e agora não conseguia mais visualizar seus pais consigo.
Não conseguia e nem tentava. Evitava pensar neles, falar deles ou imaginá-los como antes. Era um assunto proibido dentro de casa e um pensamento ilegal em sua mente.
— Oi. – Yuna diz ao sentar ao lado de um garoto na biblioteca. – Podemos fazer o trabalho de história juntos? – A menina sorria largamente e tentava hipnotizá-lo com a íris, mas não sabia como o fazer. Era tímida, retraída e temerosa.
— Oh, eu já tenho uma dupla. – Apontou para outro rapaz que estava em pé pegando um livro na prateleira.
— Podemos fazer algo juntos, então? – Sorria mais um pouco e piscava um dos olhos de vez em quando. Yuna não sabia flertar, mas queria conseguir com esse rapaz, o rapaz de quem gosta há tempos, mas que só agora criou coragem para falar com ele. – O que me diz?
— Ah... Eu... – Coçou a nuca envergonhado. – Não posso, foi mal.
— Entendi... – Ouviu aquilo e imediatamente deixou seu sorriso morrer. Estava com mais vergonha que antes, mais triste e mais travada também.
— O que está fazendo conversando com essa esquisita, Jung? – Seu amigo finalmente volta para a mesa. – Esquisita, o que fazia conversando com meu amigo? – Riu alto com aquilo e seu amigo acompanhou timidamente.
— Ela só queria fazer o trabalho comigo, mas eu disse que já tinha dupla.
— Eu já vou. – Shin disse levantando devagar, mas foi impedida pelo garoto que chegara há pouco tempo. – O que foi?
— Você não é a filha do diretor Wang? – Analisou o rosto da menor.
— Não. Eu sou sobrinha dele.
— Aí, Jung, faz dupla com ela! – Bateu no ombro do rapaz. – Você pode se dar bem e conseguir mudar suas médias no sistema... – Ria junto do amigo, mas a garota estava séria e constrangida.
— Eu posso ir embora agora? – Pediu, mas não foi respondida. – Eu que não quero fazer dupla com ele! – Disse num tom mais elevado e com uma expressão raivosa.
— Eii, calma, esquisita. – O Jung disse. – Meu amigo só estava brincando com você... – Riu de leve. – Ele sabe que eu dispensaria a dupla com ele por uma razão apenas, e essa razão não é você ser sobrinha do Wang, relaxa.
— Que fofinho você tentando deixar ela mais calminha. – O menino disse debochando enquanto apertava as bochechas da Shin. – Ei, amigo, amigo... – Fingiu falar com um cachorro quando a garota empurrou sua mão para longe com violência. – Diz para ela qual seria o único motivo que te faria me dispensar como dupla, Jung. – Pediu seriamente.
— Se você fosse bonita. – Respondeu segurando a risada. – Ou menos estranha!
— Vocês são idiotas! – Levantou-se com raiva para ir embora.
— Se você fosse como a japonesa da turma A, quem sabe... – Disse quando a garota já tinha se afastado um pouco. – Se fosse como a Sana, nada disso teria acontecido. – A Shin só respondeu com o dedo do meio e rapidamente saiu correndo do local, indo para seu quarto com pressa.
Na pré-adolescência seus dias eram assim. A vida da Shin era dessa forma até então: regada a tensão, medo, tristeza e fraqueza. Felizmente, ou não, a garota conseguiu, no ano seguinte, dar a volta por cima.
Primeiro ano do ensino médio começa e Shin Yuna está mudada. Era cobiçada pelos garotos, amadas pelas estudantes mais novas e mais mimada ainda pelo tio. Todos a conheciam, menos ela.
Não tinha personalidade própria, apenas se moldou para deixar de ser motivo de piada. Criou uma raiva interna de muita gente, mudou de aparência, estilo e jeito. Agora ela enfrentava os outros, fazia o que fizeram com ela. Ameaçava, comprava e enganava qualquer um.
*
Kim Sanghun, Kim Hyemi –
Tópico 4
Dois jovens, sabidos, trabalhadores e apaixonados. Fazem faculdade juntos, se formam juntos, trabalham juntos e vivem juntos. Dois jovens felizes, animados e carinhosos. O casal perfeito, a dupla perfeita, os profissionais perfeitos. Numa junção de ambos, nasce sua primeira e única filha, batizada de Kim Dahyun, a pequena tem um início de vida de contos de fadas.
Mimada, paparicada, rica, linda, fofa. Todos os adjetivos positivos possíveis podem e são colocados na pequena Kim e na sua família.
Já endinheirados, mas não os mais ricos, já inteligentes, mas não especializados, o casal Kim ingressa em mais uma jornada juntos. Começam a trabalhar duro num escritório, alavancando suas carreias, aumentando suas fortunas e crescendo seus sobrenomes.
Era admirável como conseguiam prosperar tanto no direito e no trabalho, mas irônico como regrediam no afeto, no amor, e na família. O escritório era a casa do casal, os processos eram os filhos e o dinheiro era o amor, a união e o que bastava.
— Mei, eles já voltaram? – Dahyun pergunta entrando no quarto da empregada. – Você vai dormir aqui hoje, não vai?
— Sim, Tofu, eu vou. – Respondeu com um sorriso amarelo nos lábios. Odiava ter que fingir para a pequena uma realidade inexistente. – Seus pais viajaram.
— Viajaram? Para onde?
— Foram ao Japão, mas voltam logo, fique tranquila. – Chegou perto da pequena e a retirou do quarto, guiando a mesma até a sala.
— Por que eles foram para lá?
— Trabalho, Dahyun. – Sentou a garota no grande sofá e depois ficou ao seu lado. – O que foi, menina? – Perguntou ao notar um bico se formar nos lábios alheios e uma expressão triste se aproximar. Dahyun já tinha os olhos cheios de lágrimas e uma angústia forte em seu peito. – Ei, não chore. – Secou a primeira lágrima que caiu.
— Mei, por que eles não me chamaram para ir junto?
— É uma viagem de trabalho, você não ia gostar.
— Mas eu estaria com eles, claro que ia gostar... – Balançava a perna conforme falava rapidamente. – Estou com saudade deles, Mei.
— Oh, minha pequenina... – Abraçou o corpo da menor com compaixão. – Não fique triste, eles voltam logo, prometo.
— Mas quando que virão para casa? – Fungou. – Não os vejo levantar, nem ir dormir, nem comer. Nada.
— Você viu seu pai semana passada, não viu? Até conversou com ele por bastante tempo.
— Mei, você sabe que aquilo foi uma bronca. – Cruzou os braços emburrada. – Você sabe que ele só estava me repreendendo por causa da pegadinha na escola.
— Talvez devesse parar com essas paripécias, que tal? Assim ele não ficaria mais bravo com você. – Acariciou o topo da cabeça da menina tentando não entristecer com a menor, afinal Mei sabia que os Kim mais velhos não precisavam de motivos para tratar a filha com rudeza.
— É, pode ser. – Deu de ombros, soltando-se da mulher. – Mas eles não gostam quando eu choro também... Ficam de cara feia.
— Por falar nisso, a senhorita já tomou seus remédios hoje?
— Não. – Olhou-a desconfiada. – Você é a adulta, você que tem que me dar eles! – Brincou e riu. A mulher rapidamente tratou de providenciar os mesmos.
*
Pov Dahyun
— Dahyun, tudo bom? – Interrompeu meus passos pelo corredor.
— Oi... – Fiz força para lembrar. – Mi...
— Miyeon. – Completou.
— Isso! Miyeon. – Curvei-me rapidamente. – Vou bem. Por que?
— Queria falar com você, será que rola?
— Agora...? – Fiz uma expressão sem jeito, como quem dizia "agora não 'tô afim".
— Se possível, sim.
— Mas do que se trata? – Perguntei com pressa. – Não vejo que assunto teríamos, já que estudamos em salas diferentes, mas... – Ela me olhou profundamente. – Tem mais provas para eu entregar a Sana, é isso? – Ri fraco, mas ela só retribuiu, forçadamente, depois de um tempo. – O que é? – Cortei o clima leve e fui direta, eu estava começando a achar essa Miyeon estranha demais.
— Não sei se quer que eu fale aqui na frente de todo mundo. – Coçou a garganta forçando uma pose inocente. Desde já senti nojo da cara dela. – Ou melhor, que eu mostre aqui no corredor.
— Mostrar? Mostrar o que?
— Tem certeza?
— Desembucha logo, Miyeon. – Falei seriamente e a garota enrijeceu.
— É sobre isso aqui... – Virou a tela do celular para mim com um vídeo passando. Reconheci o local e reconheci também as pessoas.
— Que porra é essa?! – Perguntei com o tom de voz alto. – Onde arrumou isso? – Empurrei o celular para baixo e olhei em volta para conferir se alguém mais tinha visto.
— Eu que fiz. – Riu, mas eu continuei séria e confusa. – Digo, eu gravei, quem fez isso foi você e a S...
— Shh... – Tampei a boca dela com a mão, pois avistei a Minatozaki chegar perto para entrar na sala. – Fala baixo, ouviu bem? – Ela assentiu e eu tirei a mão quando Sana já estava longe. – O que você quer?
— Conversar.
— Você é tarada ou algo assim? – Falei sem filtros e os olhos da menina arregalaram de imediato. – Por que filmou... Hm... – Observei em volta mais uma vez. – Por que filmou meu beijo com Sana? – Sussurrei e ela riu sem disfarçar.
— Eu até shippo, acredita? – Riu mais um pouco, mas minha expressão séria a fez parar imediatamente. – Só quero conversar, pode ser?
— Onde e quando?
— Na boate que rolou isso aqui. – Mostrou o celular. – Esteja lá às sete horas, ok?
— Ok...
*
"Uma pena, mas é a vida que você leva
Você está tão à frente de si mesmo que esqueceu o que precisa
Embora você possa ver quando você está errado
Sabe, você nem sempre vê quando você está certo
Você está certo"
Chapter 17: Brain Damage.
Chapter Text
Brain Damage – Pink Floyd
"O lunático está no gramado
Lembrando de brincadeiras, cirandas e gargalhadas
Temos que manter os loucos na linha"
*
Pov Dahyun
" — Não conte isso para ninguém, Dahyun. – Miyeon dizia seriamente. – Nem seus amigos, ok?
— Pode deixar. – Falei seguramente"
— E aí foi isso. – Finalizei a narração do que aconteceu no bar, ocultando apenas uma parte. – Basicamente a Cho quer nossa ajuda para dar um fim na Yuna.
— Ela te pedindo para não contar e você soltando o verbo agora. – Chaeyoung comentou rindo. – Enfim, isso foi bom, certo? Esse lance da Miyeon.
— Foi e não foi. – Jihyo disse. – Ela quer o mesmo que a gente quanto à Yuna, mas não liga de prejudicar os outros... Jeito estranho de pedir ajuda, não acham? – Nos olhou desconfiada. – Já chegou ameaçando a Dahyun e pedindo segredo sobre isso... Sei não, viu?
— Ela tem mais a perder do que a gente, Park. – Falei. – Acho que podemos fazer essa parceria funcionar.
— Como? – Jeongyeon questionou.
— Miyeon disse que queria se vingar da Yuna e nós também queremos, mesmo que de formas diferentes. – Comecei. – O que pensamos foi falar com o senhor Minatozaki, que tem total respeito do Wang, e colocar a Yuna na linha, mas... Acho que isso não a deteria e nem seria suficiente.
— Eu acho que seria. – Jihyo me interrompeu. – Fazendo o Wang ver quem é a sobrinha dele e um pai super respeitado por ele exigindo uma atitude, conseguiríamos exatamente o que queremos.
— Deixar ela quieta, né? – Chaeyoung perguntou e Jihyo assentiu.
— Eu não quero só isso. – Falei. – Ela já fez muita merda, não só com a gente, não só com a Sana. A coitada da Miyeon é outra marionete para ela... A Yuna não vai sossegar até expulsar a Minatozaki e eu.
— Sim, Dubu, mas o plano da Jihyo faz acontecer exatamente o que a gente deseja: que a Shin pare de ser um pé no saco. Não precisamos revidar pior ou na mesma moeda, nós não somos assim... – Jeongyeon disse timidamente. – A gente faz as pegadinhas com você e você sempre leva a culpa, mas se for uma vingança, não tem como acreditarem que você foi a única responsável.
— Está com medo da reação da sua mãe, Yoo? – Perguntei irritada. – Não precisa fazer se não quiser. Isso é pela Seulgi, por nós e por quem aquela fudida faz mal constantemente. Nós fazemos bagunça na escola, mas maldade quem faz é ela.
— Dahyun, calma. – Chaeyoung disse preocupada. – Se a gente brigar, vai ser pior. – Tentou acalmar os ânimos, mas Jeongyeon estava arisca tanto quanto eu.
— Quer saber?! – A Yoo começou. – Você nem queria fazer o plano da Park porque envolvia se aproximar da Sana, só fez por pressão. E agora que eu quero que façamos algo simples, sem vingança, você usa o lance da Seulgi como cartada?! – Olhou-me com os olhos irritados. – Tem algo aí.
— Como é? – Perguntei ofendida. – Fala, Yoo! Fala o que você está pensando! Odeio esse mistério bobo. Se quer dizer, diz logo!
— Dubu... – Jihyo tentou intervir, mas nós duas não dávamos ouvidos. – Jeongie...
— Eu acho muito estranho essa mudança repentina de pensamento, Dahyun, acho mesmo! – A coreana mais velha dizia sem pesar. – Você não queria o que está propondo agora e depois de falar com a Miyeon, história que você contou muito mal, por sinal, aparece com novas ideias?! Algo não está batendo.
— Qual é?! – Disse nervosamente. – Vocês também acham isso? – Perguntei eufórica. – Hm? Acham?
— É... Dubu, 'tá meio estranho mesmo... – Minha melhor amiga comentou.
— Por mim, não importa. – Jihyo disse cansada. – Desde que detenhamos a Yuna, não me importa nada.
— Diz, Park! – Jeongyeon falou. – Você concorda comigo, eu sei disso.
— O que você está insinuando? – Perguntei.
— Que a Miyeon tem algo contra você e você está fazendo o que ela quer agora. – Disse sem filtros e sem demora. – Não quer nos contar o que é, afinal Kim Dahyun é a garota mais reservada do mundo, sabe da gente, mas nós não sabemos sobre ela! Droga, Dubu!
— Eu vou embora, essa conversa está uma merda e vocês estão insuportáveis! – Falei, catei minha mochila e saí.
Algo estava certo e algo estava errado. Jeongyeon errou quando disse que não me conheciam, elas todas sabem minhas manias, problemas, meu jeito com tudo. Sabe como fico quando tenho um segredo, quando me sinto ameaçada, etc. A Yoo acertou exatamente o que tinha acontecido: eu estava realmente escondendo algo.
"— Deixa eu ver se entendi... – Comecei. – Quer que eu te ajude a ferrar a Yuna do jeito que você quer, ou você vai explanar isso e prejudicar a mim com o vídeo? – Ela assentiu. – Pode explanar, 'tô pouco me fodendo, a vida é minha, beijo quem eu quiser. Quem vai sair de estranha é você por filmar, sua doente do caralho. – Beberiquei um pouco do meu whiskey e ela apenas observou. – Ficou muda, Miyeon?
— Estou deixando você achar que venceu. – Respondeu sem expressão. – Acha mesmo que eu viria aqui para propor apenas isso? Eu te conheço, Kim, sei que não liga pra porra nenhuma que possa te prejudicar, você até gosta. – Pegou meu copo e levou o mesmo para perto de si. – Eu te observo, esqueceu? A doente da Shin me obriga a fazer isso. Sua vida é muito agitada, cruzes!
— O que está querendo dizer?
— Que além de um bom gosto para bebidas... – Respondeu após um gole do álcool. – Também tem um teto de vidro como todo mundo do colégio.
— E? – Tomei meu copo de sua mão. – Acabou de dizer uma verdade: não ligo se me expuser ou algo assim, que se foda você, a Yuna e essa porra de vídeo. – Dei de ombros e ela riu. – O que foi, caralho?
— Não liga se você for exposta, sei disso. Mas como você lidaria se eu ameaçasse a Minatozaki?
— O que?
— Isso mesmo. O vídeo tem vocês duas, causaria problemas para vocês duas, mas sei que só essa ferramenta não te assusta. – Olhei fundo nos olhos dela e ela apenas sorriu. – Essa conversa nossa também está sendo gravada e eu sei adulterar áudios... Em resumo: Se não topar, eu dou um jeito de foder a Minatozaki e colocar a culpa em você. Depois do lance da piscina, não seria difícil convencer a japonesa que você é capaz de repetir a dose, certo?
— Diz o que você quer dizer de uma vez. – Falei irritada, mas mansamente. Ela tinha conseguido minha atenção e preocupação, o que me deixava ainda mais vulnerável.
— Simples: sei que seu grupo está planejando algo contra a Yuna, eu também estou. Quero ferrar ela exatamente como ela fez comigo esse tempo todo, mas não consigo sozinha e é aí que você entra com seus amigos.
— Estou ouvindo.
— Só preciso que convença, quem quer que esteja arquitetando o plano com você, a seguir do meu jeito. – Colocou umas notas de dinheiro na mesa e assoviou para o barman. – Não precisa me responder agora, pode pensar bem. Você tem até amanhã na escola para me dizer.
— E o que vamos fazer?
— Só te conto quando me der a confirmação.
— Como vamos nos encontrar? Ninguém pode nos ver.
— Use a peça da aula de Inglês para me mandar um sinal. – Bateu na mesa e entregou o dinheiro ao funcionário, levantando em seguida. – Deixa eu pensar... Abrace a Minatozaki!
— Como é?
— Isso. – Eu ia falar algo, mas a coreana não deixou. Rapidamente se afastou de mim."
Eu estava de mãos atadas. Não podia desistir do plano contra a Yuna porque a Seulgi merecia justiça, mas não podia concordar com a ideia da Park, senão a Miyeon faria algo contra a Sana e a culpa seria publicamente minha... Eu só podia obedecer, sem questionar ou vacilar.
*
Pov Sana
Acordo minutos antes do alarme. O Sol é claro e quente, mais que nos outros dias, e me força a despertar mais rápido ainda. Estou ansiosa, elétrica e eufórica. Todos os adjetivos enérgicos são cabíveis em mim nesse momento, mas de um jeito bom. Hoje é a apresentação de Inglês, onde vamos falar em frente a turma num idioma que não domino, mas com um roteiro mais que decorado por mim.
Forcei Dahyun a ficar em chamada de vídeo comigo na madrugada para ensaiarmos mais uma vez antes da apresentação e acho que foi proveitoso, apesar da coreana parecer aborrecida e inquieta com algo que desconheço. Tentei capturar a informação dela, mas eu não tinha nada a dizer em troca, como nosso trato propunha, então nada feito.
Faço todas as minhas necessidades rapidamente, cumprimento meu pai que já estava de saída também e logo estou dentro do carro de Tzuyu, com Nayeon e Jennie já nele. As conversas matinais não fazem muito sentido, mas não importa. Nós todas conversamos e rimos como idiotas tagarelas, tornando um começo de dia mais ameno e deixando as longas aulas de hoje menos tensas. Gosto de como nós nos damos bem.
— E aí, Sana-chan, preparada para morrer juntinha da sua maior inimiga da vida? – Tzuyu brincou e eu revirei os olhos.
— O nosso ato não é esse, sua boba! – Respondi enquanto caminhávamos todas juntas até a sala. – Mas, sim, estou preparada.
— O ato de vocês é muito romântico, credo! – Jennie disse rindo. – Ainda bem que o meu e o da Nay é bem leve e engraçado.
— O que foi? – A Im começou. – Não gostaria que eu te lançasse um "Jennie! Oh, Jennie Kim! Por que és tu, Jennie Kim?" – Brincou e fez uma pose exagerada de atuação. – Acho que combinamos, não acha? – Andava de costas, nos fazendo rir e rindo junto, o único problema é que não enxergava atrás de si. – Ai! – Berrou quando caiu no chão após esbarrar numa garota. – Porra...
— Desculpa, desculpa. – A menina ajudou minha amiga a levantar-se. – Mas foi você que não estava olhando... – Entregou os livros alheios.
— E você estava vendo e mesmo assim bateu em mim! – Recebeu os mesmos. – Não vai querer se vingar de mim por isso, né? – Encarou a morena de cabelos curtos seriamente. – Não suporto essas pegadinhas de vocês...
— Sai fora, mano. – A coreana retrucou e foi passando. – A gente não faz nada contra ninguém, se liga! – Entrou na sala às pressas e de forma irritada, indo em direção ao seu acento de sempre.
— Ai de mim! – A Im disse quando a outra se afastou. – Agora eu me ferrei muito, droga!
— Por que? – Perguntei.
— Não viu em quem eu esbarrei? A Yoo Jeongyeon é do grupo da Kim... Vão aprontar comigo com certeza!
— Deixa de ser doente, porra. – Tzuyu comentou entrando. – Eles estão cagando pra você, Im. – Bagunçou o cabelo da amiga ao passar. – A Yuna é o inimigo em comum, esqueceu?
— Eu prefiro me precaver. – Continuou. – Vou pedir um guarda-costas! – Sentou-se na cadeira e continuou a se lamuriar exageradamente.
— Que sono, Im Nayeon, que sono! – Falei. – Relaxa que ninguém vai fazer nada contra você, besta.
— Bom dia, lindezas. – Momo disse ao entrar junto de Mina. – Como estamos hoje e por que a Im está com essa cara de quem viu um fantasma?
— Ela esbarrou na Yoo e agora acha que a mesma vai fazer algo contra ela só por isso. – Jennie disse. – É louca, deixa ela. – Brincou e a Hirai riu, mas sua namorada não.
— Essa galera está cada vez mais próxima da gente, perceberam? – Nós lançamos um olhar curioso, mas o meu tinha uma pitada de nervosismo junto. – A Sana fazendo trabalho com a Dahyun, a Tzuyu conversando com a Jihyo e agora a Im se batendo com a Yoo... Faltam três daquele lado e três desse. Qual vai ser a próxima interação? – Sentou-se e nos olhou intrigada. – Ainda não entendi duas dessas...
— Deixa de ser louca, cara. – Tzuyu comentou. – Conversei brevemente com a Park, você sabe que sou gente boa, e não nos falamos mais. Não curto aquele grupo, mas também não sou pirada que nem você e a Nayeon.
— 'Tô com a Tzuyu. – Momo disse e recebeu um olhar reprovador de sua parceira. – Desculpa, amor, mas é a verdade. Acho essa implicância sem sentido...
— Sem sentido? O... – Ia dizer algo, mas a professora adentrou o recinto antes que pudesse continuar.
— Bom dia, queridos. – Tiffany diz ao fechar a porta atrás de si. – Vamos começar as apresentações?
Olhei para Dahyun assim que a professora disse isso. Ela me encarou brevemente sem expressão alguma, o que me deixou atordoada. Meu medo era que ela agisse exatamente como no primeiro ensaio, como um robô.
Enquanto a primeira dupla se organizava na frente, eu escrevia um bilhete para jogar em direção a Kim. E lancei assim que finalizei:
Que foi? Espero que não fique com essa cara na hora da apresentação...
Ela recebeu, escreveu algo muito rápido e jogou de volta:
Relaxa.
Li, irritei-me com a pouca comunicação e continuei:
O que foi? Está preparada mesmo? Se quiser falar algo...
Ela leu e repetiu o processo.
Nada. Estou. Não quero.
Devolvi:
Nossa, quanta comunicação!
Mais rápido ainda, recebo o bilhete de volta:
Você é chata.
— Muito bem! Foi ótimo. – Tiffany disse quando a primeira dupla terminou. – Quem gostaria de ir agora?
— EU?! – Berrei, respondendo ao bilhete em voz alta sem querer.
— Ok, Sana e Dahyun, podem ir. – A professora falou e eu enrijeci. Levantei olhando para Dahyun que agora tinha os olhos arregalados, lábios comprimidos e agia de um jeito estranho. Como se quisesse me matar por ter feito nossa apresentação acontecer mais cedo que o esperado. – Romeu e Julieta, cena dois, ato dois. – Young continuou quando nós duas nos posicionamos. – AÇÃO!
— Ai de mim! – Falo.
— Oh, falou! Fala de novo, anjo brilhante! – Ela continuou.
— Romeu, Romeu! Ah! por que és tu Romeu? Renega o pai, despoja-te do nome; ou então, se não quiseres, jura ao menos que amor me tens.
— Continuo ouvindo-a mais um pouco, ou lhe respondo? – Perguntou a si mesma, em sussurro.
— Meu inimigo é apenas o teu nome. Que há num simples nome? O que chamamos rosa, sob uma outra designação teria igual perfume. Assim Romeu, se não tivesse o nome de Romeu, conservara a tão preciosa perfeição que dele é sem esse título. Romeu, risca teu nome, e, em troca dele, que não é parte alguma de ti mesmo, fica comigo inteira. – Dahyun aproximou-se de mim, respirou fundo para continuar e seguiu.
— Dá-me o nome apenas de amor, que ficarei rebatizado.
— Dize-me como entraste e porque vieste. Muito alto é o muro do jardim, difícil de escalar...
— Do amor as lestes asas me fizeram transvoar o muro!
— Amas-me? Ó meu gentil Romeu! Se amas, proclama-o com sinceridade.
— Juro pela santa lua...
— Não jures pela lua, essa inconstante, que seu contorno circular altera todos os meses, para que seu amor não seja assim, mudável.
— Se o amor sincero deste coração...
— Para! não jures; muito embora sejas toda minha alegria... Boa noite, meu querido. – Falei com a mão no peito, num volume alto e próxima demais de Dahyun.
— Vais deixar-me sair mal satisfeito? – Ela perguntou como o roteiro dizia. Sua voz era mais baixa que a minha, era calma, mas era envolvente. Seu olhar era no meu, como normalmente não está. Sua segurança era nova para mim.
— Que alegria querias esta noite? – Perguntei fazendo-me de inocente, assim como Julieta.
— Trocar contigo o voto fiel de amor. – Falou sem vergonha alguma, tocou nas minhas mãos e as levantou levemente, entrelaçando nossos dedos de forma delicada.
— Antes que tu o pedisses, já era teu. Mas desejo te dá-lo ainda.
Devolvi o olhar penetrante da Kim sobre mim e ela, pelo personagem ou por si mesma, não desviou e permaneceu no mesmo estilo de antes. Nossas mãos suavam uma na outra, mas a sala era gelada. Nossas respirações estavam descompassadas, nossos corações acelerados e nossas mentes nervosas, mas nada podia ser feito. Tínhamos que fingir, atuar e agir como se tudo fizesse parte da peça.
— Deseja mesmo?
— Minha bondade é como o mar: sem fim e funda. Posso dar-te sem medida, que muito mais me sobra: ambos são infinitos. – As metáforas antes me fariam rir, mas agora me dava vontade.
— Venha, Julieta! – Tiffany lê a fala a da ama, como combinado.
— Adeus, amor! Adeus! – Falei empurrando Dahyun. – Ama, vou já! – Assisti Dahyun fingir que pulou a janela da peça e me olhava, agora, lá de baixo. – Romeu querido, só três palavrinhas, e boa noite outra vez. Se estiver falando seriamente, amanhã cedo dar-te um jeito de me deixar saber, mas se não estiver... Deixe-me sozinha com minha dor e ilusão.
— Juro pela minha alma... – Sorriu sapeca, de um jeito orgulhoso, encantador. Romeu ganhou o coração de Julieta ali.
— Boa noite vezes mil! – Falei sorrindo mais largamente ainda, afastando-me da "janela".
— Não, má noite, sem tua luz gentil! O amor procura o amor como o estudante que para a escola corre... – Não contive o risinho ao notar como isso era semelhante à Kim, que quase sempre chega atrasada.
— Psiu! Romeu, psiu! Oh! – Retornei à "janela". Fingi não o ver de primeira. – Chamaria mil vezes o nome de meu Romeu... – Suspirei apaixonada.
— Minha alma é que chama pelo teu nome! Que doce som de prata faz a língua dos amantes à noite. – Ruborizei sem querer e ela quando notou desviou, finalmente, o olhar. – Amantes como nós. – Não deixei de franzir o cenho por não lembrar de ter essa fala na parte de Romeu. Seria um improviso?
— Nove horas está bom para me falar sobre sua decisão? – Assentiu. – Só parece que até lá são vinte anos... Esqueci-me do que tinha a dizer!
— Deixa que eu fique parado aqui, até que te lembres. – Usou o mesmo sorriso bobo, fazendo Julieta retribuir. Eu sorri de volta e o olhar dela encontrou o meu. Ali a sala era nossa, os alunos tinham sumido e nossas falas não pareciam teatro.
— Eu esqueceria mais vezes só para te ter parado aí, recordando-me de como adoro tua companhia. – Era eu falando também. Dahyun estava se tornando alguém muito... Muito legal de se ter por perto.
— E eu ficaria, pois é recíproco, Jap- – Interrompeu a si mesma, por errar de leve a fala, deixando-me nervosa e ficando do mesmo jeito. – É recíproco, querida.
— É quase dia, queria que já tivesse ido, só não tão longe como uma menina brincalhona solta seu passarinho ao abrir as mãos...
— Queria ser teu passarinho. – Mais uma vez o sorriso, a pose despojada, o jeito seguro e bobo. Romeu era tão... Ou Dahyun era... Não sei.
— O mesmo, querido. Também adoraria. Mas agora precisas ir, adeus! – Falei alto, acenando e sumindo da "janela".
— Boa noite, Julieta! Minha Julieta! – Dessa vez eu identifiquei. Esse foi realmente um improviso.
A cena termina e tudo volta a existir em meus olhos: os alunos, a professora, o teatro. Minha mente está confusa, intensa, como se eu tivesse passado por uma situação de euforia, mas não foi o caso. Pelo menos é o que eu acho.
Meus pensamentos eram estranhos e novos, eu fiquei mais confusa, um tanto relutante, mas desisti de brigar comigo mesma rapidamente. Eu só aceitei que estava, sim, achando Dahyun a coisinha mais linda e fofa do mundo, fora que o jeito relaxado dela fazia meu estômago revirar e minha mente trabalhar em cenários bem específicos.
Eu já havia sentido o gosto da boca de Dahyun, a leveza de seus lábios e beijo, nada parecia novo, mas ela nunca me deixa saber seu próximo passo, então sou pega de surpresa com um abraço rápido, mas muito bom vindo dela. Nós nos curvamos após isso e após as palmas, nos dirigindo até os nossos assentos mais uma vez.
*
Pov Narrador
— Já falei com a Dahyun, Yuta. – Miyeon disse. – Ela aceitou, vi quando abraçou a Sana na aula de hoje. Acho que só essas duas não perceberam que...
— Que o quê? – O rapaz questionou intrigado.
— Nada. – Deu de ombros e mudou de assunto. – A Yuna está crente que sou fiel a ela e que vai expulsar a Sana e a Kim da escola logo logo.
— Mas na verdade só a Sana vai, certo?
— Exato. – Sentou no colo do garoto. – Preciso de uma prova contra a Yuna, coisa que só vou conseguir se ela expulsar a Sana. E, em troca da ajuda indireta da Dahyun para isso, eu garanto que ela mesma não seja expulsa junto.
— Mas você não ia contar um plano para ela? Achei que a Kim tinha aceitado tudo isso para não prejudicar a Minatozaki.
— E foi, mas tive que mentir, meu bem. Só assim aquela coreana esperta aceitaria. Ela não sabe, mas vai estar me ajudando muito contra a Yuna e contra a Sana também... – Fingiu pesar. – Não tenho nada contra a japonesa, mas preciso pensar em mim primeiro, certo?
— Não dava para ser honesta com a Kim?
— Infelizmente, não. Nada no mundo a faria cooperar comigo, do jeito que eu quero e com essas consequências... Fiz o que tinha que fazer. Você entende, certo?
— Claro que sim, é você ou ela, afinal.
— Isso... – Beijou o rapaz e quando terminou, pegou o celular rapidamente. – Vou começar a dar as coordenadas para a Kim agora mesmo. – Mostrou a tela com o chat de Dahyun aberto.
Miyeon: Aonde está indo agora?
Dahyun: Lugar algum, por quê?
Miyeon: Preciso que comece o nosso combinado.
Dahyun: Fala.
Miyeon: Vá ver a Sana. Diga-me sobre o pai e a madrasta dela, apenas isso.
Dahyun: Pra que? O que eles têm a ver com seu plano?
Miyeon: Não devia te responder, pois não é da sua conta, mas eu vou, já que estou de bom humor.
Miyeon: Preciso assegurar que nada aconteça com eles também.
Dahyun: Como assim?
Miyeon: A Yuna prejudicaria qualquer um, Dahyun. Se queremos acabar com ela, precisamos saber todos os passos da Shin, concorda?
Dahyun: Faz sentido...
Dahyun: Ok, estou indo.
Dahyun: Espera. Mas o que eu vou fazer lá? Digo, qual meu pretexto? Não posso chegar do nada.
Miyeon: Dahyun, não preciso ditar tudo e você sabe exatamente o que fazer a sós com a Minatozaki. ;)
Dahyun: Não gostei disso. Estou indo.
*
Pov Dahyun
— Dahyun? – Sana diz ao abrir a porta e me ver. – O que faz aqui?
— Boa noite para você também, Sana. Sim, eu estou bem, obrigada por perguntar. – Comecei a provocar. – Oh, se eu quero entrar? Seria ótimo, já que aqui fora está um frio desgraçado!
— Entra... – Deu passagem e assim o fiz. – O que faz aqui?
— Caralho, você realmente não tem modos, japonesa! – Falei rindo e ela me fitou. – Certo... Acho que podemos fazer o nosso combinado agora.
— Qual dos?
— O que compartilhamos segredos. Deve ter notado que não estava muito bem hoje, né?
— Sim, notei. Mas não sei se tenho algo para dizer em troca.
— Com certeza tem. – Agarrei seu pulso e a puxei para a porta da casa. – Me convida para entrar, abre a porta e fecha depois que eu estiver dentro. – Sorri sapeca e assim ela o fez, depois de desdenhar. – Obrigada, querida. – Pisquei um dos olhos e entrei de costas.
— Boa noite. – Ouvi uma voz feminina e me espantei, virando-me para o som em seguida. – Quem é você?
— Sou a...
— Uma amiga, Sooyoung. – Sana me interrompeu e começou a me empurrar até as escadas.
— Espera, japa! – Finquei os pés no chão, impedindo que ela continuasse a me afastar dali. Depois que ela desistiu, virei-me novamente para a mulher e a encarei, chegando perto dela e curvando-me em seguida. – Sou Kim Dahyun. – Estiquei a mão e ela foi apertar, mas eu dei um soquinho como cumprimento. – Boa noite, tudo certo?
— Ai meu deus... – Ouvi a reclamação de Sana ao fundo, mas não liguei.
— Boa noite. – Recolheu a mão. – Vou bem e você?
— Massa demais. – Sorri largamente e notei a Minatozaki ferver perto de mim, quase me empurrando de novo. – Ah... Acho melhor eu subir, ou ela me mata aqui a sangue frio! – Brinquei e a mulher não expressou reação alguma. – Prazer, viu? – Senti meu pulso ser agarrado com força e meu corpo ir em direção a escada novamente. – 'Tá vendo aí? – Ri apenas aceitando o empurrão de Sana.
— Você é louca?! – Ela falou quando entramos em seu quarto.
— Eu?! – Coloquei a mão no peito, fingindo mágoa. – Só fui educada, diferente de você comigo mais cedo.
— Enfim... – Arfou cansada e aborrecida, sentando-se em sua cama. Eu me sentei na cadeira giratória que estava em frente. – O que você tem a falar?
— Trouxe uma coisa para você antes de começarmos a terapia. – Mexi na mochila e ela encarou com curiosidade. – Aqui. – Entreguei.
— Você que fez? – Ela sorriu largamente e não conteve as bochechas vermelhas ao ver o desenho que fiz. Era Romeu e Julieta numa pose de "V" com os dedos, olhos arregalados, língua para fora num sorriso largo. Além de cabelos longos e coloridos. Fiz questão de deixar o Romeu com minha cara e a Julieta com a cara de Sana.
— Sim, você curtiu?
— Achei bem engraçado, mas está lindo. Obrigada, loirinha. – O clima havia ficado leve. – Você é boa desenhando.
— Isso é uma bobagem, não é pra tanto. – Minha vez de ficar com vergonha. – Eu começo a falar ou você?
— Você fez meu nariz enrugado... – Disse baixinho ainda encarando o desenho.
— Sim, ele fica assim sempre que você sorri. – Disse como quem não quer nada, mas a japonesa ainda sorria e achava muito legal.
— Você reparou nisso, é? – Me olhou, mas não me deu tempo de lhe responder. – Você começa a falar.
*
"O lunático está em minha cabeça
Você ergue a lâmina, você faz a mudança
Você me rearranja até eu ficar são
Você tranca a porta e joga a chave fora
Há alguém em minha cabeça, mas não sou eu"
Chapter 18: Get Free.
Chapter Text
Get Free – Lana Del Rey
"Às vezes parece que tenho uma guerra em minha mente
Eu quero sair, mas continuo seguindo em frente
Eu nunca percebi que tinha que decidir
Jogar o jogo de alguém ou viver minha própria vida"
*
Pov Sana
— Você começa a falar. – Disse ao levantar a vista do desenho para encarar o rosto de Dahyun.
— Você começa.
— Mas eu te disse que não tenho nada para dizer em troca...
— Ou você diz algo ou eu fico caladinha. – Fingiu passar um zíper na boca. – Por que não me fala sobre sua mãe? – Perguntou sem receio algum.
— Oh, ok... – Demonstrei surpresa e ela parece não se abater. Era curioso como do nada sua postura mudava, seu jeito variava e, mesmo assim, eu sempre acabava cedendo. – O nome da minha mãe era Minatozaki Kana, ela morreu quando eu tinha cinco anos, morreu num acidente.
— Isso você já tinha me dito.
— Verdade... – Suspirei um pouco e continuei em seguida. – Quer saber por que fiquei tão triste em não poder dançar na final do campeonato em Busan? – Assentiu. – Minha mãe era líder de torcida quando tinha minha idade. Depois que eu nasci, fui muito incentivada por ela a dançar. Ela queria que eu fosse líder também, então assim o fiz.
— Mas gosta disso ou só fez por que era um sonho de sua mãe?
— Eu realmente gostava. Me sentia mais perto dela e pensava que estava dando orgulho a ela mesmo que de longe, entende? – Assentiu. – Esse livro aqui. – Afastei-me na cama e peguei 'O Pequeno Príncipe' que estava na mesinha de cabeceira. – É o meu favorito da vida, foi minha mãe que me deu. – Entreguei a ela com a primeira página aberta. – Aí tem uma dedicatória, onde ela fala sobre eu ser uma "mini ela". – Ri fraco ao dizer, era uma memória boa, um fato confortante.
— Sua mãe era maneira. – Falou quando leu. – Foi por causa desse livro que começou a gostar de literatura?
— Como sabe que gosto de literatura?
— Você costuma deixar isso bem claro... – Ela sorriu desconfiada. – Desculpe ter feito você perder a apresentação. – Colocou o livro atrás de si, na minha escrivaninha. – Eu juro que não queria que aquilo tivesse acontecido, era para ser na Yuna...
— Eu sei disso, agora eu sei. – Lancei um sorriso gentil para a menina que tinha uma expressão penosa. – Eu te desculpei no segundo em que li sua cartinha extremamente formal.
— Eu sei que você é uma chata com redação, então me esforcei para não errar a gramática e a estrutura textual de uma carta. – Revirou os olhos me provocando.
— Ei! – Joguei uma almofada nela, que segurou prontamente, impedindo que a acertasse em cheio. – Você é chata, Kim Dahyun... – Arfei emburrada.
— Eu? Eu sou chata? – Levantou-se da cadeira e com a mão no peito, fez cena fingindo mágoa. – Venho até sua casa e é assim que me trata?! – Encarava-me de longe.
— Sim. É uma chata, a mais chata do mundo! – Reforcei, indo mais para trás da cama, já imaginando o que viria a seguir.
— Você vai ver quem é chata! – Jogou a almofada de volta em minha direção, exatamente como imaginei, mas não consegui evitar que a mesma me atingisse. – Um a zero para Kim Dahyun! – Virou-se de costas, com as mãos para o alto, fingindo comemorar uma cesta de três pontos no basquete.
— Aham... – Falei baixinho, aproveitando o momento distraído da coreana e, finalmente, acertando-a com o mesmo objeto. – Dois a um para Minatozaki Sana! – Comemorei um pouco diferente da mesma, ficando atenta caso ela atacasse novamente.
— Você sempre rouba em jogos, é? – Virou-se para mim e me encarou. – Eu acerto em você e ganho um ponto. Você acerta uma vez em mim e ganha dois?! – Perguntou indignada e eu ri.
— A culpa não é minha se você é lerdinha... – Levantei da cama, fiquei perto dela e agarrei a almofada de novo. – Só por precaução estarei tirando essa arma da sua mão, ok?
— Besta... – Soltou um arzinho pelo nariz e se afastou, sentando-se no lugar de antes, eu fiz o mesmo e me deitei, ainda um pouco sentada, no meio da cama virada de frente para ela. – Mais alguma coisa para acrescentar a sua história?
— Não. Acho que já falei demais, então é bom que me diga algo à altura! – Exigi abusada.
— Posso ser sincera? – Perguntou do nada e eu estranhei, mas assenti rapidamente. – Eu não tinha o que dizer de fato, só vim.
— Por que veio?
— Eu quis.
— Mas vai ter que me dizer algo, esse é combinado.
— E se eu não disser? – Provocou com uma carinha sapeca, deixando-me irritada e um tanto atiçada também.
— Você vai dizer. – Endireitei-me na cama e encarei seriamente seus olhos fujões. – Não vai?
— Vou... – Sua pose rebelde se desfez num instante, não pude esconder o riso com a cena. – Deixa eu pensar... Por que não me pergunta algo, assim como fiz com você?
— Certo. – Pensei um pouco. – Você disse que já fez terapia... Tem algum motivo para isso?
— Sim. – Respondeu de imediato.
— Poderia alongar a resposta...? – Falei aborrecida.
— Siiiiiiimmmm.... – Brincou, mas eu permaneci séria. Não vou negar que achei engraçado, mas se eu risse, ia dar muita bola para a Kim. – Ok... Eu nunca fui uma criança muito fácil de lidar, entende? Meus pais sempre tiveram muita dificuldade em me entender e então me enviaram para a terapia e para psiquiatras diversos.
— O que você tem, de acordo com os profissionais?
— Algumas condições... – Falava timidamente, encarando o chão como sempre, mas dessa vez batia a perna sem parar. – A começar pela agitação. Sempre fiz muita coisa ao mesmo tempo, nunca me cansava, com dificuldade ia dormir e sempre queria mais e mais.
— Você era tipo hiperativa?
— Isso. Mas ao mesmo tempo que tinha energia de sobra, também tinha de menos... Não sei se você consegue entender isso, mas era como se eu focasse muito em certas coisas e em outras eu fosse completamente estática, quase um robô.
— Um hiperfoco?
— Exato. E isso aborrecia os meus pais, afinal eles queriam que eu fosse algo, que eu nunca consegui ser. Me levaram ao psiquiatra pela primeira por conta disso. Não lembro minha idade, mas foi muito cedo. – Dizia sem pausas. – O médico disse que eu tinha TDAH.
— Eu sei o que é, conheço os sintomas. – Falei naturalmente, tentando deixar a garota mais relaxa. – Não é incomum e nem um bicho de sete cabeças... Por que seus pais agiam tão rigidamente?
— E não é mesmo. Isso sempre me prejudicou, mas eu sabia lidar... O que eles realmente não suportavam era quando eu chorava.
— Como assim?
— Eu não costumo chorar muito hoje em dia, mas se acontecer, é escandaloso, muito intenso. – Começou a estalar os dedos. – Eu chorava muito quando criança, mas ao mesmo tempo ria muito, brincava muito. Era tudo muito misturado e intenso, sabe?
— Sei.
— Isso começou quando eu tinha uns sete ou oito anos, bem depois do TDAH, que já nasceu comigo.
— E era com essa novidade que seus pais não lidavam bem?
— Sim. Principalmente essa, na verdade. Eu tenho transtorno de personalidade, Sana. – Olhou-me com pesar, mas logo o olhar fugiu de mim. Parecia tímida, com vergonha de si. Eu quis abraçá-la ali mesmo, mas senti que não deveria. – Chamam de borderline. Não é muito comum em crianças e se manifesta principalmente devido à criação...
— Eu já ouvi falar, mas não entendo muito.
— Eu tomo remédios que me ajudam a manter a calma, já que os dois transtornos que tenho deixam meus nervos muito aflorados. Comecei a me medicar muito cedo, já que fui ao psiquiatra muito cedo também e por isso não tenho uma memória boa, uma rotina estável e uma mentalidade apropriada.
— Como assim "mentalidade apropriada"?
— Tenho dezessete anos, Sana. Estou na idade de namorar, transar, curtir. Mas não consigo nada disso. Eu travo, não sei se faço direito e não consigo manter nada por muito tempo.
— Suas amigas estão ao seu lado há anos, não?
— Sim, mas só porque eu me esforço além do normal... Acho que o fato de eu não demonstrar muito sentimento para elas, as fazem gostar mais de mim.
— Não acho isso, elas gostariam de você de qualquer jeito.
— Queria acreditar nisso... Os remédios me deixaram insegura demais, fora os traumas. Adquiri alguns vícios nesses curtos anos de vida que eu tenho, mas pelo menos quando usufruo, me sinto melhor.
— Você diz fumar e beber?
— Exato.
— Dahyun...
— Eu sei que não é certo, mas fazer o quê? O que é certo na minha vida? – Olhou-me finalmente, como quem pedia socorro. – Meus pais não souberam lidar comigo, fuderam minha cabeça e organismo e mesmo assim eu ainda me importo com eles e desejo muito a atenção deles.
— Eu sinto muito, de verdade. – Cheguei perto de si, mas não a toquei. – Você disse que só faz aquilo na escola para chamar a atenção deles, agora eu entendo por que isso é tão importante...
— Eu queria que não fosse. – Olhou-me de baixo para cima. Eu quis mais ainda abraçá-la, mas não tive coragem. – Se não fosse a Mei, não sei o que seria de mim, juro.
— Ela é uma fofa.
— É como uma mãe para mim.
— Posso imaginar. – Sorri de leve para ela, que devolveu rapidamente. – Se ela te faz bem, então eu já gosto dela. – Coloquei a mão em seu ombro com receio e ao notar que ela não achou ruim, prossegui com um carinho leve. – Você ainda toma remédios?
— Sim, mas bem menos. Estou no desmame e não posso vacilar.
— Posso perguntar algo? – Ela assentiu. – Se for invasivo, não precisa responder.
— Pode perguntar.
— Você estava mais fechada hoje cedo... Aconteceu algo ou...
— Ou é só meu problema agindo? – Completou sem filtros e eu assenti hesitante. – Aconteceu algo, sim. Mas não posso te dizer.
— Por quê?
— Seu pai não está em casa? – Perguntou do nada, ignorando minha pergunta anterior.
— Está no trabalho.
— Fazendo carne ruim?
— Idiota! – Ela gargalhou. Foi uma risada gostosa, impossível de não acompanhar. – Eu posso te ajudar?
— Com o que, Minatozaki? – Girou a cadeira até ficar colada em mim e completamente de frente.
— É sério... – Falei timidamente ao sentir o couro gelado da cadeira em minhas pernas e o olhar da coreana quente sobre meu rosto. Ela realmente muda de atmosfera muito rapidamente e eu acho que gosto disso. – Posso te ajudar a lidar melhor com seus problemas, vícios e... E ajudar na relação com seus pais. Você aceita minha ajuda?
— Não vejo como você vai conseguir isso, Sana. – Desviou olhar e disse com a voz sem graça.
— Deixa eu tentar?
— Deixo... – Acatou e levantou da cadeira. – Acho que já vou.
— Já? – Falei surpresa e um pouco chateada. – Por quê?
— Eu briguei com uma amiga e estou me sentindo culpada... Acho que vou passar na casa dela e me desculpar.
— Posso te dar um abraço? – Perguntei com vergonha e ela me olhou espantada. – Estava com vontade desde que começou a falar sobre você, mas tive receio... Posso?
— O que eu ganho se deixar? – Falou provocativa e eu apenas revirei os olhos, fazendo a garota esquecer disso e acatar meu pedido. – Pode...
Não esperei nem um segundo após sua confirmação, quase voei em seus braços e a fechei em mim. Apertei de leve o corpo gelado e estático da garota, sentindo apenas as pontas de seus dedos tímidos em minhas costas. Folguei o abraço, mas ele ainda acontecia, e fazia disso um pedido implícito de que ela me segurasse também.
Dahyun parece ter entendido, a sua maneira, claro, e retribuiu de forma suave, mas calorosa. Suas duas mãos pairavam completamente em minhas costas, seu queixo no meu ombro e sua respiração um pouco acelerada era sentida por mim em minha nuca. Era gostoso, simples. Era inocente e puro. Era bom.
Íamos nos soltar de vez, eu ia deixar Dahyun na porta e ela partiria até a casa de sua amiga, mas as coisas fluíram de outra forma. Quando o abraço foi acabando, nossos corpos desgrudando e nossos rostos se encarando, uma necessidade mútua nos consumiu e não deu outra.
Dessa vez ela me beijou. Eu retribuí, claro, mas sua iniciativa me deixou quente, tímida e boba. Ela me beijou lentamente, com a boca leve, com a língua solta. Encaixou como sempre, foi bom como nunca pude imaginar. Eu senti o nervosismo de Dahyun em mim, ela sentiu o meu nela. Aconteceu alguma coisa nesse beijo, mas nós não sabíamos o que.
Ela afastou-se primeiro, mas quem falou algo a princípio foi eu. Seus olhos fujões estavam quietos nos meus, sua boca avermelhada combinava com a minha, e seus cabelos loiros bagunçados eram o toque final. Ela estava linda, singela. Dahyun era ela, eu era eu. E nós... Nós acontecemos.
— Anda, Kim, vá se desculpar com sua amiga. – Afastei-a de mim e ela sorriu sem mostrar os dentes. – Sai antes que eu não deixe você escapar nunca mais. – Falei boba.
— Sana... – Ela diz com a voz baixa e rouca, encarando meus olhos brilhantes. – Seu nariz está enrugadinho como no desenho. – Tocou no mesmo com a ponta do dedo. – Quer saber um segredo?
— Qual? – Franzi o cenho e a olhei seriamente.
— Mas não pode contar para ninguém, ok?
— Ok, diz logo!
— Você é linda sorrindo. – Afastou-se rapidamente enquanto dizia aquilo numa velocidade impressionante. Abriu a porta e passou para o outro lado. – É segredo, ok? – Bateu a porta antes que eu pudesse responder.
Me deixou sozinha, muda e boba. Meu coração era descompassado, minha cabeça agitada e meu corpo estava formigando. Eu sorri por muito tempo. Desde que o beijo acabou e até depois que ela foi embora. Toquei meu nariz lembrando do ato que ela fez e me deixei amolecer mais ainda.
— Eu guardo seu segredo, Kim Dahyun... – Falei deitando-me na cama. – E você também é linda sorrindo...
*
Pov Dahyun
— Dubu? – Jeongyeon disse colocando a cabeça para fora da janela e me vendo encostada no meu carro. – Veio dar uma de Romeu?
— Ele joga pedrinhas na janela da Julieta assim como eu fiz com você agora? – Perguntei.
— Não sei, nunca li o livro. – Deu de ombros.
— Nem eu. – Concordei e nós rimos de leve. – Queria falar com você, será que pode descer?
— Não sei, você é perigosa... – Brincou. – Uma da manhã, num carro escuro e rua deserta? Sei não, viu?
— Desce logo, sua besta! E desce pronta para sair.
— Ué? – Me olhou intrigada, mas logo saiu dali e veio ao meu encontro exatamente como pedi.
— Entra. – Disse quando ela surgiu na porta.
Assim o fez. Eu dirigi sem falar o assunto principal, nós duas só falávamos coisas aleatórias sobre a escola, a paisagem e a hora da madrugada. Ela sabia meu jeito e eu sabia o dela. Nisso somos muito parecidas. Odiamos brigas, o clima ruim que fica e quando vamos resolver, tem que ser de um jeito honesto, suave e tranquilo.
Chegamos num parquinho de crianças, vazio, frio e nostálgico. Estacionei e nós descemos rapidamente. Fomos para um balançador, ficando cada uma sentada em um dos bancos, mexendo devagar para frente e para trás, sentindo o vento gelado da madruga, ouvindo o silêncio da rua vazia e curtindo a companhia.
— Você estava certa. – Disse olhando para frente, mas a vi virar a cabeça para mim em confusão. – Sobre a história da Miyeon estar mal contada.
— Vai me contar a versão correta agora?
— Sim, mas eu preciso que isso fique entra a gente, Jeongyeon. – Olhei para ela e denunciei o desespero. Ela assentiu sem pestanejar. – Muita gente já está envolvida nisso e podem se prejudicar, não posso vacilar, é sério...
— Eu guardo segredo.
*
— E você não quer que a Sana seja expulsa, por isso vai ajudar a Miyeon? – Assenti. – Mas por que ela foi falar com você para te chantagear?
— É... – Arfei envergonhada. – Eu e Sana nós... Nós nos beijamos aquele dia na balada e a Miyeon gravou.
— O QUE?! – Berrou e logo tampou a boca por notar o horário e o local. – Puta que pariu, Dubu! Que porra! – Sorria largamente. – Quem diria?! Alguém mais sabe disso?
— A Yuna e a Miyeon.
— Babado forte, cara! – Gargalhou e eu fiquei vermelha como um tomate. – Nunca imaginei... Meu Deus!
— Ok, ok. Agora que já sabe de tudo, pode me ajudar a lidar com isso, a não desconfiar mais e não colocar tudo a perder.
— Sim, posso. E vou! – Encarou-me desconfiada, como quem queria perguntar algo, mas estava receosa.
— O que foi?
— Nada...
— Fala logo, Yoo Jeongyeon.
— Ela beija bem? – Sorria feito boba e perguntava de forma eufórica.
— É, acho que sim. Sei lá, porra.
— Foi só uma vez...? – Cerrou os olhos em minha direção.
— Não, na verdade eu acabei de beijá-la de novo. – Dei de ombros. – Fui até a casa dela como Miyeon disse e acabou rolando.
— CARALHO! – Berrou de novo. – Foi só beijo...? – Era como um jornalista fofoqueiro. Perguntava timidamente, mas não parava com os questionamentos intrusos. Era engraçado de ver e eu até riria, se não fosse comigo, claro.
— Sim, foi. – Levantei-me do balanço. – Tem só mais uma pergunta até irmos embora.
— Está gostando dela?
— O que?! – Falei nervosamente e ofendida. – Não!
— Sei.
— É sério, porra! – Puxei-a pelo pulso fazendo-a levantar. – Vamos embora.
— Certo, certo... – Entrou no carro. – Mas o que vamos fazer agora?
— Vou ter que seguir o que a Miyeon disser. Ela pediu que eu lhe contasse sobre os tutores da Sana, fui até a casa da japonesa para saber sobre e amanhã repassarei para a Cho.
— Se a Sana descobrir ela vai ficar uma fera...
— Sei disso, mas ela não pode e nem vai descobrir. – Dei partida no veículo. – Além do mais, só estou fazendo tudo isso para evitar que ela seja expulsa pela Yuna.
— Eu sei e isso é gentil da sua parte. – Colocou o cinto e ajustou o rádio. – Só toma cuidado para esse plano não se tornar um cupido, ok?
— Como assim?
— Se continuar nesse ritmo, Dubu, vocês podem se apaixonar...
— 'Tá louca? Isso nunca vai rolar!
— Só estou dizendo que é provável e que se acontecer, vai dar muita merda.
— Por que?
— Oras! Você está enganando a Minatozaki, mesmo que agora seja para protegê-la, o nosso plano inicial envolvia a aproximação de vocês também. – Encarou meu rosto com seriedade. – E você é frágil, Dahyun. A Sana é mais experiente, desenvolvida. Tenho medo de que você se machuque também.
— O que está tentando dizer?
— Nada, apenas que se rolar sentimento e ela descobrir a razão de tudo, vai ficar brava demais. E você vai se machucar quando acabar. Toma cuidado, ok? Sei que não é muito de falar de si ou de se permitir sentir coisas assim, então estou te dizendo isso.
— Não vou gostar da Sana, Jeongyeon.
— Ok.
*
Pov Narrador
Aulas atrasadas por um motivo com nome e sobrenome. Kim Dahyun, mais uma vez, pregou uma peça no colégio e riu disso sem vergonha alguma. Colou, com a ajuda de seu grupo, post-its por toda a sala de aula, fazendo com que, pelo menos por alguns minutos, os alunos ganhassem uma folguinha das aulas.
Não demorou, é claro, para Yuna denunciar o tumulto e a autora dele para seu tio, também diretor. O homem saiu de sua sala a passos largos, com a menina atrás si, mas mais orgulhosa e satisfeita que nunca. A Shin havia enchido a mente do Wang com ideias de como punir Dahyun na próxima gracinha, já que todas as suas tentativas ao longo dos anos tinham sido falhas.
Wang chega no pavilhão maior, onde os alunos da turma A do terceiro ano estão sentados conversando livremente. Ele grita para chamar a atenção e quando a consegue, denuncia sua raiva e desgosto com a situação.
— Quando isso parar, hm? – Ele dizia aborrecido. – Dahyun, você não cansa? – Falava alto com a coreana para todos ouvirem. Ele queria constranger a menor, mas a mesma não ligava para isso. – Seus colegas querem estudar, sabia disso?
— Desculpe-me, senhor-diretor Wang! – Fez continência e segurou a risada, mostrando apenas um sorriso leve de canto de boca. Os alunos que assistiam a bronca não seguram a risada com a fala da Kim.
— E agora vai querer me fazer de palhaço? – Olhou para a menina e depois para a turma. – PAREM DE RIR!
— Esse velhote não cansa de passar vergonha, né? – Nayeon disse num sussurro para suas amigas.
— Ele quer o quê? – Mina começou. – Que a gente não ria de uma cena como essa?
— A Dahyun é uma peste! – Tzuyu comentou rindo baixinho. – Desafia o Wang toda hora e não 'tá nem aí.
— Meio que sinto que estou em dívida com a Kim só pelo atrasado na aula de física. – Jennie disse. – Obrigada, ó Kim Dahyun, santa protetora dos que não querem JAMAIS uma aula de eletrodinâmica!
— Amém! – Momo disse. – Amém, muito amém!
— Está vendo, Dahyun? – Wang continuava autoritário. – Seus colegas não respeitam mais a mim... Por que faz isso?
— Eu só colei uns papéis na sala, não foi nada muito grande. – Deu de ombro debochada. – Eles estão rindo porque são felizes, oras! – Mais risadas foram ouvidas e o diretor ficou mais irado ainda.
— Besta... – Sana disse baixinho quando ouviu a Kim falar.
— O que disse aí? – Tzuyu perguntou. – Você rindo de alguma pegadinha da Dahyun?! – Fingiu medir a temperatura. – E uma pegadinha que atrasa a aula?! Está tudo bem, Minatozaki Sana?
— Está. – Empurrou suas mãos de si. – Eu só ri, ué. Não pode mais? – Revirou os olhos e voltou a olhar para a frente.
— Já que pensa assim, não será problema fazer algo... – O homem começou caricato. – Já que vocês não me respeitam, já que Dahyun não para de aprontar e nem me diz quem a ajudou... Farei diferente. – Respirou fundo antes de continuar. – A partir de agora, sempre que a Kim fizer alguma pegadinha ou alguém fizer alguma bobagem, todos os outros pagarão por isso. Não somente do terceiro ano, mas todos da escola.
— Isso não é justo! – Começaram as reclamações instantaneamente.
— Está louco?!
— Não pode fazer isso!
— Que porra é essa?!
— Dahyun, vai se foder!
— Wang, não, por favor!
— Diretor, sem querer ofender, mas essa ideia é meio merda. – Dahyun disse despreocupada. – Vai causar um motim maior do que esse que está vendo.
— É isso que pensa? – Olhou para a coreana e depois para a turma. – Podem reclamar, mas a decisão já está tomada. Para evitar que punições coletivas aconteçam, apenas não cometam nenhum delito.
— Mas eu nunca fiz nada de errado, a Dahyun é que sempre apronta! – Uma aluna falou. – Não é justo sermos punidos por culpa dela e de seu grupo!
— Oh, então o grupinho a ajuda? – Wang sorria vitorioso.
— Não! – Dahyun disse. – Faço sozinha, faço tudo sozinha. Essa puta louca está mentindo.
— Dahyun! – O homem a repreendeu. – Olhe a boca!
— Desculpe.
— A punição da vez é: sem educação física. – Alguns ficaram felizes, mas a maioria ficou furiosa. Gostavam do momento descontraído, dos exercícios e dos professores, então essa foi uma represália rigorosa. – Podem reclamar, mas eu não voltarei atrás. Agora é assim: um faz, todos pagam. – Virou-se para Dahyun sorridente.
— O que temos que fazer para que as coisas voltem ao normal? – Yuta questionou.
— Não façam nenhuma irregularidade e, para aqueles que denunciarem os delitos antes dos mesmos aconteceram, estarão livres das punições. – Finalizou com orgulho de si. – Aguardem até a limpeza da sala, depois disso, voltem para a aula! – Retirou-se.
Yuna tinha um sorriso largo na face, mas o resto dos alunos, incluindo Dahyun, estavam com as expressões sérias e irritadas. A maioria tinha raiva da Kim, a outra parte tinha raiva do Wang e Dahyun tinha raiva por tudo.
— Sua filha da puta! – A Kim disse chegando perto da Shin. – Foi você que fez isso acontecer, não foi?
— Eu?! – Disse cínica. – Quem fez a pegadinha foi você.
— Vou acabar com você, Shin Yuna! – Berrou e foi andando a passos largos até a mesma.
— Não vai, não. – Um rapaz disse seriamente, enquanto mais alunos circulavam a Shin, protegendo-a.
— Saiam da frente, porra. – Empurrou, mas o menino tornou a impedir os passos da Kim. – Caralho... Que merda! O que ela deu a vocês? Um pirulito? Um ponto adulterado na média? Porra, galera, vocês são muito fáceis...
— Não nos deu nada. – Uma garota comentou. – A gente só não quer que você ferre ainda mais nossa vida.
— Como assim?
— Se com essas pegadinhas idiotas já fez o Wang proibir a educação física, imagine o que ele fará se você bater na sobrinha dele! – Empurrou o corpo da Kim com força. – Vaza daqui.
— Eu não! – Empurrou as mãos da menina de si. – Vai se foder você também, caralho! Vai se foder Wang, as regras idiotas dele, esse colégio. Vocês realmente acreditam nessa porra de punição? – Assentiram seriamente. – Burros...
— Dahyun, vem. – Chaeyoung pegou no pulso da amiga, tentando evitar que algo mais grave acontecesse. – Não vale a pena, mano, deixa isso quieto.
— Esse filho da puta do diretor vai deixar todo mundo contra mim! – Disse com raiva. – Está tratando essa escola como uma prisão! Viram como me ameaçaram? Que porra foi aquela? Luta livre agora? – Dizia freneticamente.
— Tenho que admitir, dessa vez a Yuna deu uma cartada forte. – Seulgi falou. – Não tem jeito, vamos ter que obedecer.
— O que?! – Dahyun falou indignada. – Não podemos ceder! O Wang vai pensar que manda na gente e pronto, seremos marionetes para sempre.
— Dahyun, o diretor não sabe que a gente te ajuda, mas a escola toda sabe... – Seungsik começou. – Se fizermos algo, não só você, mas nós também seremos marcados.
— Mas... Mas... – Tentava argumentar, mas era inútil. – Eu sei, mas se planejarmos algo maior, grandioso, quem sabe podemos reverter!
— 'Tô fora, Dubu. – Jihyo disse. – Foi mal.
— Eu também. – Jeongyeon falou.
— Nós também. – Seulgi falou e Seungsik concordou.
— Gente?! – Dahyun dizia tristemente. – Nós somos seis! Ninguém vai bater na gente ou algo assim, relaxem.
— Vão fazer pior. – Park começou. – Vão nos denunciar para o Wang e quando isso não surtir efeito, vão dar um jeito de encontrar a gente separado... Eu não 'tô afim de apanhar, Dahyun.
— Eu sei, não quero que vocês se prejudiquem jamais... É só que... Não queria me render ao Wang e a Yuna.
— Nós não vamos. – Seungsik disse. – Não precisamos, na verdade. Se agirmos na defensiva, não tem erro. Só precisamos parar com as pegadinhas.
— Basta a gente se defender de alguma idiotice da Yuna. – Yoo completou.
— E você, Chae? – Perguntou a Kim, com o olhar penoso.
— Eu 'tô contigo, bro. – Deram um soquinho breve. – Também fiquei puta com esse lance e não ligo de continuar pregando peças, quero se foda. – Deu de ombros.
— Valeu...
*
— Foi ótimo, tio! – Yuna dizia feliz dando beijinhos por todo rosto do diretor. – Agora eles vão aprender que você manda aqui!
— Sua ideia foi genial, Yuna. Obrigado, querida. – Sorriu simpático. – O que seria de mim sem você, afinal?
— Nadinha! – Brincou.
— Posso entrar? – Falou depois de algumas leves batidas na porta. Era Miyeon.
— Pode, Cho. – Wang disse. – Sente-se.
— Oh, não, tio! – Yuna interrompeu. – Ela veio falar comigo... – Puxou o pulso da garota e adentrou a sala da direção que, ao fundo, dava acesso a sua casa. – Como anda o plano?
— O Yuta concordou em ajudar, em poucos dias a gente consegue colocar a culpa na Sana de alguma grande pegadinha.
— E na Dahyun também, esqueceu? – Disse incisiva.
— Isso! Na Dahyun também, claro. – Corrigiu-se fingida. – Conseguiu fazer seu tio acatar rapidamente a ideia de "um faz, todos pagam". – Elogiou falsamente.
— Só precisei insistir um pouquinho a cada pegadinha da Kim, ela mesma se sabotou no fim das contas. – Disse orgulhosa. – Agora, com essa política, a Dahyun vai ficar puta com certeza e fazer algo muito grande, os alunos vão se revoltar e o meu tio só terá uma saída: a expulsão! – Sorria largamente. – A Sana não vai fazer nada, mas terá culpa também...
— É um plano infalível, realmente.
— Eu sei, obrigada. Com o Yuta tão próximo da Minatozaki, não será difícil fazer a culpa cair sobre ela...
— Exato.
*
Pov Dahyun
— O pai dela estava trabalhando e a madrasta estava em casa, fazendo nada, apenas sendo rica. – Finalizei para Miyeon. Nós estávamos na quadra vazia da escola, longe de todos. – Alguma novidade sobre a Yuna que eu precise saber?
— Sim. Ela quer expulsar vocês duas com essa nova política do diretor, que ela mesma implantou na cabeça dele.
— Já imaginava, mas o que mais devo saber?
— Se for fazer uma pegadinha, avise-me antes. – Encarou-me com seriedade. – Eu dou um jeito de fazer as coisas rolarem com discrição.
— E o que você ganha com isso? – Perguntei intrigada.
— Vou fazer a culpa ser da Yuna, o diretor vai descobrir e todo mundo sai ganhando.
— É um bom plano, Miyeon, mas como vai conseguir isso?
— É segredo, não posso te contar, você pode estragar o curso das coisas... Sem ofensas.
— 'Tá tanto faz. – Dei de ombros. – Até prefiro não saber mesmo... – Levantei-me. – Mais alguma coisa? Algo que deva saber ou algo que queira que eu faça?
— Por enquanto, nada. – Levantou-se junto. – Só me avise se tiver mais alguma novidade dos tutores da Sana, ok?
— Para evitar que Yuna faça algo contra a Sana com essas informações, certo?
— Claro, Dahyun.
*
"Finalmente, estou cruzando o limite
Do mundo normal para a revelação do meu coração
Sem dúvida, isso com certeza vai
Tirar os mortos do mar e as trevas das artes"
Chapter 19: Make It Wit Chu.
Chapter Text
Make It Wit Chu – Queens Of The Stone Age
"Eu simplesmente não consigo lembrar o que começou tudo
Ou como começar o fim
Não estou aqui para terminar
Só pra ver quão longe isso vai se desdobrar"
*
Pov Sana
— Honestamente, acho que deveríamos pular o estudo e ir direto para o lanchinho. – Tzuyu disse ao entrar no quarto de Momo e jogar a mochila ao pé da porta, deitando-se na cama da japonesa em seguida.
— Viemos aqui para estudar, Chou. – Falei. – E você precisa muito aumentar a média em química e física, então deveria estar mais interessada. – A fitei como uma irmã mais velha briguenta e ela imediatamente assentiu. – Vamos começar por qual matéria?
— Por mim, começamos por física. – Mina disse. – Já que perdemos a aula de hoje, que seria muito importante para a Hirai e a Tzuyu, acho que revisar ela primeiro é melhor.
— Eu adorei ter perdido a aula. – Momo comentou rindo fraquinho. – Porra, a Kim é muito idiota, não tem jeito. – Riu mais um pouco, acompanhada de Tzuyu. Eu fiquei séria, mas achando graça internamente e Mina, como sempre, não movia um músculo quando o assunto era Dahyun. – Qual foi, amor? Você não acho nem um pouquinho engraçado?
— Não. – Respondeu abrindo a apostila. – Vamos começar?
— Ih... – Tzuyu disse desconfiada. – Prevejo DR entre o casal 20 do Colégio Integral... – Disse rangendo os dentes, fingindo ser uma narradora de novelas antigas, fazendo suspense além da conta. – Poxa, pelo visto o estudo terá que ser cancelado! – Fingiu lamentar.
— Chou Tzuyu, você é péssima atriz. – Falei, puxando a garota para a mesa de estudos. – Não tem desculpas hoje, querida. Nós vamos estudar e vocês duas vão conseguir aprender a matéria.
— Eu não sei se te amo muito agora ou se te odeio. – Ela disse cansada, mas obedecendo. – Droga, Minatozaki! – Brincou, abrindo a apostila.
*
Estudamos sem parar. Eu e Mina falávamos, dávamos exemplos e ajudávamos a resolver os exercícios. Foi totalmente proveitoso e ao fim de tudo, ambas conseguiram acertar mais da metade das questões propostas.
— Agora podemos ter o lanchinho que eu mencionei no início? – A taiwanesa comentou desconfiada, já olhando para mim buscando aprovação.
— Tenho que concordar... – Falei rindo. – Minha barriga está roncando mais alto que a Nayeon no ônibus indo para Busan!
— Se ela ouvisse você falando isso, com certeza levaria um beliscão no braço. – Mina disse entre risadas.
— Ainda bem que ela não está aqui, então. – Comentei. – Vamos descer? – Olhei para a dona da casa quase implorando uma atitude.
— Com certeza. – Momo disse. – Vocês são de casa, não precisam que eu as acompanhe para tudo, né? – Abriu a porta de seu quarto e saiu primeiro. – Quem sair por último, fecha a porta.
— Sim, precisamos. – Tzuyu disse. – É melhor te pedir as coisas e recebê-las todas prontas que fazer eu mesma!
— Acho que foi bom eu descer junto, a Somi parece estar com os amigos aqui. – Dizia a japonesa mais velha enquanto descia as escadas e ouvia alguns barulhos altos. – Muitos amigos, acredito. Olha essa barulheira! – Nos olhou indignada. – Enfim, passem sem interagir.
— Por quê? – Perguntei.
— Não tenho paciência para esses pirralhos amigos da minha irmã. – Respondeu.
— Eles têm sua idade, Hirai. – Mina retrucou rindo. – Só consigo ouvir duas vozes e uma dela é a da minha cunhada.
— Caramba! – Tzuyu disse. – Esse barulho todo somente de duas pessoas?! Parece até a Nayeon quando inventa de cantar no chuveiro.
— Hoje essa coitada foi pega para cristo mesmo, né? – Comentei rindo e nós seguimos para perto do barulho. – Cadê os pirralhos? – Perguntei na sala de estar, não vendo ninguém além de duas pessoas no sofá.
— Que pirralhos? – Somi virou-se para mim com uma expressão indignada.
— Você e seus amigos. – Hirai disse. – Cadê todo mundo, inclusive?
— Todo mundo quem, porra? – A Jeon perguntou confusa. – Só tem eu e ela aqui. – Apontou para a menina ao seu lado que ainda não tinha se virado para nós.
— E aí. – Virou-se finalmente. Era Chaeyoung. – Fizemos muito barulho, foi? – Nós assentimos rindo. – Foi mal, o filme é engraçado.
— O que estão vendo? – Tzuyu perguntou, aproximando-se do sofá, já interessada em ver junto.
— Todo Mundo Em Pânico 3. – Somi falou.
— Desde quando você é amiga dela? – Mina perguntou curiosa.
— Não contei os dias, Myoui. – Implicou com a cunhada.
— Mas eu contei! – A Son disse eufórica, mas logo mudou de expressão. Eu ri com a cena, mas fiquei intrigada como a Mina, confesso. – Só há alguns dias apenas... Por que?
— Nada. – Respondeu a japonesa mais nova. – Vamos comer logo. – Tomou a frente e nos guiou até a cozinha. – Sua irmã 'tá ficando com a Son, Momoring?
— Não sei, nós duas não falamos sobre isso. – Respondeu mordiscando uma maçã e jogando outra para mim. – Se tiver, faço gosto. Elas combinam.
— Sim, duas gays estranhas. – Tzuyu completou rindo. – E veio aí a outra intreção que a Mina previa...
— O que será que ela quer aqui? – Myoui perguntou para si mesma, mas mesmo assim nos deixou ouvir. Estava intrigada e curiosa, além de um tanto incomodada.
— Beijar a boca da Somi...? – Falei impaciente. – Desencana, Minari. Aquele grupo é doidão, mas não fazem mal a ninguém, não tem motivo para tanta preocupação.
— Eu até aceitaria seu conselho, mas depois do lance da piscina em Busan e dessa nova política no colégio de "um faz, todos pagam", tenho receio. – Insistiu, mas de forma amena. Não estava incisiva, nem raivosa. Era apenas uma ponta de desconfiança, coisa natural da japonesa. Ela é meticulosa além da conta e se não gosta de alguém, não gosta mesmo.
— Vamos esperar para ver, né? – Hirai disse e nós assentimos, continuando a comer em silêncio.
— Estou querendo falar com você depois. – Disse para Tzuyu num tom baixo e ela me encarou neutra. – É segredo, ok?
— Entendi. – Comeu mais rápido, para sairmos logo dali. – Pessoal, a Minatozaki está com problemas sérios de dor de barriga explosiva, tenho que ajudá-la agora mesmo ou vai dar muita merda! – Brincou e eu a bati de leve no ombro. Momo riu alto e Mina ficou enojada ao imaginar, mas logo caiu na gargalhada junto da namorada e da taiwanesa. – Literalmente...
— Sua doente! – Bati mais uma vez. – Não é nada disso, meu Deus... Elas estavam comendo, Tzuyu! Cadê seus modos?
— Deixei em Taiwan. – Deu de ombros.
— Notei. – Suspirei aborrecida e levantei-me em seguida, catando a mais nova pelo pulso. – Vou deixar vocês duas livres para namorar, ok? – Olhei para as japonesas, sorri e elas devolveram o gesto. – Tchau, até amanhã. – Acenei junto de Tzuyu e elas fizeram o mesmo.
— Tchau, Somi. Tchau, Chaeyoung. – Tzuyu disse acenando quando passamos pela sala de estar. – Essa cena é foda, se liguem! – Apontou para a televisão que ainda passava o mesmo filme. – "Cindy, a TV 'tá vazando". – Repetiu junto da personagem e riu ao finalizar. As duas coreanas no sofá a acompanharam.
— Tchau, Chou. – Somi falou ao mesmo tempo que a Son. Eu somente acenei.
— Que pressa é essa, hein? – Perguntou quando entrou em seu carro. – Vai pegar o trem, porra?
— Não, só estou ansiosa para te contar algo.
— Vai me contar que está pegando a Kim Dahyun? – Falou como se não fosse nada enquanto colocava o cinto de segurança.
— Quê?! – Deixei transparecer surpresa. – Como você sabia?
— Era isso que ia dizer?
— Sim.
— 'Tava na cara, né, Sana? Por favor... Você não sabe disfarçar.
— Há quanto tempo sabe?
— Desde o dia na balada.
— O QUÊ? – Berrei e ela riu. – Porra! E por que não me falou nada?
— Eu que te pergunto! Poxa... – Fez um bico triste e forçado. – Sou sua melhor amiga, não sou?
— É, mas... Não mude de assunto! Como sabe e por que não me disse?
— Não te disse por que era engraçado ver você crente que estava me enganando. – Riu mais um pouco. – Descobri por que eu literalmente namoro a sobrinha do dono da boate e sou sua melhor amiga, afinal. Eu te conheço melhor que ninguém, Sana-chan!
— Faz sentido... Mas espera. – A olhei espantada. – A Jihyo sabe também?
— Foi ela que me contou. – Encarou-me como se eu fosse estúpida e ria disso. Nessa situação eu realmente era, ela não estava errada em afirmar. – Viu vocês saírem juntas do banheiro, mandou mensagem na hora rindo e pediu que eu não estragasse o lance de vocês.
— Nosso lance? Como assim?
— Não entendi também, mas acho que ela quis dizer que eu deveria deixar você querer me contar e curtir mais da Kim "em segredo", pois era direito seu. – Deu de ombros. – A Park é gente fina demais, eu queria logo rir da sua cara, mas minha mulher não deixou...
— Amo minha cunhadinha desde sempre! – Falei sorrindo cínica. – Você vai me julgar por ficar com a Kim?
— Claro que não. – Olhou-me preocupada. – Por que eu julgaria?
— Sei lá... Nós nunca nos demos bem e do nada estamos... Você entendeu. – Disse timidamente. – Além disso, a Mina e a Nayeon detestam a Kim e seu grupo até mais que eu.
— Mais que você hoje em dia, quer dizer. – Corrigiu-me sem filtros. – Sana-yah, você era como as duas. Só faltava vomitar quando via a Dahyun ou quando acontecia alguma pegadinha... Só nunca foi contra minha aproximação com Jihyo, nisso realmente, você destoa muito das duas.
— É que eu, diferente delas, acompanhei tudo, vi de perto você se apaixonar e fica bobinha. Elas só viam o lado ruim daquele grupo, não consigo julgá-las.
— Nem eu, mas não posso fazer com que elas mudem de ideia sem entregar que gosto da Park.
— Mas eu posso começar a amansar aquelas duas... – Sorri sapeca ao pensar no que fazer, minha melhor amiga estava curiosa, então logo tratei de explicar. – Não vou falar sobre mim e Dahyun, até porque não tem nada entre nós, mas posso falar o que acho hoje em dia e quem sabe, as faço mudar de ideia quanto aquele grupo e aí você, futuramente, poderá falar sobre seu lindo romance. – Forcei a voz ao fim da frase, deixando minha amiga vermelha de vergonha. – O que acha?
— Acho ótimo, mas... – Encarou-me quando estacionou o carro em frente à minha casa. – Não está mesmo tendo algo com a Kim? Sério, Sana, pode me falar.
— Não estou, pode acreditar. – Assegurei firmemente.
— Você quer que aconteça algo?
— Boa noite, Chou Tzuyu e obrigada pela carona. – A cortei de imediato, pulei para fora do carro e bati a porta em seguida. – Tchau! – Acenei, entrei em casa e fechei a porta sem ouvi-la se despedir nem nada.
*
Pov Dahyun
— BEIJOU?! – Berramos todos ao mesmo tempo quando Chaeyoung terminou de contar seu rolê na casa da Somi.
— Sim, sim, sim! – Dizia com um sorriso largo na face. – Nossa... Estou no paraíso, porra!
— Nem viram o filme terminar, aposto! – Seulgi comentou. – Posso dizer o final? – Brincou.
— Não! – A Son respondeu eufórica. – Nós marcamos de terminá-lo juntas, então não quero spoiler.
— Confia que vão assistir o resto do filme, confia. – Seungsik disse. – No primeiro e sofrido encontro de verdade já foi assim, imagine o segundo. – Dizia desconfiado, mas era tudo pose. – Use camisinha, Son! Não quero sobrinhos agora, não posso virar titio aos dezessete.
— Seu idiota! – Ela respondeu rindo animadamente. – Adoraria constituir uma família com ela agora mesmo! Só Jesus Cristo sabe o quanto espero por isso... Ah, e vocês também sabem, claro. – Corrigiu-se boba. – SABEM HÁ QUANTO TEMPO ESPERO POR ISSO, NÉ?
— Sim, Son, nós sabemos. – Jeongyeon disse, puxando a menina para baixo, já que a mesma havia subido na mesa. – Agora desce e se acalma, desse jeito ela vai correr de você, pensando que é uma louca obcecada.
— E EU SOU! – Gargalhou. – Ai... Acho que estou apaixonada!
— Você acha?! – Jihyo disse. – Cara, isso está óbvio há muito tempo, vai por mim.
— Como pode ter certeza, Park? – Brinquei, mas ela enrijeceu do nada. – Tem experiência com isso? – Ri, mas ela permaneceu séria. Não entendi, então continuei a zoação apenas para tentar mostrar que eu estava o tempo todo brincando. – Está na hora de arrumar um namorado, não acha?
— Um namorado... – Seulgi sussurrou rindo e a melhor amiga só faltou devorá-la com os olhos. – É, um namorado! – Confirmou e eu apenas observei a cena. – Concordo com a Kim!
— Pensando desse jeito, todo mundo aqui precisa arrumar alguém. – Jeongyeon disse. – Só a Chaeyoung está enlaçada, o resto de nós se afunda na solteirice! – Fingiu chorar.
— Fale por você! – O Kang corrigiu. – Não estou namorando, mas não estou sozinho! – Disse orgulhoso. – Vocês que precisam beijar alguém só por beijar... Já estão criando teias de aranha de tanta falta de movimento!
— Prefiro teia de aranha que uma DST! – Seulgi provocou sem filtros. – Com o tanto de macho que você sai pegando daqui a pouco engravida não sei como.
— CREDO! – Berrei. – Vocês são péssimos.
— Continua a história, Son. – Jihyo cortou o assunto.
— Foi só isso... Depois do beijo, ouvimos Momo e Mina saírem da cozinha e nos afastamos logo. Eu fiquei com vergonha e a Somi meio desconfortável, então eu achei melhor vazar.
— Por que desconfortável? – Perguntei.
— A cunhada dela não vai muito com a minha cara. – Deu de ombros. – É a Myoui, sabem? – Assentimos. – Aquelas líderes nos detestam, então foi uma situação bem constrangedora.
— Se aquela baranga se meter a besta com você, me avisa que dou um corretivo nela rapidinho. – Seungsik disse bravo.
— Um corretivo de maquiagem só se for! – Jeongyeon disse. – Se manca, seu gay!
— Mas a Mina disse algo ou foi só um clima estranho? – Perguntei depois que a graça cessou.
— Nada de mais. – Respondeu dando de ombros. – Vamos começar a beber de verdade ou não? – Mudou bruscamente de assunto e tomou de uma vez o líquido de seu copo.
— E o que é isto que estamos fazendo, hm? – Seulgi disse. – Estamos comemorando algo além da conquista da Chaeyoung. – Soltou misteriosa e sorridente, colocando mais bebida em seu copo e levantando o mesmo. – Quero fazer um brinde.
— Brinde? – Yoo perguntou, mas rapidamente encheu seu copo e o de quem ainda estava vazio. – Brinde ao quê?
— Meu irmão já sabe, mas pedi que ele guardasse segredo. – O menino sorria largamente junto. – Queria contar para vocês ao mesmo tempo... – Tomou fôlego antes de continuar. – Eu inicio meu tratamento semana que vem! – Levantamos o copo ao mesmo tempo, sorrindo em conjunto e vibrando em empolgação. – Semana que vem eu inicio o começo da minha nova vida!
— NÃO BRINCA! – A Son berrou. – CARALHO, QUE DIA BOM!
— PORRA! – Minha vez de gritar. – Seulgi, eu estou tão orgulhosa de você!
— Seulgi... – Jihyo arfou em alívio e emoção. – Sua... Sua chata! Por que não contou logo? – Sorria de orelha a orelha. – Eu estou tão feliz, meu Deus! – Abaixou o copo e correu até a Kang para a abraçá-la fortemente.
— Eu quis fazer essa surpresinha... Gostaram?
— ISSO PEDE UMA NOITE TODA DE FARRA! – Jeongyeon disse animadamente. – Um brinde às conquistas da Chae e da Seulgi! – Nós encostamos os copos e ao final, viramos o líquido em nossas bocas com pressa. – Essa noite não tem hora para acabar! – Gritou animada e todas nós acompanhamos.
A noite para nós era, e estava sendo, uma criança. Uma criança louca, animada, cheia de vida. O momento era feliz, as risadas eram sinceras e a cada gole ficávamos mais sorridentes, mais honestos e mais próximos.
Estávamos todos alcoolizados, alguns já bêbados, outros somente alegres. Não tinha hora para o fim, realmente. A boate estava aberta e lotada como sempre, nós nos divertíamos afastados da maioria do público, mas ainda rodando por todos os cantos.
Minha mente era agitada, mas de um jeito bom. Meu corpo formigava, era mole e quente, mas eu gostava da sensação. Minha visão não estava turva e eu não estava tonta, só molenga e risonha.
Curti cada segundo daquele momento até o fim, que se deu por um PT da parte da Chaeyoung, a que mais estava afobada, então tivemos que dar o rolê por encerrado e ir para casa mesmo que a contragosto.
Eu dirigi um dos dois carros, Seungsik dirigiu o outro. Levei a Son para casa, depois deixei Jeongyeon e Jihyo em suas residências, seguindo para a minha logo.
O caminho foi em silêncio, silêncio externo e interno. Estava numa espécie de êxtase, paz interior. Coisa que só sinto quando fumo, bebo ou tomo remédio. Era extremamente confortável e eu podia, sem medo, agir como eu gostaria de agir sempre. Eu poderia ser eu. Poderia me permitir sem vergonha, sem receio algum.
Então, obedeci à minha mente.
— Oi. – Falei quando Sana abriu a porta de sua casa com uma cara espantada.
— O que você está fazendo aqui? – Analisou-me de cima abaixo e agora sua expressão era preocupada. – Está bêbada?
— Não. – Disse rapidamente. – Só um pouquinho animada. – Fiz sinal com os dedos, mas abaixei a mão sem nem sentir. – Tuuuudo beeem? – Alonguei a fala sem querer.
— Com certeza está bêbada. – Encarou-me com os olhos cerrados e eu desviei dos mesmos. – Por que bebeu?
— Muita coisa boa aconteceu, tivemos que comemorar! – Sorria enquanto girava em volta do meu próprio eixo, mas não foi uma boa ideia. – Ai, ai... – Freei com a ajuda da japonesa. – TERREMOTO! – Berrei e ela tampou minha boca com a mão, enquanto segurava meu corpo com a outra.
— Silêncio, cara! Sabe que horas são? – Soltou-me por completo e eu respondi em negação sua pergunta. – Três e meia da manhã! – Tentou parecer brava, mas logo desistiu. – Ei, não faz bico!
— Você brigou comigo... – Continuei a pose até sentir seu dedo em meu queixo, levantando minha cabeça de forma delicada. – Vai me dar um beijinho agora?
— Besta... – Soltou-me. – Não, eu só queria olhar seus olhos.
— Por quê?
— Queria ver se estavam vermelhos.
— Quer saber se fumei, é?
— Sim, mas já vi que não.
— Não tinha mais erva, então fiquei só no whiskey. – Dei de ombros. – Vamos fumar um comigo qualquer dia?
— Não, obrigada.
— Por quê?
— Não gosto de cigarro e não apoio você fumar, já falei.
— Chata... – Revirei os olhos e saí andando de costas sem perceber. – Opa, terremoto de novo! – Fiquei tonta e denunciei isso, fazendo Sana me segurar novamente.
— Como conseguiu dirigir até aqui? – Perguntou encostando-me no carro. – E ainda diz não estar bêbada...
— E não estou! – Tentei encará-la, mas meu olhar não fixava devido ao álcool. – Quer ver eu fazer um 4 com as pernas?
— Não! – Impediu-me com as mãos assim que comecei a ficar em um único pé. – Por que veio aqui, hein? – Olhou-me seriamente.
— Não percebi que estava vindo até bater na sua porta.
— Como assim?
— Eu vim sem nem sentir.
— Tem algo para me dizer?
— Se tenho, não lembro mais. – Dei de ombros. – Acho que já vou.
— Nem pensar! – Fechou a porta assim que eu abri. – Você não vai dirigir nesse estado, Kim Dahyun. Eu não deixo.
— E quem disse que você tem que deixar alguma coisa, Minatozaki Sana? – Cerrei os olhos e levantei o dedo em sua direção, mas meu equilíbrio estava fraco, então não consegui sustentar a provocação.
— Se conseguir pegar a chave de mim, pode ir. – Tomou a mesma sem que eu percebesse, então reagi de imediato. – Boa sorte. – Colocou dentro da roupa e virou-se de costas.
— Isso é um convite? – Perguntei sem filtros e ela ficou sem graça.
— Não. – Parou em minha frente e segurou meu pulso. – Você vai dormir aqui hoje.
— Sua safada! – Brinquei rindo e ela me empurrou de leve, mas eu quase caí mesmo assim.
— Ai, desculpa! – Puxou-me de volta. – Esqueci que não consegue nem ficar de pé... Você dorme no quarto de hospedes e amanhã vamos juntas para a escola. Só não pode dirigir desse jeito.
— Ok, você que manda! – Fiz continência e a ouvi reclamar. – Sabia que seu amigo japonês, que jogou água em mim aquele dia em Busan, está de namorico? – Perguntei quando ela fechou a porta. Notei-a ficar curiosa, então tratei de explicar. – Chaeyoung me contou que a peguete dela disse que viu o intercambista japonês com uma menina da turma dela ou algo assim..
— Esse intercambista só pode ser o Yuta mesmo. O que a Somi disse para a Chaeyoung?
— Só disse isso.
— Do nada?
— Elas estavam jogando conversa fora, ué.
— Quem é a menina?
— A Miyeon, você conhece?
— A Miyeon?! – Freou os passos novamente enquanto subíamos a escada. – E porque a Chaeyoung te contou isso?
— Porque a gente tem um segredinho juntas... – Fiz "Shh" e sussurrei. – A Miyeon está metida nisso...
— Que segredinho? – Perguntou abrindo a porta de seu quarto e largando meu braço, não me contive e acabei indo em direção a sua cama, deitando-me na mesma sem pestanejar.
*
Pov Sana
— Um segredinho que você não pode saber. – Falava abafado, já que a cara estava enfiada no travesseiro. Eu tirava os sapatos da garota enquanto isso. – Não conte para ela que te disse isso, ok?
— Por que não posso saber? – Dei corda. Não posso negar que fiquei intrigada com tudo isso e, apesar de ser errado arrancar informações de uma bêbada, aquilo dizia respeito à mim, então eu tinha o direito de saber.
— Porque você vai ficar com raiva de mim e... – Virou-se para o outro lado, puxando a coberta para si. – E eu não quero você brava comigo, japa.
— Não vou ficar, mas me diga o que é isso.
— Promete que não fica com raiva de mim? Porque eu não quero ficar longe de você... – Confessou sem medo e meu coração acelerou demais com aquilo. Era curiosidade para saber do tal segredo e felicidade por ouvir que ela me quer por perto assim como eu a quero comigo. – Fica comigo, Sana. – Bateu de leve no lado do colchão, chamando-me para perto. – Cuida de mim, assim como disse que faria.
Deitei-me ao lado de Dahyun, cobri ela direito e ajeitei seus travesseiros. Peguei outro lençol para mim, já que ela roubou o meu, e finalmente me aconcheguei na cama para dormir depois de ouvir sua história.
— Eu cuido. – Respondi. – Aconteceu algo ruim para me pedir isso?
— Hoje não. Hoje só coisas boas, mas eu minto se for pra receber um dengo. – Ouvi sua risada sapeca abafada. – Desculpa aparecer assim.
— Eu disse que podia contar comigo, então não precisa pedir desculpas. – Suspirei antes de retomar o assunto anterior. – Eu prometo não contar para ela, mas que segredo é esse? – Perguntei, mas não obtive respostas. – Dahyun? – Olhei-a e constatei o que já suspeitava: ela dormiu.
Encarei-a dormir profundamente. Vi seus fios loiros e bagunçados pousarem sobre seu rosto pálido e fofo. Sua boca estava entreaberta e ronronava um som baixo, semelhante a um ronco muito delicado. Ri com a cena e me perdi no tempo assistindo a coreana fazer algo tão simples e natural.
Peguei-me pensando sobre o tal segredo, sobre a identidade da namorada do meu amigo e tentando juntar as peças. Estava curiosa, surpresa e intrigada. Era tudo muito estranho. Por que Dahyun sabe de tudo isso? Por que tem segredos com a Miyeon que não posso saber? Por que ela veio até minha casa?
Dentre todos os questionamentos, eu respondi o último da forma que eu quis. Ela veio pela mesma razão que eu iria.
Não consegui dormir logo, então peguei o celular e, devido aos muitos questionamentos sobre esse momento, pesquisei a única coisa que conseguiria ter respostas.
Digitei o problema de Dahyun do google e comecei a ler a definição, sintomas, tratamento, etc. Eu já queria estudar isso desde que ela me falou, mas agora que não consigo dormir e ela está ao meu lado, adiantei minha vontade.
"Mudanças rápidas no humor, normalmente durando apenas algumas horas e raramente mais do que alguns dias. Sentimentos persistentes de vazio. Raiva inadequadamente intensa ou problemas para controlar a raiva. Pensamentos paranoicos temporários ou sintomas dissociativos graves desencadeados por estresse."
Eu não sei tanto assim de Dahyun, mas o pouco que conheço já consigo assimilar à essa descrição. Quis cuidá-la mais que tudo, quis vê-la bem para sempre, quis que ela não estivesse dormindo e nem bêbada, para poder abraçar seu corpo macio e sentir a sensação mútua de conforto.
Era tudo novo para mim, novo na intensidade, na velocidade e no modo. Não sei se é recíproco, nem se realmente sinto o que acho que estou sentindo, mas muito me agrada a possibilidade.
*
Pov Narrador
Amanhece e Sana levanta como se tivesse levado um choque. Olha para o lado atrás de Dahyun, mas não a vê. Vai até o banheiro e nada. O lado da cama é esticado, o lençol dobrado e os sapatos da Kim não estão mais presentes. A única coisa diferente que a Minatozaki percebe é um bilhete em cima do travesseiro.
Ela abre, analisa o mesmo sorrindo antes de começar a ler e finalmente o faz depois de alguns segundos admirando:
Sem formalidades dessa vez, já que minha cabeça está doendo demais...
Valeu por não ter me deixado dirigir louca daquele jeito e ter cuidado de mim. Não lembro de nada que eu fiz ou disse, então peço que esqueça também, porque sinto que falei algo que com certeza eu teria vergonha.
Enfim, te vejo na escola. Ah, e já que deixei você me ajudar com meus problemas, vou te ajudar com os seus. Nós vamos descobrir se sua madrasta fez algo contra sua mãe. Conte comigo.
Valeu de novo, japa. E Você ronca.
*
"Se eu te dissesse que eu sei
Sobre o Sol e a Lua, eu estaria mentindo
A única coisa de que tenho certeza
É do que quero fazer"
Chapter 20: Cigarette Daydream.
Chapter Text
Cigarrete Daydream – Cage The Elephant
"Você suspira, desvia o olhar
Consigo ver claro como o dia
Fecha os olhos, tão receosa
Escondida atrás desta carinha de bebê"
*
Pov Dahyun
Acordo com uma vagareza esperada e com uma dor de cabeça intensa, olho para o teto ainda com os olhos meio fechados e percebo que não estou em casa. Não me lembro de muita coisa e nem preciso, já que para entender onde dormi bastou olhar para o lado e encontrar Sana roncando.
Permito-me rir com a cena e fazer uma nota mental para zoar a japonesa mais tarde sobre isso. Como uma menina com um rosto tão meigo e delicado, dormindo profundamente desse jeito consegue emitir um som estrondoso e bruto como esse? Eu rio mais um pouco e finalmente levanto-me.
Depois de usar o banheiro, calço meus sapatos, pego as chaves que Sana havia colocado na mesinha de cabeceira e saio de seu quarto, mas não sem antes dar-lhe uma satisfação à altura. Escrevo um bilhete simples, arrumo meu lado da cama e coloco o papelzinho em cima do travesseiro.
Dirijo devagar, mas minha mente não acompanha. Estou acelerada, com vergonha, arrependida. Não costumo fazer coisas fora do hábito quando bebo justamente porque me conheço o suficiente para saber que me culpo além do normal quando volto à sobriedade.
Chego em casa, subo com pressa e sem cumprimentar ninguém. Ouço um barulho vindo do escritório e logo reconheço a voz feminina de minha mãe. Não vou até ela e ela não vem até mim, sigo para meu quarto no mais completo silêncio e ao chegar no recinto, rapidamente tomo banho.
Quando saio, depois de longos minutos, encontro minha mãe sentada em minha cama com uma expressão nada boa. Ela me encara sem dizer nada e eu caminho pelo cômodo da mesma forma. Nós nos olhamos dizendo tudo e dizendo palavra alguma. Eu expressava curiosidade, surpresa e medo. Ela expressava raiva, desapontamento e rigidez.
Não sei se prefiro o silêncio ensurdecedor que toma conta ou uma conversa franca que com certeza me deixará mal.
— Onde dormiu? – Ela finalmente diz algo.
— Na casa de uma amiga.
— Qual?
— Sana.
— Gosto que seja amiga dela, é uma garota exemplar, espero que consiga te influenciar positivamente.
— Todos os meus amigos são ótimos.
— Ótimos arruaceiros, você quer dizer. – Levantou-se e aproximou-se de mim, olhando-me com desdém. – Você bebeu?
— Um pouco.
— Fumou?
— O quê?! – Denunciei a surpresa com a pergunta. Minha mãe não sabe disso sobre mim. Nem ela, nem meu pai e nem Mei. Ou pelo menos não sabiam.
— Não adianta tentar negar, Kim Dahyun. – Não tirava os olhos de mim enquanto falava. Seu tom era duro. – Está fumando, não está?
— Não é nada de mais... – Respondi descendo o olhar, fugindo dela pelo menos nisso.
— Enlouqueceu?! – Gritou. – Você tem asma, garota! Asma!
— Minhas crises não são mais tão intensas, está tudo bem.
— Tudo bem até quando? – Disse exausta. – Até a próxima pegadinha no colégio? Até o próximo choro descontrolado?
— Eu não choro porque quero, eu odeio isso também.
— A questão não é essa, Dahyun. – Suspirou, rendendo-se. – Filha, eu posso suportar o que faz na escola, posso suportar que se recuse a frequentar uma terapia, mas cigarro? Isso mata...
— Certo. Eu não vou mais fumar.
— E desde quando eu posso acreditar no que diz? – Falou exaurida, aquilo ecoou em minha mente de forma torturante. Ela realmente não gosta de como eu sou, não sabe lidar e ainda me culpa. – Qual das suas versões está falando comigo agora? A boazinha ou a vingativa? Filha...
— Para com isso. – Supliquei baixinho. – Eu só tenho uma versão. Sou só uma, não me trate como louca. Eu sou sua filha, afinal.
— Mas não se parece nadinha comigo... – Suspirou novamente. – Não estrague sua vida mais ainda. Nós não vamos mais passar a mão na sua cabeça. – Afastou-se de mim, indo até a porta. – É sério, Dahyun. Não quero saber de cigarro aqui dentro.
— Desculpe.
— Não me peça desculpas, está afetando a si mesma apenas. – Girou a maçaneta e abriu. – Se souberem que tenho uma filha viciada, um casal de advogados com uma filha assim, será o nosso fim, entendeu?
— Claro. O escritório estaria em jogo, certo? – Desdenhei tristemente. Ela assentiu.
— Seus remédios chegaram. – Falou enquanto passava pela porta. – Estão lá embaixo, irei pedir para a Mei trazer. – Bateu à porta, sumindo.
Mais remorso, vergonha, angústia. Por que eu sou assim? Tão errada, tão burra, tão diferente deles? Eu queria ser um exemplo, um troféu, queria mostrar algo além de problemas, oferecer coisas que não fossem resumidas à dor de cabeça. Eu queria tanto ser diferente, queria ser amada pelos meus pais, respeitada. Vista.
Deitei-me na cama, coloquei os fones e me permiti dissociar. Naveguei na minha imaginação, mergulhei nos meus sonhos e emergi, tristemente, na realidade. A minha vida não era boa, eu não sou boa. Não me gosto, não me entendo, não sou entendida.
Se um gênio aparecesse em minha frente agora, concedendo-me três desejos, eu apenas precisaria de um para ser feliz. Nada mais importaria, eu nem hesitaria. Meu pedido é claro, óbvio e sempre o mesmo: eu queria ser normal.
*
— Sua ressaca é sempre intensa, né, Dubu? – Chaeyoung pergunta enquanto mexe nos discos de vinil do meu quarto. – Onde passou a noite?
— Na casa da Sana. – Respondi sem filtros. Eu estava deitada em minha cama, olhando para o teto numa posição que minha cabeça ficava pendurada para fora e meus cabelos encostando no chão. – Você ouviu certo.
— MANO? – Berrou e olhou para mim, chegando perto do meu corpo e tomando a visão que antes era somente do teto branco. – Como assim, caralho?
— Sei lá. – Dei de ombros. – Não rolou nada, se é isso que quer saber.
— Foi para isso que me chamou aqui? Para dizer que dormiu com a Sana e vocês duas não fizeram nada?! – Sentou-se bruscamente na cama, quase num pulo, fazendo-me levantar e sentar direito.
— Não. Eu chamei todo mundo do grupo, você que é muito ansiosa e veio mais rápido.
— E o que quer com a gente?
— Vai saber quando todos chegarem. – Falei e logo ouvimos batidas na porta do meu quarto.
— Oi, gays. – Jeongyeon diz abrindo a porta.
— E aí. – Seungsik passa por nós cumprimentando-nos apenas com soquinho.
— Cadê o suquinho de maracujá que me prometeram? – Jihyo questiona. – Minha cabeça está doendo... – Lamentou-se, mas logo sorriu em cumprimento, sentando-se em minha cama em seguida.
— Opa. – Seulgi diz, fechando a porta atrás de si. – O que é tão urgente, Dubu?
— Cansei de segredos, ok? – Comecei sem suspense. Endireitei-me na cama, olhei para todos e continuei. – Vamos começar pelo começo...
Jihyo ficou tensa, acho que já imaginava o que eu pretendia, mas não dei ouvidos, e nem olhos, para sua expressão de negação a cada palavra que eu dizia. Estava decidida, hoje as coisas iam ficar claras e, se vamos realmente fazer algo, que seja feito em grupo, como sempre.
Contei as novidades para os Kang. Falei sobre o plano da Park contra a Yuna, depois disse-lhes sobre Miyeon, contando apenas a parte que a maioria conhecia e quando a contextualização acabou, iniciei as boas novas, talvez não tão boas assim.
Tudo que Jeongyeon já sabia, agora o resto todo ouvia. Eles me escutavam com atenção, expressões de intriga, euforia e choque, mas não me interrompiam. Jihyo parecia aliviada por Seulgi saber, mas preocupada com a reação de seu irmão. Chaeyoung sorria largamente desde que contei sobre Sana e a Kang apenas analisava tudo quieta.
— É isso. – Disse encerrando. – Cada um tem direito a uma pergunta sobre qualquer coisa que acabei de dizer, depois disso vamos discutir o novo plano.
— Novo plano? – Son perguntou.
— Sim. Eu não vou ficar na mão da Miyeon.
— Não perguntem se a Dahyun gostou, se já rolou algo mais ou se elas estão tendo algo. Já perguntei tudo isso, depois repasso as respostas. – Jeongyeon disse orgulhosa.
— Beijou ela por causa do plano? – Seungsik questionou.
— Não. Próxima. – Falei.
— Ainda odeia a Minatozaki? – Seulgi perguntou sapeca.
— Não. – Respondi sem expressão alguma. – Próxima.
— Ainda estão ficando? – Park disse desconfiada.
— Não, agora estou aqui falando com vocês. – Respondi literalmente, deixando a garota indignada e o resto muito mais curioso. – Próxima.
— Eu vou repetir a pergunta, foda-se. – Chaeyoung começou. – Está gostando dela?
— E quem já fez essa pergunta para você dizer que vai repetir? – Questionei intrigada.
— A Jeongyeon sussurrou algo assim no meu ouvido agora. – Deu de ombros e eu olhei para Yoo como uma expressão que dizia "QUAL É?". A mesma apenas ria timidamente.
— Que pergunta besta... – Falei aborrecida, mas com o coração acelerado de nervoso. – Não estou.
— Ai ai, Dubu... – Minha melhor amiga soltou num suspiro, eu entendi o que aquilo queria dizer, mas não retruquei.
— Podemos falar do plano agora? – Perguntei.
— Espera. – Seulgi interrompeu. – Isso tudo é por mim, certo? – Nós assentimos. – Então, vou dizer o que penso. – Puxou o ar antes de continuar. – Não gostei que esconderam isso de mim, posso imaginar o motivo de terem feito isso, mas ainda assim não gostei. – Falava seriamente. – Não quero me vingar da Yuna, não faço questão disso e nem acho que vá mudar alguma coisa. Quem vai me curar é o tratamento junto da minha boa vontade e apoio de vocês, é só disso que eu preciso.
— Mas... Seulgi, ela não pode ficar impune. – Jihyo disse penosa.
— Não terminei. – A Kang continuou. – Não quero que o plano seja por minha causa, mas não quer dizer que não quero dar uma lição na Shin. – A pose séria deu lugar a um sorriso sacana e cheio de adrenalina. – Ela precisa provar do próprio veneno, não só pelo que fez comigo, mas por tudo.
— ÓTIMO! – Park comemorou. – Vamos começar a bolar?
— Falou em bolar a Dahyun se anima. – Chaeyoung brincou e todos rimos. – Mas, sério, o que vamos fazer?
— Acho que sei. – Seulgi disse. – Ah, e obrigada por terem feito isso por mim. – Ela sorriu gentilmente e nós devolvemos. – Mas nunca mais repitam! – Cerrou os olhos e nós assentimos.
— Comece a falar, queridona. – Jeongyeon disse. – Quero saber do plano.
— Pensei nele rapidão, então façam ajustes comigo. – A gêmea disse. – A grande vantagem é que a Yuna não sabe da traição da Miyeon, a Miyeon não sabe que a Dahyun nos contou, e nem uma das duas juntamente do Yuta sabem que todas nós sabemos sobre esse relacionamento deles.
— AI PAPAI! – Chaeyoung disse animadamente. – PEGA FOGO CABARÉ!
*
Pov Sana
Passeio pelo instagram aproveitando o tempo livre e encontro uma foto de Dahyun. Vendo-a, lembro-me de perguntar para a mesma sobre seu bem-estar, afinal desde que saiu de minha casa, não nos falamos mais.
Foi uma noite inusitada, com falas curiosas e ações mais ainda. Eu quis responder à sua publicação na DM como sempre, mas perguntando sobre o tal segredinho. Quis, quis muito. Mas minha preocupação era maior.
m.by__sana: Está de ressaca?
dahhyunnee: Não.
dahhyunnee: Leu o bilhete?
m.by__sana: Sim. Quem ronca é você.
dahhyunnee: Ótimo, então não preciso agradecer de novo.
dahhyunnee: A gente pode se ver?
m.by__sana: Agora?
dahhyunnee: Não, daqui uns três dias, oito horas e vinte e sete minutos. Acha que tem tempo?
m.by__sana: Hm...
m.by__sana: Deixa eu checar na minha agenda.
m.by__sana: Oh, acabei de ver e... Sem tempo nessa data, desculpe-me.
dahhyunnee: Quando podemos marcar, então?
m.by__sana: Você me busca aqui ou eu vou até você?
dahhyunnee: Eu passo aí, mas podemos ir para algum lugar que não seja a minha casa?
m.by__sana: Claro, mas por que?
m.by__sana: Brigou com seus pais?
dahhyunnee: Com minha mãe e não foi bem uma briga... De toda forma não quero falar sobre isso agora.
m.by__sana: Então qual o assunto?
dahhyunnee: Você.
m.by__sana: Medo...
m.by__sana: Para onde vamos?
dahhyunnee: Não sei, vou improvisar.
m.by__sana: Medo em dose dupla agora...
dahhyunnee: Fica pronta, em dez minutos chego.
20 minutos depois...
— E aí. – Dahyun disse quando me viu na calçada.
— Está atrasada. – Falei seriamente entrando em seu carro.
— Foi mal. – Abaixou o volume da música e olhou para mim com uma carinha singela. – Você sabe nadar? – Falou do nada e eu franzi o cenho com a pergunta.
— Um pouco, cachorrinho, talvez. Por quê?
— Ótimo. – Deu partida no carro.
— Para onde estamos indo?
— Pro colégio.
— A ESSA HORA DA NOITE? – Berrei chocada e ela colocou a mão no ouvido de dor.
— Ai! Sim, algum problema?
— Como pretende entrar na escola a essa hora, Kim Dahyun?
— Pela porta. – Deu de ombros. – Digo, primeiro temos que pular o muro, depois entraremos pela porta.
— Hãm?
— Calma...
Ela dirigiu por mais alguns minutos até chegarmos na escola. O caminho foi em silêncio, afinal ela não parecia querer dizer tudo dentro do carro e eu respeitei isso, apesar de estar me corroendo de curiosidade.
Ela estacionou um pouco afastada, guiou-me pela calçada, indo primeiro e segurando minha mão atrás, depois parou quando estávamos na frente do enorme muro do colégio com uma escada encostada nele.
— Quê? – A olhei sem entender. – Não. Não, nem pensar, Dahyun! Não vou subir na escada e pular o muro. – Berrei e ela tampou minha boca com a mão.
— Faz silêncio, porra! Os seguranças podem ouvir.
— Eu não 'tô nem aí! Não vou escalar esse muro, vai machucar meu pé quando eu pular. – Ela virou os olhos e subiu a escada, ignorando minha fala. – Dahyun! – Repreendi entre dentes quando ela já estava em cima. – Desce!
— Não vou descer, sobe logo. – Chamou com a mão. – É o jeito, Sana. O muro é alto demais porque é a única parte sem cerca elétrica.
— Por que invadir a escola, caralho?! Vamos tomar um soverte como adolescentes normais fazem.
— Não sou normal. – Chamou-me de novo com a mão. – Anda, sobe. – Não me mexi e ela arfou irritada. – Sobe, Sana. Eu pulo e te seguro do outro lado, assim você não se machuca.
— Tem certeza que aguenta? – Ela assentiu e pulou sem aviso. – Dahyun! – Gritei e ouvi só um "sh" da parte dela. – Porra, Kim Dahyun... – Tirei os saltos, segurei-os em uma das mãos e comecei a subir. – Eu odeio você, eu juro que te mato assim que conseguir chegar perto. – Falei quando terminei de subir.
— Ok, pode me matar, mas desce primeiro. – Abriu os braços. – Joga os sapatos no chão e pula.
— Ok. – Joguei os calçados, encarei a coreana que me esperava com os braços abertos e respirei tentando buscar a calma. – Você tem certeza que vai me segurar?
— Pula, porra! – Berrou impaciente. – Vai logo, acho que nos ouviram. – Disse preocupada. – ANDA!
— Certo, certo... – Contei até três mentalmente e pulei. A coreana me segurou como disse que faria, amenizando minha queda ou dor. Ela não me segurou inteiramente, só impediu que eu atingisse o chão fortemente. – Valeu... – Disse de pé em sua frente. Suas mãos estavam em minha cintura e meu corpo era colado no seu. – Pode me soltar agora.
— Claro, foi mal. – Ela disse obedecendo nervosamente. Dahyun tinha ficado petrificada olhando-me e eu retribuí, mas a realidade logo me atingiu e eu tive de cortar nosso momento. – Vem.
— Espera, deixa eu calçar os sapatos. – Falei com ela me puxando pelo pulso sem dó.
— Não precisa calçar isso. – A encarei curiosa. – Nós vamos para a piscina.
— O que?! Como vamos entrar lá? É fechado.
— Eu roubei a chave. – Mostrou a mesma. – Faz muito tempo que fiz isso e ninguém nunca descobriu. Fiz de zoação, queria nadar aqui de noite só pela emoção de ter que fazer tudo furtivamente. – Contextualizava enquanto andávamos a caminho do lugar combinado. – Vim aqui duas vezes apenas. Uma sozinha e uma vez com a Chaeyoung. Foi loucura.
— Por que veio?
— É emocionante e a piscina é ótima... Chamei a Son num dia que precisava muito desabafar, então fumamos um, nadamos, relaxamos e eu consegui contar tudo que precisava.
— Tudo isso porque quer desabafar comigo?
— Não é um desabafo, mas preciso te contar algumas coisas.
— Se você trouxe cigarro, juro que jogo ele na piscina. E se pensa que vou fumar com você, está muito eng...
— Chegamos. – Me cortou sem filtros. – Vem. – Abriu e fechou a porta num piscar de olhos. – Vamos logo! – Sorriu largamente enquanto tirava os sapatos.
— Por que não avisou que viríamos tomar banho de piscina? Estou de vestido, Dahyun...
— E daí? Eu estou de calça e moletom... – Tirou o mesmo. – Vou tomar banho com toda essa roupa, exceto o casaco. – Deu de ombros e se jogou na piscina em seguida. – IHUUUU! – Falou quando emergiu. – Entra logo, Sana, a água está ótima.
— Ok... – Coloquei os saltos ao lado do coturno da Kim e cheguei perto da escada. – Está gelada? – Perguntei receosa, já pronta para descer devagar pela escada.
— Não vai pular? – Olhou-me indignada. – Está gelada, mas o frio passa se você entrar com tudo.
— Não sei nadar direito, melhor descer de boa, com cuidado.
— Eu te seguro. Não confia em mim?
— Pior é que eu confio... – Afastei-me da escada, fiquei de frente para coreana, tomei certa distância, avisei que iria e depois de contar até três, corri para ela, pulando no segundo final. – IRRA! – Gritei quando ela me trouxe para a superfície. – Tinha razão.
— É melhor pulando, né?
— Não. Tinha razão sobre a água, ela está ótima, realmente. – Olhei para a menina que ainda me segurava pela cintura, mesmo que eu conseguisse encostar no chão. – Dahyun... Seu cabelo... – Falei hesitante e ela pareceu confusa. – Está... – Não aguentei e gargalhei.
— Qual foi? – Soltou minha cintura e mergulhou, voltando com os cabelos normais dessa vez. – Melhor assim, dona Sana?
— Sim, mil vezes. – Ri mais um pouco e ela também. – EI! – Berrei quando senti o jato de água em minha cara que a Kim jogou. – Para! – Não obedeceu. – Vou te matar, Kim Dahyun! – Fui em sua direção, mas ela sempre nadava rapidamente para se afastar.
— Se conseguir me pegar, pode matar! – Ria sapeca e eu não conseguia ficar séria. – Achei algo que a grande Minatozaki Sana não sabe fazer! – Chegou perto de novo. – Não saber nadar... Com quase dezoito anos... Que vergonha!
— Não posso ser perfeita, né? – Me gabei e joguei água nela de surpresa. – Hehe. – Ri vitoriosa quando ouvi seu grunhido de reclamação pela vingança. – Será que agora pode me contar por que me trouxe?
— Sim. – Arfou, chegou perto da parede da piscina e escalou, sentando-se ali, deixando as pernas dentro d'água. Eu fiz o mesmo, ficando sentada ao seu lado. – Preciso te falar sobre a Miyeon e um plano aí...
Puxou o ar mais uma vez e deu continuidade. Meu coração era acelerado por diversos motivos, mas o maior deles era esse assunto. Minha curiosidade era imensa e finalmente seria cessada.
Dahyun me contou tudo, não parece ter escondido nenhum detalhe. Foi franca com absolutamente todos os seus sentimentos, pensamentos e arrependimentos. Ela me encarou com pesar, mas eu não demonstrei raiva. A escutei imparcialmente e quieta. Minha expressão denunciava coisa alguma além de atenção.
Atenção em cada detalhe, cada palavra, cada suspiro. Ela mexia as pernas na água, estalava os dedos e hesitava de vez em quando. Parecia tensa, com medo, preocupada, aflita.
— Então só se aproximou de mim por que queria algo do meu pai?
— Nós nos beijamos antes disso, então eu diria que mais ou menos apenas. – Respondeu de imediato. – A verdade é que eu não iria fazer dupla com você na peça se não fosse pelo plano de Jihyo, mas nenhuma das nossas conversas foi fingimento. Eu não me arrependo de nada que eu fiz porque isso fez a gente... hm... Parar de se odiar. – Deu de ombros timidamente.
— E porque está me contando tudo isso?
— Achei que deveria. Além do mais, fui franca com todos os meus amigos. Chega de segredos, sabe? Falei sobre todos os planos, falei sobre nós duas, etc.
— E eles?
— Temos um novo plano.
— Você me falar tudo isso faz parte dele? – A encarei um pouco chateada.
— Não. Eu estou sendo sincera porque quero. O plano da Seulgi é ótimo e te envolve, mas só te conto se você quiser e você só participa se quiser também.
— Ainda não sei... Preciso pensar.
— Pensar sobre o plano ou sobre nós duas?
— Não sei.
— Desculpa. – Falou de um jeito manso e receoso. – Não quis te usar, juro. Eu gostei do tempo que passamos juntas e eu quero continuar assim, com ou sem plano.
— Eu não estou com raiva de você.
— Não?
— Não...
— E o que foi?
— Estou surpresa com tudo, com o lance do Yuta e... E seu gesto.
— Meu gesto?
— De cuidado. – Sorri de leve, soltando um arzinho pelo nariz, logo levantando a vista e encarando a Kim. – Você ter aceitado fazer o que a Miyeon queria só para ela não me expor... Obrigada.
— De nada. – Respondeu virando o rosto.
— Posso perguntar algo? – Assentiu. – Por que se importa? Digo, a gente se odiava semanas atrás... Por que agiu assim para me proteger?
— Não gosto de injustiças.
— Entendi.
— E... – Falou depois de um tempo em silêncio. – E tem outra coisa.
— O que?
— 'Tô com frio. – Pulou na piscina rapidamente e quando voltou à superfície, ficou na minha frente, perto das minhas pernas. – Eu aceitei o acordo da Miyeon porque quero cuidar de você, assim como você disse que faria comigo.
— Fofa... – Soltei sem perceber e ela me olhou com os olhos arregalados. Fiquei vermelha instantaneamente. – Obrigada, Kim.
— Um... Dois... – Começou a contar do nada e fazia uma cara de sapeca um pouco desconfiada. – TRÊS! – Puxou minhas pernas com tudo e eu caí na piscina.
— DAHYUN! – Emergi afobada e irritada. – Sua louca! – Bati algumas vezes em seu ombro. – Nunca mais faça isso.
— Foi mal... – Ria feito criança atentada. – Mas estava pedindo por isso!
— Ah, vai se ferrar... – Reclamei arrumando o cabelo para trás, olhei a garota fazer o mesmo e me distraí. Droga de cabelo lindo. – Você pinta seu cabelo desde quando?
— Nem me lembro mais... – Aproximou-se de mim. – Quer que eu te ensine a nadar?
— Como vai fazer isso? – A encarei, ela devolveu e logo encostou o corpo no meu. Tudo parecia lento, eu quis que fosse eterno, mas Dahyun não estava brincando quanto à aula de natação. Bruscamente sinto sua mão na minha barriga e a outra em minhas pernas, virando-me de bruços sobre a água. – DAHYUN! – Falei assustada, mexendo muito meu corpo, dificultando o equilíbrio da menor.
— Calma, Sana! – Ela disse tentando me segurar na mesma posição, mas falhou. Eu caí novamente e mergulhei com força. Ela foi junto e me trouxe para cima rapidamente. – Droga! Desculpa... Você está bem?
— Estou. – Respondi contendo o sorriso. Não podia negar o quanto achei aquilo fofo. – Me beija, Dahyun... – Soltei sem filtros e ela se assustou, deixando-me mais molenga ainda. Aquilo era tão adorável.
— O que?
— Esquece. – Falei e aproximei-me dela, empurrando seu corpo com o meu para a parede da piscina. Encurralei a menina ali, ficando grudada nela sem vergonha alguma. – Posso te beijar? – Mudei a pergunta encarando-a profundamente. Ela apenas balançou a cabeça positivamente devagar depois de umedecer os lábios.
Ao passo que aproximava minha boca da dela, eu sentia sua mão ir levemente até minha cintura e agarrar a mesma com delicadeza. Quando o beijo iniciou, a pegada ficou forte, o frio inexistente e meu corpo mole sob sua mão.
Trocamos carícias, beijos, afetos. Dahyun soltou minha boca e com a dela beijou meu pescoço, passeou por ele com os lábios, com a língua. Chupou devagarinho, depois de uma leve pressão, garantindo que não ia deixar marcas. Agarrou mais ainda minha cintura e eu não pude conter a reação sonora para isso. Arfei, gemi. Soltei baixinho, de um jeito manhoso e surpreso. Ela parece ter gostado daquilo e aprofundou o toque.
Senti a ponta de seus dedos irem de cima para baixo em minhas costas geladas, arrepiando meu corpo por inteiro. Eu estava em choque, sentindo um prazer inesperado, fiquei sem ação, deixei ela comandar.
— Não faz assim... – Disse sussurrando manhosa em seu ouvido. – Dahyun...
— Deixa eu te sentir? – Pediu inocentemente enquanto pairava a mão sobre meu seio. – Com a língua.
— Deixo.
Ela o fez assim que eu permiti. Afastou meu vestido e o sutiã com sutileza e, quando finalmente encarou o que queria, sorriu satisfeita já com a boca próxima. Passou a língua por toda a extensão do peito, exceto o mamilo. Parecia que queria me atiçar mais, provocar e me fazer implorar para ter aquilo logo.
Não demorou, felizmente. Logo senti sua boca quente na aréola, deslizando os lábios macios num movimento repetitivo de vai-vem. Sua língua molhada fez meu corpo ferver e meu centro pulsar. Agarrei a nuca da Kim com força, como reação ao estímulo intenso, e ela respondeu aquilo olhando em meus olhos e lançando um sorriso sacana, voltando a chupar a região.
— Você gosta assim, Sana? – Trocou o seio. Agora chupava um e segurava o outro firmemente com a mão. – Hm... Gosta?
— Gosto... Gosto muito. – Arfei alto e ela também.
Minha cabeça estava esticada para trás, meu pescoço a mostra, meu corpo mole. Estava totalmente arrepiada, estimulada e excitada. Queria Dahyun em mim de todas as formas possíveis e imediatamente. Meu corpo implorava por ela, pelo seu toque, seu gosto, seu beijo. Meu coração batia mais rápido, minha respiração era descompassada e minha voz um tanto trêmula.
Ela voltou a lamber meu pescoço, passeando a mão, agora, na parte interna das minhas coxas. Dedilhava minha pele com cuidado e vontade. Apertava na hora certa e aliviava para me deixar mais louca.
Prontamente puxei seu rosto e a beijei novamente, fazendo-a amolecer para mim dessa vez. Intensifiquei o ato de outra forma. Enquanto sentia seus lábios nos meus, segurei em sua nuca com uma das mãos, arranhando de leve a pele e puxando suavemente seu cabelo. Ela gostava daquilo, denunciava fraqueza e prazer, então eu aproveitei.
Com a outra mão vaga, afastei suas pernas uma da outra colocando a minha no meio delas. Encostei o joelho no centro de Dahyun e ela soltou minha boca bruscamente para gemer.
— Caralho... – Ela disse ofegante, autorizando que eu continuasse. Estava bom, intenso, mas ainda não era perfeito. Tínhamos que sair da piscina, aproveitar o momento fora da água. Ela assentiu à minha vontade, mas o universo não. Paramos tudo rapidamente assim que ouvimos um celular tocar: era o meu.
— Porra, caralho, que merda! – Reclamei com raiva e Dahyun riu. – Devemos ignorar?
— Não, atende. – Deu um selinho breve e me levantou, ajudando-me a sair da piscina. – Já está muito tarde mesmo, precisamos ir.
— Vamos molhar todo seu carro.
— Tira a roupa então. – Riu sapeca, mas eu a encarei fingindo seriedade. – É sério. Tira o vestido molhado e usa meu moletom que está seco.
— E você? Vai ficar molhada?
— Não ligo. – Deu de ombros. – Agora atende logo isso.
— Dorme comigo hoje? – Perguntei pegando o celular.
— Durmo.
— E então você me conta da discussão que teve com sua mãe?
— Conto, japa... Conto, sim.
*
"Devaneio de cigarro
Você tinha apenas dezessete anos
Tão doce, com uma tendência maliciosa
Quase me deixou de joelhos"
Chapter 21: The Judge.
Chapter Text
The Judge – Twenty One Pilots
"Quando o líder dos bandidos cantou
Algo suave e encharcado de dor
Eu ouvi o eco de seu esconderijo secreto
Ele deve ter esquecido de fechar a porta
Enquanto soltava para fora aqueles acordes sombrios
E suas quatro paredes o declararam insano"
*
Pov Sana
"— Pai, por que a tia Sooyoung está sempre saindo com a gente? – Sussurrei para o homem sentado ao meu lado na mesa do restaurante. – Ela fica mais conosco agora do que quando a mamãe era viva.
— A Sooyoung sempre foi muito próxima da família, filha. – Respondeu-me com um sorriso amarelo. – Você não gosta dela? – Questionou sem jeito enquanto analisava o ambiente, pronto para encerrar o papo assim que a Choi se aproximasse da mesa.
— Gosto... Um pouco, eu acho. – Dei de ombros. – Digo, ela é meio mandona, né? – Falei timidamente e o homem riu assentindo. – Por que o senhor marcou esse jantar com ela, pai? E ainda me fez colocar uma roupa tão bonita... – Olhei para o meu vestido e depois para a roupa do homem. – E seu terno também está muito formal...
— Aí vem ela. – Apontou com a cabeça quando a coreana aproximou-se de nós. Meu pai levantou, puxou a cadeira para ela e sentou-se novamente depois de Sooyoung. – Bom, acho que não precisamos mais esperar. – Ele disse se permitindo sorrir largamente. – Sana, nós temos um anúncio para fazer.
— Que anúncio? – Perguntei curiosa e notei a mão do meu pai pousar em cima da mão de Sooyoung.
— Não vai esperar a comida? Ou pelo menos a bebida para brindarmos? – A coreana questionou incomodada e exigente, fazendo meu pai ficar sem jeito. – Quer saber? Tudo bem, façamos logo isso. – Segurou a mão de meu pai de volta e me encarou em seguida. – Você fala ou eu falo?
— Não sei... – Meu pai respondeu ainda muito sorridente e inquieto. Ele estava nervoso, mas satisfeito ao mesmo tempo. – Ah, o que eu faço? – Riu envergonhado.
— Eu digo, então. – Falou rígida e seriamente. – Sana, seu pai e eu vamos nos casar.
Ouvi aquilo e meu queixo caiu. Não consegui esconder a surpresa, o choque e o desgosto com aquelas palavras. Meu pai ainda sorria, mas seus olhos eram danados e curiosos, quase imploravam por um pronunciamento meu e, com muita sorte, uma frase positiva em relação a tudo.
Como uma criança de nove anos deve lidar com uma informação assim? Sorrir, gargalhar? Chorar, espernear? Não dizer nada, fingir que não ouviu? Não sei, ninguém sabe. Eu apenas respondi com um balançar de cabeça e nada mais.
O destino foi meu amigo dessa vez, afinal assim que assenti, o garçom chegou em nossa mesa com meu pedido, que fiz questão de o fazer assim que cheguei no restaurante. Sei que Sooyoung odiou minha reação, meu ato de pedir a comida sem que ela estivesse presente e o silêncio do meu pai perante tudo, mas não me importei. Não com isso, pelo menos."
— E depois disso foi só ladeira abaixo. – Terminei de contar a Dahyun sobre Sooyoung. Contei para a coreana desde a relação da Choi com minha mãe até a lembrança que tive esses dias num sonho. – Acho que agora você pode tirar a imagem de garota perfeitinha que tem de mim.
— Todo mundo tem problemas, afinal. – Deu de ombros. – Meus pais me culpam pelos problemas que eu tenho, sua madrasta é uma cuzona e nós duas somos adolescentes sem sono. – Deitou-se na minha cama com tudo, fazendo meu corpo mexer com o impacto. – Como vou dormir aqui sem pijama? – Mostrou o roupão que usava.
— Eu te empresto um, sem problemas.
— Vai combinar com meu moletom? – Encarou-me com uma das sobrancelhas levantadas.
— Sim, ele é grandão e confortável, perfeito para o frio que está fazendo hoje. – Respondi mexendo nas minhas gavetas atrás de uma roupa para a Kim. – Você está com frio?
— Não muito.
— Ok, mas se ficar, te dou uma coberta... É que não tenho pijamas quentes, sabe? – Virei-me desconfiada a olhando timidamente. Segurei duas peças de roupa, uma em cada mão. A primeira era uma camisola soltinha, rosa e com detalhes de renda. A outra era um conjunto, short e blusa, de cor roxa, curtinho e de tecido leve. – Qual você quer?
— Nem fodendo... – Olhou aquilo com desdém e negação. – Você só tem esse tipo de coisa aí dentro? – Levantou-se da cama e veio até mim, vasculhando minha cômoda sem aviso. – Não vou encontrar nada impróprio aqui não, né? – Parou repentinamente a busca e me encarou desconfiada.
— Se continuar, vai achar. – Falei sem filtros e ela se afastou de imediato após pegar, sem delicadeza, o conjunto roxo da minha mão. – Já sabe onde é o banheiro. – Apontei e ela seguiu reclamando baixinho.
Eu e Dahyun tínhamos chegado em casa rapidamente após a ligação do meu pai, que só estava me chamando de volta. Após entrarmos, trouxe Dahyun até meu quarto, entreguei-lhe tudo que precisava para um banho e desci para conversar com o homem.
Uma conversa rápida e descontraída, que quando chegou ao fim eu subi de volta para o meu quarto, encontrando Dahyun já pronta, enrolada no roupão e sentada na cadeira giratória enquanto mexia no celular.
— Beleza, vamos dor... – Ela disse quando abriu a porta do banheiro e me viu, também já vestida para dormir, usando a camisola rosa que tinha oferecido mais cedo.
— Que foi? – Perguntei cínica enquanto assistia ela ficar paralisada ao me ver. Isso durou segundos curtos, mas que eu tratei de deixá-los memoráveis para a Kim.
— ...mir. – Completou continuando a caminhar pelo quarto. Ela tinha o roupão em sua frente, tampando todo seu corpo, impedindo que eu a visse por completo. – Vamos dormir. – Bocejou forçadamente. – Qual seu lado da cama?
— Normalmente o meio. – Respondi ficando perto dela. – Vai ficar com essa toalha na frente até quando?
— Até você apagar a luz.
— Beleza. – Assim o fiz. O quarto agora era quase escuro, exceto por um led suave de cor azul que tomava conta de todo o ambiente.
— Essa luz também, por favor.
— Qual é? – A encarei irritada. – Meu lado é o esquerdo. – Deitei-me em seguida. – Vai dormir em pé?
— Não... – Virou-se de costas sem jeito. – Pode olhar para lá? – Pediu quando notou que eu não tirava os olhos dela. Eu acatei. – Pronto. – Quando voltei a visão, Dahyun já estava coberta e sem roupão.
— Por que a vergonha?
— Não é vergonha, é que suas roupas são feias.
— Delicada... – Ri pelo nariz e ela virou-se de costas para mim. – Ei... – Cutuquei seu ombro. – Desculpa, ok? Não sabia que isso era um assunto que mexia com você.
— Não é.
— Então o que houve?
— Não sei... – Respondeu sem jeito. Sua voz era baixa e tímida. – Só fiquei cansada de repente.
— Já entendi. – Não alonguei a conversa, desliguei o led, deitei-me totalmente em seguida e encarei o escuro. – Boa noite, loirinha.
— Boa noite... – Não pedi permissão, nem avisei. Assim que ouvi sua voz novamente, não contive o impulso e a abracei. Foi quase uma conchinha, mas Dahyun não devolveu o gesto, ficou dura, quieta. Não reclamou, mas não se mexeu. – Boa noite, japa. – Completou mansamente.
Eu entendi que a mudança repentina de humor seria algo constante entre a gente, pelo menos até Dahyun começar a se tratar de verdade. Entendi aquilo e não achei ruim, não reclamei e nem me culpei. Ela era daquele jeito e isso não me aborrecia. Pelo contrário, seu jeito era singular, era especial.
*
Pov Dahyun
— Bom dia. – Falei encontrando Sana já pronta em minha frente. – Que horas são?
— O suficiente para você correr e se aprontar para a escola o mais rápido possível.
— Hm... – Peguei o celular e vi o horário. – Porra, eu nunca acordei tão cedo na vida!
— Se não levantar agora, vai chegar atrasada.
— Nossa, isso realmente me deixaria muuuuito triste! – Brinquei e ela me fitou. – Certo, capitã. – Fiz continência ao ficar de pé. – Pode me dar uma escova de dentes?
— Na primeira gaveta aí do armário do banheiro tem. – Apontou com o pé, já que estava passando batom. – Você toma café na escola, beleza?
— Que isso, mulher? – Falei mais alto já que estava tomando banho enquanto conversava com a japonesa. – Ainda preciso passar em casa e colocar o uniforme.
— Você usa um dos meus, senão vamos nos atrasar ainda mais.
— Você quer dizer se atrasar para chegar absurdamente adiantadas, né?
— Exato.
— Louca. – Disse rindo. – Você tem uma das calças de educação física para me dar?
— Não. Eu as deixo na escola mesmo, no armário.
— Porra, Minatozaki...
— Você que é estranha e vai com a calça embaixo da saia sempre, está na hora de inovar, não acha?
— Não acho.
— Ache sozinha. Vou deixar a roupa pendurada na maçaneta da porta do banheiro, quando terminar você abre e se veste logo.
— Afirmativo, senhora. – Falei provocativa, mas achando tudo muito divertido. O jeito mandão da japonesa realmente era cômico, além de intimidante, afinal eu sempre acabo cedendo.
Foi uma noite agradável, meu sono foi tranquilo e até consegui sonhar. Raramente esse feito acontece, e mais raramente ainda é um sonho bom. Dessa vez foi o combo perfeito.
*
— Qual o plano da Seulgi? – Sana perguntou quando fechou a porta do meu carro. – A propósito, você ficou ótima usando só a saia... – Analisou-me e eu gostei daquilo, mas a timidez fazia parte de mim, então só ignorei sua fala, dando apenas um fino e rápido sorriso bobo.
— Só funciona se todo mundo colaborar e com todo mundo, eu quero dizer seus amigos e os meus. Trabalhando juntos.
— Isso vai ser mais difícil que executar o plano em si, mas continue.
— Eu sei, meio que todo mundo ali não se suporta, mas é a vida. Eu e você também éramos assim e... E já é a segunda vez que durmo contigo.
— Eu ronquei? – Perguntou preocupada.
— Sim, como sempre. Muito alto, inclusive.
— Insuportável... – Revirou os olhos e eu ri.
— Enfim, a Kang disse que se trabalharmos juntos, tudo funcionará. Ela sugeriu que primeiro a gente converse, todos juntos, para reajustar as coisas, adequando as mesmas para a nossas limitações e etc.
— Entendi.
— Inclusive, quer que isso aconteça hoje depois da aula.
— Meu deus... Isso significa que terei que ser bem convincente, né?
— Isso mesmo. – A olhei e sorri, ela devolveu o gesto. Foi aleatório, mas sentimos vontade de o fazer, então aconteceu. Ultimamente sorrir perto de Sana é natural e inevitável. – Acha que consegue?
— Com certeza. – Piscou somente um dos olhos para mim, orgulhosa, logo abriu a porta do carro quando estacionei perto da escola. – Agora cada um para um lado.
— Não te conheço e te odeio, ok? – Devolvi rindo.
— Exatamente. E é recíproco. – Sorriu com os olhos quase fechados. – Te mando mensagem depois. – Acenou um "tchau" e se afastou rapidamente.
— JAPA! – Berrei por impulso, ela parou, já do outro lado da rua, e me encarou. – Você não roncou ontem, eu 'tava brincando... – Notei seu dedo do meio ser mostrado. – E você é linda dormindo, 'tá? – Falei mais baixo, mas ainda o suficiente para ela escutar.
Não dei tempo de resposta e nem fiquei ali para ver sua reação. Assim que fechei a boca, fechei também a porta do carro, correndo na outra direção sem olhar a japonesa.
*
Pov Narrador
— 'Tô mais perdida que cego em tiroteio... – Momo disse. – Afinal, cadê a Dahyun e o grupo dela?
— Estão chegando. – Sana respondeu.
— Atrasados, como sempre. – Mina comentou impaciente depois de arfar.
— Sana, se você meter a gente num esquema de pirâmide ou sei lá, num "trabalho de modelo na Turquia" por conta desse encontro com a Dahyun... – Nayeon começou dramaticamente. – Juro que volto para te assombrar!
— Deixa de drama, Im. – Tzuyu falou. – E relaxem a ansiedade, a galera vem aí. – Apontou para fora do estabelecimento e todas as meninas olharam.
Jeongyeon, Seulgi, Jihyo, Seungsik, Dahyun e Chaeyoung entraram, um perto do outro, na boate aberta somente para limpeza. Chegando perto do resto, os cumprimentos foram vistos, algumas palavras breves trocadas e olhares curiosos e desconfiados eram predominantes.
— Beleza, quem vai começar a falar? – Jennie disse impaciente. – Não entendi até agora o que viemos fazer aqui...
— Nem eu. – Momo disse. – A Sana tentou explicar, mas ela é melhor aluna que professora, então já viu. – Disse rindo baixinho e Tzuyu a acompanhou. Ao fundo Chaeyoung ria junto, mas disfarçadamente.
— Eu explico. – Dahyun começou.
A coreana contou-lhes o objetivo de tudo, contextualizou e detalhou certos acontecimentos, frisou a importância da união dos dois grupos e pediu, de forma direta, mas educada, que o grupo das líderes aceitassem.
— Certo, mas o que temos que fazer exatamente? – Mina questionou.
— Como a Miyeon não sabe que nós sabemos do envolvimento dela com o Yuta, a Sana pode usar isso para manipular os próximos passos da Cho. – Seulgi começou. – A Minatozaki não demonstra saber da parceira do japonês e com isso o próprio vai fazer o que ele já vem fazendo: ser um leva e traz.
— Como vocês têm tanta certeza que o Yuta está sendo cuzão com a Sana? – Nayeon perguntou.
— Não tínhamos, mas depois de pensarmos um pouco, não foi difícil deduzirmos isso. – Jihyo respondeu. – A Sana deduziu, na realidade.
— É. – A Minatozaki completou. – Quando a Dahyun comentou comigo sobre o romance dos dois eu fiquei surpresa, martelei um pouco a ideia na minha cabeça e cheguei a essa conclusão. Ainda não sei o que fez o Yuta agir assim comigo, mas com certeza existe algo.
— O que você acha que ele está fazendo contra você? – Momo perguntou.
— Isso eu posso responder. – Somi disse timidamente, mas logo recuperou a confiança. A coreana veio junto a pedido de Dahyun e estava calada até então. – A Miyeon estuda comigo, é quieta, age como inocente, mas não é assim na realidade. Já a vi conversando com a Yuna algumas vezes e rapidamente ela apareceu de namorico com o japonês.
— Certo, mas isso não quer dizer nada em relação a Sana. – Mina disse firmemente.
— Calma. – A Jeon continuou. – Realmente tudo era só uma suspeita, afinal quando contei a Chaeyoung sobre e ela repassou para a melhor amiga, que por sua vez deu continuidade a fofoca contando à Sana, a japonesa e eu trocamos mensagens breves sobre o assunto e ela mesma imaginou esse cenário, lembrando da conversa estranha que os dois tiveram esses dias.
— Que conversa? – Tzuyu perguntou.
— Ele queria saber se eu estava com alguém, insistiu e foi firme com isso. Depois saiu do nada, parecia abalado. Não entendi a princípio, mas foi só saber que era com Miyeon que ele estava namorando que imaginei tudo. – Sana respondeu. – Conheço ele, sei que ficaria no máximo triste ao descobrir que menti, mas isso não seria suficiente para ele ser um agente duplo para a Cho.
— E o que seria? – Nayeon perguntou.
— Ela inventou algo ao meu respeito, tenho certeza. – Respondeu a japonesa convicta. – Depois dessa nossa conversa, Dahyun foi ameaçada, Yuna colocou ideias na cabeça do diretor e agora estamos aqui. Não pode ser coincidência.
— Faz sentido... – Chou disse. – Mas o plano é só isso? A Sana contra-atacando o Yuta para desfazer os planos da Miyeon?
— Isso é uma parte, na qual só a Dahyun e a Sana tomarão conta. – Seungsik começou. – A outra parte nos envolve. Precisamos parar a Yuna.
— E como faremos isso, cara? – Momo falou.
— Não vamos descartar totalmente o plano da Jihyo, que vocês todos já sabem qual é, esse fica como alternativa B. – Dizia de um jeito convincente e confiante. Tinha a atenção de todos e o apoio também. – A principal arma da Yuna é ser sobrinha do diretor, certo? – Assentiram. – É única coisa que a faz onipotente no colégio, se tirarmos isso, vamos conseguir continuar com muita facilidade.
— Mas é impossível. – Mina disse. – A não ser que... – Pausou sua fala e pensou. – Acho que já entendi...
— Então explica. – A Hirai pediu impaciente.
— Vamos ter que tirar o Wang da direção por uns dias. – O Kang disse seguramente. – Não é nada perigoso, é uma ideia antiga, inclusive. – Piscou para as amigas por se tratar de um esboço de pegadinha. – Se o diretor precisar de ausentar, alguém precisará ficar no lugar dele... E nós sabemos que isso seria perfeito, já que o substituto é muito quisto por todos da escola.
— Quem é o vice-diretor? – Nayeon perguntou confusa.
— Vice-diretora. – Sana corrigiu. – É a professora Tiffany Young, de inglês. Tem no manual do colégio, vocês nunca leram?
— Não? – Tzuyu falou chocada. – Quem lê essa porra? – Disse indignada e quando olhou em volta, a maioria respondeu que sim, liam. – Ok...
— Enfim... – Dahyun retomou. – A Tiffany assumindo, ganhamos alguns dias de folga da Yuna e de quebra ainda podemos fazer com que ela seja punida pela diretora do momento, já que o tio é um cabaço do caralho que nunca faz nada. – Revirou os olhos involuntariamente.
— E como pretendem afastar o Wang? – Jennie questionou já empolgada com tudo.
— Isso fica por conta da gente. – Chaeyoung sorriu sapeca. – Eu e o Sik daremos conta do recado, mas precisamos de alguém conosco que o diretor não manje, se é que me entendem... – Continuou desconfiada. – Somi, você topa? – Lançou um olhar pidão e mexeu as sobrancelhas de forma sapeca, conseguindo um "sim" da Jeon.
— E com a Yuna, o que faremos? – Tzuyu perguntou.
— Algumas coisas... – Jihyo disse sacana. – Quero que ela prove do próprio veneno, então se tiverem rancor aí dentro de vocês, joguem na roda e vamos implementar o plano. – Sorriu danada e o resto acompanhou. – A Shin gosta de trancar os outros nos lugares, então podemos começar daí.
— Ela ama dedurar os outros também. – A japonesa mais velha completou. – TIVE UMA IDEIA! – Falou animadamente e todos ficaram em silêncio para ouvi-la atentamente. – Quando afastarmos o diretor, vamos programar uma farra grande envolvendo toda a escola. Pode ser uma festa clandestina ou um evento bacana, isso a Tiffany aprovaria com certeza.
— Se envolver alguma matéria escolar, com certeza ela patrocina. – Jennie disse. – É só pensar direitinho, apresentar a ideia para ela um pouco antes de afastar o Wang, deixando-a só com o esboço e com a vontade, aí quando a Young finalmente assumir a direção, a gente volta a tocar no assunto.
— Acho que é uma boa envolver inglês. – Dahyun comentou. – Um evento grande, em prol do conhecimento, que valha nota e que dê visibilidade para a escola, blábláblá. – Complementou imaginativa. – Essa porra vai dar muito certo! – Sorriu sapeca e as outras duas também.
— Um evento grande com muito investimento não pode ser danificado, certo? – Jihyo soltou de forma maliciosa e o resto acompanhou. – Vamos dar um jeito de destruir tudo e culpar a Yuna, com isso ela vai ser punida, o Wang vai ficar com raiva da cara dela e quando o mesmo voltar ao posto, as regalias da Shin serão cortadas pela raiz.
— Para garantir, vamos fazer pressão nos nossos responsáveis. – Mina disse seriamente. – Principalmente você, Sana. O Jackson ama seu pai, o respeita além da conta. Se todos os outros e o Shitara fizerem reclamações ao Wang, não vai ter jeito... A Yuna vai ter o que merece.
— Mas por que precisamos todos fazer isso? – Nayeon questionou um pouco confusa.
— Se vamos fazer um evento acontecer e depois fazer ele dar errado, precisamos de mais mãos, entende? – Jeongyeon explicou pacientemente, mas a Im ainda era meio temerosa. – Você pode cuidar do evento mesmo, dar ideias, falar com a Tiffany, decoração, etc. É mais sua cara e não corre riscos.
— Eu amei! – A mesma sorriu animadamente. – Já tenho mil ideias!
— Além de que tem que ser tudo muito bem calculado. – Yoo continuou. – Precisamos contra-atacar a Miyeon, afastar o Wang da direção, convencer nossos pais a pressionarem o chinês, fazer um evento grande e destruir ele, colocar a culpa na Yuna e garantir a punição permanente dela... É muito trabalho pela frente.
— Mas tem potencial. – A Minatozaki falou. – Vocês gostaram do plano? – Virou-se para as amigas, que assentiram logo.
— É um plano bom pra caralho. – Momo comentou. – O que pode dar errado?
— Nada. – Mina respondeu. – Se vamos fazer isso, então vamos fazer direito. – Levantou-se e encarou a todos brevemente, finalizando seu olhar em Dahyun. – Isso não é uma armadilha sua não, né?
— Não. – Respondeu sem demora. – Podemos contar com você? – Esticou a mão esperando um cumprimento.
— Com todas nós. – Myoui apertou a mão da Kim, selando a aliança.
*
Pov Sana
— Foi bom hoje, né? – Virei para Dahyun e comentei. – Nossos amigos interagindo bem...
— Sim, foi. – Respondeu me olhando rapidamente. – Já posso imaginar as amizades que vão surgir...
— Quais?
— A Momo e a Chaeyoung com certeza! – Sorriu ao falar. – Elas combinam muito, duas bobocas...
— Consigo ver algo nascendo entre Nayeon e Jeongyeon, acredita?
— Jura?! – Sua expressão era de choque. – Elas parecem se detestar.
— Não sei se isso é algum critério. – Falei rindo e ela fez o mesmo ao perceber o teor da minha frase.
Nós estávamos na calçada da boate, a mesma já funcionava a todo vapor e era lotada como de costume. Alguns de nossos amigos já haviam ido embora, exceto Jihyo, Tzuyu, Mina e Momo. As namoradas assumidas estavam se beijando por aí, a Park saiu de perto para ajudar o tio e Tzuyu foi ao banheiro.
A taiwanesa volta depois de alguns curtos minutos e senta-se ao nosso lado no chão. Não falamos nada, não nos entreolhamos. O silêncio prevalece e a paz toma conta. É um sentimento bom de parceria, calmaria e tranquilidade. Não há rivalidade por aqui, nesse instante apenas existe a suavidade.
— Se vocês forem se beijar, avisem. – Tzuyu soltou do nada, fazendo meus olhos arregalarem e os de Dahyun mais ainda. – Não quero ouvir barulho de baba e nem ver essa cena terrível. – Brincou, mas só ela riu. Eu e a Kim estávamos envergonhadas demais para retribuir.
— Para com isso... – Foi só o que consegui dizer.
— E aí. – Momo disse se aproximando. – Podemos? – Fez menção a sentar-se e nós acatamos. – Por que a Dahyun está tão vermelha e séria? Está chapada?
— Não... Eu... – Respondia nervosamente. – Sei lá. – Deu de ombros.
— Se tivesse, ia pedir um trago. – Hirai continuou a brincadeira, mas levou um empurrão das outras duas japonesas ali presentes. – Foi mal...
— Que estranho você ainda aqui... – Mina disse virando-se para mim. – Achei que já teria ido para casa.
— Normalmente eu iria, mas estou com menos paciência para a Sooyoung ultimamente. – Respondi dando de ombros. – Esses dias a vi usando um colar que era da minha mãe e que eu tinha guardado no baú do meu quarto, fiquei mal demais com aquilo.
— De novo isso? – A Myoui soltou irritada. – Você não falou nada? Nem contou ao seu pai?
— Não... – Disse cansada. – Essa situação me adoece e meu pai não tem coragem de enfrentar a Choi, então me resta aceitar e tentar ignorar.
— Ela mexeu nas suas coisas, Sana. – Dahyun disse sem receio e aquilo me impactou. Mina parece ter ficado surpresa junto. – Isso não 'tá certo... Mesmo que seu pai não faça nada, você deveria fazer.
— E fazer o que? – Perguntei.
— Um barraco, uma loucura, um escândalo. – Sugeriu com facilidade. – Qualquer coisa que faça seu pai notar que você quer dar um basta em tudo. Chama atenção dele e mostra para a Sooyoung que você tem voz... Só assim isso para, sabe?
— Foda concordar com barraco, mas acho que a Kim está certa. – Tzuyu disse. – Não sou de fomentar aquilo sobre o acidente, acho muita viagem e acho que te faz mais mal ainda, Sana, mas isso de esbravejar seu descontentamento com a situação é válido.
— Eu tenho medo de magoar meu pai, não quero que ele sofra mais... Foi barra para ele cuidar de mim quando minha mãe partiu. Foi difícil assumir seu novo amor para mim mesmo depois de anos, então fico receosa de enfrentar.
— Se o jeito é gritar, Sana, então grita. – Mina disse. – E, diferentemente da Tzuyu, eu não acho que querer entender o acidente da sua mãe seja ruim. – Soltou do nada e eu enrijeci.
Nunca tinha falado sobre esse assunto tão profundamente com Mina. Ela é a mais quieta das minhas amigas, mas é a mais cuidadosa comigo. Me trata como alguém quase indefeso, quer sempre "mandar" caso ache necessário e efetivo. Acho fofo e não deixo de me emocionar com isso.
— Como assim? – Questionei hesitante e ela rapidamente me olhou de um jeito despojado, aí então eu entendi: ela estava bêbada.
A Myoui e eu não temos papos tão profundos porque ela não pergunta muito e eu não falo se não for perguntada. É estranho, mas confortável, afinal a mesma sabe sempre que eu estou pra baixo e consegue, do seu jeito, me fazer sentir melhor.
Quando alcoolizada, Mina se solta mais, fala mais, pergunta mais. Nesse estado ela não tem filtros, não tem medos e nem receios. Diz o que achar que deve dizer, sem nem pestanejar. Isso, de certa forma, é bom.
— A mãe da Sana bateu o carro, isso acontece sempre, Mina, não fica colocando ideia torta na cabeça da Minatozaki... – Tzuyu repreendeu, mas como esperado, a japonesa mais nova não ligou.
— Deixa... – Ouvi Dahyun pedir baixinho, mas eu permaneci calada. – É preciso ouvir as coisas de vez em quando, evitar a todo momento faz mal. – Aconselhou sabiamente e minha melhor amiga acatou.
— Só acho que é um pouco estranho, sim. – Mina respondeu. – Afinal a Sooyoung era melhor amiga da Kana, é curioso no mínimo.
— Curioso só porque elas eram melhores amigas? – Questionei mais uma vez.
— Por isso e pelo processo que rolou na época. – Deu de ombros e desviou o olhar, mirando o nada em sua frente após deitar a cabeça no ombro da namorada.
— Processo? – Perguntei intrigada. – Que processo?
— Porra, Mina... – Tzuyu reclamou. – Ela está bêbada, mano, não dá ouvidos.
— Estou bêbada, mas ainda lúcida, oras! – Rebateu. – A Dahyun deve saber disso mais que eu, pergunta para ela. – Pesou os olhos, estava molenga, quase dormindo ali mesmo.
— Para mim?! – A Kim espantou-se com a fala e me olhou inquieta. – Meus pais que são advogados, não eu.
— Mas sua mãe conhece a Sooyoung... – Falei ao lembrar. – No dia do jantar, ela disse que conhecia a Choi há tempos.
— Caraca, nem guardei essa informação. – Continuou. – Mas o que isso tem a ver com o acidente?
— Não sei direito, preciso ir para casa dormir... – Levantou-se com a ajuda de Momo e nos encarou antes de se despedir. – Só sei que rolou um processo na época e a Sooyoung até precisou de advogados... Ou advogada, né? Sua mãe, Dahyun. – Deu de ombros. – Enfim, só sei disso.
— Minha mãe? – Ouvi a Kim se perguntar confusa.
— Boa noite aí. – Momo disse por ela e por Myoui. – Desconsiderem o que essa louca disse... – Brincou e saiu.
— Isso. – Tzuyu começou, também levantando-se quando as duas japonesas sumiram da nossa frente. – Finge que a Mina não disse nada, ok?
— Não. – Falei. – Eu quero saber, afinal. – Levantei-me também. – Por que sugere isso? Já sabia sobre o que a Mina falou? – A fitei seriamente e a mesma desviou o olhar receosa. – Sabia, Tzuyu?
— Só sobre o processo... Me admira você não saber, não é segredo. – Disse nervosamente. – Não sabia que tinha sido a mãe da Dahyun a defender a Choi, mas sabia que ela tinha precisado se defender de algo.
— Mas por quê?
— Parece que o freio do carro foi sabotado, Sana... – Me olhou com pesar. – Você não lembra disso? Saiu em vários jornais.
— Acho que apaguei da memória... Virou um trauma esse assunto. – Falei olhando para baixo, me sentindo perdida. – A única coisa que lembro é o que sonho as vezes, como aconteceu esses dias... Só sei que nunca gostei da Sooyoung e piorou depois da morte da minha mãe. – Finalizei de forma mansa e frágil.
Tzuyu me encarava com pesar, parecia se culpar por me fazer lembrar, mas eu não a culpava de volta. Eu insisti para saber, eu esqueci de algo que nunca foi segredo e nunca deixei de lado essa história, então a culpa não é de ninguém, senão minha.
Senti sua mão pousar em meu ombro e logo em seguida seu abraço forte e confortante. Devolvi o gesto e deixei-me amolecer na taiwanesa. Ela me segurou firme como sempre, fazendo eu me sentir melhor e protegida.
— Acho melhor eu ir. – Falei ao me soltar dela.
— Quer que e... – Tzuyu dizia, mas foi cortada por Dahyun.
— Eu te levo. – A Kim disse firmemente enquanto levantava do chão. – Pode ficar lá com a Jihyo, eu cuido da Sana. – Piscou e sorriu. Notei minha amiga denunciar o choque pela afirmação da coreana, mas não deu tempo da surpresa continuar, rapidamente senti o braço de Dahyun me envolver pela cintura e seu corpo girar com o meu, em seguida andando para longe de minha amiga e para perto do carro.
— Vai me deixar em casa e depois ir para a sua? – Perguntei entrando no veículo.
— Hoje você que dorme comigo. – Bateu à porta e deu partida. – Se minha mãe sabe de alguma coisa sobre o acidente, eu vou descobrir e te contar. – Olhou-me com delicadeza. – Eu prometo. – Sorriu e leve e eu retribuí da mesma forma, apesar de sentir uma felicidade imensa pelo ato de cuidado, ainda estava chateada e confusa por dentro, então lancei apenas um meio sorriso, depositando meu carinho nela por telepatia.
*
"Eu não sei se esta canção
É uma rendição ou um prazer
Eu não sei se essa aqui
É sobre mim ou sobre o diabo"
Chapter 22: Lucky Ones.
Chapter Text
Lucky Ones – Lana Del Rey
"Eu fiquei tão assustada, pensei que ninguém poderia me salvar
Você veio, me pegou como um bebê
De vez em quando, as estrelas se alinham
Adolescentes se encontram pelo destino
Será que você e eu somos as sortudas?"
*
Pov Dahyun
— Você quer comer alguma coisa? – Perguntei quando acendi a luz do meu quarto e deixei Sana entrar nele. – Ou beber? Ou... Dormir apenas?
— Não quero comer nem beber... E estou sem sono. – Respondeu sentando-se em minha cama. – Por que eu estou aqui? – Olhou-me de forma singela, aquilo fez meu coração acelerar de imediato.
— Eu quis assegurar que fosse ficar bem, vi como ficou depois do que a Mina e a Tzuyu disseram... – Sentei-me ao seu lado, olhando para frente e ela também. – Não quis que ficasse sozinha e queria passar mais tempo com você também, japa.
— Fofa... – Disse baixinho ao mesmo tempo que um arzinho saía de seu nariz. – Obrigada, loirinha. – Bateu no meu ombro, empurrando meu corpo de leve com o dela.
Ficamos em silêncio depois do empurrão, nada foi dito, nenhum barulho era escutado. Somente nossas respirações eram ouvidas. Meu foco era no móvel da frente, o de Sana não sei, mas sei que não era em mim, afinal não senti minha pele queimar como sempre fez com alguma encarada sua.
Era um silêncio tranquilo, nada incômodo. Estávamos confortáveis juntas, confortáveis fazendo nada, mas eu sentia meu coração acelerado e inquieto. Minhas mãos suavam de leve, eu piscava mais rápido que o de costume e minha mente estava a milhão. Não era um nervosismo comum, não estava acostumada com isso, mas também não achava ruim. Era bom. Tudo que eu sentia com Sana era bom.
— Japa? – Falei do nada e ela me olhou, mas eu não a olhei.
— Hm? – Respondeu num tom baixo.
— Posso dizer algo? – Vi pela visão periférica seu balançar de cabeça assentindo. – Eu... Eu acho que, hm... Não sei...
— Era isso que queria dizer? – Riu. – Belas palavras, loirinha.
— Para... – Pedi timidamente, finalmente olhando para ela de lado. Agora nós duas nos encarávamos muito próximas. – Na verdade, não quero dizer algo, quero perguntar.
— Pergunta.
— Por que eu fico assim perto de você? – Ela franziu o cenho. – Por que as palavras não saem da minha boca? Eu penso e não consigo falar... Por que você me deixa tão... Tão inquieta?
— Isso é ruim? – Neguei. – Então que bom. – Sorriu com os olhos.
— Você não tem uma resposta para a minha pergunta?
— Eu tenho uma pergunta para a sua pergunta. – Demonstrei curiosidade. – Por que eu fico tão diferente com você? – Minha vez de franzir o cenho. – É como se meu corpo ficasse dormente, como se minha mente desligasse ou ficasse ligada a 220... Entende?
— Olha. – Mostrei minha mão suada. – Eu também fico assim, mas só com você. – Olhei para baixo enquanto ela tocava na minha palma, depois subi o olhar, ainda caído, e encontrei o dela brilhante e hipnotizante. – Eu gosto.
— De mim ou do que sente? – Perguntou sem receio. Eu tremi, enrijeci e Sana notou isso, rindo de leve em seguida. – Eu também gosto. – Não esperou minha resposta, assim que proferiu tais palavras, voltou a segurar minha mão, só que agora entrelaçando nossos dedos. – Eu fico mais calma com você, mas mais nervosa também...
— Entendo. – Concordei rindo timidamente. – Comigo é a mesma coisa. – Desviei o olhar. – Você quer dormir aqui no quarto ou no de hóspedes?
— Quero dormir com você. – Dizia sem intervalos. – Mas não quero dormir agora.
— E o que quer fazer? – Perguntei ignorando meu nervosismo.
— Tanta coisa... – Me olhou de baixo para cima. Ela era danada com cada ação, até nas mais sutis, e conseguia, sem dificuldade, deixar-me tímida ao mesmo tempo que atiçada. – Quero que você me tenha.
— Eu quero te ter também... – Falei sem pensar, sem demora e sem hesitar.
Desliguei minha mente e agi por impulso, mas um impulso bom. Era o coração falando por mim, qualquer trava, medo ou receio morria perto de Sana. Ela me dava uma segurança surreal, era confortável ser eu perto dela, era seguro. Ela sorriu assim que me ouviu, umedeceu os lábios e encarou meus olhos, quase falou com eles, mas a comunicação não era audível naquele momento entre nós. Era telepatia, transmissão de pensamento, era... Conexão.
— Dahyun? – Ela falou mudando a expressão sorridente para uma séria e meticulosa. – Eu quero te contar algo também. – Virou-se um pouco mais para mim. – Sente. – Pegou minha mão vaga e colocou em seu peito, em cima do coração. – Está sentindo?
— Os batimentos? Sim, estou.
— Estão acelerados, né? – Assenti. – Eu fico eufórica por você.
— Sente. – Parafraseei e peguei sua mão também, colocando em meu peito, em cima do coração. – Eu acho que ele gosta muito de você...
— Ele quem?
— Meu coração.
— Dahyun... – Soltou timidamente, afastando a mão de mim. Ela encarou-me com os olhos brilhantes e grandes, era impossível não sorrir e não ficar tímida com aquilo. – Para com isso! – Brigou comigo, mas não era sério. Ela estava com vergonha também.
— Parar por quê?
— Porque você mexe comigo... E falando isso... Eu fico... – Hesitou. – Hm... Fico boba.
— Eu acho que estou gostando de você, cara. – Falei de um jeito nervoso e despojado, era impossível usar outra palavra fora "cara", já que eu queria que a situação ficasse menos tensa. Sana ouviu o pronome e riu de imediato. Um sorriso que eu nunca tinha visto, seus olhos brilharam, sorriam junto de sua boca, ela não achou tão engraçado, parece ter achado... Adorável?
— Eu tenho certeza que está. – Brincou de volta, se gabando. – E eu tenho certeza que é recíproco.
— O-o que?! – Falei com a voz trêmula. – Repete. – Soltei minha mão dela, fiquei na mesma posição que a sua, com o tronco completamente de frente para ela. – Alto e claro, quero ouvir. – Brinquei e ela revirou os olhos.
— Eu também gosto de você, Kim Dahyun... – Bufou fingindo irritação. – E eu te odeio muito por ter esse jeito... Esse jeito...
— Que jeito?
— Esse jeito besta que me deixa muito apaixona- – Interrompeu as próprias palavras e me olhou com os olhos arregalados. Parecia ter se arrependido de falar, mas não por não sentir, e sim por achar ser precipitado ou não correspondido.
— Fala... – Pedi em uma súplica manhosa.
— Chata... – Reclamou revirando os olhos. – Seu jeito é apaixonante... Droga, eu estou apaixonada por você, pronto! Está feliz?
— Feliz demais... – Sorri largamente com aquilo. – MUNDO, ATENÇÃO, MUNDO! – Berrei colocando a mão na boca para o som sair mais alto. – MINATOZAKI SANA ESTÁ APAIXONADA POR MIM! ELA ESTÁ APAIXONADA POR KIM DAHYUN! – Gritei ainda sorrindo, ela me puxou para baixo, fazendo-me sentar novamente e brigou comigo com o olhar pelo volume da minha voz estar altíssimo.
— Olha a hora, sua idiota! – Disse entre os dentes. – Eu não deveria ter dito isso... – Revirou os olhos de novo, mais tímida que nunca. – Agora você vai ficar se achando, né?
— Sim. – Respondi dando de ombros. – Mas você não me deixou anunciar mais uma coisa para o mundo... – A olhei desconfiada e piedosa, fazendo-a amolecer. – MUNDO, ATENÇÃO PARA MAIS UMA COISA. – Berrei e ela ia me parar, mas eu me afastei antes de sentir seu empurrão. Sana desistiu e apenas assistiu tudo. – EU TAMBÉM ESTOU! EU, KIM DAHYUN, ESTOU CAIDINHA POR MINATOZAKI SANA! EU. ESTOU. APAIXONADA. POR. ELA. – Disse pausadamente, olhando para cima e gritando como antes. A japonesa sorria tanto que quase não cabia no rosto. Nós estávamos igualmente felizes, igualmente simples e inocentes. Era um gostar honesto, singelo e bonito.
— Boba... – Chegou perto de mim finalmente, abaixando minhas mãos e as colocando em sua cintura. A Minatozaki grudou nossos corpos, colocou a mão na minha nuca e me olhou com carinho. – Não sei o que a gente vai fazer em relação a isso, mas essa noite eu quero que seja inesquecível.
— Inesquecível como?
— Quero lembrar de você para sempre, independe de qualquer coisa, Dahyun. – Dizia de um jeito tão meigo, era impossível negar seu pedido. – Me tem todinha hoje, eu sou sua agora.
— Só agora? – Deixei meu coração falar novamente.
— Você quer mais tempo?
— Quero você para sempre...
— Então me tem logo, loirinha. – Piscou e sorriu sapeca. Não esperei mais nada e agi.
Beijei Sana com toda sede que eu estava dela. Matei o seu desejo e o meu, matei nossa vontade uma da outra, nossa saudade, nossa necessidade. A beijei com voracidade, leveza e paixão. Coloquei em meus lábios todo cuidado, delicadeza e paciência e ao tocar os dela, senti todo conforto, felicidade e sutileza.
Foi uma troca boa, eu dei e recebi. Ela deu e recebeu. Nós éramos assim, desde o primeiro dia. Nossos toques nunca foram unilaterais, cada uma a sua maneira sempre retribuiu, entregou, presenteou. Sempre foi bom, estimulante, mas dessa vez foi diferente, foi mais gostoso, mais delicado, foi apaixonado.
Nosso beijo era uma confissão. Confessamos nossos sentimentos, nossas emoções, necessidades, gostos. Confessamos que éramos, pelo menos ali, uma da outra. Éramos mesmo. Minha boca era sua, suas mãos eram minhas, minha nuca era dela, seu pescoço me pertencia. Era uma troca, um complemento.
*
Pov Sana
O beijo se intensificou e nossos comportamentos seguiram o pedido. Puxei Dahyun pela blusa, no local da cintura, guiei seu corpo, com o meu indo de ré, até a cama. Deitei primeiro, foi o primeiro momento em que nossas bocas se afastaram, ela deitou depois, por cima. Olhou-me com mais sede que antes, eu devolvi o olhar.
Senti seu corpo sobre o meu ainda coberto por roupas, então logo tirei sua blusa e ela tirou a minha, foi o segundo momento em que nossas bocas ficaram separadas, agora nos colamos com a pele descoberta.
Sua barriga gelada tocou a minha e eu senti um arrepio involuntário com aquilo. Meu corpo estava mole, fraco, mas atento e sedento. Não escondi isso e nem fiquei quieta. Percebi que Dahyun não sabia o que fazer, não pelo menos como começar, então ensinei.
— Vem aqui. – Ela saiu de cima, eu virei de costas e tirei o cabelo da frente. – Tira... – Fiz menção ao sutiã e ela rapidamente atendeu.
Senti seus dedos em minha pele e fiquei mais nervosa ainda. Ela desabotoou a peça com rapidez, retirando lentamente. Não me deixou virar de volta, segurou-me de leve pelos braços e quando eu entendi que deveria continuar naquela posição, ela mudou o lugar.
Dahyun agora passeava pelas minhas costas com a ponta dos dedos, assistia a si mesma mapear meu corpo, ia com muita leveza de cima para baixo, de um lado para o outro. Minha respiração já era pesada, com muitos suspiros altos e alguns espasmos. A Kim percebeu minha fraqueza e concluiu que era boa naquilo mesmo sem nunca ter feito. Ela agiu por impulso, foi no instinto.
Senti sua língua lamber minhas costas enquanto suas mãos pairavam sobre meus seios, apertando-os de leve. Ela encaixou-se atrás de mim, beijando toda extensão do meu tronco por trás enquanto me estimulava na frente. Afastou o cabelo, beijou a nuca, lambeu e chupou com delicadeza. Não contive a reação alta e gemi. Ela fez o mesmo.
Finalmente deixou-me virar, então quando fiquei de frente, tratei de tirar todo o resto da minha roupa e a mandei fazer o mesmo. Quando terminamos, sentei no colo da coreana e a fiz sentir minha umidade com a coxa. Ela arfou pesadamente com a provocação e não esperou mais que dois segundos para tocar a região.
Senti seus dedos nervosos no meu clítoris e gemi. Os movimentos circulares me fizeram arquear as costas e deixar o pescoço a mostra. Visão perfeita para Dahyun fazer o que quisesse comigo. E ela o fez.
Uma mão estava ocupada me masturbando, mas a outra estava vaga. Ela usou aquilo para me provocar, provocar a si e deixar a cena mais estimulante que nunca. Sua mão apertou meu pescoço esticado com força, eu travei, quase desfaleci ali mesmo, era fodidamente gostoso.
— Isso... Continua, Dahyun... – Falei quando parecia o ápice do prazer, mas a Kim tinha mais planos.
Senti algo úmido e quente passeando pelos meus seios e gemi mais ao perceber que era Dahyun me chupando. Ela estava com a boca em um dos meus seios, a mão apertando meu pescoço e a outra mão me tocando lá embaixo... Isso era... Era loucura!
Ela acelerou do nada, mudou o seio, apertou mais meu pescoço e eu não pude resistir. Arfei, suspirei e gemi. Estava em chamas, completamente sensível e estimulada. Meu ápice estava próximo, então avisei a Dahyun, que tratou de intensificar os movimentos.
Os espasmos começaram, os arrepios eram visíveis e meu corpo já estava trêmulo. O clímax atingiu a mim com força e tensão. Suspirei satisfeita e deixei Dahyun sentir meu sexo pulsar sobre seus dedos já totalmente melados. Grudei meu corpo completamente no dela e gemi baixinho em seu ouvido. Deixei ela sentir, ouvir, ver e provar do meu prazer.
— Caralho... – Ela falou sorrindo timidamente. – Porra, o que foi isso?
— Não está pensando que acabou não, né? – Afastei nossos corpos para olhá-la e ela devolveu de um jeito tímido e assustado. – Você precisa sentir prazer também... – Sai de seu colo e deitei na cama, chamando-a para o lado.
— Sana eu... Não sei fazer isso direito...
— Você fez bem demais, garanto. – Sorri sapeca e ela desviou o olhar com vergonha. – Você sentiu como eu fiquei, minha vez de te sentir também.
— Você quer me fazer g...
— Eu vou fazer. – Interrompi suas palavras e a puxei para deitar. – Só relaxa, prometo ir devagarzinho, hm? – Ela assentiu e eu prossegui, então.
Beijei seus lábios brevemente, já descendo pelo pescoço, clavícula e ombros. Depois subi novamente, mordendo sua orelha, chupando de leve seu pescoço e arranhando com pouca força sua nuca. Ela teve um espasmo forte, parece ter se surpreendido com o próprio local sensível, então aproveitei aquilo
Continuei a brincar com sua nuca, enquanto deixava minha mão conhecer o resto do corpo da Kim. Desci os dedos e parei em sua barriga, mapeando o local com a ponta dos mesmos de um jeito devagar, fazendo cócegas sutis. Depois apertei a região, arranhei de leve e vi, mais uma vez, o corpo dela vacilar. Dahyun gosta de arranhão, então? Hm...
Subi os dedos e sem demora encontrei seus seios. Brinquei ali, passei pelos mamilos rapidamente, depois diminuí a velocidade e a intensidade, fazendo a coreana amolecer para mim e em mim. Ela me olhou com os olhos pidões, uma súplica não verbal de quero mais, um pedido silencioso para que eu aumentasse minhas ações, então obedeci.
Desci a boca, chupei seu busto e com as mãos vazias, encontrei seu sexo. A região já estava inchada, completamente lubrificada e macia. Toquei sem receio e demora, brinquei da forma que quis e assisti todas as reações de Dahyun. Era uma cena maravilhosa, quase me fez ter um segundo clímax...
Apertei a região interna de sua coxa, depois voltei para sua intimidade, deixando-a fraca, sedenta e quase desesperada. Ela pedia sem falar, implorava sem usar as palavras, seus olhos diziam tudo, seus gemidos me eram música e sua umidade era meu combustível.
Massageei o local mais um pouco, dessa vez mais rapidamente e intensamente, Dahyun tinha os olhos fechados com força, cenho franzido e costas arqueadas. Sua pele era suada e avermelhada devido aos arranhões e apertões que eu mesma fiz. Mais um pouco e seu ápice chegou. Senti sua pulsação em meus dedos, o líquido quente se espalhar e vi a coreana logo apertar as pernas com minha mão no meio sem o menor receio.
— Foi bom? – Perguntei após deitar-me ao seu lado. Ela ainda era ofegante.
— Foi... Foi bom pra caralho! – Disse sorridente e com o olhar perdido. – E para você? Foi bom também?
— Foi incrível... – Respondi boba. – Dahyun, eu...
— Quer namorar comigo, Sana? – Virou-se de lado e me encarou. – Eu não te quero só essa noite, não te quero só agora. Quero que seja minha, quero ser sua.
— Eu já sou sua.
— É minha? – Sorriu sapeca. – Então me namora. Fica comigo para sempre.
— Só se você também for minha e também ficar comigo para sempre.
— Também já sou sua...
— Então, sim, eu quero namorar com você. – Sorri feito uma idiota e ela acompanhou. – Você é tão linda, Dahyun.
— Você que é. – Respondeu timidamente, mas dessa vez não desviou o olhar. – Você é tão perfeita, Sana... – Disse tão honestamente que eu quase avancei nela. – Minha Sana...
— Sua Sana. – Reafirmei ainda sorrindo largamente. – Minha Dahyun...
— Sua. Toda sua. – Piscou um dos olhos e sorriu como uma moleca. Eu realmente estava apaixonada, tudo que ela fazia me enchia os olhos, me deixava boba e inocente. Era tão belo e singelo o que eu sentia por ela, o que sentíamos uma pela outra.
*
Pov Narrador
— Pode ir? – Seungsik perguntou com a voz baixa e o corpo rígido.
— Pode! – Chaeyoung avisou depois de olhar em volta.
O coreano seguiu o plano e foi até a entre sala, onde ficava a secretária do diretor. O rapaz puxou papo, falou sobre qualquer coisa e conseguiu, como o previsto, ter total atenção da moça. Chaeyoung continuava vigiando e Somi foi para a sala do Wang prosseguir com a fase crucial de todo o plano.
Os coreanos esperaram o diretor sair para adentrar a sala do mesmo e quando isso aconteceu, a Jeon agiu. Entrou no recinto sem que a secretária notasse e dentro procurou pelos documentos do homem. Demorou apenas alguns curtos minutos para que Somi encontrasse a carteira do mesmo, assim que o fez, tirou fotos de tudo e saiu, avisando a Seungsik sutilmente. O rapaz ouviu, encerrou subitamente o papo com a mulher e também saiu.
— Deu certo?! – Chaeyoung perguntou eufórica.
— Vejam vocês mesmos. – Mostrou a galeria, então os jovens passaram as fotos e sorriram mais que satisfeitos.
— PORRA! – O Kang berrou. – Deu mais que certo!
— Qual o próximo passo mesmo? – Somi perguntou.
— Esse é comigo. – Tomou o celular. – Vou cadastrar esse velho no primeiro evento longe daqui que eu conseguir.
— Tipo mesário? – Seungsik disse rindo.
— Isso, mas vou cadastrá-lo num evento importante mesmo, que se ele quiser sair, terá que pagar multa... – Os três riram. – Esse velho muquirana jamais vai gastar dinheiro.
— Será obrigado a se ausentar por uns dias e aí nosso plano vai prosseguir divinamente bem! – Somi falou animada.
— Ai como somos fodinhas, meu pai! – Seungsik comentou satisfeito.
— Exato, mas agora vamos sair desse corredor, é perigoso demais...
*
— Oi, Sana. – Yuta falou ao chegar perto da japonesa.
— Queria falar com você rapidinho... – Começou a atuação de forma mais que convincente. – Queria te dizer que agora estou com alguém, finalmente! – Comentou verdadeiramente feliz, mas fingindo inocência. – Estou namorando a Jihyo! – Mentiu, seguindo o plano.
— Sério?! – Não escondeu o espanto. – Nossa, que legal, Sana! Está feliz, né? Eu também estou por você... – Tentou disfarçar o choque. – Hm... Como foi isso?
— Ah, eu sempre vou na boate do tio dela, acabou acontecendo. – Deu de ombros.
— Interessante...
— O que foi? Você parece chocado... – Riu cínica. – Digo, claro que é surpreendente, né? Ela é do grupo da Dahyun, garota que eu não suporto...
— Não suporta?
— Não, você sabe que não.
— É, verdade. – Recebeu uma mensagem que o fez tirar o foco de Sana e ler o que tinha escrito. – Ah, Sana, preciso ir. – Levantou-se e curvou-se, saindo em seguida.
Sana, ao ver que o japonês se afastou, mandou mensagem para o grupo que havia sido criado com todos os participantes do plano, avisando que o Yuta já sabia do combinado.
O japonês caminhou rapidamente para atender ao chamado de Miyeon, que mandou mensagens eufóricas pra o rapaz. Ele pensava muito sobre o que sua amiga havia dito, estava confuso e empolgado para contar a sua namorada sobre.
— O que houve? – Ele perguntou quando chegou perto da Cho. – Tenho novidades também.
— Eu começo! – Ela sorriu. – Duas coisas, primeira: a Dahyun já começou a planejar algo contra a escola e contra a Yuna, me contou apenas um pouco, disse que precisa desenvolver. – Dizia rapidamente e sem pausas. – A segunda: a Kim deixou escapar que está namorando!
— Ela disse com quem?
— SIM! – Berrou feliz. – Está namorando com a Jihyo! – Riu. – Porra, quando eu pude imaginar?!
— Mentira... – Disse incrédulo.
— Eu sei, né? Muito doido!
— Miyeon, a novidade que eu tenho também envolve namoro e envolve a Park... – Começou desconfiado e deixou a Cho curiosa. – A Sana veio me contar que está namorando.
— Com quem?
— Com a Jihyo!
— IMPOSSÍVEL! – Sorriu de imediato, quase gargalhando. – Colocar a culpa na Minatozaki vai ser mais fácil desse jeito, porra...
— Por quê?
— A Dahyun não deve mais estar tão preocupada com a Minatozaki, certo? – Assentiu ao ver sentido. – E a motivação para a suposta pegadinha que a Sana vai fazer vai ser fácil: a Park 'tá namorando as duas ao mesmo tempo!
— Caralho, amor! Você é genial... Isso vai ser mais fácil que roubar doce de criança.
— Preciso plantar essa ideia na cabeça da Yuna agora... – Falou pensativa.
— Por quê? Achei que fosse algo só seu.
— Mas a Yuna confia em mim e espera que eu mostre serviço, entende? Então, preciso falar...
*
— A Dahyun e a Sana estão namorando a mesma pessoa. – Miyeon dizia orgulhosa de si e Yuna escutava tudo aquilo com muita atenção, esperando o momento certo para ficar feliz. – Ambas estão saindo com a Park Jihyo.
— Por isso os rolês das duas sempre aconteciam na boate do tio dela... – Dizia conclusiva. – Isso é loucura! Nunca pensei que a Park fosse esse tipo de pessoa, caraca!
— A gente se engana... – Disse cínica. – O que vai fazer agora?
— Agora a expulsão dessas duas vai ser mil vezes mais fácil... Já se odiavam, agora namorando a mesma menina sem saber, o ódio vai elevar. – Dizia com um sorriso largo e maldoso. – Achava que ia surgir algo dali, mas elas queriam a Park e não uma à outra... Estou chocada.
— Eu também!
— Certo, agora preciso agir rapidamente... – Sentou-se e encarou o nada, pensando alto. – É só esperar a pegadinha de protesto que a revoltada da Kim vai fazer por conta da nova política do meu tio e então jogar o babado da Park no meio disso...
— E como vai fazer isso?
— A Kim vai aprontar, vai ter o ódio de todos os alunos contra ela e com a pressão, meu tio vai ter que expulsar... Então, depois disso, tudo no colégio volta ao normal... Mas a Sana ainda não encaixava direito nisso tudo, porém depois de saber disso... PORRA! – Berrou feliz. – Vou plantar a fofoca, só precisamos disso, afinal.
— Sem provas? Não seria legal arrumar fotos ou vídeos delas beijando a Jihyo?
— Não precisamos ter tanto trabalho, um boato assim, faz qualquer parceiro desconfiar. Só precisamos plantar a semente da discórdia! – Sorria com prazer. – Elas vão se destruir sem nem se darem conta! Porra, Miyeon! Agora você foi genial...
— Obrigada, obrigada...
*
— E a essa hora o Yuta já contou para a Miyeon sobre o meu namoro e o da Sana com a Jihyo. – Dahyun falava enquanto todo o resto a observava. – E Miyeon deve estar falando para a Yuna a versão que acha que vai a favorecer... – Ria sapeca.
— E com isso, a gente faz eles se enganarem achando que estão nos enganando... – Mina disse. – Isso vai dar muito certo, sério.
— Meio que é um plano digno de filme. – Seulgi comentou. – Tipo um "Truque de Mestre", saca?
— Vocês conseguiram cadastrar o Wang em algo? – Jihyo perguntou.
— Sim, amanhã ele vai receber a notificação e ficar desesperado. – Chaeyoung falou rindo.
— Quanto é a multa? – Momo perguntou.
— Muito, muito dinheiro... – Somi respondeu rindo. – Assim, para ele um won já é grande coisa, então...
— E vocês já falaram com a Tifanny? – Jeongyeon olhou para a Im.
— Sim, ela achou foda a ideia. – Nayeon respondeu empolgada. – Eu já comecei a conversar com a professora, Seulgi e Jennie falaram sobre a decoração do lugar e eu fiquei com a Mina para pensar como vai ser a destruição do evento.
— Genial! – Jennie disse. – Nunca pensei que diria estar empolgada para uma peripécia dessas... Mas estou. Quero muito destruir o evento! Vai ser tudo tão foda, caralho...
— Meio que... – Dahyun disse contando as pessoas ali. – Treze cabeças juntas pensam melhor que uma, né? – Deu de ombros sorrindo satisfeita.
— Será que agora podemos comemorar que tudo já está dando certo? – Momo disse.
— Você quer beber HOJE? – Nayeon questionou chocada. – Chega de álcool por pelo menos uma semana... – Fez cara enjoada. – Da última vez tive uma ressaca muito forte.
— Então você não bebe! – Jeongyeon provocou. – Concordo com a Momo. Vamos começar a comemoração?
— Vocês são loucas... – Chaeyoung comentou rindo. – EU ADOREI!
*
"Todos me disseram que o amor era cego
Então vi seu rosto, e você me surpreendeu
Finalmente você e eu somos os sortudos dessa vez [...]
Você é uma trapaceira desleixada e um mentirosa louca, mas, baby
Ninguém se compara ao jeito que você faz
Eu tentei tanto agir como uma dama
Você me ensinou que era bom ser louca"
Chapter 23: Fix You.
Chapter Text
Fix You – Coldplay
"Quando você tenta o seu melhor, mas não tem sucesso
Quando você consegue o que quer, mas não o que precisa
Quando você se sente cansado, mas não consegue dormir
Preso em marcha ré"
*
Pov Sana
— Então vocês estão namorando? – Tzuyu perguntou enquanto dirigia até minha casa. Estávamos apenas nós duas em seu carro.
— Sim. – Sorri involuntariamente ao responder. – Não queremos contar até terminar o plano. Dahyun disse que pode desviar o foco ou levantar alguns comentários... Você entende, né?
— Oh, se entendo... Mas acho que a Mina e a Nayeon já estão mais de boa com o grupo da Kim. Nem falaram mais sobre a Jihyo, nem pegaram no meu pé.
— Sinto que a Mina gostou da Dahyun, mas não vai admitir tão cedo... – Ri baixinho ao imaginar. – E você? Gostou dela?
— Eu já achava ela maneira antes... – Disse sem jeito. – Desde que comecei a conversar com a Jihyo eu via que a Kim não era má, nem nada... Só uma doida mesmo. – Rimos juntas com sua fala. – Acho até legal o jeito que ela vive a vida.
— Como se fosse o último dia, né? – Perguntei retoricamente e ela assentiu mesmo assim. – Do mesmo jeito que...
— Que você. – Completou sorridente, parecia orgulhosa de algo. – Vocês combinam, Sana. – Olhou-me com cuidado. – Espero que seja um relacionamento saudável...
— Por que não seria? – Questionei confusa.
— Não sei o que a Dahyun tem, mas a Jihyo já chegou a comentar comigo que ela tem vários problemas e muita dificuldade de tratá-los ou falar sobre eles, então um relacionamento é muito delicado de fazer acontecer, né? – Dizia com cuidado. – Eu sei que você é capaz de ajudá-la e é perfeita para isso, mas cuidado para não esquecer de si, ok?
— Ela não me deixaria esquecer de mim. – Soltei entre suspiros. – Nós cuidamos uma da outra, é confortável.
— Que lindo ver você falando assim, fico tranquila. – Começou a desacelerar o carro, freando em frente à minha casa. – Mas toma cuidado, de toda forma. Sabe, agora que a gente descobriu que a mãe dela defendeu sua madrasta num processo referente ao acidente da sua mãe, a coisa fica mais tensa... Só fica atenta, ok?
— Vou ficar. – Pisquei e sorri em agradecimento, logo abrindo a porta do carro e fechando a mesma, conversando com a Chou pelo vidro aberto. – Obrigada pela preocupação e pela carona, viu?
— De nada pelos conselhos, mas a carona foi... – Olhou para o nada e fingiu contar. – Alguns wons... Pode me pagar, Minatozaki!
— Idiota... – Ri fraquinho, revirando os olhos. – Ah, e a Kim disse que vai me ajudar a descobrir o que foi esse processo, sinto que vou saber de tudo que sempre quis. – Afastei-me do carro e comecei a vasculhar a bolsa atrás da minha chave.
— Sana? – Ela disse receosa e eu a olhei de imediato. – Não te contei sobre o processo e o lance dos freios porque nunca foi segredo, achei que você se lembrava e se não, é porque não tinha que lembrar mesmo.
— Eu sei, você achou que estava me protegendo... – Sorri de leve em agradecimento. – Eu preciso saber de tudo para finalmente fechar esse capítulo da minha vida. A morte da minha mãe me dói pela saudade, mas é algo que já superei, entende? O que me maltrata é a dúvida, a suspeita e o desconhecido, sabe?
— Eu sei... Desculpe não ter comentado, achei que seria melhor deixar para trás... Mesmo que sua madrasta seja doente e chata, eu duvido que ela tenha sido a responsável, Sana, de verdade.
— Tudo bem, eu sei que é uma história meio surreal, mas mesmo assim quero investigar.
— É direito seu, afinal. – Deu de ombros. – Conta comigo, ok? Completamente dessa vez. – Sorriu simples.
— Obrigada, Tzuyu. – Devolvi o gesto e finalmente abri a porta. – Amo você. – Entrei em casa.
— Também te amo. – Ela acenou e eu devolvi, finalmente fechando a porta e adentrando minha residência.
Fui direto para o meu quarto. Eu ia tomar um banho e dormir. Falar brevemente com Dahyun, avisando que cheguei bem, como ela solicitou que eu fizesse, e capotar em seguida. Mas isso não aconteceu.
Entrei em meu quarto e fiz tudo sem pensar duas vezes. Vasculhei o baú com memórias da minha mãe e encontrei praticamente tudo intocado, exceto pelo colar que dias atrás estava no pescoço de Sooyoung. Analisei cada objeto ali, cada tecido, jóia, livros... Alguns eu já tinha lido, outros nunca consegui abrir e foi exatamente nestes que foquei.
Minha mãe sempre gostou de escrever e ler, assim como eu. Tinha diários guardados, quase literalmente a sete chaves. Eu sabia de sua honestidade com as palavras escritas a mão, mas nunca li nenhuma delas, fora as dedicatórias em alguns livros. Era hora de mudar isso.
Abri o primeiro de outros três diários. Não foi difícil quebrar a tranca, já estava velha e frágil, afinal. Folheei rapidamente sem captar frase alguma, apenas apreciando o cuidado e a organização de minha mãe ao transcrever seus pensamentos e sentimentos mais honestos. Vi algumas datas e deixei-me impressionar com o tempo que fazia desde que a primeira página foi preenchida: 20 anos atrás.
Dois anos e alguns meses antes de eu nascer, minha mãe escrevia coisas triviais. Relatava sua rotina, seu casamento com meu pai, seu trabalho puxado, as viagens constantes e o amor que ela tinha pela família que queria ver crescer. Amava meu pai e era recíproco, descreveu a vontade de ambos em ter uma filha, detalhou como sonhava que a menina seria e ela acertou. Eu sou exatamente como o texto diz.
Deixei-me emocionar com tais palavras, mas era um choro feliz, de gratidão e amor. Sei que ela me amou, minha mãe me amava até antes de eu existir. Isso era lindo, confortante, era a cura para qualquer mal.
Abri o segundo livro e a data era mais próxima ao hoje, mas ainda muito distante. Dezesseis anos atrás. Eu tinha um ano, quase dois. Ela relatou na maioria das páginas as dificuldades em ser mãe, o jeito que meu pai lidava com seu temperamento incerto e inconstante, era lindo. Meu pai era paciente, amável e presente. Senti mais amor, mais emoção e mais conforto.
Avancei o texto, chegando quase no fim. Alguns meses depois do que havia lido anteriormente, encontrei minha madrasta nas palavras de minha mãe. Parecia uma amizade comum a princípio, mas a cada parágrafo seguinte, senti uma agonia, uma raiva e um medo. A Choi, nas palavras de minha progenitora, era ardilosa, revoltada com certas decisões da amiga e as vezes deixava escapar certa inveja. Aquilo era um alarme, quase um aviso explícito de que a amizade das duas era tóxica e errada.
Abri o último livro e não precisei ir longe para achar novamente o nome da minha madrasta. O ano era 2009. Eu tinha quatro anos e ainda tenho memórias de como eram os dias naquela época: minha mãe viajava muito, meus pais não se falavam com frequência e a Sooyoung estava mais presente que nunca. Era estranho, sempre me incomodou, mas eu não sabia que era uma questão para a minha mãe também.
Logo na segunda página encontrei seus relatos descontentes com a presença de Sooyoung em nossa casa, com a aproximação dela e do meu pai, dos olhares descarados dos dois, das saídas longas do meu progenitor e de comentários maldosos da Choi para o mesmo, só que ditos para a minha mãe, numa espécie de conselho, quase que diariamente afirmando que meus pais deveriam se divorciar.
Eu leria mais, leria até a última linha da última página, mas o meu corpo estava cansado e minha mente esgotada. Adormeci sem sentir, ao pé do baú, com a cabeça apoiada no mesmo. Sonhei com tudo e com nada. Só pensei na minha mãe em todas as viagens do meu subconsciente. Fui a lugares que não visitava há anos e senti coisas que não sentia há tempos. Foi bom, foi necessário.
*
Pov Dahyun
— Onde estava? – Ouvi a voz do meu pai enquanto eu subia as escadas.
— Na casa da Jihyo.
— Na casa dela ou na boate?
— Na casa, não permitem menores de idade na Double 9. – Menti na cara dura.
— Como se vocês respeitassem regras... – Bufou. – E eu sei que vão lá direto, não precisa mentir na minha cara.
— Então por que perguntou? – Falei sem medo.
— Dahyun... – Disse mansamente, mas aquilo era um aviso para eu falar direito com ele. – Preciso de você para algo.
— O que?
— O seu diretor solicitou uma participação assídua num evento de direito trabalhista... – Dizia de forma cautelosa e eu escutava aquilo tentando ao máximo não rir. – Fiquei surpreso, não imaginava que ele se interessasse por esse tipo de pauta, nem muito menos quisesse participar de algo tão voraz como isso.
— Por que voraz? – Demonstrei interesse e ignorância, mas a verdade é que já sabia de tudo e estava amando o sucesso do plano.
— Você sabe que todos os eventos de advocacia que eu participo são intensos, esse não é diferente. É uma viagem ao Suriname, país distante daqui, serão dias intensos de viagem e estudo. Fiquei curioso sobre a participação do Wang, então estou te contando isso.
— Mas o que eu tenho a ver com a vontade súbita do diretor em participar de algo tão chato assim? – Ri involuntariamente e ele me fitou com os olhos, fazendo-me parar com a risada. – Desculpe-me. Digo, se ele quer ir, então aproveite bem. Ah, se me permite dar um conselho, encha ele de curiosidades sobre o país, sobre o direito, sobre tudo.
— Acha que ele irá gostar?
— Eu tenho certeza que sim!
— Bom, eu também. Afinal, se ele não estivesse interessado não iria se inscrever, né? É uma viagem muito seletiva, somente os principais estudiosos irão, o Wang subiu no meu conceito ao encarar algo assim.
— Subiu, é? – Deixei mais um riso escapar ao imaginar que o babão do meu diretor conseguiu da maneira mais aleatória do mundo, a atenção do meu velho, e vai ser forçado a escutar a ladainha do evento e a do Sr. Kim. Eu não podia estar mais satisfeita. – E quanto tempo dura essa viagem?
— Então... Por isso achei estranho e quis comentar com você. Diga-me, quem vai ficar no lugar do Wang esses dias todos? Nós voltaremos depois de sete dias, fiquei preocupado com a escola...
— SETE DIAS? – Berrei empolgada e sorridente, mas voltei a postura neutra rapidamente. – Caraca, é muito tempo mesmo... Enfim, nós temos uma substituta para casos assim, então está tudo bem.
— Imaginei.
— Você não acha que o Wang pode desistir já que são tantos dias fora? – Perguntei curiosa e sapeca. Queria ter a certeza de que o diretor jamais recusaria.
— É uma viagem cara e longa, um evento sério e rigoroso, a vaga é grátis, desde que você tenha um bom nome na praça... Mas são poucos lugares, uma falta custaria dinheiro... Bastante dinheiro, inclusive.
— Oh, que coisa, não? – Falei feliz e orgulhosa, atuando da melhor possível. – Era só isso que queria falar comigo?
— Sim, sim. – Balançou a cabeça positivamente. – Amanhã irei no seu colégio visitar o Jackson, quero conversar sobre a viagem, vai ser interessante. Esteja pronta no horário, eu te levo para a escola.
— Vai me levar?! – Deixei um sorriso honesto e singelo escapar. – Sério?
— Sim, vou. Esteja pronta pontualmente, ouviu bem? – Disse seriamente, mas seu tom rígido não me incomodava agora. Só dei lugar a felicidade em ter meu pai ao meu lado, levando-me para a escola por um motivo bom. Afinal, além de ser algo que consolida o sucesso de boa parte do plano, também é uma ação que meu pai estará realizando não por uma danação minha na escola, mas por vontade própria.
Naquela noite eu dormiria bem.
*
— Anda, Sana... – Torci em voz alta enquanto encarava o celular. Eu tinha vindo para casa mais cedo, deixei Sana e mais alguns amigos na boate comemorando.
Avisei a minha namorada que partiria logo porque precisava recuperar o sono e não queria mais encrenca com meus pais, então chegaria em casa cedo da noite. Pedi para a japonesa me avisar quando chegasse em casa, mas a última mensagem que tenho dela é uma que diz "Estou saindo da double 9, Tzuyu vai me levar para casa. Aviso quando chegar".
— Sana, se você morreu, eu te mato! – Resmunguei teclando seu número em meu celular e iniciando a segunda ligação. – Alô? – Disse quando ouvi que ela atendeu. – Está em casa? Viva?
— Oi, desculpa. – Falou com a voz rouca e baixa. Era voz de sono. – Acabei adormecendo no chão do meu quarto... Mas, sim, estou em casa e viva.
— No chão? O que rolou? – Perguntei intrigada. – Esquece, na escola você me conta. Agora está tarde e eu sei que você detesta dormir tarde na semana... Vai para cama, levanta desse chão.
— Eu vou. – Disse lentamente. – Você está bem, né?
— Sim, sim. Já deitou?
— Sim, Dahyun... – Seu tom era arrastado e manhoso. – Queria dormir com você. – Grunhiu baixinho. – Acostumei com seu cheiro na minha cama...
— Dorme comigo no seu ouvido, então. – Sugeri, deitando também. – Não desliga a ligação, dorme me ouvindo que eu durmo te ouvindo também. – Ajeitei o celular perto de mim. – Pronto?
— Pronto. – Fungou profundamente. – Vai querer ouvir meus roncos?
— O que a gente não faz pela namorada da gente, né? – Brinquei e ela riu fraquinho, quase adormecendo. – Boa noite, japa.
— Queria receber um cafuné agora...
— Vai dormir... – Reclamei rindo boba. – Amanhã te encho de carinho, podemos até dormir juntas e...
— E o que? – Riu brincalhona.
— Eu te faço um dengo gostoso. – Devolvi o riso brincalhão.
— Boa noite, loirinha. Minha loirinha.
— Boa noite, meu dengo. – Falei naturalmente e ouvi seu suspiro profundo em seguida.
— Meu dengo? – Perguntou dificuldade, eu assenti baixinho e depois nada mais foi dito. Sana adormeceu novamente e eu em seguida, após alguns minutos.
*
Pov Sana
— Bom dia. – Ouvi a voz do diretor ao microfone. Estávamos no meio da aula de matemática, mas isso não impediu o Wang de solicitar que toda a escola fosse para o pátio, independente da matéria que estivessem vendo no momento. – É um comunicado breve, peço que ouçam com atenção. – Ao lado do homem tinha Tifanny, sorridente como sempre, mas um tanto tensa também. Eu sabia o que aquilo queria dizer, todos nós sabíamos e não escondíamos os sorrisos largos.
— Porra, nem acredito que está realmente acontecendo. – Nayeon comentou empolgada.
— A gente tem que admitir que aquela galera da Dahyun não brinca em serviço, né? – Jennie disse. – Conseguiram tão rápido, foi brilhante!
— Eles são inteligentes demais para certas coisas... – Mina comentou atenta. – Já viram a cara da Yuna? Está perdida.
— Nem deu tempo de receber uma prévia do tio, aposto. – Momo completou. – Ela parece desesperada, com medo.
— Imagine como vai ficar quando deixar de ser a soberana aqui dentro, então. – Tzuyu falou rindo.
— Perdi muita coisa? – Dahyun chegou perto de nós e me olhou perguntando, logo se movendo para sentar ao meu lado. – Ele já deu a notícia bombástica?
— Ainda não. – Jeongyeon respondeu. – Já sabe do que se trata? Digo, óbvio que é o afastamento dele, mas já sabe para onde?
— Oh se sei... – Se gabou satisfeita. – Conto no intervalo, ok? – Todas nós assentimos. – E aí? Dormiu bem? – Virou-se para mim e perguntou sem disfarces.
— Sim, graças a você. – Falei baixinho e encarando seu rosto sapeca. – Ainda bem que me ligou e me tirou daquele chão...
— De nada. – Deu um beijinho em seu próprio ombro. – Ai, é agora! – Deu tapinhas leves e rápidos em minha coxa, denunciando sua empolgação.
— Por motivos de força maior, precisarei me ausentar por uns dias da direção do Colégio Integral de Seul. – Wang dizia seriamente, parecia irritado e confuso. Ele com certeza estava exatamente desse jeito. – Para quem leu o manual on-line, já sabe que temos uma vice-diretora, esta que assumirá na minha ausência. – Agora não somente os nossos sorrisos eram largos, mas os de todas a escola. O Wang não era quisto por nenhum aluno fora a Yuna e a Young era o extremo oposto. – A professora de Inglês, Tiffany Young, assumirá a direção nos dias em que eu não puder.
— E quando vai ser isso? – Algum aluno berrou.
— Sete dias. Ficarei fora por sete dias, a partir de amanhã, Sábado. – Respondeu depois de um suspiro alto. – Chamei todos para cá para anunciar isso uma única vez e responder as possíveis dúvidas, já que é uma situação inédita no colégio. – Fez uma pausa dramática a espera de perguntas, mas o silêncio era enorme. – Ok, se não têm nada a falar, passo a palavra para a Srta. Young. – Entregou o microfone para a professora.
— Agora ela vai babilonizar. – Chaeyoung comentou. – Estava ansiosa por esse momento, meio que amo essa mulher.
— Ela é minha mãe, sabiam disso? – Seulgi disse empolgada.
— Ela nos carregou por nove meses em seu ventre! – Seungsik completou rindo.
— Pessoal, apesar de ser novidade, não precisam ficar assustados ou ansiosos. – Dizia conforme a etiqueta pedia, mas todos nós sabíamos que ela não ligava para esse falatório bobo. – Serei a mesma e segurei apenas controlando. As regras e normas não mudarão.
— Bom, nos vemos em alguns dias. – Wang falou após pegar o microfone de novo. – Podem voltar para as salas. – Ordenou e rapidamente aquela multidão levantou e seguiu como o solicitado.
— Foge comigo rapidão? – Dahyun sussurrou em meu ouvido.
— Perder aula? – Olhei-a com pesar, fazendo drama.
— É algo do seu interesse e sei que não iria querer esperar. – Assegurou confiante. – Vamos?
— Ok... – Dei a mão e senti a mesma ser puxada conforme a Kim corria na frente e eu atrás. – Onde vamos?
— Nem precisaremos pular o muro dessa vez... – Disse quando parou no meio do gramado. – Vamos num lugar que eu costumava me esconder com a galera.
— Não se escondem mais?
— Não, ficou maçante. – Deu de ombros. – Por aqui. – Apontou. – Mi casa, su casa. – Forçou um sotaque forte e eu ri daquela cena. – Gostou?
— O que é aqui, meu pai? – Perguntei um pouco desesperada e curiosa.
— Um porão velho. – Respondeu tranquila, mesmo o lugar estando cheio de poeira, teias de aranha e ameaçando desmoronar. – Curtiu?
— Não quero ferir seus sentimentos dizendo o que achei daqui... – Respondi agoniada, tentando não tocar em nada e sem deixar nada me tocar.
— Você é muito fresca, Sana. – Bufou irritada. – Espera... – Foi até uma poltrona antiga e coberta por um plástico, retirou o mesmo e me convidou. – Pode sentar aqui, está limpinha.
— Obrigada. – Agradeci aliviada e sentei. – O que tem para me dizer, afinal?
— Eu achei o processo. – Tirou uma pasta grande que estava escondida debaixo de seu moletom e me entregou o objeto. – Até você me responder ontem, fiquei vasculhando as coisas dos meus pais atrás disso e finalmente encontrei.
— É sério?! – Falei incrédula e folheando tudo. – Foi difícil?
— Um pouco, mas só até eu lembrar da data, quando isso aconteceu, só precisei procurar os arquivos de 2010.
— Você lembrava só o ano... Procurou tudo de 2010?! – Quase berrei pelo choque. – Meu Deus, amor... – Fiz um bico penoso e ela disfarçou virando o rosto.
— Não foi nada de mais, olha isso aí logo. – Pediu com vergonha.
— Me dá um beijinho, preciso te agradecer... – Fiz bico e esperei o selinho, que veio sem demora. – Ok... Não entendo muito disso, mas sei de alguém que pode me ajudar.
— Quem?
— A Mina.
— E ela vai te ajudar nisso?
— Com certeza.
— E por que ela saberia o que fazer?
— Ela é anormal de inteligente e é muito ligada nessas questões... Com certeza vai saber o que fazer.
— Mas lê antes, vai que você mesma já consegue alguma resposta. – Sugeriu preocupada e eu já estava fazendo isso desde o momento que recebi os papéis.
— Achei... – Falei baixinho e um tanto intrigada. – Não li muito, mas aqui já diz que os freios do carro foram encontrados sabotados e quando vasculharam o celular da minha mãe, encontraram uma chamada com a Sooyoung.
— Do que ela foi acusada?
— De provocar o acidente.
— E qual foi a sentença?
— Seus pais são os melhores do país, como ela contratou sua mãe, conseguiu se safar... Foi inocentada.
— Porra... Quais as evidências contra ela?
— Até agora só se fala sobre a ligação que minha mãe teve com a Sooyoung, nada concreto.
— Não conseguiram saber o que foi dito na ligação?
— Você diz se a chamada foi grava e tal?
— É... Geralmente em casos grandes, envolvendo uma pessoa importante como sua mãe, eles conseguem a gravação da chamada...
— Vou chamar a Mina para ler tudo isso, não sei se consigo encarar e nem se vou conseguir entender direito. Não quero compreender algo errado e acabar concluindo coisas tão pesadas, sabe? – A olhei com certa vulnerabilidade. – Vamos esperar as aulas acabarem, ok? E aí marcamos na casa dela ou... Sei lá.
— Cuido disso para você, relaxa. – Tomou os papéis de mim. – Eu guardo isso comigo, para não correr o risco de você levar para casa e a Choi ver.
— Obrigada. – Agradeci cabisbaixa. Eu ainda estava frágil.
— Quer voltar para aula ou ignorar tudo e sair para tomar um ar?
— Não. Vou voltar para aula, vai me ajudar a distrair.
— Ok... Eu cuido da papelada e da Mina, certo? – Assenti. – Se preocupa em estudar e em ficar bem. – Riu de leve, esticando a mão para mim, ajudando-me a levantar da poltrona. – Vamos sair daqui. – Puxou-me para perto de si antes de sairmos de fato. Ela colou meu corpo ao seu, colocou meu cabelo atrás da orelha e me deu um beijo na testa. – Confia em mim, hm?
— Eu confio, meu dengo. – Soltei lembrando da nossa ligação e ela não conseguiu disfarçar a surpresa. – Obrigada mais uma vez.
— Vem... – Voltou a me puxar, sem dizer nada sobre o nosso momento fofo.
Ela é tão boba, fica com vergonha e se esconde, muda de assunto, vira o rosto. Pensa que não percebo, que consegue disfarçar tal emoção, mas é em vão. Eu percebo, admiro e me apaixono cada vez mais. Ela é tão simples e inocente... Ela é tão minha.
*
Pov Dahyun
— Ou, preciso falar com você. – Cheguei perto de Mina quando o sinal tocou, indicando o fim do dia letivo. – Pode ser?
— Sobre...? – Olhou-me de cima abaixo com desconfiança. – Se for sobre o plano, relaxa qu...
— Não é. – Interrompi e a japonesa lançou-me um olhar intrigado. – É sobre a Sana, a mãe dela, a madrasta...
— Como você sabe desse lance todo dela com a Sooyoung?
— Você vai saber, mas agora foca em outra coisa. – Dizia sem pausas. – Você comentou dia desses, quando estava bêbada lá na boate do tio da Jihyo, que a madrasta da Minatozaki havia sido investigada na época do acidente e que minha mãe tinha defendido a Choi.
— Disse? Nem lembro... Mas, sim, é verdade.
— Enfim, o lance é que fui atrás dos detalhes do processo, detalhes que não ficam públicos, entende? – Ela assentiu ainda de cenho franzido e com uma postura muito rígida. – Achei umas coisas sobre e entreguei a Sana, ela leu boa parte, mas uma crucial não quis ver. Não agora, pelo menos.
— Então toma esses papéis dela, isso a machuca, não percebe?
— Deixa eu terminar? – Falei impaciente e ela assentiu a contragosto. – Se você não tivesse dito sobre o processo e sobre a defesa da minha mãe, isso não estaria acontecendo. – Rebati sem medo e ela ferveu. – Enfim, o lance é que a Sana sabe que você entende dessas coisas e tal... Ela disse que queria sua ajuda para entender tudo.
— Sim, eu gosto de direito.
— Parabéns. – Desdenhei e ela me fitou. – Será que podemos nos reunir para você ajudar a Minatozaki com isso?
— Em que parte ela parou? Digo, é algo muito sério?
— Parece que uma ligação foi gravada, a última que a Kana teve antes de morrer e foi com a Sooyoung.
— Caralho... – Olhou para baixo, coçou a cabeça e suspirou tensa. – Onde vamos nos reunir?
— Isso é um sim?
— O que você acha, Kim?
— Na sua casa, pode ser? – Ela assentiu. – Eu levo os papéis. Não comenta com ninguém, ok? A Sana quer discrição por hora.
— Sei disso. A conheço há mais tempo que você. – Provocou. – Até mais tarde.
— Que horas devemos aparecer?
— Eu mando a localização e o horário por mensagem.
— Certo.
*
"E as lágrimas começam a rolar pelo seu rosto
Quando você perde algo que não pode substituir
Quando você ama alguém, mas é desperdiçado
Poderia ser pior?"
Chapter 24: Tomorrow Never Came.
Chapter Text
Tomorrow Never Came – Lana Del Rey
"E todos os dias pareciam domingo
E eu, gostaria que tivéssemos ficado em casa
E eu poderia colocar o rádio na nossa música favorita [...]
A vida não é louca?"
*
Pov Sana
— Então, o que tem aí? – Perguntei assim que a porta do quarto de Mina foi fechada comigo, Dahyun e a Myoui dentro dele. – Pode dizer tudo, estou preparada.
— Então... Não tem muito segredo, Sana-ssi... – A outra japonesa começou receosa. – Se você lesse, entenderia tudo. Sei que é difícil encarar, mas se posso dar um conselho, eu diria para ver tudo que está escrito aqui.
— Vou ver, mas depois que você me disser brevemente... A ligação foi transcrita, certo? – Ela assentiu. – Gostaria que lesse para mim, depois eu revejo, e quero que me explique como aconteceu esse processo... O que safou a Sooyoung, etc, etc.
— Certo. – Acatou, abriu na página que não tive coragem de encarar e começou a ler.
O texto era confuso, afinal algumas partes da ligação se perderam, não estavam numa qualidade boa de som, então estava confuso compreender. O essencial eu entendi. Entendi e não gostei.
— Então... – Comecei um tanto desnorteada. Dahyun me olhava com cuidado e certa pena, minha amiga apenas era séria. Ela parecia querer que eu encare tudo de frente, sem esquivar ou adiar. Mina via uma força em mim que ninguém mais enxergava. – Isso quer dizer que meu pai... – Suspirei profundamente. – Meu pai tinha um caso com a Sooyoung enquanto estava casado com minha mãe?
— Sim, é o que diz aqui nessa linha. – Mina mostrou o papel para mim. – Na ligação, Sooyoung diz com todas as letras que os dois estão apaixonados há muito tempo e o Shitara só enrola para pedir o divórcio.
— O que minha mãe respondeu?
— Não tem muita coisa com sentido, foi cortado, perdido. O pouco que conseguiram transcrever foi: "Isso é mentira. Diga que é mentira." – Falou com pesar. Eu comecei a chorar ali.
— E depois?
— A Choi xinga sua mãe... – Mostrou o palavrão usado. – E diz que seria melhor se ela e você não existissem... – Tomou a folha da minha mão. – Sana, o que vem depois é muito pesado para você... Talvez seja melhor não saber.
— Você acha? – Perguntei com a voz trêmula. – Não sei o que fazer...
— Meu bem, quer enterrar esse assunto, não quer? – Dahyun olhou-me de baixo para cima, já que eu estava cabisbaixa chorando, segurou minha mão com delicadeza fazendo um leve carinho ali e perguntou com a voz mais doce do mundo. Eu assenti com um balançar de cabeça apenas. – Então, talvez seja melhor sofrer tudo por agora... Isso vai te consumir se esperar mais.
— Dahyun... – Mina disse preocupada. – Não sei, de verdade.
— Eu quero saber. – Falei. – Já estou chorando, é melhor que eu chore tudo agora, para depois ficar bem de vez...
— Tem certeza? – Myoui perguntou e eu assenti. – Ok... sua mãe disse: "Não fale da minha filha. Desconte em mim, toda sua raiva e inveja, mas deixe Sana fora dos seus planos sujos... Você é o demônio, Sooyoung-ah." – Suspirou com hesitação. – Sua madrasta disse que não podia garantir isso, então Kana falou: "Fique com tudo, mas não machuque minha filha, por favor..." Aqui diz que ela chorava enquanto dizia tudo, então a compreensão foi dificultada.
— E o que isso quer dizer? – Dahyun perguntou. Eu não dizia nada, apenas observava e compreendia.
— Foi um dos argumentos usados na defesa de Sooyoung, a ligação foi confusa a maior parte do tempo, então não dava para afirmar que Kana e ela realmente estavam se acusando e ameaçando...
— Isso seria, no caso da Choi, a motivação para o crime? – Mina assentiu.
— O que mais tem aí, Mina? – Perguntei cansada.
— Nada... – Ela respondeu com pesar. – Depois da fala da sua mãe, a ligação foi cortada e... E ela... – Não queria falar, mas quando encarou meus olhos, decidiu, acredito, que seria melhor verbalizar. – E depois sua mãe bateu o carro, Sana.
Um zumbido tomou conta de todo meu corpo, mente, pensamentos, tudo. Eu estava dormente, não sentia nada e sentia tudo. Não pensava em nada e pensava em tudo ao mesmo tempo. Não conseguia raciocinar, pensar direito, agir.
Eu estava estática, com o olhar fixo em algo que não sei o que é. Não piscava direito, apenas chorava com dor, muita dor no peito. Senti meu corpo ser abraçado por Dahyun com força, ela dizia coisas das quais não lembro e não capturei. Era tudo tão estranho, tão ruim e tão esclarecedor. Tudo parecia fazer sentido, um caminho tinha se aberto, uma porta tinha sido praticamente fechada.
A morte da minha mãe ainda era um mistério para mim, mas não para o tribunal, que arquivou o caso e inocentou a única suspeita do acidente. Isso me causava angústia, curiosidade e revolta. Eu queria entender, mas ainda estava tudo abstrato, era escuro. Essa ponta solta me deixou sem ação, sem palavras. Por que ela se foi? Por que Sooyoung foi inocentada se tinha algo a ver com tudo? O que realmente aconteceu?
Era tudo e nada. Ao mesmo tempo. Era muito, sempre muito. Muita dor, muita dúvida, muita raiva. Muita decepção.
— Aonde vai? – Mina perguntou quando me levantei do nada, soltando-me dos braços da minha namorada. – Sana! Para onde quer ir? – Impediu que eu saísse de seu quarto, colocando seu corpo em minha frente. Seus olhos eram arregalados e temerosos. Mina temia por mim, temia pela minha saúde.
— Eu preciso falar com meu pai. – Respondi secando as lágrimas com força. – Vou para casa e entender essa porra de uma vez por todas!
— É melhor esperar. – Dahyun disse. – Acho que sei mais que ninguém que agir por impulso sempre dá errado... – Segurou minha mão. – Acalme-se primeiro, depois eu até te levo lá. Mas, meu amor, agora não.
— Eu concordo. – Mina disse depois de observar o momento. – Chora mais, respira fundo, bebe água... Depois que conseguir ficar de pé e pensar com clareza, eu deixo você sair.
— Dez minutos. – Falei deixando-me ser levada até a cama. – Vou ficar dez minutos, depois vou sair e nenhuma de vocês vai conseguir me impedir.
— Dez minutos é o suficiente. – Dahyun disse e Mina a encarou com o cenho franzido em discordância. – Confia em mim, hm? – Olhava para minha amiga enquanto dizia tudo isso. – Só precisa seguir o que eu digo, ok? – Olhou para mim dessa vez. Seus olhos brilhavam, eram complacentes, calmos.
— Uhum. – Respondi encarando-a sem expressão alguma.
— Conta até dez, no seu ritmo mesmo. Quando chegar no dez, repete o processo. – Segurou minha mão, ficou sentada ao lado do meu corpo deitado na cama. – Pode fazer mentalmente ou falar alto mesmo. O que for melhor para você.
— Um, dois, três, quatro, cinco, seis, sete, oito, nove, dez. – Falei de uma única vez. Ela massageava meus dedos, estalava de vez em quando e os esticava também. – Um, dois, três, quatro, cinco, seis, sete, oito, nove, dez. – Repeti sem pausas.
— Isso não faz nem sentido, Kim. – Mina disse aborrecida. – Olha a velocidade que a Minatozaki conta... Ela não está relaxada.
— Shhh... – Pediu paciente. – É um processo, calma você também. – Olhou para minha amiga. – Busca um copo d'água, por favor. – A garota acatou e saiu. – Meu bem, continua contando.
— Um, dois, três... – Respirei numa pausa rápida. – Quatro, cinco, seis, sete... – Mais uma vez pausei sem perceber. – Oito, nove, dez...
— Isso. Continua assim, no seu ritmo.
— Um... Dois... Três... Quatro... – Minha velocidade já era tranquila, minha respiração menos acelerada e minha fala normal. – Cinco... Seis... Sete... – Suspirei profundamente, fechando os olhos e deixando os mesmos fechados quando tornei a contagem. – Oito... Nove... Dez...
— Aqui. – Ela falou, eu abri os olhos e encarei um copo com água em minha frente. – Toma um pouco.
— Obrigada. – Olhei em volta a procura da Myoui e a achei no canto do quarto. – Em que momento você voltou? Não ouvi nada.
— A Dahyun conseguiu mesmo te deixar relaxada... – Sorriu manso. – Entrei e você estava de olhos fechados, contando pacientemente enquanto ela mexia nas suas mãos.
— Foi uma boa massagem. – Falei timidamente. – Eu realmente me sinto melhor.
— Eu sei que ainda está doendo, que você ainda quer encarar tudo de uma vez, falar com seu pai e madrasta, mas é bom que faça tudo isso com a mente esclarecida. – Olhou-me com mais cuidado que nunca. – Você tem certeza que quer ter essa conversa com eles agora? Hoje?
— Com meu pai primeiro, com a Choi agora não. – Respondi calmamente. – Quero ir para casa.
— Eu levo você, como prometi. – A Kim disse, levantando-se e esticando a mão para mim, para que eu fizesse o mesmo.
— E eu deixo você sair, já que não está irada como minutos atrás... – Mina disse abrindo a porta. – Deem notícias, ok? – Pediu preocupada. – É sério... Não me deixem no escuro.
— Não vamos. – Dahyun respondeu passando pela porta. – Eu te atualizo, pode deixar. – Sorriram uma para outra e finalmente nós duas partimos.
*
— Quer que eu entre com você ou fique te esperando? – Dahyun virou-se para mim e perguntou quando ela finalmente parou em frente à minha casa. – Ou prefere que eu vá embora e te deixe sozinha nesse momento?
— Pode ir. – Falei tirando o cinto. – Eu te ligo qualquer coisa... Se a conversa realmente acontecer, aviso você quando ela acabar, se não, acho que vou só ficar no meu quarto pensando até adormecer.
— Entendi. – Aproximou o corpo do meu sutilmente. – Se cuida, ok? Não quero ver você machucada e nem triste... Principalmente porque não estarei aqui contigo.
— Mas você junta os meus caquinhos depois... – Sorri fraco para ela, que retribuiu no mesmo instante. Dahyun colocou a mão em minha bochecha, puxando meu rosto para perto do dela e depositou um beijo cuidadoso em minha boca. Um selinho longo, confortável e significativo. – Avisa quando chegar em casa também, viu?
— Aviso. – Disse quando fechei a porta de seu carro, já do lado de fora dele. – Fica bem, meu dengo. – Sorriu tristemente.
— Eu vou ficar. Você já amenizou boa parte do meu nervosismo na casa da Mina... Obrigada por isso, hm? – Abri a porta de casa e passei para o outro lado. – Tchau, meu amor. – Apenas acenou, subiu o vidro e eu fechei a porta de novo.
Ouvi o carro dar partida e virei para frente, entrando em casa com toda a angústia, medo, raiva, revolta... Nenhum sentimento bom era reconhecido ou sentido por mim naquele instante. Eu estava mais calma, menos impulsiva, é fato, mas ainda queria justiça, explicações, respostas... Queria enfrentar os dois, queria gritar, berrar, chorar.
Caminhei até a outra porta, aquele curto caminho parecia o mais longo de todos. A grama do jardim estava escura, afinal já era noite, mas nem a luz da lua deu vida às plantas. Parecia que tudo estava triste como eu, morto como minha admiração, com medo como a Sana criança.
A luz da sala estava acesa, pela porta enorme de vidro vi Sooyoung sentada no sofá, usando o celular e bebendo uma taça de vinho caro. Quis entrar com tudo, quebrar aquele copo no rosto dela, quis expulsá-la não só do assento, mas da minha casa também. Mas não o fiz.
Entrei, não falei com ela e segui para o lugar que imaginei encontrar meu pai: seu quarto de lazer. Quando não trabalha, o Minatozaki passa a maior parte do tempo aqui dentro, jogando, assistindo, bebendo ou roncando. É seu refúgio. É onde fica longe de mim, do trabalho e da esposa que claramente não suporta mais.
Abri a porta sem bater, ele sempre comete o erro de não trancar. Adentrei o recinto mirando os quatro cantos e encontrei o senhor sentado em sua poltrona favorita. Seus olhos eram vidrados na enorme tela que passava um documentário qualquer sobre o Japão, a mesa ao seu lado era suja de petiscos e sua mão esquerda segurava uma lata de cerveja. Ele estava relaxado, com o tempo livre, vida ganha. Era o momento certo de confrontá-lo, de entender tudo, de descontar a tristeza que sinto nesse momento.
Ele ia, subitamente como eu, ficar mal, preocupado, desnorteado. Seu lazer encerraria mais rápido que havia começado, com certeza. Era agora ou nunca. Coloquei-me em sua frente com pressa, sem disfarçar a expressão desolada e revoltada que estava, encarei seus olhos arregalados, perdidos, e não disse nada a princípio. Queria ouvi-lo primeiro, queria ouvir sua surpresa, sua dúvida. Queria aceitar que ele vive bem com a mulher que causou a morte da mãe de sua filha. Queria sentir raiva dele assim como sinto da situação, de Sooyoung, de mim.
E ele questionou. Perguntou-me o que queria com a voz mais trêmula e bagunçada possível, foi aí, somente aí, que notei mais latas de cerveja no chão e entendi que seu olhar confuso não era pela minha presença, e sim pelo álcool que corria em seu sangue. Eu já estava aqui, já tinha vontade, força, eu iria confrontá-lo agora, nesse momento. Mesmo que ele esteja completamente bêbado e imprevisível.
*
Pov Dahyun
dahhyunnee: Deixei Sana em casa, ela não me quis por perto, achei melhor respeitar o momento.
dahhyunnee: Ela disse que se rolasse a conversa, avisaria quando a mesma acabasse, mas não tinha certeza se iria acontecer ou não.
dahhyunnee: Se eu não tiver notícias, é porque ela dormiu. Também falou sobre, então não se preocupa.
mina_sr_my: Ela disse que iria dormir?
dahhyunnee: Não. Falou que talvez fosse deitar e pensar, chorar mais um pouco e acabaria adormecendo...
dahhyunnee: Só se a conversa com o pai não rolasse, entendeu?
mina_sr_my: Ah, ok...
mina_sr_my: Obrigada por me avisar, Kim.
mina_sr_my: E obrigada por cuidar da Sana...
dahhyunnee: Não precisa agradecer.
mina_sr_my: Não sou boba, já percebi que estão juntas...
dahhyunnee: a
dahhyunnee: Como notou?
mina_sr_my: Seu cuidado, os apelidos, a intimidade... Enfim, ficou óbvio.
mina_sr_my: Só quero que cuide dela, hm? Não a machuque, por favor...
mina_sr_my: Poucos sabem como a Sana é de fato, por trás de toda a casca feliz, estudiosa e empolgada. Não deixa ela mais tensa, ok?
dahhyunnee: Eu só quero melhorar a Sana, juro. Não faria nada para machucá-la... Nunca na vida.
mina_sr_my: Você até que é gente boa, Kim...
mina_sr_my: Pensei mal de você, eu acho.
dahhyunnee: Valeu.
mina_sr_my: Se pisar na bola com a Sana, juro que o nosso papo vai ser outro.
dahhyunnee: Você é o quê? A melhor amiga sei que não é... Que superproteção é essa? Kkkkkkkk
dahhyunnee: Relaxa, eu prefiro me machucar que machucar a Sana.
mina_sr_my: Acho que é isso que me preocupa...
mina_sr_my: Ela pensa igual, tenho certeza.
dahhyunnee: E o que tem de mais nisso?
mina_sr_my: Nada, esquece.
mina_sr_my: Avise-me qualquer novidade, ok?
dahhyunnee: Ok.
— Chaeyoung?! – Falei surpresa ao adentrar meu quarto e encontrar a coreana deitada em minha cama. – Que porra você está fazendo aqui, bro?
— Que recepção mais amorosa, calorosa e... – Fingiu pensar fortemente. – E ADORÁVEL, KIM DAHYUN! – Berrou ofendida. – Você me odeia, você fala, viu?
— Deixa de drama, Son... – Guardei o celular e encarei a menor. – O que rolou?
— Nada, só apareci porque você, por acaso, mandou uma mensagem dizendo que queria me contar algo... – Revirou os olhos aborrecida. – Esqueceu, né?
— Porra... – Bati a mão na testa, repreendendo a mim mesma. – Esqueci mesmo, foi mal. – Sentei-me ao seu lado. – Sabe, minha memória não é lá essas coisas...
— Oh, senhor... Como é doentinha essa Dahyun... Ownnn. – Apertou minhas bochechas e fez um bico exagerado. – Ok, mas estou aqui, pode me dizer o que é?
— Posso, mas antes se afasta um pouco. – Acatou. – Mais... – Fez, mas denunciou a desconfiança. – Se puder ficar de pé, perto da porta, agradeço.
— Que porra é essa, Kim? Por que a distância é necessária?
— Porque te conheço muito bem e sei que quando ouvir o que tenho a dizer, vai pular em mim, abraçar meu corpo e ficar mais eufórica que eu com o fato...
— MEU DEUS! – Berrou animada, já caminhando em minha direção. – O QUE É? FALA, FALA, FALA!
— 'Tá vendo aí? – Levantei da cama e afastei-me dela. – Freia! – Acatou impaciente. – Lá vai... – Suspirei tomando coragem. – Estou namorando a Sana. – Disse sem expressão nenhuma e ela fez exatamente como imaginei, a distância e precaução que tomei, foram em vão.
— AAAAAAAAAAAAAAAAAAAAAAAAAAAA! – Pulou em mim, abraçou meu corpo e girou-me junto dela. – CARALHO, KIM DAHYUN! QUE ROLÊ ALEATÓRIO DO CARALHO???
— Você está surpresa mesmo? – Perguntei depois de conseguir me soltar.
— Um pouco. – Fez sinal com os dedos. – O namoro é chocante, achei que você não tivesse coração... Mas imaginei que tivesse dando uns pegas na japonesa mesmo... Desde o dia que me disse ter dormido com ela, fiquei desconfiada.
— Obrigada pela parte que me toca. – Fingi mágoa. – Vai... Pergunta logo o que quer perguntar.
— VOCÊ JÁ DEU? – Berrou e eu joguei uma almofada nela de imediato. –Desculpa... – Diminuiu o volume da voz. – Você já descabaçou? – Sussurrou.
— Mano?! Que perguntas são essas? – Falei tímida e ela continuou a me encarar com os olhos grandes e curiosos, quase forçando-me a contar. – Sim.... – Respondi mais timidamente ainda e num volume baixo.
— PORRA! – Riu alto e bateu palmas em torno de si. – Você cresceu tão rápido, Dubu! – Fingiu emoção. – Foi só uma japonesa aparecer que você se desprendeu rapidinho, né?
— O que eu posso fazer se ela é tão... Perfeita? – Brinquei, fingindo fazer menção a algo malicioso e minha amiga gargalhou ainda mais.
*
Pov Sana
— Pai? – Falei com a voz querendo fugir de mim e ele me encarou com dificuldade em seguida. – Você amou a minha mãe?
— Por que isso do nada? – Endireitou-se na poltrona e encarou todos os lugares ao mesmo tempo. Estava tonto, claramente. A culpa era do álcool, agora, mas logo seria minha também. – Amei, Sana. Mais que qualquer mulher na minha vida. – Fungou, ameaçando começar a chorar.
— Quem ama trai?
— Como? – Levantou a vista e me olhou de cenho franzido. – O que quer dizer?
— Por que você traía minha mãe com a Sooyoung? – Perguntei sem medo, sem desviar o olhar, sem perder o foco. – Hein, pai, por que fez isso? – Questionei mais incisiva ainda depois de seu silêncio demorado.
- Sana... E-eu... Como você sabe dessas coisas?
— Então é verdade mesmo, né? Você traía minha mãe com a melhor amiga dela! – Disse rígida e raivosa. – Porra! Qual a outra mentira que tem para me dizer, hm? É bom começar logo, acho que já deu para perceber que cedo ou tarde eu descubro.
— Foi ela que te contou isso? Foi a Choi? – Encarou-me com certa raiva também. – Eu vou matar aquela vadia! – Tentou levantar-se, mas a embriaguez era mais forte. Quase mexi meu corpo para ajudá-lo, mas o choque de suas palavras me paralisou ainda mais.
— Como é?! – Perguntei incrédula. – Ficou louco de vez, foi? Se a Sooyoung é uma vadia, você é o quê, pai? – Cheguei perto dele e o forcei a me encarar. – Você era casado com a minha mãe, tinha a mim... Por que fez tudo isso? Por quê? – Não controlei o choro e ele também não. Nós soluçávamos de tanto choro, tanta dor e tristeza.
— Eu não queria... Não queria que nada tivesse acontecido, filha. – Encarou-me com o rosto vermelho, molhado e arrasado. – Sua mãe era mais que esposa para mim... Era minha melhor amiga e eu... Eu não s-soube, hm... N-não soube conduzir.
— É bom que tenha noção disso.
— Eu morri naquele dia também. – Caiu da cadeira, ficando de joelhos e chorando feito criança. – Não fui mais o mesmo desde que a Kana partiu, minha mente não sossegou mais e... E não sabia como agir com mais nada, Sana.
— Você parecia feliz casando-se com a Sooyoung. – Cutuquei sem dó. Sofri com isso por anos, era hora de externalizar.
— Eu tive que casar, Sana... – Fungou. – Ela iria fazer um escândalo, ameaçou... – Interrompeu a si mesmo.
— Ameaçou quem? Você? – Perguntei e o silêncio foi a resposta. – Diz, pai. Quem ela ameaçou?
— Ameaçou você, Sana. – Gritava, gritava com mais dor, com muita intensidade, com desespero em sua voz. – Ela queria acabar com tudo, se eu não me casasse, seria o fim da família Minatozaki para sempre.
— Ela matou minha mãe?
— Não. – Respondeu de imediato. – Eu tenho certeza que não.
— E você sabe quem foi?
— Sei... – Disse sem ar, já cansado, exausto. Sua fadiga era depressiva, ansiosa. Dava medo assistir aquela cena. Nunca vi algo assim, muito menos em meu pai. Eu senti dor por ele, mas não conseguia parar de confrontar. Acho que minha mágoa por ele superava minha empatia. – Não quero falar disso, Sana... Eu... Eu não e-estou bem.
— Você está bêbado, sei disso.
— Mas, mas meu coração está muito acelerado. – Respirava fundo, buscando o ar, mas nada de achar. – E-eu... Eu preciso de ajuda.
— Pai, o que foi? – Agachei e encarei o homem de cabeça baixa. – Pai? – Mexi em sua cabeça, mas ela estava mole, seus olhos eram fechados e sua respiração era difícil. – PAI?! FALA COMIGO! – Bati em seu rosto, sacudi seu corpo, mas não obtive resposta. – Porra... – Levantei-me, disquei o número da emergia e berrei por Sooyoung.
— O que aconteceu?! – Ela disse ao entrar no recinto. – Meu Deus! – Disse chocada. – O que você fez com ele, Sana?
— EU?! – Berrei ofendida. – Vai se foder!
— Se acontecer algo com seu pai a culpa é sua, garota! Sua, sempre sua! – Agachou-se perto do homem e fez exatamente o que eu estava fazendo segundos atrás. – Ele está tendo um infarto, Sana!
— O QUE?!
*
Pov Dahyun
— Alô? – Falei ao colocar o celular no ouvido. – Sana? Fala devagar, não estou entendendo.
— Dahyun! Meu pai! – Dizia alto e desesperadamente. – Ele está sendo levado para o hospital... Teve um infarto e eu... Eu estou com medo.
— Meu Deus! – Levantei-me com pressa, já procurando as chaves do meu carro para ir ao seu encontro. – O que aconteceu? Fica comigo na linha, não desliga.
— Eu conversei com ele, estava bêbado... Chorou muito e apagou do nada... A respiração dele já estava distante, o coração dele acelerou muito e desmaiou no final.
— Caraca... Eu lamento, meu amor. – Entrei no carro e dei partida. – Ele já foi levado para o hospital?
— Sim, a Sooyoun foi na ambulância, não me deixou ir junto. Gritou, culpou a mim... Eu não sei o que fazer, Dahyun... – Soluçou de chorar. – Eu... Eu quase matei meu pai, Dahyun... Eu...
— Ei, ei, calma. – Eu dirigia com pressa e com nervosismo. – Você está em casa, né? – Assentiu. – Estou chegando, fica pronta. Nós vamos ao hospital, relaxa.
— A Sooyoung não vai me deixar vê-lo... – Gritava de tanto chorar. – Ela disse que... que tudo era culpa minha e meu pai tinha dito umas coisas antes que... Eu não sei, Dahyun... E se eu for a culpada de tudo?
— Não pira, faz aquilo que ensinei. Bebe água, conta até dez... Fica comigo aqui, ok? Eu estou com você, amor. – Virei a esquina com pressa, sem ligar para o semáforo. – Já estou perto, aguenta.
— Dahyun... – Suspirou após duas contagens. – Estou me sentindo fraca... Cadê você?
— Chegando. – Assegurei preocupada. – Sana? Sana, fala comigo. – Sem resposta. – SANA!
*
"Eu esperei por você
No local que você disse para esperar
Na cidade, num banco do parque
No meio da chuva torrencial
Porque eu adorava você
Eu só queria que as coisas fossem as mesmas
Você disse para me encontrar lá amanhã
Mas o amanhã nunca chegou
O amanhã nunca chegou"
Chapter 25: La-la-la-Lies.
Chapter Text
La-la-la-Lies – The Who
"Se eu estou tão perdido sem um amigo
Me diga, quem está ao meu lado?
Essa garota de olhos como joias
E com boas reações para as suas
Mentiras"
*
Pov Narrador
Dahyun não ouviu mais a voz de Sana pelo celular, mas por sorte estava bem próxima da japonesa. Acelerou um pouco mais o carro, com pouca responsabilidade e muita agonia, chegando rapidamente onde a namorada estava.
Já sabia as manhas daquele enorme portão, além de ter reparado que uma chave reserva fica escondida no jardim pequeno. Procurou por ela e quando encontrou, abriu e adentrou a casa. Correu até a sala, chamando o nome de Sana, mas ainda não tinha respostas. Dahyun se movia com pressa e após constatar que no térreo a japonesa não se encontrava, subiu os degraus da escada de três em três, chegando ao topo numa velocidade impressionante.
Abriu a primeira porta que por sorte era a certa e encontrou a amada caída ao pé da poltrona. Agachou o corpo e mexeu Sana, fazendo-a despertar finalmente.
— Meu pai... – Sana disse levantando o tronco. – Cadê meu pai, Dahyun?
— Ei, ei... Calma. – Segurou o rosto da outra com cuidado. – Você está bem? Cheguei e estava desmaiada... O que aconteceu contigo?
— Não sei, senti uma tontura forte e apaguei. – Levantou-se por completo do chão com ajuda da namorada. – Mas, sim, estou bem. Eu quero ver meu pai, Dah...
— Você vai vê-lo. – Segurou a mão da mais velha e a guiou para fora do recinto. – Disse que te levaria até lá e eu vou levar.
— Eu 'tô com medo... – Soltou cabisbaixa. – Foi tudo tão de repente, não sei como agir, o que dizer. A culpa é minha , não é?
— O que?! – Encarou-a, freando os passos até o carro. – Quem disse isso a você? A Sooyoung, né? – Assentiu. – Ela não tem a menor relevância na sua vida, meu bem, não há por que acreditar no que ela diz.
— Eu sei, mas... Mas dessa vez eu também me culpo. – Entrou no carro e Dahyun fez o mesmo em seguida. – Ele estava bêbado, pediu para parar, mas eu continuei e não o ajudei em momento algum... Fui tão cruel quantos eles dois com minha mãe.
— Não foi. Para com isso. – Deu partida no veículo. – Para qual hospital levaram o seu pai? – Sana respondeu com dificuldade e Dahyun seguiu sem dizer mais nada.
*
— Cadê o meu pai? – Sana disse ao chegar no corredor certo e ver Sooyoung nele. – Está bem?
— Fica onde está. – A Choi fez sinal com as mãos. – E sem baderna, isso é um hospital, sua sem educação. – Agora tinha os braços cruzados, expressão séria e olhar fixo nas duas adolescentes ali. – Seu pai não está bem, você quase o matou.
— Como é?! – Berrou de novo, sem querer. – Eu não fiz nada disso... Eu... Eu não quis.
— Mas fez. Fez sim. – A mais velha dizia sem dó. – Não pode entrar para vê-lo, nem eu posso.
— Você fala como se fosse mais importante que a filha do cara... – Dahyun comentou baixinho de um jeito passivo agressivo, fazendo Sooyoung a fitar ainda mais e escancarar a raiva.
— E quem é você? – A Choi perguntou com um sobrancelha levantada.
— Kim Dahyun. – Respondeu sem olhar a maior.
— O que faz aqui? – A Kim ignorou. – Ei, você, garota... – Cutucou o ombro da menor sem delicadeza. – Responda!
— Sai fora, porra. – Dahyun disse desviando o corpo. – Sana, vamos procurar o médico que está cuidando do seu pai, hm?
— Ei! – Sooyoung alterou o tom de voz, ficando na frente das adolescentes. – Estou invisível por acaso?
— Sooyoung, onde está o médico responsável pelo meu pai? – Sana questionou.
— Saiu agora há pouco, já deve estar voltando.
— Ele falou o que o Shitara teve? – Dahyun perguntou.
— Agora quer falar comigo? – Provocou infantilmente, a Kim acatou sem insistir, virou o corpo e deu de cara com o doutor, repetindo a pergunta para o mesmo.
— Boa noite. – Ele disse gentilmente. – Não há com o que se preocupar, pessoal. Como já havia adiantado para a esposa do paciente, foi apenas uma queda brusca de glicemia devida à quantidade de álcool ingerida por ele.
— Pode repetir, por favor? – Sana pediu incrédula. – Não foi nada grave? Ele não corre risco de vida?
— Não, não. – Respondeu sorridente. – Seu pai tem diabetes, certo? – Assentiu. – Ele bebeu demais e teve hipoglicemia, apenas isso. – Mostrou alguns exames que segurava. – Fizemos tudo que deveria ser feito, seu pai está bem... Poderia ter sido bem pior que um desmaio, é fato. Mas ele foi atendido rapidamente, é saudável, então está tudo bem, fiquem tranquilas.
— Não era infarto? – Sana perguntou mais uma vez. Queria ter total certeza dos acontecimentos e permitir que sua mente e corpo finalmente ficassem leves.
— O que? – Ele riu de leve, solícito. – Não mesmo! Não é para tanto, acalme-se, jovem.
— Posso vê-lo? – Perguntou depois de encarar Sooyoung profundamente.
— Sim, mas uma por vez. – Chegou perto da porta. – Vocês duas são filhas dele?
— Não. – Dahyun respondeu rapidamente. – A esposa já o viu, é a vez da filha, certo? – Empurrou de leve o corpo de Sana para perto do médico e para a frente de Sooyoung, dando a vez a Minatozaki. – Vai, Sana, estarei aqui quando sair.
Ela sorriu, acatou e entrou. O homem dormia, mas respirava direito dessa vez. Sua pele era boa, seu sono profundo e a situação bem mais amena. Sana permitiu-se relaxar, até sorrir.
Do lado de fora, o clima não era o mesmo. Sooyoung estava fervendo de ódio, Dahyun não era diferente e as duas se encaravam vez ou outra, numa guerra fria de olhares que diziam tudo mesmo sem uma única palavra.
Seria cômico se não fosse trágico o fato da Choi querer brigar com uma adolescente bem mais nova que ela. Era uma agonia irracional, ela detestou o fato de Sana ver o pai, do Shitara não ter tido realmente um infarto e de Dahyun ter conseguido amenizar a situação para a Minatozaki.
— E aí??? – Dahyun disse quando viu a porta se abrir novamente e Sana reaparecer em sua frente.
— Ele está bem, está dormindo já que bebeu demais... Mas completamente fora de perigo.
— Ele vai ficar aqui essa noite?
— O médico disse que seria bom, mas só para não acordar ele desse sono pesado, não tem nada a ver com saúde.
— Ah, menos mal, então. – Sorriu de leve, segurando a mão da japonesa. – Você quer passar a noite aqui com ele?
— Eu passo. – Sooyoung interrompeu a conversa. – Vá para casa, Sana, aqui não é lugar para você.
— Qualquer coisa, liga para mim, ok? – A Minatozaki pediu e se afastou quando viu que a Choi assentiu.
*
— Chegamos... – Dahyun disse freando na frente da casa da namorada. – Quer que eu durma com você?
— Sempre quero. – Sorriu simples, já tirando o cinto. – Estou exausta.
— Sana, acho que podemos fazer algo a respeito desse lance todo. Tipo, aproveitar essa situação e tirar algo bom disso tudo. – Falava enquanto entrava na casa da maior. – Já que não tem ninguém em casa, você pode procurar pelas coisas da sua mãe, achar mais um diário, algo do seu pai... Não sei.
— Você me ajuda? – Olhou-a cansada, mas um tanto corajosa também.
— Ajudo. – Sorriu cuidadosamente. – Mas se estiver com muito sono ou não quiser mexer nisso agora, tudo bem. Eu só sugeri porque é uma oportunidade única, sabe? Não sabemos quando você vai ficar sozinha de novo aqui...
— Não, eu aguento. Não estou com tanto sono, é mais cansaço mental mesmo, sabe? – Assentiu. – De todo jeito você tem razão, tenho que aproveitar a oportunidade. – Bebeu um copo grande de água de uma vez só. – Mas o que estamos procurando, afinal?
— Não sei por onde começar também... – Coçou a nuca e olhou para o além, forçando a mente a trabalhar. – O que eu tinha sobre o processo já te mostrei, não tem mais nada lá em casa, talvez só no escritório... – Pensava alto e Sana a encarava com atenção. – Quem sabe a Sooyoung guarda mais detalhes da audiência aqui?
— E o que poderia ter de mais?
— Nada da Sooyoung, mas seu pai parece saber mais do que fala, né? – Assentiu tristemente. – Você me disse que ele sabe quem sabotou os freios, certo? Talvez ele guarde algo sobre isso aqui...
*
Pov Dahyun
Um tempinho depois...
— O velhote já vazou? – Chaeyoung perguntou quando eu me aproximei da nossa mesa no refeitório.
— Já. – Respondi sorridente. – Meu pai já foi também, por isso tenho certeza que a essa hora o Wang está bem longe da gente.
— Já sinto o cheiro da paz... – Jihyo comentou satisfeita.
— Paz?! – Jeongyeon disse brincalhona. – Agora que a putaria vai começar de verdade, Park. A gente vai botar esse colégio abaixo, que delícia... – Esfregou as mãos e fez uma expressão sapeca, como nos desenhos animados.
— Olha ali. – Seungsik comentou apontou com a cabeça. – Ela está quieta, quieta... – Olhamos e vimos Yuna, acompanhada de alguns figurantes babões. A Shin tinha a postura caída, quase derrotada. Aquilo já era meia vitória.
— É hoje que a vamos começar a organizar a festa, né? – Seulgi perguntou e nós assentimos. – A Nayeon está muito empolgada, nem parece que odiava a gente mais que tudo no mundo.
— Ela e Jennie não param de me mandar mensagem... – Jeongyeon comentou. – Montamos um grupo: eu, Seulgi, Jennie e Nayeon. A PIOR DECISÃO DE TODOS OS TEMPOS, PORRA! – Berrou fazendo drama.
— Por quê? – Perguntei rindo.
— A Im fala igual uma matraca, ficam me enchendo para levar as coisas da decoração até o salão, pregar coisas mais altas porque ela tem medo de altura, etc, etc... – Deitou-se bruscamente na mesa, agoniada. – Acho bom esse plano funcionar perfeitamente, senão eu me jogo de um prédio, sério!
— Ou joga a Nayeon dele, né? – Chaeyoung completou nos fazendo gargalhar ainda mais.
— E como vão as coisas com a Miyeon, Dubu? – Jihyo questionou.
— Ela me mandou mensagem hoje cedo, quer me encontrar na quadra... Depois repasso para vocês, mas por enquanto está tudo certo. Ela acredita que sou fiel e a Yuna acredita nela. – Fiz "ok" com os dedos. – Isso vai funcionar pra caralho e vamos entrar para a história desse colégio.
— A história dos trombadinhas, né? – Seungsik comentou rindo e eu assenti orgulhosa.
A conversa continuou, mas eu me permiti dissociar um pouco quando ouvi um barulho de notificação. Chequei o celular brevemente e vi o @ de Mina na tela, o que me fez entrar na conversa mais rapidamente ainda.
mina_sr_my: Já contou para a Sana?
dahhyunnee: Eu não tive coragem ainda...
mina_sr_my: Nem eu...
dahhyunnee: Às vezes me arrependo de ter sugerido vasculhar a casa dela aquele dia, sabe? Talvez assim eu não tivesse descoberto a verdade e não ficasse responsável para dar essa notícia.
mina_sr_my: Eu posso imaginar o quão difícil é isso, até porque você dividiu comigo, né? Me sinto um pouco culpada em não contar também.
dahhyunnee: Ela é minha namorada, Mina... É sobre a mãe dela e é algo muito pesado, como eu crio coragem de falar algo tão forte assim?
mina_sr_my: Pior que eu não sei te responder... Estou agoniada igual.
dahhyunnee: Pretendo contar depois da festa.
mina_sr_my: Quando o plano se encerrar por completo?
dahhyunnee: É, acho que vai ser melhor. Vou ter menos coisas na cabeça, poderei falar com calma...
mina_sr_my: Eu 'tô contigo.
dahhyunnee: Valeu.
A conversa se encerrou logo e eu desliguei o celular após, mas não tornei ao papo dos meus amigos. Continuei aérea a eles, mas pensando em outras mil coisas.
Assim que eu soube a verdade sobre os freios, travei. Pensei em muitas coisas, temi mais ainda e paralisei por completo. Escondi o papel que confessava os acontecidos, guardei comigo, mas não mostrei a Sana. Era uma notícia forte, difícil de dar e receber, eu não queria essa função de mensageira, mas ela caiu sobre mim sem aviso, sem que eu pudesse me esquivar.
Penso que tudo ocorreu porque tinha que ocorrer, mas isso não sossega minha mente. Odeio mentir, odeio mais ainda mentir para quem eu gosto tanto. Sana é tão importante para mim que fico dividida entre dar a notícia logo, na tentativa de eliminar a agonia da dúvida ou guardar segredo e poupá-la de mais dor.
— Dahyun? – Ouvi de longe e logo em seguida senti meu corpo ser mexido com força. – Dahyun! – Era Chaeyoung.
— Oi, porra! – Respondi tornando à realidade.
— O sinal tocou, bro. Hora da aula, esqueceu que estamos na escola?
— Infelizmente, não. – Respondi levantando-me e seguindo meus amigos até a sala.
*
Pov Sana
— O que você tem? – Perguntei ao sentar perto de Mina, como sempre, na sala de aula. – Está longe... Aconteceu algo?
— Não, nada. – Respondeu negando forte com a cabeça, parecia tensa, nervosa. – É só ansiedade pelo plano, sabe?
— Está tudo tão encaminhado, relaxa.
— Encaminhado? – Nayeon se meteu bruscamente. – A Yoo é um pé no saco, gente! Eu peço alguns favores simples e ela revira os olhos, faz de qualquer jeito ou reclama... Eu vou surtar!
— Sei... – Comentei virando para Jennie, que logo tratou de comentar o assunto.
— Favores simples, Im? – A Kim perguntou rindo. – Você aluga a coitada da Jeongyeon toda hora e ela é só uns centímetros mais alta que você... É só preguiça de se esticar, né? – Provocou nos fazendo rir.
— Se ela é alta ou não, não é essa a questão! O lance é que nós ficamos de decorar tudo para a festa, ela disse que eu deveria ficar nessa função e que me ajudaria também, mas está mal-humorada o tempo todo!
— Com você berrando nos meus ouvidos, também ficaria estressada. – Tzuyu chegou cutucando. – Qual a boa, mores? – Sentou-se.
— A boa é que a Nayeon está uma pilha de nervos com a decoração da festa e nós estamos assistindo a isso com risos e provocações! – Hirai explicou brincalhona.
— Quero amigas novas... – A Im disse fazendo drama, deitando-se na carteira em seguida. – E quero folga das aulas de hoje...
— Tudo isso? – Perguntei. – Seja humilde, escolha apenas uma dessas coisas.
— Ok, então quero folga das aulas.
— Vai ficar sem ambas as coisas, Nayeon. – Tzuyu rebateu. – Uma pena, né? – Debochou rindo e levou um beliscão como represália.
— E vai ficar sem ponto por bom comportamento também se não se endireitar agora. – Mina alertou, apontando para a porta. – O professor já vai começar a aula.
Virei para a frente, abri os livros e encarei o homem sério em minha frente começar a dar aula. Estava focada como sempre, sem distrações e maus comportamentos. Mas eu namorava alguém que não ligava muito para regras, boas maneiras, tampouco tinha um foco bom.
Recebi um papelzinho muito dobrado em minha mesa, num arremesso preciso e não precisei abri-lo para saber o remetente: Dahyun.
Encarei a folha por alguns segundos, disfarçando para o professor e finalmente desdobrei, encontrando a pequena mensagem: Como você está hoje? Não nos falamos...
E eu respondi de imediato: Bem, e você?
Recebendo o bilhete na mesma velocidade: Bem também. Hoje a Miyeon quis falar comigo, na quadra. Acredito que para acertar os detalhes da suposta pegadinha que vou pregar na Yuna e no colégio na festa de amanhã. Você está nervosa?
Li e devolvi a mensagem: Um pouquinho... Nunca fiz algo assim, estou me sentindo uma rebelde. Você vai me chamar de boba por isso, né? Enfim, boa sorte na atuação com a Miyeon, sei que vai se sair bem, você é safa demais...
Ela escreveu: Não vou chamar de boba, não posso ser tão previsível. Vou chamar de besta! E obrigada, sou safa demais mesmo! Foi por isso que você se apaixonou por mim, né? Hehehe
Embaixo da mensagem tinha um pequeno desenho: uma carinha sorrindo sapeca, piscando um dos olhos e fazendo um "V" com os dedos. Era exatamente como a Kim. Ri com tudo aquilo e virei-me para ela, encarando seu rosto desconfiado e bobo que me fez sorrir sem razão.
Escrevi mais uma coisa: Por isso e mais umas coisinhas, mas não vou te contar, não posso inflar mais ainda seu ego. Agora fica quieta, Kim! Estamos tendo aula! >:|
Ouvi seu risinho nada disfarçado quando leu minha ordem e então concluí que não teria mais bilhetes por enquanto, como solicitei. Endireitei-me novamente na carteira, encarei o homem explicando e comecei a anotar o que pedia.
*
Pov Dahyun
— E aí. – Disse sentando-me na arquibancada vazia, apenas com Miyeon a minha espera. – Atrasei muito?
— Como sempre, Kim. – Revirou os olhos. – Enfim, queria te contar umas coisas e perguntar outras.
— Manda. .
— A Yuna 'tá puta com a saída do tio... Estragou com os planos dela de fazer a escola ficar contra você e conseguir te expulsar ligeiramente. – Tentei segurar o sorriso, mas não foi possível. – Você é muito sortuda, Dahyun, deveria jogar na loteria.
— Quem sabe...
— Enfim... Ela está tão irada que mudou bruscamente o rumo das coisas... – Ali eu percebi que era atuação. Ela só queria que eu agisse de forma incisiva, avisando-a com confiança, fazendo seu plano seguir como sonhava. – Parece que ligou para o tio, o fez falar com a Tiffany e ordenar que a Young fosse rígida como ele, voltando com a política de "um faz, todos pagam".
— E? – Saiu com mais desdém do que eu planejava. – Digo, o que devo fazer agora? – Comecei a atuar também. – Aquela vadiazinha quer me ferrar ainda mais?! Ah...
— Calma, Kim. – Ela também tentava esconder um sorriso vitorioso. – Se fizer o que me disse, como planejamos, vai dar tudo certo. Eu consigo fazer a Yuna levar a culpa, livrando você e como consequência tirando a Shin do meu pé.
— E do meu. – Ela assentiu. – Tenho que fazer algo novo?
— Só quero que me avise onde você, a Sana e seu grupo estarão minutos antes das coisas começarem.
— A Sana?! – Fingi desconfiança, mesmo já sabendo o motivo disso.
— Sim, a Shin quer expulsá-la também, esqueceu? Preciso assegurar que vocês todos não sejam prejudicados, sobrando tudo para a Yuna.
— Entendi. – Levantei-me. – Algo mais?
— Não. A pegadinha continua a mesma, certo?
— Com certeza. – Menti. – Posso ir?
— Até amanhã, Kim.
— Até. – Afastei-me após um breve aceno.
Eu criei uma história para a Cho, como o meu plano com a galera pedia. Inventei um tipo de travessura que jamais aconteceria. Não era tudo mentira, todavia, eu apenas ia direcionar a pegadinha para mais duas pessoas: Yuta e Miyeon, além da Yuna.
A pegadinha verdadeira, a quase vingança, não era nada complexa, só ia fazer com que ambos fossem expostos diante de toda a escola, direção e pais de alunos. Além da vergonha que os três passarão, terão de dar explicações e sofrer as devidas consequências.
Era justo, afinal.
*
— Dahyun, precisamos conversar. – Minha mãe disse adentrando meu quarto sem aviso algum.
— O que houve? – Perguntei já tensa, ficando sentada na cama com certa pressa.
— Eu notei uma bagunça no escritório aqui em casa... – Sentou-se na ponta da minha cama e encarou-me com os olhos frios. – Você mexeu lá?
— Não. – Menti na cara dura. Não denunciei nervosismo, desconforto ou receio. Respondi rapidamente, convencida das minhas próprias palavras, crente que estava fazendo a mais velha acreditar também.
— Vou perguntar só mais uma vez, Dahyun. – Respirou fundo. – Você mexeu nos arquivos do escritório?
— Não, mãe.
— Me dá seu celular. – Esticou a mão, exigindo o aparelho que eu segurava com força. Afastei o mesmo, encolhendo minhas pernas que antes estavam esticadas e neguei forte com a cabeça o seu pedido. – Dahyun, o celular. Agora.
— Por quê? O que quer com ele? – Perguntava nervosamente enquanto desligava ele sem que ela percebesse.
— Eu sei que mexeu nas minhas coisas, nas coisas do meu trabalho. E ainda mentiu para mim duas vezes. – Esticou a mão, chegando mais perto de mim. – Dei a chance de falar a verdade, mas você preferiu o caminho mais difícil, então está de castigo. Mais uma vez. – Arfou cansada, tomando o celular de minhas mãos sem a menor delicadeza.
— Eu só queria ver uma coisa, não era nada de mais, mãe. – Argumentei temerosa, afinal ela estava séria, agressiva e muito perto de mim. – Desculpe...
— Você é tão estúpida que não percebeu que lá dentro existem câmeras! – Sorriu debochada, era raiva de mim. – Ainda continua mentindo? Caramba!
— Câmeras? – Perguntei chocada, ela assentiu sem pestanejar. – Desde quando?
— Só não existem câmeras nos banheiros e nos quartos... Por enquanto o seu ainda está livre.
— Você não vai colocar câmeras aqui dentro! – Berrei ofendida. – Aqui é meu quarto, minha privacidade! Você não pode fazer isso.
— Não posso? Essa casa é minha, menina. Enquanto morar aqui, debaixo deste teto e for sustentada por nós, vai nos obedecer e sem reclamar, ouviu bem? – Encarou-me de cima abaixo, eu me senti suja, culpada por existir.
— Isso tudo por que vasculhei uns arquivos? Não foi nada grave, mãe...
— Você roubou um deles, Dahyun! – Berrou. – Não me ouviu dizer que têm câmeras lá dentro? Eu vi, oras! Eu vi que vasculhou e levou um dos arquivos com você...
— Eu... Ah... – Tentava dizer algo, argumentar, defender-me, mas as palavras sumiram.
— Você não ouve? Sua memória é tão podre que não guarda uma mísera informação recente? – Repreendeu-me sem piedade. – Você é tão baixa como... – Pensou, tomou o fôlego, achei que ela não ia completar, mas estava enganada. – Você é como os bandidos infames que eu defendo! Burra tal qual.
— Para com isso... – Implorei com os olhos marejados, mas impedindo que lágrimas as escapassem. Em contrapartida, alguns sintomas eu não podia controlar. Minha respiração era fraca, eu senti que uma crise de asma estava começando, além de outras crises. – Eu já pedi desculpas!
— Não é o bastante. Mentiu duas vezes, agiu como uma amadora, não parece filha de quem é. Eu quero os arquivos de volta, Dahyun.
— Não estão mais comigo.
— Como é?! – Berrou, aproximando a face da minha, virando meu rosto para encará-la. – Onde você os meteu? São coisas importantes, sua garota tapada!
— Eu sei... É... Eles estão no armário da escola, é isso. – Menti. – Amanhã os trago, prometo.
— Eu acho bom trazer mesmo.
— Eu vou. – Assegurei tornando a encarar o chão. – Agora, por favor, sai daqui.
— Você vai continuar sem celular até segunda ordem, entendeu? – Assenti sem dizer nada. – ENTENDEU? – Gritou, queria ouvir-me no maior desolo possível. Parecia que tinha prazer com tal coisa.
— Entendi, mãe. – Minha voz era baixa, trêmula e temerosa, mas eu ainda não chorava. Eu sabia o quanto eles odiavam me ver chorar. Odiavam todo o resto sobre mim, mas o choro despertava seus piores lados e eu ficava minúscula diante dessas faces, então segurei. Segurei tanto que minha garganta doeu, meu ar sumiu quase completamente e meu coração acelerou.
Segurei até ela sumir do recinto, que foi assim que eu falei o que ela queria ouvir. Quando cruzou a porta, eu me levantei e tranquei a mesma, voltando para a cama depois de pegar a bombinha de ar. Suguei o oxigênio com força duas vezes até sentir que estava estável novamente.
Eu estava respirando, estava vivendo, mas senti que talvez fosse melhor o contrário. Era dor física, mental, interna, externa. Eu me culpei por chorar, por existir, por me permitir ser assim. E desabei. Chorei alto, como criança pequena. Chorei como sempre choro, o choro que eles odeiam e condenam.
Abafei o som com o travesseiro, gritava, soluçava. Minha garganta ardia, minha cabeça doía, meu coração era comprimido de tanta mágoa, minha pele era quente como se estivesse em chamas. Era medo, culpa.
A crise de asma foi controlada, mas as outras estavam só começando. Eu odeio ser assim, odeio não saber qual Dahyun vai se mostrar no momento, odeio não ter controle de nenhuma delas.
E a crise iniciou. Agora eu era nada, era umas três pessoas ao mesmo tempo. Flutuava, era leve e pesada. Agora eu não tinha controle de mim, das minhas ações, reações. Eu não sabia de mais nada.
*
"Você não pode repetir o que você faz por aí
Todas as coisas que me fazem chorar
Você me abandonou quando eu estava triste
E me machucou com todas as suas
Mentiras"
Chapter 26: Body Electric¹.
Chapter Text
Body Electric¹ – Lana Del Rey
"Eu finjo que não estou magoada
e ando pelo mundo como se estivesse me divertindo"
*
Pov Sana
— Está tudo pronto? – Perguntei para Jihyo, que estava junto comigo na despensa.
— Sim, pelo menos a maioria. A Dahyun ainda não deu sinal de vida, nem confirmou a parte dela... – Olhou-me curiosa. – Aconteceu alguma coisa?
— Eu não sei, não falo com ela desde ontem.
— Hoje não veio para a escola... Não respondeu mensagem alguma no grupo, não postou nada. Isso 'tá estranho. – Comentou pensativa. – Vocês... brigaram?
— Não. Nem perto disso. Estava tudo bem, está tudo bem. – Respondi quase que num desabafo. – Mandei mensagem, mas ela não respondeu, liguei e ela não atendeu... Eu estou preocupada, Hyo.
— Não precisa ficar, isso é a cara da Dahyun. – Disse depois de soltar um ar impaciente.
— Como assim? Ela some do nada mesmo?
— Mais ou menos... Vai mudando, você entende o motivo, né? – Assenti. – Mas num geral, quando acontece alguma coisa ou quando uma crise vem, ela se isola, não fala, não aparece.
— E como vocês agem?
— Não fazemos nada, respeitamos o momento dela. – Deu de ombros, voltando a conectar uns fios.
— Mas isso não está certo, Park. – Falei intrigada. – E se aconteceu algo grave? Ela não pode ficar sofrendo calada...
— Sana, olha, eu sei que vocês namoram e tal, mas se conhecem há pouco... Escuta quem 'tá com a Kim há mais tempo, sério. – Olhou-me seriamente. – Ela não gosta de papo em momentos assim. Ela muda, a própria sabe disso, por isso se afasta.
— Como assim?
— É capaz de vocês brigarem, caso tente dar uma de psicóloga com ela... – Alertou-me sem receios. – Sei que gosta dela, Sana, mas a Dahyun é complicada... É melhor dar tempo ao tempo.
— Não gosto disso.
— Você entrou nesse relacionamento sabendo como ela é.
— Não, eu me refiro a ficar quieta, deixá-la sofrendo quieta. – A ajudei a finalizar a fiação. – Você acha que aconteceu alguma ou é só crise?
— Não tem como saber, mas no fim sempre resulta na mesma coisa: uma bagunça dentro da mente da Kim... – Respondeu com pesar. – Não sei se já falaram sobre isso, mas esse é assunto muito delicado para ela... As...
— "Personalidades"? – Assentiu. – Não falou, mas eu pesquisei muito sobre borderline... Eu vi que é intenso, mutável, instável, imprevisível...
— Complicado, né?
— Nada impossível de tratar. – Rebati segura.
— Acho legal você insistir, mas vai com calma, ok? Se for tão incisiva isso pode afastar a Dahyun. – Denunciei que não entendi e ela tratou de explicar logo. – Já percebeu que ela não faz mais terapia, né? – Assenti. – Foge de profissionais há anos... Se recusa mesmo, então não vai ser fácil ajudá-la.
— Eu sei...
— Enfim, vamos nos separar, por aqui já está tudo pronto para ser ligado no momento certo. – Passou por mim, indo até a porta. – O plano vai funcionar e a Dahyun vai aparecer, tenho certeza.
— Como sabe?
— Apesar de ser tão complexa assim, a Kim tem palavra... Ela se comprometeu, fez tudo isso para o bem não só dela... Ela vai aparecer e fazer o que foi combinado, relaxa.
— Jihyo... – Comecei receosa, depois de passar pela porta e ouvir a mesma ser fechada pela menina ao meu lado. – Uhm... A Dahyun já fez isso antes, né? De sumir e tal...
— Sim.
— Ela reaparece bem, talvez só tristonha, ou é mais sério? – Denunciei nervosismo e ansiedade com a possibilidade de ouvir o que não queria.
— Quer saber o que exatamente?
— Se ela aparece... Sóbria.
— Às vezes sim, às vezes não. – Respondeu naturalmente. – Olha, sei que parece que não ligo para todo esse lance, mas é que já estamos todos acostumados, a Dahyun fez a gente conviver com esse jeito dela, sem nos intrometer, etc. No fim, nos restou aceitar...
— Isso é terrível. – Soltei chocada. – Digo, vocês serem obrigados a lidar com esse incômodo constante por causa dela.
— Ei, não culpa a Dahyun.
— Não estou culpando-a, mas responsabilizando-a... – Caminhávamos para fora daquele corredor, em direção ao salão. – A agonia que eu estou sentindo não é nada cômoda, Jihyo. Não consigo me acostumar com isso, a Kim não pode achar isso é normal...
— É algo que você só pode resolver com ela... – Dizia receosa. – Mas já te adianto que não vai ser nada fácil.
— Alguma coisa me diz que aconteceu algo sério. – Eu dizia enquanto passava a mão em meu colo, tentando acalentar meu coração acelerado. – Eu sinto aqui dentro... Ela não está bem.
— É paranoia sua, Sana... – Tentava me deixar tranquila, mas era impossível. – Vamos focar no plano, já já sua namorada aparece e tudo fica bem de novo.
Eu e Jihyo nos separamos quando adentramos o salão principal. Observei todo o enorme lugar e me permiti sorrir orgulhosa de tudo aquilo. Estava arrumado, decorado de uma forma tão caprichosa, era impossível não ver a assinatura de Jennie e Nayeon aqui, tudo era a cara delas.
Caminhei até onde meu grupo estava reunido, ainda vasculhando o local com o olhar apressado, e acabei encontrando, na porta de entrada, pessoas mais que conhecidas entrando.
Yuta, sozinho e sorridente, caminhava devagar pelo salão admirando tudo, assim como eu estava minutos atrás. Após o garoto, o time de futebol apareceu, animados e curiosos, logo partiram para a mesa de drinks. Somi e Chaeyoung aparecem depois, conversando intimamente e caminhando sem pressa.
Não assisti os próximos entrarem, afinal já tinha chegado perto das minhas amigas. O som de suas vozes risonhas e eufóricas, impedia-me de continuar divagando em lugares nada interessantes, até quase agradeci verbalmente por isso, logo começando a participar do papo.
— Devo dizer, as primas deram o nome com essa decoração, viu? – Falei sorridente, cumprimentando Jennie e Nayeon com um abraço breve.
— Ai, obrigada! – Nayeon soltou com a expressão mais convencida do mundo. – Foi difícil, principalmente tendo ajuda da Yoo, mas funcionou, né?
— Essa pobre coitada vai para o céu por isso, inclusive. – Jennie cutucou. – E eu também!
Nós rimos e falamos mais algumas coisas diversas, gargalhamos mais e eu, sem perceber, distanciei-me do assunto, das vozes delas, de tudo ali. Eu estava num lugar que não conhecia, numa pessoa na qual me preocupo. Meu pensamento era de Dahyun, estava nela, vagava pela incerteza, curiosidade e dúvida.
Senti-me vulnerável, pois o aperto em meu peito não sumiu, e sim intensificou. Nunca fui muito sensitiva, mas hoje, nesse momento, algo me dizia em alto e bom tom: A Kim não está bem.
E mais alguns sons da minha própria consciência disseram: Como ela pôde? Não é possível que não saiba que sumir é errado, que pessoas se preocupam com ela, que agora está num relacionamento. Como lidar com isso de fato?
*
Pov Dahyun
Eu dormi?
Dormi. É, dormi.
Que horas são? Minha cabeça dói, meu corpo também... Que dia é hoje?
16:43. Sexta-feira.
Levanto com muita dor e se não pior, então do mesmo jeito que ontem. Minha mente é um turbilhão de pensamentos, meu interior é lotado de sensações ruins. Eu me culpo, eu quero chorar, quero lembrar.
Analiso a cama bagunçada que antes me tinha praticamente desmaiada em cima e percebo algo: uma garrafa vazia de whisky, sujeira de erva e lençóis molhados. Concluo, então, que não, eu não só dormi. Eu me dopei, da forma que deu, que coube, da mais fácil e menos dolorosa ao mesmo tempo. É por isso, também, que não tenho memória de nenhum desses atos.
Checo a porta e ela estava devidamente trancada, vou até as gavetas onde costumo guardar erva e a encontro vazia. Eu não fumei tudo aquilo, acabei derrubando uma parte no chão. Cacos de vidro, estilhaços de garrafas, copos, cobrem o piso. O que eu fiz?
*
— E aí. – Chaeyoung chega perto de mim, cumprimenta-me com um balançar de cabeça e eu devolvo o gesto sem dizer uma única palavra. – 'Tá bem?
— Uhum. – Balanço a cabeça e continuo o que estava fazendo: amarrando os cadarços.
— Já vai falar com a Miyeon?
— Sim. – Termino, levanto-me e fico de frente para a menor. – Tudo certo do lado de vocês em relação ao plano?
— Sim, Dubu. – Esticou a mão e nós nos cumprimentamos em um "soquinho".
— Beleza, já vou. – Passei por ela, mas alguém surgiu em minha frente, fazendo-me frear.
— Oi... – Era Sana.
— Oi. – Respondi depois de um sorriso calmo, mas sincero, e logo mirei o chão.
— Tchau... – Chaeyoung deu ré e saiu do recinto.
— Onde você esteve?! – Sana perguntou eufórica quando a Son finalmente partiu. Ela veio até mim com pressa, parando numa distância curta. – Eu estava preocupada... A Seulgi disse que estava aqui, então eu vim correndo assim que soube.
— Por que está tão nervosa?
— Como é? – Deixou expressar o quanto ficou em choque com minha dúvida. – Você ainda pergunta, Dahyun? Você sumiu, não deu sinal de vida o dia todo para ninguém... O que aconteceu, afinal?
— Se eu lembrasse, diria. – Dei de ombros, passando por ela. – Preciso ir falar com a Miyeon, vou avisar que o plano vai começar.
— Vai sair assim? Sem conversar e nem me dizer o mínimo?
— Eu não sei o que você quer que eu diga, Sana. – Virei-me para ela. – Eu não lembro o que aconteceu ontem depois que eu- – Interrompi a mim mesma. – Enfim... Vai para a sua posição, preciso avisar a Cho tudo certinho.
— Termina a frase.
— Precisamos mesmo disso?
— Dahyun. – Falou seriamente, estava irritada, podia notar uma decepção também. – Eu fiquei preocupada com você, mereço uma explicação, não acha? Sou sua namorada, afinal. Você deveria ter um pouco de consideração...
— Eu briguei com minha mãe, ela tomou meu celular e por isso eu não falei com você, nem com ninguém. – Arfei aborrecida. – Vai brigar comigo como ela fez? Vai gritar e dizer coisas que doem mais que uma surra? Vai em frente, então. Que se foda! – Berrei, quase sem fôlego. – Só faz isso rápido e vai para a porra da sua posição, eu preciso fazer esse plano acontecer logo.
— Ei, calma. – Pediu, aproximando-se de mim. – Não fala assim, não precisa ficar na defensiva comigo... Esqueceu quem eu sou?
— Não, é que... – Suspirei tristemente, sentindo seu abraço suave me envolver. – Foi tudo tão rápido, quando eu acordei já era hora de vir para cá e eu ainda precisei limpar o meu quarto que estava a maior zona e com certeza geraria um estresse pior se minha mãe entrasse nele... – Falei sem pausas.
— Calma. – Segurou meu rosto com as duas mãos. – O que você fez para dormir tanto assim? Só chorou ou....
— Não quero falar disso agora, Sana. – Interrompi e supliquei exausta. – Tem muita coisa na minha cabeça, parece que sou responsável por muita coisa e muita gente ao mesmo tempo. Deixa eu ir, por favor...
— Não sei se consigo. – Abraçou forte meu corpo, impedindo que eu devolvesse, já que meus braços estavam presos. – Não quero te soltar se você não estiver bem.
— Mas eu prefiro que solte... – Pedi timidamente. Eu não queria sair do carinho de Sana, mas eu estava mal, não dava para continuar ali.
— Tudo bem... – Fez o que eu pedi, tristemente como eu, então saí dali sem olhar para trás e sem dizer nada.
Meu coração estava ferido e eu só piorava a situação. Minha cabeça não parece gostar de mim, já que quando percebo certas ações, fico triste, arrependo-me, lamento. Eu não queria dispensar Sana, afastá-la ou preocupá-la. Fiz porque parecia mais fácil, melhor, justo.
Não penso que mereço o carinho e o cuidado da Minatozaki e quando recebo, recuso, afinal é o que condiz. Empurrar ela, e qualquer outro, parece deixar a situação mais "certa", já que além de pensar que não mereço sentir coisas boas, ser cuidada ou ter alguém por mim, também penso ser mais fácil para Sana e meus amigos, que são pessoas que me amam e acabam sofrendo com isso também, se eu simplesmente der motivos para ser detestada.
Pelo menos é um sentimento que acho justo. Talvez se, mais uma vez, eu for invisível, as coisas melhorem.
*
Pov Narrador
Dahyun segue até a parte escondida atrás da quadra externa para encontrar Miyeon. Ao chegar no local, onde a outra coreana já esperava impacientemente e ansiosa, a Kim cumprimenta-lhe brevemente e já avisa conforme o combinado, se despedindo e sumindo em seguida.
Retorna para o movimento, ficando onde Miyeon já sabia: no centro do salão. O que a Cho não imagina é que a pegadinha acontecerá com Dahyun ao pé dos detalhes ou não.
A festa é intensa, lotada, animada. Os alunos curtem felizes e inocentes, tornando esse o cenário e momento perfeito. Assim as coisas seguem: a música cessa de repente, atraindo olhares curiosos e um tanto irritados também, mas que rapidamente são redirecionados para outro sentimento.
— Ok, vamos vazar daqui. – Chaeyoung chegou em Sana e puxou a japonesa sem muita delicadeza.
— Ei, espera! – Pediu assustada. – Para onde está me levando?
— A Dahyun pediu para que eu fizesse isso, é para o seu bem, vem logo. – Andavam quase correndo, como duas fugitivas. Caminhavam até o estacionamento, cortando caminho pelas entranhas do colégio.
— O plano não era esse! – Reclamou Sana quando a coreana parou em frente a um carro familiar.
— Eu sei, mas se ela te contasse com antecedência, você não aceitaria. – Explicou enquanto ligava o automóvel e esperava Sana adentrar o mesmo. – Nem eu teria aceitado...
— Do que está falando? – Perguntava confusa enquanto colocava o cinto.
— Depois eu te explico, agora é arriscado demais.
— O que rolou lá dentro, afinal? Nem consegui ver o plano se concretizar.
— A Dahyun fará algo bem sério, mas pelo menos conseguirá o que todos nós queremos.
— Algo sério? – Encarava a Son com o cenho franzido, tom rígido e muita confusão mental. – Chaeyoung, o que vai acontecer lá dentro daquele ginásio?
— Já falei que depois te conto. – Respondeu sem encarar a outra, estava concentrada na estrada ao mesmo tempo que forçava sua mente a pensar em coisas positivas. – Porra... – Sussurrou em preocupação, mas a garota ao seu lado ouviu e ficou mais inquieta ainda.
— O que foi?
— Nada, cara. Relaxa, ok? Já estamos chegando...
— Para onde você está me levando?
— Double 9.
— Por que a boate?
— Eu preciso tomar uma cachaça para relaxar e conseguir ficar no seu pé, então...
— Chaeyoung-ah! – Disse num tom bruto. – Me explica agora o que está acontecendo. Você não vai ficar me vigiando, não preciso de babá.
— Hoje precisa, a Kim me fez prometer que não sairia de perto de você.
— Você só tem uma opção: me contar. – Tirou o cinto. – Ou você fala, ou eu pulo. – Colocou a mão na porta, ameaçando abrir.
— Sana! Para com isso, porra! – Olhou a cena com os olhos arregalados e diminuiu a velocidade sem perceber. – Já vamos chegar, deixa de show.
— Estou falando sério. – Não obteve resposta da Son, então começou a cumprir a ameaça. Abriu a porta quase que completamente, pronta para pular, mas não foi necessário. Chaeyoung freou bruscamente assim que viu tal coisa.
— CARALHO! – Berrou eufórica. – Porra, japonesa... Você é dose pra leão... – Manobrou o carro, parando na beira da calçada em frente a uma pequena praça. – Eu conto, mas você tem que se controlar.
— Não vou me controlar porra nenhuma, você já me deixou doida com esse suspense todo!
— Eu não sou boa com segredos mesmo, por isso a Dubu não disse logo que estava te namorando ou... – Distraiu-se e Sana lhe encarou de um jeito intimidador, forçando a menor a tornar ao assunto inicial. – Enfim, só não vai até lá de novo, ok?
— Fala logo, Son.
— A Dahyun saiu totalmente do plano, ela vai ser bem radical e dar um presente para a Yuna, mesmo conseguindo o que a gente tanto quer. – Suspirou com pesar. – A Shin vai se ferrar como queríamos, o Yuta será desmascarado e a Miyeon também, mas...
— Mas o que?
— A Dahyun vai dar munição, vai assinar a carta de expulsão involuntariamente. – Encarava o volante em sua frente e tinha um tique na perna que indicava nervosismo.
— Por que ela vai fazer isso? – Perguntou atônita.
— Nem eu sei, mas conhecendo-a como conheço, chuto ser mais um surto... Só que esse é diferente...
— Diferente como? Vocês tratam a Dahyun como louca, já perceberam? – Soltou sem dó e recebeu um olhar mais que irritado da Son. – Vocês ignoram quando ela some, agem conforme ela pede sem nem questionar. Você procurou saber porque ela sumiu dessa vez? Ou ao menos hesitou em me trazer para cá e deixar a Kim ser expulsa? – Falava sem pausas, filtros ou receios.
— Olha a boca, japonesa! – Repreendeu irritada. – Não precisa me explicar como a Dahyun é, você chegou só agora... – Sana ouviu aquilo e murchou de imediato. – Não sei que porra de namoro vocês têm, mas é um bagulho muito forte, dá até medo...
— Medo? Por que?
— Porque acho que a Dahyun só está fazendo isso para você não ser expulsa no lugar dela. – Respirou fundo, nervosamente. – E eu vejo que é recíproco, vocês são intensas em muito pouco tempo... É só olhar para você, está toda nervosa por ela desde cedo.
— Eu não entendo...
— Eu também não! – Disse alto. – A Dahyun nunca foi de falar, mas nós que somos amigos dela, conhecemos seu jeito, seus traumas, problemas... Acontece que quando um evento ruim ocorre, uma crise ou surto, uma briga ou sei lá, ela se fecha e não dá aberturas para ninguém.
— Percebi isso mais cedo quando tentei falar com ela.
— Então por que falou aquele monte de merda para mim minutos atrás? Porra! Ela é minha melhor amiga, mas não é saudável viver em função dela ou de quem quer que seja. Nós sofremos junto quando percebemos que ela está mal, somos todos assim, afinal. Esse plano todo é para a Seulgi e pelo que a Yuna fez com ela, por exemplo. Você sabia disso? – Questionou encarando os olhos de Sana profundamente. – Somos todos unidos, o que um sente, o resto sente, mas ninguém esquece da própria vida...
— Eu sabia só por cima...
— Então não julga, não aponta o dedo... – Suspirou. – Olha, eu sei que disse no calor do momento, que está preocupada com a Kim, mas o melhor que você pode fazer é dar o espaço que ela precisa.
— Eu não entendo... O plano já estava formado, sabíamos da possibilidade de Miyeon, Yuta e Yuna quererem minha cabeça, mas era especulação... De toda forma, o que combinamos dava para nos conceder exatamente o desfecho desejado e... E sem que eu ou ela nos prejudicássemos.
— Isso foi de última hora. Ela chegou em mim depois de falar contigo na salinha, disse o que eu deveria fazer e pediu de um jeito muito penoso que eu não hesitasse. – Arfou cansada. – Ela está em crise, Sana.
— E como são as crises dela?
— Variam, nunca é a mesma coisa. Falando de um jeito informal, a Dahyun tem muitas "Dahyuns" dentro dela, cada uma mais sensível, além dos traumas que os pais causaram e causam... É tudo muito imprevisível, tenha paciência
— Eu tenho, vou ter toda a paciência do mundo, Chae. – Respondeu cabisbaixa e pensativa, quase chorando ali. – Está doendo aqui... – Passava a mão no peito, onde ficava o coração. – Está apertado, dolorido.
— Eu sinto muito... – Encarou a outra brevemente. – Para onde quer ir agora?
— Por favor, me leva de volta para a escola. Eu vou deixar ela terminar o que quiser fazer, mas preciso falar com ela assim que acabar. Não vou aguentar ficar longe, tudo isso é por mim, afinal.
— Tudo bem, ela comentou que quer falar com você mesmo.
— Comentou, é? Você sabe do que se trata?
— Nem ideia...
*
Pov Dahyun
— Eu tomei uma decisão forte... – Falei quando dispensei Chaeyoung e encontrei Mina. – Não tenta me convencer do contrário, ok?
— Diga.
— Vou fazer um pouco diferente hoje. – Ela me encarou com o cenho franzido. – Vou ser expulsa.
— Enlouqueceu?! – Seus olhos arregalaram. – Por quê?
— Vou levar a Shin comigo, relaxa.
— 'Tá, mas para isso precisa ser expulsa? Dahyun, estamos quase no fim do ano letivo... Último ano da escola também, tem certeza que vale a pena?
— Tenho algumas razões para fazer isso, mas a mais forte delas é a Sana.
— O que tem a Sana?
— Eu 'tô ligada que a Miyeon vai querer meter a culpa na Minatozaki, então vou ser mais rápida e puxar a culpa para mim.
— Mas por quê?
— Eu te disse que ia contar hoje a verdade sobre os freios do carro que a mãe dela sofreu o acidente, não disse? – Assentiu. – Além disso, noite passada briguei com minha mãe, estou péssima, não suportaria mais uma pessoa decepcionada comigo...
— E o que ser expulsa tem a ver?
— Força um pouquinho a mente... – Pedi timidamente.
— Não! – Disse quando entendeu. – Você está fazendo isso para mostrar para a Sana que se importa com ela e para que quando contar a bomba, ela não ficar brava com você? Já que foi expulsa no lugar dela, então a Minatozaki sentiria pena?
— Eu não colocaria desse jeito, com essas palavras, mas sim, resumidamente é isso mesmo. – Dei de ombros e notei que ela ainda me encarava boquiaberta e incrédula, como quem achava a pior ideia do mundo. – Não tenho tempo de te explicar a confusão mental que tenho que lidar todos os dias, mas só te garanto que isso é por mim também.
— Por que você não suportaria mais alguém bravo com você?
— Exato...
— Não posso tentar te impedir, né?
— Não.
— Então, boa sorte.
— Só não conta a ninguém isso e nem o lance de eu ter brigado com minha mãe, ok?
— Ok. – Sorriu brevemente, eu devolvi o gesto e parti finalmente.
*
"O Paraíso é o meu bebê
O suicídio é seu pai
Opulência é o fim [...]
Maria reza o Rosário para minha mente quebrada.
(Eu disse, "Não se preocupe com isso")"
Chapter 27: Body Electric².
Chapter Text
Body Electric² – Lana Del Rey
"Não precisamos de ninguém
Porque nós temos uns aos outros
Ou pelo menos eu finjo"
*
Pov Dahyun
Contei até dez mentalmente algumas vezes para tentar manter a calma. Eu sabia que o que eu estava prestes a fazer não era necessário de fato, mas não iria voltar atrás também. Não pensei muito sobre, talvez se o tivesse feito, se tivesse divido com alguém, minha atitude final seria outra, mas isso não aconteceu.
Eu agi como sempre ajo em momentos assim, momentos de tensão, de crise, momentos em que não me conheço direito e a única coisa que sinto vontade de fazer é me isolar, maltratar a mim mesma como se eu merecesse tudo de ruim que me acontece. Assim o fiz, assim sigo.
— Kim Dahyun! – Ouço uma voz estridente, aguda e irritada. Reconheço, contudo, o timbre pertencer a alguém quisto não só por mim, mas por toda escola. Viro-me e quando encontro a dona, encaro-a. Era Tiffany. Ela tinha um semblante bravo, decepcionado e rígido. – O que você fez?! – Perguntou ainda de forma alta e grosseira quando se aproximou de mim e da danação da vez.
— Gostou? – Perguntei adotando um personagem descontraído, o que costumo usar em ocasiões do tipo. – Fiz quase sozinha! – Afirmei sorridente e orgulhosa, mesmo que por dentro eu estivesse com muito medo.
O som da festa cessou, os olhares queimavam sobre mim e a professora de inglês estava confusa, mexia-se sem rumo, sem ideia do que fazer diante de toda essa bagunça. Os planos mudaram um pouco, mas nem tanto. A festa ainda iria ser destruída e era exatamente isso que estava acontecendo agora.
— Por que você fez isso? – Young perguntou aflita, agoniada e confusa. Ela não conseguia entender nada daquilo e todos estavam como ela. – Responde, Dahyun.
— Porque ela é uma selvagem! – Yuna respondeu após limpar o rosto que antes estava completamente sujo de tinta. – Quis acabar com a festa e comigo! Olha, professora! Veja como estou, minha situação... – Fez drama, mas era cabível, afinal eu tinha acabado de puxar uma cordinha que derramava tinta em mim e na Shin.
— Yuna, não comece! – A Young repreendeu irritada, deixando a garota confusa e me fazendo rir um pouco do sucesso já garantido do plano. – Não pense que vai me fazer de idiota ou me enganar como faz com muitos, inclusive o coitadinho do seu tio Wang.
— Como é? – Ela perguntou confusa, com o cenho franzido e os olhos arregalados. – Eu não fiz nada! Eu juro!
— Garota, eu sei que fez. – Rebateu segura e ainda muito irritada. Olhou-me de cima a baixo, analisou toda a bagunça no salão e suspirou fundo até continuar. – Saiam daqui, vão se limpar e depois disso quero as duas na sala do diretor! – Berrou e nós assentimos assustadas. – A música pode retornar. Continuem dançando, a festa não acabou. Vou pedir para limparem isso tudo... – Saiu de perto cuidando para não sujar ainda mais os sapatos e imediatamente à sua fala, as ordens que deu foram acatadas.
Segui caminhando ao lado de Yuna até o banheiro mais próximo. Nós não dizíamos uma palavra, não fazíamos som algum. O silêncio entre mim e ela era ensurdecedor, até assustador, afinal é como dizem: antes da tempestade, vem a calmaria. Eu sabia que a Shin não iria engolir isso quieta, nem muito menos sem tentar uma vingança, então me preparei psicologicamente desde já.
— O que porra foi aquela, Kim? – Soltou finalmente enquanto nós duas terminávamos de secar os rostos recém lavados. – Eu não entendi porra nenhuma.
— Melhor assim. – Dei de ombros.
— Não vai me explicar? – Encarou meu rosto com certa raiva e eu tive de acatar por receio.
— Não finja que não sabia sobre a pegadinha que eu ia aprontar hoje... – Provoquei atuando. – Você sabe mais do que mostra, Shin, não precisa fingir para mim.
— Ok, eu sabia que você ia aprontar, mas e daí? É tão previsível, saber disso não quer dizer muita coisa. – Deu de ombros segura de si. – Mas o que foi esse plano, afinal? Você acabou passando vergonha junto e... E ele nem foi UAU, como costuma ser.
— A Miyeon disse para você um plano mirabolante, não foi? – Ela arregalou os olhos assim que eu falei tal coisa. – Sim, eu sabia sobre você, Miyeon, Yuta... Acho que você é que está desatualizada, na verdade. – Sorri debochada, arrancando um olhar furioso da maior. – A Miyeon que me contou, se quer saber.
— Como?! – Berrou. – Ela... Ela te contou o que exatamente?
— O suficiente para que eu agisse contra vocês três... Você, a Cho e o japonês... – Coloquei a toalha no lugar e segui até a porta, pronta para sair do banheiro e ir até a sala do diretor. – Essa baderna foi algo simples, mas tem o seu dedo, o dedo da Miyeon e do Yuta também.
— Como assim?
— Pô, você quer spoiler mesmo? – Provoquei sapeca. – Ok... Vocês não fizeram nada de fato, mas eu, meu grupo e o grupo da Sana, demos um jeito de parecer que sim, fizeram algo. E algo grande.
— Jogar tinta no salão de festas? – Perguntou retoricamente. – Uau... Que grande coisa! Dahyun, no máximo vou receber uma reclamação, você já foi melhor com essas coisas. – Desdenhou revirando os olhos.
— Porra, Shin, vou ter que explicar nos mínimos detalhes mesmo? – Bufei fingindo cansaço. – Essa festa fazia parte do plano, eu e a galera montamos tudo, fizemos toda a decoração e não sei se você percebeu por aí, mas muitos troféus estão expostos... – Usei um tom forçado, fazendo a garota temer pelo que eu diria a seguir. – Muitas coisas de valor sentimental e financeiro estavam a mostra por aí, você viu? Reparou? São coisas que seu tio morreria se fossem danificadas, certo?
— Nem fodendo... – Soltou baixinho, um tanto temerosa. – O que é essa tinta?
— Se eu fosse você, faria como eu, lavaria logo esse cabelo, pois talvez não largue mais ou... – Fiz uma pausa dramática somente para irritá-la um pouco mais, mas continuei quando notei seu corpo aproximar-se do meu. – Ou você pode até ficar careca, quem sabe. – Dei de ombros, rindo. – Pode dar alergia também, então lava logo isso.
— Que porra de tinta é essa, caralho? – Perguntou com a cabeça na pia, jogando o máximo de água possível no cabelo. – Dahyun, eu vou matar você! – Berrou, mas eu não me deixei intimidar.
— Está sujo ali ó... – Apontei. – Perto da orelha... – Ela limpou com rapidez e eu ri com a cena. – Ai... A tinta vai sair de você, Yuna, relaxa. Já está lavando, não corre mais risco, uma pena que não posso dizer o mesmo daqueles objetos valiosos no salão...
— Você pensa que me ferrou com isso? – Perguntou finalizando a limpeza. – A culpa maior é sua, Kim Dahyun! A Tiffany viu tudo e meu tio não iria me punir jamais, você é que está fodida!
— Esqueceu o que ela disse lá no salão? Ela sabe que você fez parte disso também, Yuna.
— Não sei como você fez ela acreditar numa idiotice dessas, mas vou reverter! Sabe que acaba de assinar a carta de expulsão, né?
— Sei também que você não vai mais reinar nesse colégio e nem intimidar os outros. – Rebati sem demora, fazendo-a paralisar. – Eu vou ser expulsa, você não, mas vai ser punida mesmo assim.
— Não mesmo! Eu estava no meio do salão, levei um banho de tinta, a Tiffany não vai achar que fiz aquilo se eu também fui prejudicada.
— Eu também me sujei, Shin. – Argumentei com o sorriso mais cínico do mundo em minha face. – Seu argumento não serve se eu também me prejudiquei com tudo.
— Que droga, Kim! – Berrou irritada. – Eu mato você, juro que mato! – Correu até mim com sangue nos olhos.
— O que está acontecendo aqui? – Tiffany abriu a porta, interrompendo a agressão que eu iria sofrer. – Achei que tinha sido clara quando disse para irem até a sala do diretor quando terminassem de se limpar.
— Terminamos agora. – Falei virando-me de frente para ela. – Vamos?
— Eu ouvi gritos... Estavam brigando e isso ia acabar mal, certo? – Perguntou fitando a mim e a Shin, mas nós duas desviamos o olhar de forma desconfiada. – Vamos. – Abriu a porta por completo e deu passagem. – Vão na frente, sigam até a sala do diretor. – Não nos mexemos, eu não queria ir na frente da Shin e acredito que ela tinha esse mesmo pensamento. – Agora! – Disse rígida e fomos obrigadas a seguir.
*
Pov Narrador
— O que caralhos acabou de acontecer?! – Miyeon perguntou incrédula, virando seu corpo para o namorado também chocado com toda a situação. – Isso não estava combinado, não sabia que a Dahyun também iria se sujar...
— Mas isso não importa, certo? Vai conseguir o que queria de todo jeito.
— É, a Kim com certeza vai se ferrar por causa disso, mas ela quem quis. Eu disse que livraria a pele dela, mas pelo visto... – Olhava o salão inteiro em busca de alguém, mas não encontrava por nada. – Uma coisa não está certa.
— O que?
— Algumas coisas, na verdade. – Analisou o pavilhão mais um pouco e voltou a encarar o namorado em seguida. – Até agora a equipe de limpeza não apareceu... Isso é muito estranho, afinal sujou muita coisa ali e muitas dessas coisas tem valor para o Wang.
— Isso não é bom? Com isso a Shin se prejudica ainda mais.
— De fato, mas eu não sabia dessa parte do plano, a Dahyun não havia me contado disso, eu nem sabia que teriam coisas assim expostas.
— Deve ter esquecido, amor, não é um detalhe muito importante, certo? – Yuta perguntou solícito, queria dar um ar positivo a situação e encerrar de vez esse plano maluco da namorada, mas a Cho não tinha esse mesmo pensamento. – O que você tanto analisa em silêncio, hein? – Questionou após a garota ficar muda por um bom tempo. – Miyeon, o que foi?
— Não sei, mas algo me diz que isso vai feder... – Virou o corpo mais uma vez e depois voltou para os olhos do japonês. – Viu a Sana por aí?
— Não... Ela não está onde a Kim disse?
— Não. E é por isso que estou estranhando mais ainda tudo. Desse jeito a Minatozaki sai imune da expulsão e a Dahyun vai embora no lugar dela.
— Elas estão namorando, amor, é normal que a Dahyun queira protegê-la.
— Eu sei, mas como a Kim sabia do risco que a Minatozaki corria? – Questionava em voz alta e pensava dez vezes mais em silêncio. – 'Tô te dizendo, Yuta, as coisas estão estranhas, estou começando a ficar desconfiada desse plano.
— O que você está querendo dizer, afinal?
— Acho que a Kim e o grupo dela passaram a perna na gente! – Suspirou ainda um pouco aflita. – Essa tinta ainda não foi limpa, a Sana sumiu, a Dahyun se sujou junto... Não sei não...
— Mas tudo segue com o mesmo fim, certo? A Yuna vai ser punida pela Tiffany por fazer parte disso tudo e ainda foi constrangida na frente da escola toda. Deu certo, meu bem. – Sorria largamente, mas era um sorriso forçado.
— Porra! – Berrou junto de um estalar dos próprios dedos, parecia ter deduzido algo. – Eu espero que isso sobre somente para a Shin, de verdade. Eu acho que a Dahyun sabia de nós dois... 'Tô achando que ela usou cada um de nós contra nós mesmos... – Disse num sussurro, como quem percebia algo óbvio e detestava a si mesma por isso. – QUE DROGA!
— O que foi?! – Perguntou assustado e preocupado.
— Ela fez exatamente isso, olha. – Apontou para o salão, o exato lugar em que os objetos valiosos foram manchados. – Ali é a Jihyo e mais uma galera do grupo da Sana... – Apontou para as pessoas retirando os objetos e levando embora. – É essa danificação que vai fazer a Shin se ferrar!
— Mas a Kim vai se ferrar junto... Não sei se ela faria tudo isso somente para conseguir deixar a fera da Yuna mansa e sem mexer com os amigos dela.
— Tenho certeza que não. Ela não seria expulsa, sozinha, só por isso. – Franzia o cenho e respirava com força, estava irritada com tudo, inclusive consigo mesma. – Ela vai ferrar a gente também, tenho certeza.
— Como?
— Isso eu não sei, mas é a única explicação. Ela não faria algo tão grande para ferrar só a Yuna, ela sabe de nós dois, das nossas intenções. Como ela ficou sabendo, não faço ideia, mas aquela coreana é esperta demais, eu deveria ter me atentado para isso...
— O que você acha que ela tem contra nós?
— Com certeza a culpa disso tudo aqui vai cair na gente, na Yuna e na própria Kim... Porra... Ela é muito inteligente, que ódio! – Gritou furiosa. – A gente tem que pegar aqueles troféus.
— O que?! Por quê?
— Não sei o que eles pretendem, mas se pegarmos, podemos limpar toda a sujeira da tinta e devolver, fazendo as coisas amenizarem bastante para nosso lado.
— E consequentemente para o lado da própria Dahyun e da Yuna... – Lamentou. – A gente vai ter todo esse trabalho pra nada? A Yuna vai continuar reinando por aqui e te usando, Miyeon.
— E vai ser muito pior... Eu tenho certeza que a Dahyun vai contar sobre minha traição com a Shin... – Arfou agoniada. – Merda! O que a gente faz agora?
— Só pegando os objetos mesmo, é a única saída de amenizar as coisas pra gente... Depois nós resolvemos com a Yuna, o que importa agora é evitar a expulsão.
— Eu vi para onde levaram as coisas, vem. – Puxou o pulso do garoto sem aviso, correndo até o local.
*
Pov Dahyun
— Vocês podem me explicar agora o que exatamente aconteceu lá fora? – Tiffany questionou seriamente.
— Foi só uma brincadeira... – Comecei, mas fui interrompida.
— FOI A DAHYUN! – Yuna berrou. – FOI ELA! FEZ TUDO SOZINHA E AGORA QUER ME CULPAR. – Continuava com a histeria, fazendo a mulher ficar mais irritada ainda.
— Shin, já chega! – Young disse firmemente. – Eu já sei que foi você, não precisa se defender, não adianta. Aliás, sei quem foram os quatro autores dessa brincadeirinha boba.
— Quatro? – Yuna perguntou confusa e intrigada.
— Vai me dizer agora que não sabia quem eram seus parceiros de crime, Shin Yuna? – A mais velha suspirou cansada. – A Miyeon e o Yuta falarão comigo depois de vocês duas, quis separar para evitar que confabulassem uma mentira deslavada. – Sorriu orgulhosa. – Bom, quem vai começar a se explicar?
— Foi a Dahyun...
— Certo, é verdade. – Comecei interrompendo a fala da mais nova, fazendo-a me encarar com certa felicidade e alívio. – Eu organizei tudo, eu e a Miyeon. Nós queríamos fazer dessa festa memorável, aproveitar que o chato do diretor- – Ouvi a tosse da professora, indicando que falei algo indevido, então tratei de arrumar. – Aproveitar que o diretor o Wang estaria ausente e curtir de um jeito bobo, como qualquer adolescente deseja.
— Para isso precisava sujar boa parte do salão com tinta permanente e corrosiva?
— Eu não sabia que ela era corrosiva e nem permanente, achei que fosse a base de água, fácil de limpar, etc. – Atuei da forma mais inocente do mundo, captando total atenção da mais velha e ainda a mesma expressão de alívio da mais nova. – Enfim, eu e a Miyeon queríamos isso, mas não conseguiríamos sozinhas.
— É aí que a Yuna e o Yuta entram?
— Quase. Apenas o Yuta. – Continuei fazendo a coreana achar que eu iria livrá-la, somente por pura diversão. – Ele e a Cho namoram, ela achou que seria engraçado a participação dele e a ajuda fundamental, então eu topei.
— Isso tudo para jogarem tinta do teto e ainda se sujarem? Por que eles dois não estavam junto de vocês?
— Aí que começa e dar problema... – Levantei-me, puxei a cadeira para mais perto da mesa e sentei-me novamente, apoiando os cotovelos na mesa e continuando o papo. – Um queria fazer uma coisa, outro queria outra... Foi um conflito de ideias... E a gente brigou por conta disso, tia. – Falei fingindo pesar. – No dia que discutimos, falamos alto numa das salas vazia do colégio e a Yuna estava passando, ouviu tudo e entrou no recinto sem nem pedir licença. – Encarei a garota e observei sua expressão suave sumir, dando lugar a uma tensa.
— O QUE?! – Ela berrou.
— Yuna, silêncio. Você não quis falar, então deixe a Kim continuar.
— Obrigada. A Shin entrou na sala, disse que queria fazer algo também e nós desconfiamos muito! – Arregalei os olhos, fiz certas expressões e continuei. – Ela disse ter gostado da ideia da tinta, mas falou que faltava algo.
— Eu disse o quê? – Perguntou irritada. – Aí eu disse que faltava sujar os objetos de valor do meu tio, né? – Questionou retoricamente, sabotando a si mesma sem querer.
— Exatamente! – Concordei cínica, notando a Young fica chocada com tudo. – Quer contar essa parte, Yuna? – Olhei-a fingindo compreensão, mas não dei tempo de ouvir sua resposta. – Tudo bem, falo eu. Então... A Shin estava chateada com o Wang, com essa tal viagem e tal... A senhora entende, né, tia? – Ela assentiu. – E achou que seria uma boa ideia se vingar, então foi aí que o plano surgiu.
— Que mentirada do caralho! – A mais nova falou ofendida. – Tiffany, você não pode ter acreditado nisso, né? Poxa, é a droga mais fantasiosa que eu já ouvi na vida!
— E por que deixou a Kim falar até agora, se é tudo mentira? Você até admitiu a sua vontade com os troféus...
— Eu não ia gastar saliva argumentando com a Dahyun, não valia a pena! – Rebateu. – Será que posso ir para casa? Quero tomar um banho de verdade.
— Isso é demais para a minha cabeça... – A mulher lamuriou-se. – Achei que seria uma semana tranquila, fácil... – Suspirou. – Podem ir, vou conversar com os outros dois e depois chamo todos de novo para dar a devida punição, que será provisória, claro, afinal o Wang volta já já e ele decidirá o que fazer com vocês quatro... – Apontou para a porta. – Podem ir e se virem o Yuta e a Miyeon, digam para eles aparecerem aqui, por favor.
— Digo, sim. – Falei perto da porta, cruzando a mesma depois que finalizei a frase.
— Espera. – Ouvi a voz de Yuna quando eu já estava na metade do corredor. Andava com pressa como sempre, queria ir embora, ver Sana, queria viver as consequências do dia de hoje só amanhã, mas isso tudo iria ter que esperar um pouco, pelo jeito. – Dahyun, espera. – Falou e eu freei, virando-me de costas e encarando a dona da voz, que por sua vez, correu até mim.
— Que foi?
— Sabe que não vou ser expulsa, talvez consiga a expulsão do Yuta e da Miyeon, mas a sua é garantida. Por que fez isso, afinal?
— Não tenho o menor interesse em expulsar o japonês ou a Cho do colégio, só queria assustá-los, mostrar que não se pode brincar com os outros assim... – Dei de ombros. – E eu sei não vou expulsar você, talvez eu seja a mais ferrada disso tudo, mas não ligo. Eu vou conseguir o que queria, é o que importa.
— E o que você queria? Fazer eu passar vexame na frente da escola? – Desdenhou. – Estou cansada de passar por isso, já acostumei e nem me afeta mais... Eu sinto dizer, Kim, mas seu plano fracassou bonito.
— Não fracassou, nem terminou e você não tem ideia das proporções.
— Vai colocar a culpa da sujeira nos objetos de valor que meu tio tanto gosta em mim também, né? Tudo bem, eu lido com isso.
— Você ouviu a Tiffany falar que a tinta é permanente e corrosiva? – Assentiu. – Eu adulterei as tintas, coloquei alguns produtos que danificam certas superfícies e é isso que vai acontecer com cada um daqueles objetos. Não tem como restaurar, a não ser que sejam limpos logo, coisa que não vai acontecer, pois já pedi para a Jihyo e a Tzuyu pegarem todos eles e esconderem até que o líquido seque e penetre.
— Você é doente... Pensou em tudo nos mínimos detalhes... Eu tenho medo de você, credo! – Falou sem dó. – Mas tenho pena também, já que todo esse trabalho não vai me causar nada além de uma bronca. Já com você... Além de ser expulsa vai ter que aguentar os pais... Oh, Dahyun, eu lamento muito... Sua bronca vai ser muito pior que a minha. – Apertei as mãos, fechadas e fortemente, machuquei a palma com a força que depositei, pois a Shin mexeu num lugar muito sensível numa hora muito imprópria. – Vai me dar um soco? Isso só iria piorar sua situação... – Fez um bico debochado e eu abri as mãos.
— Não vou precisar. – Falei depois de suspirar profundamente. – Essa tinta ficou tóxica com as modificações que eu fiz, o que aconteceu com certeza foi filmado por alguns alunos e o alvoroço foi grande, você viu... Isso vai dar o que falar e seu tio está fodido nas mãos dos pais dos alunos, Shin.
— Como assim?
— Todos os pais vão querer que o Wang tome providências e ele vai ter que tomar. Vai me expulsar, vai punir os namoradinhos e vai cortar sua crista bem pela raiz! Você não vai mais intimidar ninguém aqui dentro, Yuna, muito menos os meus amigos.
— Está blefando.
— Se você acha... – Dei de ombros. – Você mexeu com a Seulgi, Yuna. Enquanto seu problema era comigo, 'tava de boa, mas você foi baixa, pegou num ponto mais delicado, você brincou com a doença de alguém, porra! – Berrei, apontei o dedo na cara dela e falei muito perto de seu rosto. – E ainda foi atrás da minha namorada... Porra, você é louca! Mandar filmar a gente no banheiro? Caralho, vai se tratar!
— O que?! – Deixou transparecer o choque. – Como-
— A Miyeon gravou tudo daquele dia, mas não falou a verdade para você. Usou o vídeo para me chantagear, mas eu consegui contornar a situação e cá estamos hoje. – Sorri satisfeita. – Como eu disse, acabou, Yuna. Você perdeu. –Virei-me novamente, ignorando a garota atrás de mim, fingi não ouvir seus lamentos e provocações, segui caminhando rapidamente como antes e logo estava fora daquele corredor, fora da escola.
*
Pov Sana
— Dahyun! – Gritei quando notei a coreana aparecer na rua vazia. – Ei... – Falei quando cheguei perto dela, mas não consegui completar a frase, pois rapidamente senti o choque de seu corpo contra o meu num abraço apertado e significativo. – Você 'tá bem? – Perguntei quando ela me soltou.
— Estou. Desculpa o jeito mais cedo, eu... Eu não estava bem. – Riu envergonhada. – Ainda não estou, na verdade, mas estava pior.
— Vai me contar o que aconteceu entre você e sua mãe?
— Não agora, antes quero conversar com você sobre outra coisa... Uma coisa bem mais importante.
— Isso pode esperar. – Segurei em sua mão, puxando-a para perto de seu carro. – Me leva para algum lugar sossegado, lá a gente conversa de tudo depois que eu...
— Que você...? – Perguntou desconfiada, enquanto colocava o cinto de segurança.
— Depois que eu matar a saudade que estou de você, depois que eu te agradecer por hoje.
— Agradecer? – Franziu o cenho e me encarou confusa, depois ficou neutra e deixou um sorriso escapar. – Claro... A Chaeyoung contou, né?
— Eu obriguei ela a me falar, não fica brava.
— Não vou ficar, sei como você fica quando quer algo... Ela não teve escolhas, tenho certeza.
— Exato.
— Mas não precisa me agradecer, é sério, não faz isso. – Falou quando sentiu meu toque em sua nuca.
— Por que você está molhada?
— Só reparou agora? Eu estou toda molhada e manchada de tinta, Sana... – Olhou para si mesma rapidamente e eu fiz o mesmo, mas demorando mais meu olhar sobre ela.
— Isso foi o que você fez para ser expulsa, né?
— Sim...
— Ok, não vou te agradecer. – Falei seriamente e ela me encarou curiosa. – Depois você me conta o que é tão importante, mas antes eu vou brigar muito com você pelo que acabou de fazer, Kim Dahyun!
— Vai brigar comigo, é? – Sorriu maliciosa e eu ruborizei, pensando besteira junto. – Nossa... Não... Não brigue comigo, ai, Sana... – Fez drama e eu ri.
— Besta! – Bati de leve em seu ombro. – Está me levando para onde?
— Sua casa, quero um lugar para tomar banho e minha casa não é o melhor ambiente no momento...
— Vai ter que usar uma das minhas roupas, sabe disso, né? – Provoquei.
— Eu sei! – Fez uma expressão de desespero. – Nãooooooo!
*
— Cropped de moletom e sainha rosa, Sana? Jura? – Encarou as peças com uma cara indignada, como se eu tivesse mostrado a coisa mais horrível do mundo para ela.
— Deixa de ser fresca, mano.
— Não invertemos os papéis agora, não? As falas foram trocadas... – Ela pontuou rindo e eu acompanhei. – Mas sério, você não tem um blusão? Uma calça ou um short?
— Procure uma roupa, então. – Abri o guarda-roupas e ela observou as variadas peças fingindo nojo.
— Quanto rosa, roxo, vermelho! Você parece um docinho de festa de tão delicado e colorido, Sana. – Ela disse olhando as peças com uma expressão neutra, mas eu me deixei sorrir boba.
— Sou seu docinho, sou? – Fiz bico e olhei em seus olhos, ela desviou como sempre e sorriu envergonhada, o sorriso mais lindo do mundo, claro.
— Sim. É gostosa igual. – Brincou tentando amenizar o momento fofo que eu construí, isso era a cara dela. Falou desconfiada e riu em seguida, riu tanto, parecia uma moleca pregando uma peça nos mais velhos, eu não me contive em acompanhar. – Desculpa...
— Desculpa pelo quê? É verdade. – Dei um beijinho no ombro e uma voltinha, parando de frente para ela numa pose provocativa, mas muito exagerada. – Além de ser gostosa, colorida e delicada como um docinho de festa... Também tem outra semelhança entre nós dois para você.
— Qual?
— Você come. – Agi como minha namorada minutos atrás e gargalhei genuinamente, ficando com os olhos marejados de tanto rir.
— Sana! Meu Deus... – Falou quando a risada cessou. – Sua safada, cruzes! – Riu de leve mais um pouco, tornando a sua cor pálida padrão, que antes dava lugar a uma vermelhidão por conta da timidez.
— Enfim, escolhe a roupa e vai tomar logo esse banho! – Entreguei a toalha a ela.
— Ainda não aceito que vou ter que escolher uma roupa sua e usar!
— Ou é isso ou é alguma do meu pai! – Brinquei e ela riu alto, a risada mais gostosa do mundo. – Você vai tomar um banho logo ou eu vou ter que te levar até o banheiro a força?
— Você pode começar a brigar comigo por aquilo no salão do colégio agora, sabia? – Falou desconfiada. – Toma banho comigo, meu dengo... – Chegou perto do meu corpo, encostando nossos troncos. – Um banho beeeem demorado, que tal?
— Água quente?
— Uhum. – Assentiu balançando a cabeça e usou a voz que me enlouquece. Seu tom era grave rouco, um pouco manhoso também. – Vou começar, tirar a maioria dessa tinta e você aparece lá, ok? – Tentou sair, mas eu segurei-a pela nuca. Beijei os lábios macios de Dahyun brevemente, fazendo-a sentir meu calor já de agora. Suspirei enquanto o beijo acontecia, amoleci nos braços dela como de costume, mas interrompi tudo bruscamente, deixando-a sair.
— Vou colocar uma música, ligar o led... – Disse afastando-me da Kim. – Você quer?
— Quero muito.
*
"Nós vamos ficar loucos toda sexta à noite
Desça até o chão sobre o pálido luar
Grand Ole Opry, sentindo-se bem
Maria balançando suavemente para deleite do seu coração"
Chapter 28: Body Electric³.
Chapter Text
Body Electric³ – Lana Del Rey
"Eu canto o corpo elétrico, baby
Eu canto o corpo elétrico
Cante o corpo elétrico
Eu estou em chamas, baby, eu estou em chamas"
*
Pov Sana
Meu coração já é acelerado, minha respiração já quer vacilar, eu já me sinto sensível por completo e só estamos no primeiro beijo. É curioso o efeito que essa garota tem sobre mim, sobre mim por inteira, por completo. Corpo, alma, mente. Meus desejos se combinam com os dela, minha sede é cessada no momento exato e minhas vontades são sempre atendidas no tempo ideal.
Sinto os lábios da Kim sobre minha clavícula molhada da água do chuveiro e não contenho o grunhido baixo pela combinação perfeita: beijo, maciez e um leve apertão em minha cintura. Ela gosta do que ouve e sorri de leve, o sorriso mais sacana do mundo, ao chegar no seio. Encara a área, sorri mais uma vez de forma orgulhosa e me olha por fim, como quem pedia permissão, mas não precisava ouvir um "sim".
Eu apenas assenti com a cabeça enquanto mordia meus próprios lábios pelo nervosismo misturado com excitação dominar meu interior. Ela, sem demora alguma, tocou a região do jeito de sempre. Evitava o mamilo a princípio apenas para me torturar em ansiedade. Após alguns segundos de espera, senti Dahyun deferir beijos molhados, lentos e quentes sobre o bico, brincando com o mesmo, usando a língua e os dedos úmidos no outro seio.
Agarrei sua nuca, puxando seus cabelos com força devido ao tesão forte que senti naquele momento, e tal ação parece ter deixado Dahyun mais inspirada ainda. Sem aviso, senti seus dedos em minha intimidade, eles eram perversos, mas precisos. Ela mexia-os em mim em círculos, agarrando de leve certas regiões e soltando depois de uma suave pressão.
— Porra! – Falei num arfar de prazer e loucura, era uma sensação nova, mais intensa, mais íntima. Estava cada vez melhor e eu não conseguia me acostumar com tal estímulo. – Caralho, Dahyun...
— 'Tá gostando assim, 'tá? – Perguntou ofegante e me olhando de baixo para cima, aquela cena era enlouquecedora. Dahyun estava nua, com os cabelos molhados e bagunçados, tinha a boca vermelha, a pele suada e uma determinação em me fazer sentir o melhor dos prazeres que não consegui conter mais um gemido.
— Muito. – Respondi com dificuldade. – Me sente todinha, vai... – Abri um pouco mais as pernas, pedindo não-verbalmente para que minha namorada me tocasse mais profundamente e ela entendeu muito bem o pedido.
— Você quer assim, é? – Penetrou dois dedos em minha intimidade sem aviso algum, mas também não era preciso. Minha posição, situação e umidade indicavam que eu queria aquilo mesmo. – Está assim pra mim, Sana? – Provocou ao sentir a lubrificação intensa. – Porra, amor...
— Estou. – Respondi com mais dificuldade que nunca, mas não com menos desejo. Rebolei nos dedos de Dahyun sem timidez, fiz movimentos explícitos, provocantes e indelicados. – Sente tudinho, sente.
E ela sentiu.
As estocadas continuaram fortemente, do jeito que eu gosto, mas não era só isso que a Kim fazia comigo. Enquanto me penetrava, sua boca mais uma vez me beijava, lambia, provocava. Seus beijos iam desde a boca, clavícula, pescoço até os seios novamente.
Até que eu não consegui mais suportar. Nem eu, nem meu corpo. Era demais, era forte, muito bom. E cheguei no meu limite. Atingi o clímax com Dahyun dentro de mim, sentindo as pulsações, o líquido quente se esvair, sentindo a mim.
— Deixa eu te fazer sentir isso também. – Falei quando o beijo entre nós duas cessou. – Deixa eu sentir você pulsar em mim...
— Sana... – Soltou num suspiro surpreso e excitado. – Você quer? – Encostou o corpo no meu, prendendo-me contra a parede.
— Uhum. – Balancei a cabeça ao mesmo tempo que concordava usando a voz que sei deixar a Kim mole. Falei de um jeito manhoso, bem pertinho de sua boca, mas sem permitir que ela me beijasse de novo. – Deixa?
— Deixo. – Umedeceu os lábios e concordou, encarando meus olhos sem desviar.
Rapidamente mudei nossas posições e agora era Dahyun quem estava presa contra a parede. Comecei com ela do mesmo jeito que ela começou comigo minutos atrás. Beijei sua boca suavemente, depois seu pescoço, clavícula e ombros, subindo novamente até a nuca e mordendo de leve o lóbulo de sua orelha.
Ouvi um gemido tímido de Dahyun e era isso que eu precisava para continuar do jeito que eu queria. Agarrei os cabelos da Kim com força e desci a mão vaga pelo tronco. Mapeei a coreana com a ponta dos dedos. Desci devagar e cuidadosamente, fazendo um pouco de cócegas.
Primeiro meus dedos passaram pelo pescoço nu da menor, depois segui pelos seios, mas sem frear, continuei na barriga e lá fiz uma parada. Encarei os olhos da minha namorada, encarei sua barriga, meus atos, e alternei os olhares. Ela estava entregue a mim. Era extremamente excitante tudo aquilo.
Arranhei sua pele pálida só porque eu quis e porque sei que isso a faria amolecer ainda mais. Dito e feito. A Kim gemeu quando minhas unhas a tocaram sem delicadeza e eu não me deixei levar por isso, continuei a passear pelo corpo da garota com os dedos, finalmente chegando em suas coxas.
Deslizei as unhas com força mais uma vez, depois usei a parte fofa dos meus dedos para encostar na parte interna de suas coxas, já sentindo o calor que o meio das pernas dela apresentava. Subi um pouco mais, encostando de leve em seu sexo, apenas para brincar com Dahyun, logo saindo dali.
Subi a mão e fui até suas costas, arranhando, apertando e amaciando a região como eu bem quis. Os gemidos da garota se misturaram com os meus, nossas respirações eram pesadas e descompassadas, era uma delícia tudo aquilo. A encarei novamente e gemi olhando em seus olhos, inspirando-a a fazer o mesmo. E nós nos combinamos mais uma vez. Estávamos demonstrando total prazer enquanto fazíamos contato visual, aquilo era loucura, era a coisa mais incrível do mundo.
Apertei as nádegas da Kim sem dó e ela esticou a cabeça para trás pelo estímulo intenso, dando-me a visão privilegiada de seu pescoço marcado e muito convidativo. Cedi ao pedido implícito e chupei a região com força, deixando marcas e fazendo ecoar naquele banheiro mais sons de prazer.
— Me toca logo, Sana. – Ela pediu em forma de ordem e eu fui obrigada a obedecer. – Isso... – Falou com um tom rouco e baixinho assim que sentiu minha mão tocá-la na região mais sensível de seu corpo. – Porra, continua.
— Abre pra mim, meu bem. – Pedi com um timbre inocente, mas com um comportamento que era o completo oposto. – Posso? – Perguntei quando coloquei dois dedos na entrada de sua intimidade sem penetrar ainda.
— Uhum... Vai...
Assim o fiz. Repeti o que Dahyun fez comigo e ela também repetiu o que eu fiz com ela. Alguns movimentos repetidos de vai-vem se foram e logo senti o líquido morno lambuzar meus dedos, aquilo indicava que o ápice estava próximo.
Ela apertou os próprios seios e, ao ver tal cena, beijei sua boca denunciando minha satisfação. Dahyun finalmente amoleceu em mim e deixou-se pulsar nos meus dedos. Os espasmos eram visíveis e belos. Retirei a mão de lá e segurei seu rosto, encarando-a sem desviar o olhar. Ela fez o mesmo.
— Sana... – Começou com muita dificuldade. – Caralho, isso foi muito bom. – Riu timidamente, mas ainda em êxtase. – Eu... Eu...
— Eu adorei tudo, eu amei cada momento. – Falei também ofegante. – Você é perfeita, meu dengo.
— Eu te amo. – Depois de um tempo em silêncio, encarou-me e proferiu sem freios. – Eu te amo de verdade, Sana.
— Meu bem... – Sorri com os olhos e com os lábios, formando um bico de emoção. – Eu também te amo. Acho que amo há mais tempo do que posso perceber.
— Eu te amo, japa. – Repetiu com um sorriso largo nos lábios, mas com os olhos marejados. Sua expressão era uma mistura de felicidade e tristeza, porém eu não conseguia entender o motivo da segunda emoção. – Muito...
— Eu também te amo, loirinha. – Respondi tentando fazer a tristeza sumir de sua face, mas não consegui. – Ei... – Segurei seu rosto com cuidado pelas duas bochechas, tendo-a no meio das minhas mãos. – Não ouviu? Eu te amo, é verdade. – Sorri mais largamente, vendo-a retribuir o primeiro sorriso bobo.
— Você é linda demais. – Falou do nada, desviando o olhar, saindo do meu toque e ligando o chuveiro de novo. – Acho que agora precisamos de um banho gelado.
— Outro banho? – Brinquei vendo-a ficar com vergonha.
— Dessa vez, realmente um banho. – Foi para debaixo da água que caía aos montes e após uns segundos de olhos fechados, ela os abriu. Colocando os cabelos para trás, me olhando com delicadeza e com algum outro sentimento que não pude decifrar, Dahyun começou. – Vem aqui. – Puxou-me pelas mãos e assim que eu encostei em seu corpo, ela me abraçou fortemente.
— Queria morar aqui... – Falei depois de poucos segundos em silêncio. – Teu abraço é meu lugar favorito, Dahyun.
— Você é meu lugar favorito. – Ela disse sem demora, apertando-me mais ainda, encaixando a cabeça em meu ombro e eu fiz o mesmo.
Ficamos assim por mais um tempo, sentindo a água gelada nos lavar e levar tudo de ruim que existia em nossos corações e mentes. Naquele momento o mundo só comportava eu e ela. Só nós duas existíamos e importávamos. A vida era boa, sem defeitos.
*
Pov Narrador
— Eu juro que vou matar a Dahyun! – Jihyo disse após posicionar a última peça no chão. – Por que ela tinha que se meter e dar uma de heroína, porra?
— Ei, relaxa. – Tzuyu disse. – A Kim sabe se virar mais que nós duas juntas, ela vai pensar em algo para reverter ou amenizar. – Chegou perto da namorada, colocando o cabelo da mesma atrás da orelha. – Você acabou se sujando um pouco aqui na bochecha... – Puxou a manga de sua blusa e limpou a região. – Ainda bem que estava fresca.
— A Dubu é louca demais, cara... – Suspirou preocupada. – Além de usar uma tinta permanente, ainda adulterou algumas coisas, essa garota é maluca! – Deixou um arzinho em forma de risada e um sorriso orgulhoso escaparem. – Acha que funcionou? – Encarou a maior com o olhar mais doce do mundo.
— Tenho certeza que sim. – Sorriu de volta e abraçou o corpo da menor com delicadeza. – Agora vem aqui... – Beijou o topo da cabeça da Park e apertou seu corpo de um jeito confortante. – Senti saudade de momentos assim...
— Eu também, meu Deus... – Devolveu o gesto. – Trancou a porta? – Perguntou folgando o abraço e encarando Tzuyu desconfiada.
— Não, por quê?
— Já que precisamos ficar aqui vigiando um monte de velharia cara... – Olhou para os troféus e outros objetos danificados pela tinta. – Por que não aproveitamos um pouquinho, hm? – Esticou o corpo e deu um breve selinho na namorada, que já era o suficiente para fazer a Chou acatar.
— Vou fechar, espera um minuto. – Soltou a namorada com pressa e foi rapidamente até a porta da enorme sala. – Jihyo... – Mudou o tom de voz, ficando tensa de repente.
— O qu- – A Park notou o jeito estranho da amada e virou-se para ela afim de entender o motivo e quando encontrou, seu estado mudou também. – O que vocês querem aqui?
— É simples, queremos limpar esses troços que o Wang gosta. – Miyeon disse. – É melhor vocês deixarem. Não precisamos sair no tapa, basta saírem e deixar a gente limpar.
— Nem fodendo. – Tzuyu respondeu já irritada. – Tivemos um trabalho do caralho com isso, vocês não vão ferrar com tudo agora.
— Vocês são duas, nós estamos em vantagem. – Yuta falou.
— Vocês também são dois. – A taiwanesa rebateu sem demora. – O que? Vai usar o argumento que você é homem e tal? Meu mano, um chute num lugarzinho e tu já era... – Desdenhou impacientemente.
— Vocês vão querer brigar mesmo? – A Cho perguntou calmamente. – Olha, a gente só quer evitar uma puta confusão pro nosso lado. Vocês já conseguiram o que queriam, certo? Agora deixa a gente tentar aliviar...
— Não. – Jihyo respondeu, aproximando-se dos garotos. – Vocês merecem a punição também, isso não era para atingir somente a Yuna, sabem disso já, não é?
— Eu imaginava. Percebi quando a Dahyun se sujou junto, quando não encontrei a Sana e quando a limpeza dos objetos não aconteceu... – Miyeon respondeu timidamente. – Aí eu vi vocês duas pegarem e entendi tudo. Vocês sacaram meu lance com o Nakamoto, né?
— Não só isso, mas a Dahyun nos contou da sua chantagem rapidinho. – Tzuyu respondeu irritada. – Você ia ferrar a Sana no fim das contas, né?
— Eu precisava fazer a Yuna acreditar em mim, poxa! – Respondeu agoniada. – Ela não fazia mal só a vocês, fazia a mim também. Nunca quis ser essa pessoa escrota, mas tive que me transformar nisso para sobreviver a esse inferno de colégio. – Desabafou sem vergonha alguma. – A Shin sabe coisas sobre mim, sobre minha família, história... Enfim, são coisas que me fazem mal e envergonham.
— E ela usou isso contra você esse tempo todo? – Jihyo perguntou.
— Sim, então eu tive que planejar um jeito de fazer ela parar e essa foi a única saída. – Respondeu honestamente. – Mas a Dahyun é mais esperta do que eu imaginava, eu não previ esse final, então eu posso me ferrar mais que no começo disso tudo.
— Não vamos deixar vocês limparem os objetos, nem adianta continuar com esse discurso penoso. A resposta ainda é não. – A Chou disse sem dó, cortando a fala da coreana e arrancando dos namorados um suspiro decepcionado. – O que mais me irrita é esse idiota aí atrás de você.
— Eu? – O japonês perguntou assustado. – Qual foi, Tzuyu? Nunca te fiz nada, eu hein!
— Nem a Sana te fez, seu tapado do caralho. – Respondeu irritada e com um tom de voz elevado. – Por que fez isso tudo? Achei que ela era sua melhor amiga, porra.
— E ela era, mas deixou de ser quando mexeu com a garota que eu gosto! – Falou sem pestanejar e a Cho abaixou a cabeça em lamentação, pois já sabia o que estava por vir.
— E o que ela fez? – Jihyo perguntou, querendo atiçar uma DR entre o casal.
— Ameaçou a Miyeon e coisa e tal... – Respondeu timidamente e a namorada fez uma expressão de "ferrou de vez agora".
— E quem te disse isso foi a própria Sana, imagino. – Tzuyu atuou e ele negou. – Só assim para você acreditar tão fielmente e se virar contra sua melhor amiga, né?
— Eu vi uma conversa que ela teve com a Miyeon, minha namorada me mostrou, confidenciou isso a mim!
— Porra, japonês, você é mais burro do que eu imaginava! – A Chou falou. – Não quero assistir você caindo na real, então saiam logo daqui. Vocês não vão limpar porcaria de nada. – Abriu ainda mais a porta e deu passagem, mas ninguém se mexeu. – Bora, galera... Saiam logo.
— Não precisava ter tocado nesse assunto, Chou. – Miyeon disse num tom baixo e irritado. – E sim, nós vamos limpar essas drogas de objetos valiosos sim!
— Só se passar por cima da gente. – Jihyo disse impedindo que a coreana desse mais um passo. – E não vão conseguir, acho que seu namorado está começando a raciocinar quem é a piranha que ele namora...
— Sua vaca, cala a boca! – Miyeon berrou e deferiu um tapa sem receio algum no rosto da Park. – Vai se foder!
— Você 'tá fodida na minha mão, Miyeon! – Tzuyu disse indo rapidamente em direção a Cho, com a mão fechada em punho, pronta para dar um soco na coreana, mas foi impedida.
— Não! – Yuta gritou, agarrou a taiwanesa pela cintura, levantando-a do chão e se aproveitando da altura que tinha, teve êxito na locomoção da garota para fora da sala. – Miyeon, empurra a Jihyo, vai logo! – Berrou de novo e a Cho acatou sem demora, conseguindo junto do namorado expulsar ambas dali.
— Tranca logo! – Miyeon disse após fecharem a porta. – Elas não vão sossegar, a gente tem que ser rápido. – Ela estava certa, as namoradas do outro lado empurravam a porta, batiam, chutavam, gritavam e tentavam evitar que os dois ficassem lá dentro a todo custo. – Yuta, vamos limpar isso logo!
— Eu só vou te ajudar porque eu posso me ferrar junto. – Respondeu tornando a realidade e começando a limpar os objetos. – Nós vamos conversar ainda, sabe disso, né?
— Eu sei, benzinho, mas agora concentre-se em limpar essa bagunça. Pode me odiar, mas não seja expulso também.
— Cala a boca, Miyeon! – Ordenou irritado. – Só limpa essa porra em silêncio, não quero ouvir tua voz agora.
Do lado de fora, Jihyo e Tzuyu desistiam de bater na porta e tentar arrombar a mesma. Correram para o salão novamente, a procura de mais pessoas de seus respectivos grupos.
— Cadê o Seungsik? Ele tem força para quebrar o Yuta no soco. – Jihyo perguntou olhando para todos os lados.
— Sei lá, ele saiu para um canto com um carinha. – Seulgi respondeu sorridente. – O que houve?
— Esse viado não tinha uma hora melhor para viadar? – Tzuyu questionou agoniada. – Ok, Kang, você vem com a gente. – Segurou o pulso da menor, mas ela continuava a sorrir. – O que 'cê tem, mana?
— Ela está em outro planeta, Tzuyu. – Jihyo respondeu entendendo o estado da amiga. – Está tudo, menos sóbria ou sã. Não vamos poder contar com ela.
— Porra... – Soltou o pulso de Seulgi. – E agora?
— O que está acontecendo? Por que vocês estão tão nervosas? – Arregalou os olhos de forma atrapalhada, tentava focar, mas era impossível. – Estavam se pegando, alguém viu e descobriu o romance secreto de vocês?
— Não é hora para isso, cara. – Jihyo disse. – Cadê o resto da galera? A Dahyun já foi?
— Saiu com a Sana, a Chaeyoung me disse agora há pouco.
— E cadê a Son?
— Saiu com a Somi, foram se pegar por aí. – Deu de ombros ainda sorridente. – Vão me dizer o que está rolando ou não?
— A Nayeon, Jennie, Jeongyeon...? – Tzuyu questionou. – Onde elas estão?
— Rapaz, a Jennie está ali. – Apontou para uma cadeira perto de si, na mesa em que o grupo todo um dia esteve. A Kim estava dormindo sentada. – Ela apagou depois de umas doses de vodka. – Riu sozinha.
— E as outras duas?
— Sumiram, não as vi.
— Porra... – Chou falou agoniada. – Não vou nem perguntar onde estão Momo e Mina, já sei que estão se comendo em algum lugar afastado.
— Acertou! – Seulgi sorriu largo e bateu palminhas em torno de si.
— Será que todo mundo só pensa em pegação? Puta que pariu!
— Quem não pensa em pegação, pensa em álcool. – Seulgi apontou para ela e a Kim caída ao seu lado. – Não nos vê? – Riu de novo.
— Ok, fodeu. – Tzuyu disse virando-se para a Park. – Não podemos usar a Seulgi para isso, ela não está na Terra e nem podemos mais sair daqui, já que tem uma adolescente irresponsável apagada ao nosso lado! – Berrou desesperada.
*
Pov Dahyun
— Voltei. – Falei ao adentrar o quarto de Sana novamente. Eu segurava alguns papéis velhos que fui buscar em meu carro.
— O que você tem aí? – Perguntou desconfiada ao notar o que eu segurava. – Tem algo a ver com aquilo sério que você quer me contar? – Assenti. – Então fala logo. – Ficou séria, sentou-se na cama e desligou a televisão. – Fala, Dahyun.
— Eu achei isso aqui na sua casa. – Puxei a cadeira e sentei de frente para ela, mas distante. – No quarto do seu pai, mais precisamente.
— Agora? Achei que você tinha ido na garagem...
— E fui. Eu achei isso naquele dia que seu pai ficou no hospital... – Cocei a nuca e desviei o olhar. Minha perna já se mexia com rapidez e minhas mãos suavam de tanto nervoso. – Desculpa...
— O que tem aí? Desculpa pelo quê? – Franziu o cenho e me encarou com intriga. – Diz, Dahyun. O que você achou?
— Isso é uma carta que seu pai escreveu, ela é um pouco antiga, está até um pouco manchada, 'tá vendo? – Aproximei-me dela, puxando a cadeira de rodinhas para perto da cama sem me levantar da mesma. – Ela é do dia que sua mãe... Sua mãe sofreu o acidente.
— O que tem aí dentro?
— Desculpa não ter falado antes, tinha o plano, meus conflitos com meus pais, tinha nosso namoro...
— Como assim "tinha" nosso namoro? Não tem mais?
— Tenho medo de que você não queira que tenha... – Falei cabisbaixa, mas sem atrasar nas palavras.
— Para com isso. Fala logo.
— Aqui tem o que rolou naquele dia, o acidente, o lance dos freios... Seu pai escreveu algumas coisas que ninguém mais sabe. Ou pelo menos quase ninguém.
— Como assim?
— Você quer ler? – Perguntei esticando o papel, mas ela negou com a cabeça. – Aqui diz quem sabotou os freios, Sana...
— Como é?! – Mexeu-se bruscamente e me encarou com os olhos arregalados, cenho franzido e uma certa tristeza estampada. – Quem foi?
— Tem certeza que não quer ver por si própria? – Negou mais uma vez. – Eu vi isso naquele dia e não sabia como te dizer, contei para a Mina que me aconselhou a falar logo, mas eu disse que te contaria depois da festa de hoje.
— Ela sabe quem fez isso?
— Sim, mas só ela. Eu tive que compartilhar com alguém bem próximo a você, alguém que já sabia mais profundamente sobre isso, então fui atrás dela, Sana. Nós lemos o processo e coisa e tal, imaginei que não tivesse problema. Desculpa.
— Não tem problema contar a ela, mas por que não me disse logo?
— Eu tive medo, fiquei estática. Tive... Tive receio por você saber de uma coisa assim, meu amor, me desculpa por isso.
— Para de pedir desculpa, Dahyun. E para de enrolar, fala logo o que tem aí nesses papéis. – Pediu irritada, com os olhos marejados. – Eu não estou brava com você, mas se demorar mais a me falar eu juro por deus que vou ficar.
— Ok... – Abri o papel e li a primeira linha rapidamente, mas parei bruscamente no início da segunda. – Depois você lê com as palavras dele, vou ser breve. – Respirei fundo, já sentindo meu coração querer sair pela boca, a tremedeira do meu corpo começar e a respiração ficar difícil. Eu não sei lidar com momentos de tensão, muito menos a minha asma. – Foi... Foi...
— FALA! – Berrou. – Você está entrando em crise de asma? Dahyun! – Gritou ao perceber meu estado. – Aqui! – Pegou uma bombinha em sua gaveta e me entregou rapidamente.
— Obrigada. – Agradeci quando o oxigênio voltou a mim. – Você já tinha uma dessas aí?
— Eu comprei depois que a gente começou a namorar... – Respirou fundo, chegou perto de mim, pegou os papéis que eu segurava e me encarou. – Não precisa me dar essa notícia, isso não te pertence, não posso te maltratar com isso.
— Mas... Mas não é melhor para você se eu ler?
— Talvez, mas não é melhor para você. – Respondeu cuidadosamente. – Eu vou ler em voz alta. – Sentou-se na cama e bateu no colchão, chamando-me. – Senta aqui perto de mim. – Acatei e sentei-me.
— Você não precisa fazer isso sozinha e nem agora se não quiser. – Falei com receio, mas ela apenas me olhou com um sorriso fraco e triste nos lábios, voltando a visão para frente. – Segura minha mão, então. – Estiquei a mão e ela segurou com força. – Desculpa, eu estou nervosa, por isso suei...
— Tudo bem. – Um arzinho escapou de seu nariz. – Vou ler.
*
Pov Narrador
**/**/2010
Hoje é o dia mais triste da minha vida. Eu não consigo nem escrever direito, mas estou me esforçando a fazê-lo, pois sei que você gosta da escrita, Kana. Eu sei que preferia se comunicar comigo, pelo menos nos dias mais recentes de nosso casamento, por cartas, sem palavras, sem toques. E eu sei que isso é culpa minha, não sua. Você não queria mais contato verbal comigo por tudo que eu fiz, pelo que me tornei e não porque ama as palavras, as cartas. Eu sei como você é, sei como seus pensamentos são. Ou eram.
Eu sabia com quem era casado, sabia quem era a Sooyoung e mesmo assim cedi. Fui fraco, deixei-me levar, nem pensei. Eu não honrei a mulher que você era, a mãe que você era, a esposa que você foi... Eu peço perdão, mas sei que não é suficiente, não muda nada, não remenda, não conserta e nem te traz de volta. Eu peço perdão porque é a única coisa que eu consigo dizer agora. É a única coisa que me cabe, afinal a culpa disso tudo é minha. Eu causei o estresse, o fim do nosso amor, eu trouxe o demônio da Choi para nossas vidas dessa forma, me perdoe.
Fui um péssimo marido, um péssimo parceiro, amigo, homem, mas prometo não ser um péssimo pai. Vou dar a Sana, nossa filhinha, a melhor vida possível. Irei investir na educação dela, colocá-la em aulas de dança, ela será líder de torcida como você foi um dia, como você queria vê-la na adolescência. Vou fazer da nossa pequena uma grande mulher, assim como a mãe dela. Eu não espero que me perdoe, nem acho que eu mereça, mas pelo menos acredite nisso: eu amei você, eu ainda amo. Amo nossa filha, nossa família. Isso nunca mudou e nem vai mudar. Eu juro.
Quando nos falamos mais cedo, você me disse que estava voltando para casa, que viria de avião e do aeroporto pegaria um taxi ou chamaria o motorista, eu acreditei nisso, Kana. Eu achei que um acidente não iria acontecer, muito menos com você... Eu sinto muito, meu amor, eu sinto, de verdade. Como dói saber o culpado disso tudo...
Sooyoung usava mais seu carro que você, que qualquer um, então eu não me atentei onde ela deixava-o. Soube da sua volta, briguei com a Sooyoung momentos antes e me irritei. Eu quis encerrar o que tinha com a Choi tantas vezes... Mas fui fraco, como sempre, cedi, não me impus. Ela me ameaçou, Kana, ameaçou você, nossa filha. Fez isso várias vezes, mas eu só consegui ter alguma atitude hoje. Por que justo hoje? Por que, meu Deus? Eu deveria ter feito algo antes, no princípio, eu sei, mas não consegui. Me perdoa.
Eu mandei um dos nossos serviçais cortar os freios do carro que a Sooyoung mais usava. Era a única solução para ela desaparecer das nossas vidas, de toda a perturbação e perseguição sumir, eu juro que pensei dessa forma. Se eu soubesse... Se eu soubesse que ela ia te ligar ou que ia deixar o mesmo carro sabotado a sua disposição eu juro que... Juro que jamais tinha acabado com os freios.
Foi eu, Kana. Eu que mandei sabotar os freios do seu carro. Eu queria a Sooyoung morta, queria ela nesse acidente, não você. Jamais imaginei que esse mesmo carro estaria a sua espera, acredite em mim, por favor. Eu preferia morrer do que te assistir partir, meu amor. Nossa filha não merece ficar sem a mãe... Ficar sem mim seria um favor. Como eu queria poder voltar atrás! Juro que faria tudo diferente, seria uma pessoa melhor, morreria no seu lugar, Kana. Eu juro.
E agora você partiu, deixou a nós, levou minha alma junto, minha consciência. Eu me sinto tão culpado, me sinto morto. Eu morri hoje, mas não posso ir embora também. A Sana não pode e nem vai ficar sozinha, eu te prometi isso ali e vou cumprir. Mesmo que eu seja obrigado a aguentar a Sooyoung, os questionamentos da mídia, etc. Eu vou aguentar por você e pela nossa filha. Mais uma vez, peço perdão. Do fundo do meu coração, Kana. Eu amo você. Faça uma boa viagem, encontre a luz. A Sana também te ama."
*
Pov Sana
Terminei de ler e não senti mais nada. Estava dormente, surda, muda. Estava sozinha mesmo com Dahyun ao meu lado. Estava estática, sem voz, sem ação. Com muitos sentimentos e pouca reação. Eu chorei sem perceber, sem sentir e conter. As lágrimas escaparam dos meus olhos sem aviso, sem que eu pudesse diminuir a intensidade delas.
Meu rosto já era vermelho, molhado, inchado e triste. Eu estava decepcionada, chocada, chateada, culpada. Não havia um único sentimento bom dentro de mim. Eu só queria sumir.
— Sana? – Ouvi em um eco a voz de Dahyun chamar por mim, mas eu não respondi. – Sana! – Senti meu corpo ser balançado com certa brutalidade. – Sana, fala comigo! – Gritou, mas continuei muda. – Meu bem, a gente vai dar um jeito nisso. – Secou minhas lágrimas, mas era em vão, elas voltaram a aparecer. – Sana... – Abraçou meu corpo com força, tirando-me do modo silencioso.
— Dahyun. – Falei baixo e seriamente, ela soltou-me e me encarou curiosa. – Vai embora. – Pedi sem receio e nem delicadeza. – Por favor, eu quero ficar sozinha.
— Não vou deixar você assim. – Disse firme, mas eu apenas soltei-me dela, abri a porta do meu quarto e dei passagem.
— Vai, sim. Eu te dei espaço quando você quis, agora você vai fazer o mesmo. Eu nunca senti isso na minha vida, não quero que você veja, não quero descontar em você minhas frustrações... – Apontei para a saída. – Sai. Dahyun, sai!
— Sana... Eu posso ficar quieta, prometo não te julgar.
— Não quero gritar com você, por favor faça o que eu estou pedindo. – Peguei a chave do carro da garota que estava na mesinha de cabeceira e joguei para ela. – Eu ligo se precisar, não estou com raiva de você.
— Tem certeza? – Levantou-se e ficou na minha frente, segurando meu rosto. Eu não olhava para ela, estava de cara fechada, não conseguia pensar direito, só assenti com a cabeça. – Ok... Se precisar, liga. Promete?
— Prometo.
— Eu te amo, não esquece. – Secou mais algumas lágrimas, beijou o topo da minha cabeça e atravessou a porta. – Se cuida, hm?
— Eu também amo você. – Comecei a fechar a porta. – Tchau, Dahyun.
— Tchau, Sana. – Bati a porta antes que ela finalizasse a frase. – Desculpa... – Ouvi ela dizer baixinho antes de partir, mas não respondi.
*
"Minhas roupas ainda cheiram como você
E todas as fotografias dizem que você continua jovem"
Chapter 29: Going Under.
Chapter Text
Going Under – Evanescence
"Desfocando e mexendo com a verdade e as mentiras
Então eu não sei o que é real e o que não é
Sempre confundindo os pensamentos em minha cabeça
Então eu não posso mais confiar em mim mesma
Eu estou morrendo de novo"
*
Pov Sana
Já era madrugada, não preguei os olhos. Não dormi e nem senti vontade. O choro não era mais presente, eu já havia chorado tudo que podia, não conseguia mais. Meu rosto ainda era vermelho, inchado, quente e triste.
Minha ansiedade era por coisas que nem consigo entender, meu coração acelerado não descansou um único segundo e minha mente conseguia ser mais confusa, barulhenta e perturbada que nunca. Era torturante ser eu agora, era torturante existir nessa situação. Eu queria sumir, deixar de sentir, queria respostas, voltar no tempo, queria coisas que jamais vou conseguir. Pelo menos não facilmente.
Olho o relógio novamente e me admiro com o horário estampado na tela do mesmo. Horas se passaram desde a última vez que conferi, mas nem percebi que tanto tempo tinha corrido diante dos meus olhos. Já estava amanhecendo.
O Sol nascia como sempre. Era brilhante, quente, feliz. Indicava um novo recomeço, o início de um loop infinito, um vai-vem que me acompanhou a vida toda, mas que agora tem uma explicação. Eu não a conheço ainda, mas sinto que vou conseguir, de uma vez por todas, encerrar um ciclo da minha vida. O mais difícil deles, o mais denso, o mais ambíguo.
Levanto-me, olho-me no espelho do banheiro e demoro até seguir. Minha face é derrotada, chateada, curiosa. Eu estou visivelmente mal. Minha noite foi em claro, chorando em boa parte dela, em outras só pensando e me martirizando, o que talvez seja pior que apenas chorar sem parar.
Eu queria que minhas mazelas sumissem junto das lágrimas que derramei. Queria que escorressem no meu rosto, queimando, ardendo, mas lavando e tirando de mim esses sentimentos ruins de uma vez por todas.
Mas isso era impossível.
Saio do meu quarto assim que noto o horário. Meu pai já está de pé, pronto para começar o dia de trabalho. Esse é o loop infinito dele. Que parece viver tranquilamente, mesmo depois de tanto... Queria que meu loop fosse assim, tão simples, tão tedioso. Parece mais fácil viver desse jeito, sem um aperto constante no peito, uma dúvida que ensurdece, uma ansiedade que paralisa. Meu loop infinito é a dúvida sobre a partida da minha mãe, mas ele parece achar um fim agora.
— Bom dia, filha! – Ele disse ao notar minha presença, mas sem me olhar diretamente. Seus olhos estavam focados no celular em sua frente. Todavia, seu sorriso era largo para mim e pela minha presença tão cedo num dia de sábado. – O que faz acordada a essa hora? – Perguntou enquanto transitava, vagarosamente, entre o celular e eu, que ainda estava parada na outra ponta da mesa, de pé e séria.
— Eu nem dormi. – Respondi baixo, mas o suficiente para que ele me ouvisse. Assim que fechei a boca, o homem se desprendeu do aparelho, olhou-me e espantou-se comigo.
— O que aconteceu?! Por que não dormiu? – Encarou-me preocupado, com cenho franzido e olhos arregalados. – Filha, está tudo bem?
— Não. – Apertei a mão que segurava papéis conhecidos por ele. Aproximei-me de si, em silêncio, séria e nervosa. – Eu já sei de tudo. – Falei quando fiquei rente a ele.
— Tudo o quê? – Continuava confuso e preocupado, encarando minha mão com os papéis em seguida. – O que tem aí?
— Você sabe o que é tudo isso. – Apertei um pouco, criando coragem e tentando achar as palavras certas, mas não conseguia por nada. – Por que fez isso? Por que escondeu isso de mim? – Ele continuava confuso, tentava falar, mas eu o cortava toda vez. – Você matou a minha mãe! – Berrei num arfar pesado, tirando um peso de mim e depositando nele, juntamente dos papéis que antes segurava. Joguei todos nele, sem delicadeza e hesitação.
— Sana! – Berrou de volta, nervoso e preocupado demais comigo, com a situação e com a altura da minha voz. – O-o que? – Analisou as cartas rapidamente. – Não... – Suspirou tenso, lamentando. – Não era para você ler isso, Sana...
— Ia continuar a me esconder que causou a morte da minha mãe?! – Berrei novamente, dando um tapa na mesa pela fúria que senti. Com o impacto, a xícara de café quente que ali pairava, derramou, molhando o colo do meu pai e o fazendo levantar com pressa. – Eu odeio você! Sabe como dói dizer isso? Mas é a verdade! Não posso amar alguém que fez o que você fez!
— Filha, calma. – Secava a calça com agilidade ao mesmo tempo que tentava se aproximar de mim. – Vamos conversar, eu posso explicar tudinho, prometo que dessa vez não vou esconder nada.
— Sai de perto de mim! – Bati em seus braços que tentavam me envolver. – Por que você não morre também? Seria melhor para todo mundo! – Chorei novamente, achando mais lágrimas dentro de mim prontas para escapar, implorando por isso. Eu nem sabia que ainda podia chorar, que conseguia fazer isso. – Você me deixaria em paz, deixaria a Sooyoung com toda essa droga de dinheiro que ela sempre quis! Seria perfeito! – Bati mais uma vez em seus braços e me afastei.
Eu não achava palavras para iniciar essa conversa porque não existiam. Não tinha um roteiro bom para seguir e conduzir o diálogo de forma serena. Não existem palavras certas em situações assim, era impossível seguir um roteiro já que essa parte da minha vida foi improvisada, era o plot. Eu não sei como agir, nem faço mais questão disso. Só sinto, externalizo, lamento.
— Pode me odiar, você está no seu direito. – Ele começou depois de um suspiro alto. – Mas fale baixo, isso tem que ser discutido entre nós e apenas nós dois. Pai e filha. – Tentei rebater, mas ele me impediu. – A Sooyoung deve ter ouvido os gritos, já já aparece aqui e eu sei que você não quer isso.
— Depois que eu descobri do seu caso com ela enquanto ainda era casado com minha mãe eu estou pouco me fodendo para a Choi. Eu quero mais é que ela escute, perceba que não sou mais uma criança, não sou mais inocente, manipulável. Eu vejo as coisas, pai. Ela não pode achar que eu não vejo!
— Sana! – Repreendeu-me de novo pela altura da minha voz. – Eu sei disso, você está certa. Mas pense racionalmente só um pouco, por favor. Eu vou explicar tudo a você, eu juro. Mas aguente mais uns dias, hm?
— DIAS?! Você deve achar que sou idiota, né? Eu não espero nem mais um segundo, quero que tudo isso aqui se foda! – Apontei ao redor. – Eu vou embora dessa casa, estou falando muito sério! Quero distância de vocês dois, se explodam juntos. MORRAM!
— ESCUTA! – Berrou mais alto, chegando perto de mim e segurando meus braços, sem dar-me tempo de desviar. Agora eu estava contida por ele, não conseguia não estar. – Você pode me odiar, eu aceito, entendo, até te dou razão. Mas pense em si agora, não em mim, não na Sooyoung. Pense em você e na sua mãe, no que aconteceu, no que você sabe que aconteceu.
— Eu penso nisso toda hora.
— Não, não pensa. Você só sente. – Falou manso, sem tirar os olhos dos meus e com uma preocupação aparente. – E eu entendo essa reação, seu jeito. Eu entendo, mas não posso deixar acontecer.
— Você não tem que deixar nada!
— Me escuta. – Pediu seriamente. – Não posso deixar acontecer porque já errei demais. Deixar você continuar a gritar, sair de casa, etc. Seria errar mais uma vez e eu não vou, Sana, eu não vou errar de novo.
— O que você quer, afinal?
— Eu sei que você leu uma confissão minha aí nessas cartas e minhas palavras são sinceras, mas não dizem tudo. Você não sabe de tudo, filha. Não sabe nem da metade... – Arfou. – Acalme-se, permaneça nessa casa, fale baixo e aguente. Eu vou te contar tudo, sem esconder um único detalhe, prometo isso. Nem que seja a última coisa que eu faço em vida, você vai saber tudo que quiser, Sana. Mas aguente.
— Aguentar o quê? Me diga agora!
— Não posso. – Soltou-me e eu permaneci em sua frente. – Estou de saída, vou viajar a trabalho, volto apenas na madrugada de domingo. Não acho que devemos falar disso ao telefone ou por mensagem, então peço que me espere voltar. Por favor, Sana. – Desviou o olhar, encarando o chão. Fungou, levou a mão ao rosto e se afastou um pouco de mim. – É a única coisa que te peço, filha. Espere, por favor. Não faça nada com a Sooyoung, não saia de casa.
— Eu não vou ficar aqui até você voltar, não vou ficar sozinha com ela.
— Tudo bem, durma fora, mas não tire nada seu daqui. Não ainda, pelo menos.
— Você ainda defende essa mulher? Mesmo depois de tudo, pai?
— Não é por ela! – Disse rígido, levantando a vista e me encarando com uma angústia forte. Ele estava chorando. – É pela Kana, é por você. Eu vou te explicar tudo, prometo. Quando eu voltar, você saberá de tudo. Almoçaremos juntos na segunda, busco você na escola para isso. Contarei a você e depois você decide como agir, mas só quando eu contar, ok?
— Vou tentar.
— Não, Sana. Você precisa conseguir. – Segurou minhas mãos com força, mas eu não conseguia retribuir o gesto. – Filha, pode não acreditar, mas eu amo você mais que tudo nessa vida e tudo que eu fiz tem uma justificativa. Eu nunca quis te fazer mal, nem a sua mãe... Sinto muito que saiba de tudo assim tão bruscamente...
— Não quer falar sobre isso agora, ok. – Puxei minhas mãos de volta. – Não falaremos. Poupe suas desculpas, guarde-as para segunda-feira.
— Sana...
— Shitara, não. – Falei rígida. – A Sooyoung, como você mesmo disse, deve estar descendo e eu não quero mesmo que ela perceba o clima.
— O que quer dizer?
— Que vou seguir seu pedido. Vou continuar vivendo esses dias como sempre vivi, mesmo sem dormir aqui enquanto estiver fora. A Choi não saberá o que eu sei, nem saberá dessa nossa discussão. – Afastei-me, indicando que sairia dali logo. – Ouviu? – Perguntei quando escutei passos na escada. – É bom inventar uma desculpa para o escândalo que aconteceu aqui, ela já está vindo com muitas perguntas, aposto.
— Para onde vai?
— Sair. – Respondi catando as chaves do carro. – E faça boa viagem, não quero eu você morra até me contar o que eu preciso saber.
— Filha, eu... – Ia dizer algo, mas não deu tempo.
— Bom dia? – Sooyoung falou ao nos encontrar na sala. – O que está acontecendo?
— Tchau. – Falei ignorando-a e saindo da sala, depois da casa e da garagem com o carro.
*
Pov Narrador
Dois dias depois...
— Sete dias. – Wang fala aborrecido, visivelmente cansado e irritado. O diretor está no pavilhão maior, reunido com todos os alunos do ensino médio na plateia. – Eu passo sete dias fora e quando volto encontro meu colégio de pernas para o ar?
— Esse velhote vai dar o sermão mais chato do mundo, meu Deus... – Chaeyoung sussurrou para os amigos. – Se eu soubesse que ia causar essa perturbação no meu ouvido, tinha dado a ideia de queimar os aparelhos de som da escola também.
— E de brinde tacar fogo nesse pavilhão... – Momo disse com a mesma impaciência que a Son. – Seria lindo, ai...
— A gente vem mais aqui para receber bronca que para alguma apresentação, sei lá. – Seulgi pontuou.
— Vocês merecem ouvir as broncas! – Tzuyu falou. – Todas vocês que sumiram na hora crucial merecem isso.
— Sua amargurada, só por que não tinha uma boquinha para beijar?! – Jennie disse.
— E você tinha, bebum? – Jihyo perguntou rindo baixinho. – Eu vi foi você caída, dormindo de tão alcoolizada, nada de boquinhas para beijar.
— Ai... Gatilho! – A Kim disse tristemente. – Vamos parando a zoação, aquele dia foi loucura, nunca mais eu bebo!
— E eu sei voar. – Mina provocou. – Você sem álcool, Kim Jennie, aham...
— 'Tô curioso para saber o que ele vai de fato fazer com aquela galera... – Seungsik comentou, apontando para o palco, onde o diretor estava e mais ao fundo, sentados em cadeiras uma ao lado da outra, estavam Yuta, Yuna, Miyeon e Dahyun.
— Tadinha da Dubu. – Somi comentou sorridente. – Ela se sacrificou pela namorada, achei lindo!
— Tadinha mesmo, olha a cara daquela doida, está morrendo de tédio com certeza! – Jeongyeon disse apontando.
— Por falar na namorada da Kim, onde está a Sana? – Nayeon questionou. – Vocês a viram hoje?
— O pai dela veio buscá-la agora há pouco. – Tzuyu respondeu. – A coisa 'tá séria por lá... – Comentou tensa. – Mas agora vamos prestar atenção no diretor chatonildo. – Apontou e o resto acatou.
— O que vocês têm a dizer, hm? – Wang questionou, virando-se para os quatro alunos perto de si. – Nada, não é? Não há o que dizer, afinal! Nada limpa a barra de vocês, nada justifica. – Suspirou aborrecido novamente. – A grande sorte é que dois de vocês se arrependeram e consertaram, parcialmente, o dano.
— Ai... – Jihyo disse penosa. – Falhamos muito dessa vez, porra.
— Depois a gente conserta, tempo não vai faltar! – Nayeon completou. – Eles merecem, afinal.
— Miyeon e Yuta. – Wang disse seriamente, alternando o foco entre os namorados e o resto dos alunos na plateia. – Os dois que começaram isso, também terminaram. Eu sei que não fizeram mais que a obrigação, mas obrigado por terem limpado meus valiosos troféus, quadros, etc. Isso com certeza significou algo. – Fez sinal para que eles se levantassem. – Não estão livres de tudo, mas reduziram o castigo. Vocês dois serão suspensos por esses cinco dias úteis adiante.
— Certo, senhor. – Yuta falou, usando todo o charme puxa saco que sempre teve. – Desculpe-me mais uma vez.
— Obrigada, senhor. – Miyeon curvou-se e sorriu de leve, disfarçando sutilmente o enorme sorriso orgulhoso que queria escapar.
— O mesmo se aplica à Yuna. – O homem disse. – Shin Yuna, está suspensa pelos próximos cinco dias úteis.
— ISSO NÃO É JUSTO! – Levantou-se num pulo, irritada com tudo.
— Yuna, nós já falamos sobre isso. – O diretor falou entre os dentes, nervoso e agoniado. – Você errou, tem de ser punida também.
— Ok... – Sentou-se novamente, com os braços cruzados e cara emburrada.
— Óbvio que essa mimadinha ia questionar. – Seungsik comentou com desdém.
— Viram o nervosismo do Wang? – Jeongyeon perguntou sorridente. – A pressão dos pais foi forte mesmo, principalmente a ligação que o pai da Sana fez para ele.
— Ele é o cara aqui dentro, né? – Jennie disse. – A pressão funcionou um pouco, pelo menos a Shin vai ficar longe das nossas vistas por cinco dias.
— Isso é uma vitória e tanto já! – Chaeyoung concordou. – Mas óbvio que ele não ia expulsá-la... Deu a punição igual para os três para evitar falatório, uau! – Debochou.
— Como o esperado, né? – Nayeon disse. – Pelo menos a Yuna vai nos deixar em paz e aprendeu uma boa lição dessa vez.
— Assim espero, mana. – Jihyo falou. – Mas a Dubu continua ali, sentada, sem nem tocarem no nome dela... Isso é estranho.
— Ela vai ser expulsa. – Mina comentou sem rodeios. – A gente sabe que vai, ela já sabe. O Wang está deixando por último porque é um frouxo que quer provar algo para os alunos e pais de alunos...
— Loucura ele expulsar a Dahyun, justamente a filha dos advogados mais ricos e famosos da Coreia do Sul... Ele está jogando muito dinheiro fora, isso sim. – Tzuyu disse.
— Nem 'tá. – Momo rebateu. – Ele está expulsando só uma aluna rica, mantendo vários outros alunos endinheirados aqui, já que com isso agrada o resto dos pais...
— Foda... – Somi disse. – Ele vai falar da Dahyun agora, olhem! – Apontou.
— Apesar de detestar atitudes radicais, eu tenho de tomar uma providência à altura. – Wang começou. – Conversei com vários pais e responsáveis, ouvi todas as exigências e cheguei numa conclusão. Minha decisão já está tomada e a aceita por eles. A causadora de tudo isso, a mesma aluna que apronta desde sempre aqui dentro, não pode ter a mesma punição que os cúmplices. A mesma punição daqueles que se arrependeram, repararam o erro e nunca tinham feito algo assim antes.
— Anda logo com isso. – Dahyun cortou a fala do homem, deixando-o surpreso e sem ação. – Foi mal, tio, mas essa falação, essa demora, estão me dando dor de cabeça. E sei que eles estão assim também. – Apontou para a plateia. – Anda logo, anuncia minha punição, a gente já conhece esse blá blá blá.
— Kim Dahyun! – Falou bravo com a menor, repreendendo-a com um olhar sério, mas que dessa vez não causou nada na Kim. – Ok. Espero que essa seja a última vez que algo assim ocorre no Colégio Integral de Seul, espero que isso sirva de aviso. As punições serão severas como esta a partir de agora! – Falava autoritário ao microfone. – Kim Dahyun está expulsa da escola a partir de hoje! Espero que o resto de vocês tomem isso como um exemplo para jamais cometer os mesmos atos que ela.
— Estamos dispensados? – Dahyun perguntou com uma expressão de desdém. – Estou sendo cordial, diretor, não me olhe com reprovação. Eu estou perguntando se eu e os alunos do seu colégio podemos sair.
— Isso não é ser cordial, Kim Dahyun.
— É, sim. Eu não sou mais aluna daqui, certo? Você acabou de anunciar para todos que sou um exemplo a não ser seguido, etc, etc, etc. – Forçou a voz para imitar o homem e agiu de um jeito caricato, arrancando risadas da plateia e um arfar raivoso do homem. – Eu não preciso te obedecer mais, mas mesmo assim perguntei se posso ir. Isso não é ser cordial, senhor Wang?
— Saia, Dahyun. Pode sair daqui. – Autorizou cansado. – Mas vá para a minha sala, já estou indo atrás. Seus pais já chegaram com certeza.
— Valeu! – Sorriu sapeca, mesmo estando com medo do que viria a seguir, a pior parte, a única que a deixa acuada.
— Vocês todos, voltem para a sala, estão dispensados. Obrigado pela atenção. – Wang disse. – Aos suspensos, vão para casa. – Retirou-se finalmente.
*
Pov Dahyun
— Você não cansa? – Meu pai pergunta irado virando-se para mim. – Não cansa de ser desse jeito? Porque a gente, sim, cansa.
— Eu sei que sim, vocês fazem questão de dizer isso sempre. – Rebati sem medo. – Já sei como estão cansados de mim, do meu jeito, de tudo que me envolve. Sei até as falas de vocês dois decoradas aqui. – Apontei para a cabeça. – Mas agora 'tá de boa, né?
— "De boa"? – Minha mãe perguntou possessa. – Você foi expulsa da escola, garota! Não somente de uma escola, mas a melhor de todas elas. Tem noção disso? Não, né? – Bufou. – Está perto do fim do ano, Dahyun, nenhuma outra instituição está aceitando alunos novos agora.
— Vocês têm nome, dinheiro, poder... – Falei. – Claro que aceitam, é só saber impor. Digo, saber pedir. – Debochei junto.
— Menina, olha o que diz! – O homem repreendeu-me. – Não vamos atrás de colégio algum para você. Não vamos ter trabalho com isso, usar nossas forças para você estragar tudo de novo, como sempre faz!
— Legal, eu aceito isso. – Respondi dando de ombros.
— O que você tem? – O mais velho continuou. – Está agindo tranquilamente, parece não ligar. Ao menos demonstre lamentar tudo isso! – Berrou. – Você sempre pede perdão, jura não repetir, mente, manipula e o ciclo segue sem fim. Mas o que aconteceu hoje para estar tão serena? Ao menos chore, garota!
— Por quê? – Comecei ainda neutra. – Achei que odiassem meu choro, minhas lamentações. Estou dando de presente a vocês minha calma.
— O que está acontecendo? – Minha mãe questionou confusa e agitada. – Está drogada?! – Chegou perto de mim, pegando em meu rosto sem delicadeza, virando o mesmo de um lado para o outro rapidamente.
— Sai! – Falei afastando-a. – Não estou, que pergunta é essa?!
— Eu sei que usava coisas, Dahyun! Ainda está fumando? – Chegou perto de novo e tentou analisar meus olhos, mas eu saí num pulo.
— NÃO! – Berrei. – Estou sóbria, que saco!
— Não grite com sua mãe. – Meu pai disse. – Pode estar sóbria, mas claramente não está em seu juízo perfeito. – O homem dizia sem alterar a voz e aproximando o corpo do meu lentamente. – Está entrando em mais um surto, Dahyun?
— O quê?! – Falei chocada. – Não, não estou.
— Se estiver, seja honesta. Sabe que é melhor avisar logo, já passamos por isso antes.
— Eu não estou surtada, que merda! – Afastei-me dele. – Olha, se não querem me matricular numa nova escola, tudo bem. Eu mesma vou atrás disso ou estudo em casa. Até repito de ano, não ligo. Não vou morrer por causa disso e nem me arrependo do que eu fiz. Fiz o que fiz por um propósito e vocês, se me amassem, teriam orgulho disso.
— Orgulho de ter uma filha que fuma, bebe, só faz bagunça e ainda é problemática? – Minha mãe soltou sem dó e aquilo me atingiu com força.
— Não. – Comecei com a voz trêmula, mas tentando me conter. Eu não ia demonstrar fraqueza de novo, não ia chorar. Não dessa vez. Não na frente deles. – Uma filha que tem amigos de verdade, que os ajuda, mesmo que se prejudique por isso.
— Belos amigos você tem, Dahyun. – O mais velho rebateu. – Se suas amizades precisam de uma defesa assim, então algo está muito errado.
— Não vou tentar explicar, vocês nunca entenderiam mesmo. – Respondi cansada, ameaçando sair dali.
— Espere aí.
— O que foi, pai? – Encarei o homem de novo e ele apenas afastou-se, chegou perto de sua mesa, catou uma pasta e retirou uns papéis de dentro. – Precisamos que assine aqui, nós já assinamos.
— E o que é isso? – Questionei confusa, segurando a caneta que ele havia me entregado.
— Só para formalidades futuras, as nossas assinaturas importam muito mais. – Mexeu o papel sobre a mesa, colocando o mesmo de frente para mim. – É sua emancipação, Dahyun.
— O que? – Perguntei confusa.
— Agora, mesmo menor de idade, você não depende mais da gente. – Minha mãe começou. – Não precisa de nossa autorização para nada, não está inválida, pode ser presa, etc. Você é como uma adulta agora, Dahyun.
— E por que estão me dando esse presente? – Permiti-me sorrir com isso.
— Não é um presente. – O homem começou. – Nós cansamos há muito tempo, mas só lavamos as mãos para você agora. Definitivamente. Agora você não tem mais papai e mamãe para te livrar das coisas.
— Como assim?
— Você vai encarar as consequências dos seus atos agora. Sozinha. Como uma adulta deve fazer. – Esticou um pouco mais o papel. – Quer fazer bagunça como uma rebelde sem causa? Como uma garota sem pais para educar? Tudo bem, faça. Mas realmente seja uma garota sem pais para educar. Faça o que quiser, sendo responsável por cada uma das suas decisões.
— E se eu não quiser assinar?
— Você vai assinar. – Minha mãe disse incisiva. – Como seu pai falou, as assinaturas mais importantes são as nossas e nós já fizemos. Assine.
— E não se preocupe, agora é adulta, mas sei que vai demorar para se acostumar com isso e consequentemente vai demorar até achar um emprego, ter contas a pagar, etc. – O Kim disse. – Vamos continuar depositando uma mesada para você, mas isso só até o fim do ano, Dahyun. Você tem poucos meses para arrumar um emprego, se estabilizar e sair daqui.
— Estão me expulsando da minha própria casa?!
— Não. Se quiser continuar aqui, é só pagar as contar como eu e sua mãe fazemos. Mas imagino que não queira.
— Está certo. – Catei a caneta que antes havia soltado. – Não quero mesmo ficar com vocês. – Assinei os papéis. – Engulam essa merda, o dinheiro de vocês. Foda-se tudo! – Joguei os papéis longe.
Ouvi minha mãe me repreender e antes que eu virasse de costas completamente, também notei seu corpo aproximar-se do meu, mas meu pai a impediu. Sua reclamação também foi interrompida por ele e por mim, já que saí do recinto o mais rápido que pude.
— Tofu? – Meus passos no corredor foram interrompidos, fazendo-me mirar a dona da voz ao invés do chão. – O que houve, pequena? Eu ouvi os berros... Mais uma briga com seus pais, né?
— Uhum. – Falei tristemente. – Mas essa foi a pior de todas, Mei. – Disse deixando o choro escapar por completo.
— Minha menina, calma... – Abraçou-me com força, posicionando minha cabeça em seu ombro e acalentando-me com leves carícias nas costas. Me senti criança com tal gesto, tal situação, tal sentimento. Eu ficava minúscula quando coisas assim aconteciam. – Vamos para o meu quarto, hm? Lá você me conta direitinho o que houve, eu faço o cafuné que você sempre amou e depois te preparo um lanchinho, ok?
— Ok... – Soltei-me dela, acompanhando-a por trás. – Obrigada, Mei.
— Não me agradeça, querida. – Sorriu gentilmente para mim, enquanto segurava minha mão com delicadeza, guiando-me pela casa.
*
— Dahyun? – Sana diz ao abrir a porta e ficar surpresa em me ver. – O que houve? Por que não avisou que vinha?
— Cheguei em má hora?
— Não, é que eu estava já saindo para a casa da Tzuyu. – Deu passagem. – Entra, estou só terminando de arrumar a mochila.
— Vai dormir lá de novo? – Assentiu. – Ainda bem que cheguei antes disso, então.
— Por quê? – Encarou-me com o cenho franzido.
— É que a gente não se viu direito hoje na escola, você saiu logo com seu pai e eu fui expulsa na frente dos outros... Coisa do cotidiano, né? – Brinquei e ela arregalou os olhos preocupada. – Eu estou bem, não precisa se preocupar. Eu vim por sua causa, estou preocupada com você.
— Desculpa mal falar com você, estive tão cansada e ocupada... Hoje a conversa com meu pai foi intensa, estou exausta. Mas vou te contar, ia introduzir o assunto quando chegasse na casa de Tzuyu, inclusive.
— Por ligação?
— Não, eu ia te chamar para me encontrar lá, queria te ver também. – Sorriu para mim, abraçando meu corpo em seguida. – Quero saber de você.
— O que quer saber?
— Você foi expulsa... Sei como seus pais são e tal... Está tudo bem? – Olhou-me cessando o abraço, mas ainda ficando entrelaçada comigo. Eu estava sentada em sua cama e ela de pé, olhando-me de cima.
— Nós duas estamos tão ferradas, né? – Perguntei rindo de leve e ela devolveu. Não era cômico, mas rir da desgraça parecia cabível. – Foi por isso que eu vim aqui.
— O que?
— Vamos viajar.
— Um dia, vamos. Onde quer ir?
— Japão. – Ela arregalou os olhos de espanto. – E não um dia, não quero sonhar e esperar. Estou te chamando agora para viajar para o Japão.
— Você é doida? Uma viagem necessita de planejamento...
— Não, uma viagem precisa de vontade, dinheiro e passagens.
— E isso requer planejamento.
— Não de novo. – A olhei sorrindo. – Eu já comprei as passagens, duas.
— O QUE?! Eu sei que dinheiro a gente tem guardado, mas assim tão em cima da hora? Dahyun, é o começo da semana.
— Eu sei que você ainda tem uma escola para ir... – Brinquei e ela me deu um tapinha de leve. – Mas não tem provas essa semana, você é inteligente demais para poder faltar, então dá certo... – Lancei mais um sorriso largo junto de olhos pidões para fazê-la ceder de uma vez.
— Você é doida, Kim Dahyun!
— Sim, por você! – Pisquei e estalei a língua, abraçando o corpo dela com força, ainda olhando para ela de baixo. – O que me diz? Aceita viajar comigo?
— Aceito...
*
"Então vá em frente e grite
Grite para mim, eu estou tão longe
Não serei quebrada de novo
Eu tenho que respirar
Não posso continuar afundando"
Chapter 30: Beautiful People, Beautiful Problems.
Chapter Text
Beautiful People, Beautiful Problems – Lana Del Rey
"Verde é a cor do planeta aos olhos de um passarinho
Até que ele fique vermelho, fique vermelho com sangue
Nós ficamos tão cansados e nos queixamos
Sobre como é difícil viver
É mais do que apenas um videogame"
*
Pov Dahyun
Horas antes...
— Mei, eu não entendo... – Falei chateada depois de tomar o último gole do suco que a mulher fez para mim. – Eu não entendo como você consegue arrumar um jeito de ficar sorridente, vendo o lado positivo das coisas até numa situação assim... Parece até a... – Cortei a mim mesma, fingindo beber mais do líquido no copo que nem existia mais.
— Pareço com quem? – Virou-se para mim quando acabou de lavar a louça. – Diga, Tofu, com quem a velha Mei se parece? – Sorriu mais uma vez, o sorriso mais gentil do mundo.
— Uma pessoa que eu gosto.
— E essa pessoa tem nome?
— Claro que tem. – Sorri com seu jeito bobo e ela acompanhou. – Eu te conto, mas não aqui... – Olhei em volta e ela entendeu.
— Tudo bem, vamos para o meu quarto ou o seu, pequena? – Colocou um copo d'água e me olhou com cuidado. – Melhor o seu, quando se acalmar, aproveita e pega no sono logo.
— Quero ir para o seu, lá me lembra a infância... – Supliquei involuntariamente com os olhos, fazendo a mais velha derreter e acatar. – Esse cheirinho... – Falei depois de aspirar o ar do cômodo em que Mei dormia a maioria dos dias. – Nunca muda, é sempre tão agradável e nostálgico.
— É só alfazema, Tofuzinha. – Riu simpática. – Eu uso produtos de alfazema aqui, se gosta tanto, posso limpar seu quarto com o mesmo cheiro.
— Não. Esse cheiro pertence a esse quarto, a você. Eu gosto assim, das coisas certinhas e-
— E sem mudanças, eu sei. – Interrompeu completando e sorrindo ao fim da frase, eu fiz o mesmo ao passo que denunciava surpresa e felicidade. – Venha. – Bateu na cama após sentar-se na mesma. – Deite-se aqui, eu faço o cafuné que tanto gosta e você me conta quem é essa pessoa otimista que conheceu.
— Você ainda não a conhece de fato, mas já a viu... – Comecei assim que apoiei a cabeça nas pernas da chinesa. – Ela estuda comigo há muitos anos, mas só agora fomos nos aproximar, sabe?
— Eram apenas colegas antes?
— Antes fosse! – Ri ao lembrar de tudo. – Digamos que a relação que eu tinha com ela não era nada amigável... – Falei desconfiada e notei a expressão negativa da mulher. – É, Mei, nós éramos inimigas. Implicantes demais, sabe?
— Ora se sei! Conheço você até do avesso, Kim Dahyun! Eu sei como é implicante quando quer.
— E até quando não quero! – Gargalhamos. – Enfim, essa garota se chama Minatozaki Sana. Ela é japonesa, líder de torcida, a mais inteligente e queridinha da escola.
— E é por isso que você detestava a coitadinha?
— Mais ou menos. Nós tínhamos uma competição boba por notas, reconhecimento e tal, mas sim, admito que minha implicância maior se dava ao fato dela ser toda patricinha, delicadinha, mimadinha e...
— E o que? – Parou o cafuné e me encarou desconfiada.
— Nada. – Balancei a cabeça em negação e não consegui prosseguir. Fiquei tímida, nervosa. Mei sorria orgulhosa e sapeca, eu não entendia a razão disso e continuava séria. – O que foi?
— Nada... – Respondeu segurando a risada.
— Anda, fala o que foi. – Levantei e fiquei sentada ao seu lado. A encarava seriamente, como uma criança birrenta que exigia uma explicação, mas a mulher apenas sorria sapeca. – Mei! O que é?
— Estou achando uma graça você com vergonha de me contar que essa tal de Minatozaki Sana mexe com seu coraçãozinho adolescente. – Falou sem pausas e eu arregalei os olhos como resposta. – É isso, não é? Você gosta dessa japonesa, certo?
— Mei! – Falei em repreensão, mas não adiantou de nada, pois o sorriso danado e desconfiado continuava estampando o rosto da estrangeira. – Como você adivinhou? – Perguntei arrastado, com uma vergonha aparente e tampando o rosto na esperança de amenizar a timidez.
— Já disse que te conheço muito bem, Tofu... Só fico sentida que não tinha me contado antes! – Brincou, colocou a mão em mim novamente e fez pressão para que eu voltasse a deitar em seu colo. Assim o fiz, mas ainda de olhos fechados. – Você já se declarou?
— Que coisa mais antiga! Se declarar? Você é uma tia mesmo, Mei. – Provoquei e ela riu após um estalar de língua. – Nós... Nós duas... Eu e a Sana, a japonesa... Nós estamos... É...
— Namorando? – Perguntou impaciente, fazendo-me abrir os olhos de supetão e arregalá-los involuntariamente. – Pela sua reação, sei que sim.
— Você é uma feiticeira, Mei! – Falei espantada. – Descobriu tudo tão facilmente, caraca!
— Não preciso ser uma, você deixa muito na cara, Tofu. Esqueceu que não sabe disfarçar suas emoções?
— Às vezes esqueço...
— E há quanto tempo estão juntas?
— Pouco, mas eu gosto tanto dela, Mei... – Falei sem hesitar e sem sentir, só desabafei como nunca antes tinha feito. – Eu a amo. Já posso dizer isso sem medo de estar sendo precipitada, entende? Ela me ama também e me faz tão bem... – Segurei sua mão vaga com força enquanto sentia seu carinho em meu cabelo com mais cuidado que nunca.
— Fico tão feliz por isso, minha pequena. – Sorriu largamente. Seus olhos brilharam, seu tronco abaixou e rapidamente senti um beijo delicado na minha testa. – Vocês estão bem no momento?
— Sim. Digo, no nosso namoro está tudo certo. Mas ambas estão passando por períodos difíceis, sabe? Eu aqui com meus pais durões e ela com o pai e a madrasta lá.
— O que tem eles?
— Um rolo muito grande envolvendo a morte "acidental" da mãe da Sana. – Fiz aspas com as mãos. – Inclusive, minha mãe que cuidou desse caso, defendendo a madrasta da japonesa em relação a suspeita em causar o acidente. Você lembra disso?
— Lembro. Não muito, mas lembro. – Respondeu seriamente. – Foi um caso complicado, famoso... Muito dinheiro envolvido... Lembro-me disso principalmente. – Respirou fundo e olhou para frente, evitando meus olhos e forçando a memória a funcionar. – O viúvo estava derrotado, mas a tal mulher acusada sempre ficou fria. Era sinistro.
— Sério?! Você sabe de mais alguma coisa?
— Só sei que sua mãe venceu a causa, como sempre, e ganhou muito dinheiro por isso. Inclusive, a causa toda valia muito dinheiro, tudo ali. No fim, todas as coisas giravam em torno de capital.
— Entendi... Muito dinheiro, é? – Perguntei retoricamente enquanto raciocinava. – Enfim, já descobrimos muitas coisas sobre, mas não acho que devo falar disso agora... A Sana ficou de conversar com o pai hoje.
— Esclarecer as coisas? – Assenti. – E ela já te contou?
— Não. Estou preocupada com isso, inclusive. Não nos falamos muito, ambas com muitos problemas e pouco tempo. 'Tá difícil sustentar, estamos exaustas mentalmente.
— Vocês são tão novas, não mereciam passar por tanto. – Sua expressão ficou triste de repente. – Queria poder tirar todo esse peso do seu coração, minha Tofu. Acredita em mim, né?
— Claro que sim. Você é uma das pessoas mais importantes na minha vida, Mei. Eu não estaria aqui se não fosse você. – Segurei mais forte em sua mão vaga e o carinho em meu cabelo ainda era um aconchego. – Queria ser sua filha.
— Para mim você é, pequenina. – Sorriu gentilmente. – E eu já gosto da sua namorada. Sabendo que ela te faz bem, fico tranquila. O que me preocupa é a mente de vocês, tantos problemas para pouca idade, pouco tempo... Não é justo. Queria dar um escape para ambas.
— E o que seria isso? – Ri desacreditada.
— Você disse que ela é japonesa, certo? – Assenti. – Eu lhes daria uma viagem ao Japão. Sana revisitaria o passado, as origens, se encontraria novamente, quem sabe até ficaria em paz depois. – Olhava para frente novamente, divagava verbalmente e me contagiava ao passo que falava. – E você conheceria mais da sua parceira, conheceria um novo lugar, criaria memórias, se distrairia... Se eu pudesse, Dahyun, daria a viagem a vocês.
— Daria como? Você pagaria? – Entrei na onda, fiquei imaginativa e risonha. É incrível como Mei sempre soube me acalmar, fazer eu me sentir amada, feliz. Com ela eu sou criança, um ser puro, inocente e alegre.
— Se for para sonhar, sim, eu pagaria. Mas indo mais para realidade, você pagaria, já que tem mais dinheiro que eu. Além de que a Minatozaki também é rica. – Riu. – Mas vocês são menores, então eu as levaria, cuidaria.
— Eu não preciso mais de algum adulto comigo... Assinei minha emancipação, esqueceu? – Perguntei brincando, mas falando uma realidade. Foi então que um pensamento aleatório me ocorreu, uma ideia doida, uma vontade súbita. Era agora, nesse momento, imediatamente.
Eu iria colocar em prática a vontade de Mei, que virou minha, que vai virar a de Sana também.
— MEI! – Berrei levantando e olhando para ela eufórica. – OBRIGADA! – Abracei seu corpo com rapidez e beijei suas bochechas violentamente. – VOCÊ ACABOU DE DAR A SOLUÇÃO PARA OS NOSSOS PROBLEMAS!
— O que houve? O que eu falei? – Perguntou confusa e tentando me segurar. – Calma, Dahyun! Diga-me o que pretende fazer.
— Você vai ficar sabendo se a Sana topar. – Levantei-me de vez da cama e bebi num único gole a água que ela havia trazido da cozinha. – Eu volto já já! – Saí de seu quarto com pressa, peguei a chave do meu carro na mesa da sala e ouvi Mei atrás de mim curiosa, confusa e veloz.
— Para onde vai?
— Casa da Sana! – Berrei perto do portão. – Arruma sua mala, Mei! Eu arrumo a minha, pode deixar. – Falei depois de cruzar a saída.
— Por que, menina? – Ouvi de longe seu grito.
— NÓS VAMOS VIAJAR! – Disse alto uma última vez antes de sair com o carro. Ela ia falar mais alguma coisa, mas não deu tempo. Não ouvi, não a vi direito.
Só observei pelo retrovisor sua mão na porta entreaberta, notando a distância que meu veículo estava dela. Então, a chinesa desistiu de gritar, questionar e paralisar. A porta se fechou de novo e eu tive a certeza de que ela foi fazer o que pedi.
*
Pov Sana
— Você é louca, Kim Dahyun! – Falei quando senti o avião decolar. – E eu te amo tanto por isso. – Sorri largamente e ela devolveu o gesto.
— Te amo mais. – Respondeu segurando a minha mão. – A Mei é quase louca como eu. Ela deu a ideia sem querer e eu coloquei em prática. – Apontou para a chinesa sentada no corredor ao lado, com os olhos fechados e cenho franzido. – Ela topou com facilidade também, nem precisei insistir taaaanto.
— Só um pouquinho de insistência, né? – Fiz sinal com os dedos, sendo irônica com minha namorada. – Ela teve essa ideia com base em quê?
— Estava conversando com ela sobre você. – Falou com vergonha após notar meu olhar bobo. Ela desviou os olhos, como sempre, coçou a garganta e prosseguiu. – Começamos falando sobre a confusão com meus pais, a emancipação que te contei e tal... Mei sempre ficou ao meu lado quando eu tinha crises, problemas na escola ou com meus pais.
— Ela é uma fofa.
— Sim! – Sorriu verdadeiramente ao falar. – Depois o assunto foi até você e eu fui honesta. Ela te adorou desde o princípio e lamentou que nós duas temos tantos problemas. Por conta disso, divagou descrevendo um cenário nosso, onde íamos ao Japão, relaxar, ser jovens.
— E aí você ouviu isso e o diabinho que mora na sua cabeça agiu no impulso, certo? – Perguntei brincalhona e ela assentiu. – O que vamos fazer nesses dias?
— Bom, eu tenho duas coisas programadas, o resto a gente decide juntas.
— E o que é?
— Uma eu não conto, vai ser surpresa. A segunda é mais uma regra que uma programação. – Suspirou antes de continuar. – Só quero que a gente se divirta muito, fique em paz... Quero voltar bem melhor do que estou saindo, entende?
— É o meu desejo também... – Dei um breve selinho na Kim e quando nossas bocas desgrudaram, permaneci à pequena distância entre nossos rostos. Encarei a garota profundamente, denunciando o conforto que ela me dava, o alívio que sua presença me causava e o amor que por ela eu sentia.
Sinto. E espero sentir pelo resto da vida.
Dahyun me encarou de volta, permanecendo em meu olhar. Não desviava, não hesitava. Em certos momentos sua timidez sumia e só restava Kim Dahyun, no impulso, na pureza. Só restava Kim Dahyun e Minatozaki Sana. Apenas nós duas, nos entendendo, nos complementando, nos amando.
— A gente vai ser muito feliz esses dias e todos os outros das nossas vidas, meu dengo. – Falei quebrando o breve silêncio que havia se estabelecido ali. – Te amo, loirinha. – Sorri e pisquei para ela.
— Te amo, japa. – Respondeu da mesma forma.
— Obrigada por isso, 'tá? Eu sei que também é por você, mas vai me fazer tão bem. Já está fazendo, na verdade. – Falei timidamente. – Eu precisava desse escape, principalmente depois das descobertas recentes e da conversa que tive com meu pai.
— Quer me contar como foi essa conversa?
— Quero.
"— Como foi a escola? – Meu pai perguntou quando sentamos a mesa do restaurante.
— Vamos pular essa parte, por favor. – O cortei de imediato. – Nós dois sabemos o motivo desse encontro, não vamos enrolar ainda mais. Esperei dois dias e já foi muito.
— Eu entendo, filha. E desculpe por fazer você esperar mais ainda... – Segurou o cardápio que o garçom trouxe, balançou a cabeça e o rapaz saiu, dando-nos privacidade novamente. – Você quer começar agora ou quer almoçar primeiro?
— Sei que não vou conseguir almoçar depois, mas também não estou com apetite agora, então pode começar a falar. – Respondi seriamente.
— Ok... – Encarou o cardápio, pigarreou e começou. – A carta que você leu foi escrita por mim logo após o enterro da sua mãe. Fiquei sozinho por um momento, um dos únicos desde então, e desabafei no papel. Foi a única maneira que encontrei de me aliviar, de chorar em paz, de me confessar sem problemas. Tudo que você leu, Sana, é sincero e foi escrito com muita verdade. Eu não poderia mentir naquela época, naquela situação e condição. Tudo é verídico, eu amei sua mãe, me arrependi da traição e de outras coisas, eu pensei em um plano brutal para tirar a Sooyoung das nossas vidas e falhei.
— Eu entendi que você não queria matar a minha mãe, queria que o acidente tivesse acontecido com a Sooyoung e as coisas fugiram do seu controle pela primeira vez na vida, mas isso não muda o fato. Você não teve intenção, pai, mas fez. Fez e causou tudo desde o princípio... Eu não sei como reagir a nada disso.
— Você está errada. – Retrucou depois de um arfar pesado. – Está errada quando diz que foi a primeira vez que fiquei sem controle das coisas a minha volta. Não foi. Eu não tinha mais as rédeas dos acontecimentos, das ações dos outros. – Fechou o cardápio e me encarou de um jeito indecifrável por mim. – E está certa quando diz que eu causei tudo desde o princípio. É fato. Eu me envolvi com a Choi, deixei sua mãe triste, alimentei a ira e inveja da sua madrasta e apertei o gatilho para a tragédia final, mesmo sem intenção.
— O que você não tinha controle, afinal? – Perguntei sem remorso.
— Da Sooyoung. Eu não sabia que cabia tanto mal em alguém, não sabia quem ela era de verdade. Foi assustador quando descobri, senti-me temeroso, pressionado, acuado. Eu fiquei de mãos atadas, Sana. Não tinha muitas escolhas, saídas. – Desviou o olhar e começou a encarar o chão. – O que eu fiz foi em desespero. Eu queria colocar um fim nas coisas e não sabia como, até perceber que só teria fim, se a Sooyoung sumisse.
— Por quê?
— Ela ameaçou sua mãe para mim. Disse que acabaria com ela, que tudo em minha volta pegaria fogo, minha família iria acabar, meus negócios, carreira. Tudo...
— Você é rico, sempre foi. Não era só mandar prendê-la? Por que matar?
— Sana... – Hesitou, mas meu olhar incisivo o fez continuar. – Sua mãe era uma mulher inteligente, de posses, com muito conhecimento financeiro e muito, mas muito dinheiro. Éramos sócios, mas eu nunca aceitei que as coisas fossem dívidas meio a meio, sempre insisti que Kana tivesse mais, afinal ela trabalhava mais, pensava mais. Sua mãe era a mente da empresa, era o corpo, era tudo.
— Eu sei disso, ela sempre viajou muito e você quase nunca...
— Exatamente. Por conta dessas viagens constantes, nosso casamento ficou distante e a culpa é só minha. Ao passo que as viagens aumentavam, a nossa conta bancária também. Sooyoung era assistente da sua mãe, melhor amiga e confidente. Sabia de todo o capital, toda a agenda, tudo. Até das coisas mais pessoais. – Olhou-me penoso. – E a Choi invejou aquilo desde o princípio. Almejou tudo que sua mãe tinha, o dinheiro, a inteligência, a vida... E começou por mim...
— Por isso que até hoje a Choi usa coisas que foram da minha mãe?
— Sim. – Respondeu tristemente. – Eu tentei fazer isso parar, então fui sumindo com as coisas da Kana, guardando tudo em lugar que a Sooyoung desconhece e dando algumas outras coisas para você. Eu nunca quis que a memória da sua mãe fosse esquecida, mas não podia fazer muita coisa, então tentei preservar, ao menos.
— Foi você quem sumiu com as fotos, roupas, objetos?! – Perguntei chocada e com um tom de voz um pouco elevado.
— Sim, eu precisei. – Respondeu envergonhado. – Está tudo guardado, eu só não te contei porque sabia que não conseguiria manter em segredo e o segredo era fundamental...
— Por que tanto segredo, pai? O que a Sooyoung tem para ameaçar você e obter tanto êxito com isso?
— Sua mãe, como eu disse, trabalhava mais, era a mente e o corpo da empresa. Mas eu não, eu nunca fui de pensar muito, de pegar no pesado. Eu era esperto e isso bastava para mim. O dinheiro da minha parte era menor porque além de achar que era o certo, pela capacidade da Kana ser maior que a minha, também foi resultado de algumas escapadas que eu dei e sua mãe descobriu.
— Como assim?
— A esperteza e a moleza me levaram a achar meios mais fáceis de fazer capital, Sana. Eu fui desonesto, fiz coisas das quais não me orgulho e sua mãe descobriu. Eu parei assim que ela me reclamou, mas o maior problema foi que antes de me repreender, Kana ficou chocada com minha atitude, decepcionada e sem rumo. – Suspirou. – Ela não sabia o que fazer, estava com a cabeça cheia e precisava desabafar.
— Não...
— Sim... Ela desabafou com a sua melhor amiga, confidente, funcionária. Ela confessou tudo a Sooyoung e foi aí que a Choi criou munição para tudo que viria a seguir.
— Então quer dizer que as ameaças eram para acabar com a empresa? Você fez tudo isso por dinheiro? – Irritei-me, fiquei mais decepcionada e incisiva ainda.
— Calma. O que a Choi sabe, por muito tempo pôde me destruir. Ela usou isso para me manter na linha, ter poder sobre mim. Eu não podia mandar prendê-la, senão ia preso junto e a empresa, seu futuro, estaria arruinada.
— Foda-se! Foda-se a empresa, o dinheiro! Estamos falando de vidas aqui, pai! Não se compra ninguém, não coloca-se dinheiro acima de tudo.
— Você só fala isso porque já está crescida, depois que teve uma vida inteira de privilégios... – Rebateu sem demora. – De toda forma, essa não é a questão, Sana. Sooyoung descobriu isso muito cedo, nós já éramos amantes e suas insistidas para eu acabar o casamento já existiam. Eu sempre neguei e enrolei todas elas, mas depois de um tempo ficou insustentável.
— Como assim? Cansou da amante? Percebeu que minha mãe valia mais que ela? Demorou tudo isso, Shitara?! – Falei muito irritada ao passo que tentava manter minha voz baixa. – Sinceramente, quanto mais você me conta, mais nojo eu sinto de você.
— Pode sentir, não está errada, afinal. – Respirou fundo, tentando segurar minhas mãos sobre a mesa, mas eu recuei logo. – A Sooyoung começou a me ameaçar com outras coisas, não com minha corrupção. Ela plantou um medo em mim de que um dia, quando eu chegasse do trabalho, você estaria morta ou órfã... Ou as duas coisas.
— Por que não agiu como um homem de verdade e a denunciou naquele momento?
— Eu tive medo! – Respondeu de imediato, quase num grito de dor. – Eu tive medo, ok? Eu cedi a partir daí, mas depois fui racionar, bolar algum plano para sair dessa situação. Pensei que se eu continuasse com ela, fingindo que faria tudo que me pedisse, um dia conseguiria prendê-la, fazer ela parar.
— E não conseguiu, com certeza.
— As ameaças eram constantes, o medo se juntou a raiva, então eu pensei que o único jeito seria a morte. Torci todos os dias, cheguei a rezar até, pare que Sooyoung morresse, que algo de ruim acontecesse com ela para que eu e minha família pudéssemos viver em paz... Eu desejei tanto isso, Sana. Eu me envergonho de ter tido pensamentos tão sujos e frios, mas era o que queria, confesso. E ainda quero...
— O que você está falando? – Perguntei confusa e em choque depois de tantas confissões fortes. – Explica isso melhor.
— Depois de ameaçar a vida de vocês, ela ameaçou a empresa com base nos meus erros do passado, consequente ameaçou seu futuro. Eu fiquei irado, mas decidi colocar um fim nisso. Mandei cortarem os freios do carro que ela usava, que pertencia a sua mãe, mas Kana mal dirigia. – Sorriu desesperado, nesse momento seu rosto já era derrotado e choroso. – Você deve se lembrar, Sana. Sua mãe andava mais com o motorista, carros diferentes. Então eu achei que funcionaria... Mas não funcionou.
— Eu... Meu Deus... – Foi só o que consegui dizer pelo choque que sentia. Meu corpo era dormente, minha mente igual e minhas ações congeladas. Eu não sabia o que fazer, falar ou sentir. Mas eu sentia. Sentia nojo, medo, decepção. Nada de bom, nunca.
— Eu quis morrer no lugar da sua mãe, Sana, por isso escrevi essa carta. Porque apesar de querer morrer junto dela pela culpa, saudade e remorso, eu não podia partir e te deixar também. Então fiz uma promessa nesse papel e em minha mente. Você a leu.
— Sim, eu li.
— E por isso continuei com a Sooyoung depois da morte da sua mãe. Ela ainda poderia me denunciar, acabar com a empresa. Eu não ligava de perder dinheiro, mas prometi cuidar de você e não conseguiria fazer isso sem capital e estando preso. Eu precisava garantir seu futuro, estar aqui para você, enfim...
— Por que nunca me contou nada disso?
— Tive vergonha, medo de que você reagisse como agora. Tive medo de tantas coisas... Mas principalmente, não quis que fosse mais difícil para você. Eu sei que sou errado, que não mereço perdão, pena, nem mereço que aceite, mas entenda ao menos, por favor.
— Você não pode me pedir isso.
— Sana, acredite que para mim foi igualmente difícil tolerar tudo todos esses anos...
— Não parecia igualmente difícil, Shitara. – Respondi duramente. – Eu sempre reclamei da Sooyoung, já você era o oposto. Parecia feliz com ela, era sorridente. Todas as memórias que tenho, exceto as mais recentes, você e a Choi eram o casal modelo. Sempre felizes, na moda, na etiqueta...
— Era mentira. Sempre foi. Eu até tentei amá-la no começo de tudo, mas não deu e passei a fingir. Foi um sacrifício que tive de fazer, filha, mas por você...
— Não me usa para isso, é sério. Não é justo. Eu não pedi por isso, não concordo e odeio toda essa situação, então não diz que foi por mim.
— Mas foi-
— Não! – O cortei. – Foi por você, pai. Para você se sentir melhor depois de tantos erros. Você achou que isso aliviaria, faria eu sentir gratidão no futuro, deixaria a alma da minha mãe sossegada, mas estava errado. Você está errado. – Despejei nele tudo que estava engasgado. – Eu odeio tudo isso, tenho nojo dessa situação e não consigo, desculpa, mas não consigo ver diferença entre você e Sooyoung.
— Não diz isso, por favor... – Suplicou tristemente.
— Não posso mentir, eu peguei trauma de mentira, entende? – Debochei. – Isso tudo é agoniante, você não percebe? Muita mentira, mistério, muita merda. Tudo isso aqui é criminoso, é errado! – Falei gesticulando muito. – Não quero fazer parte disso, pai.
— Como assim?
— Não quero... – Repeti ainda desnorteada. – Eu não consigo conceber nada do que acabou de me dizer. Preciso de um tempo. – Levantei e ele tentou segurar meu braço, mas desviei. – Não tira esse tempo de mim, eu preciso mesmo dele.
— Espere, deixe-me ir co- – Levantou da cadeira, mas ainda não estava totalmente ereto, eu o interrompi antes que se endireitasse ou terminasse a frase.
— Sozinha. – Disse me afastando ainda mais. – Esse tempo precisa ser meu e só meu... Sem você, sem a Sooyoung. Eu não quero sua presença agora, respeite isso.
— Tudo bem... Desculpa, Sana. – Falou baixo e cabisbaixo. – Me perdoa por tudo.
— Eu preciso ir... Bom almoço. – Afastei-me e saí do estabelecimento sem olhar para trás.
Estranhamente meu corpo era normal, minha mente organizada e eu sabia exatamente como prosseguir. Tudo que ouvi foi duro, enjoativo. Deixou-me com os piores sentimentos, impressões e sensações possíveis, mas foi bom também. Senti meu espírito calmo, minha cabeça relaxada, satisfeita.
Eu não estava bem, muito longe disso, mas estava melhor do que esperava. Uma porta, um ciclo, uma história, um mistério estavam finalmente acabando, fechando-se diante de mim, para sempre. Eu poderia, agora, respirar sem tantas vozes, tanta confusão e dúvidas em minha mente."
— Foi isso... – Falei depois de narrar tudo para Dahyun. A coreana apenas assentiu devagar com a cabeça, segurou minha mão, encarou meus olhos e levou a boca até a minha.
Demos um breve selinho. Senti meu cabelo ser colocado atrás da orelha, senti sua palma na lateral da minha cabeça e não ouvi nada. O silêncio ainda estava ali, mas muita coisa era dita e entendida.
O carinho sutil e aconchegante da menor era o que eu precisava para voltar ao bom humor. Sua pele na minha era um entorpecente legal, válido, mas viciante. Derreti em Dahyun, desabei sem perceber, num instante. Não chorei, não conseguia mais, mas fiquei ali quieta e vulnerável em seus braços.
— Vai ficar tudo bem, ok? – Ela finalmente disse algo. Falou baixo ao pé do meu ouvido enquanto envolvia meu corpo num abraço forte. – Eu prometo.
— Vai cuidar de mim?
— Só se você cuidar de mim também.
— Eu cuido, meu amor.
— Então, eu também cuido de você, meu dengo. – Beijou o topo da minha cabeça. – Tudo isso vai passar, você vai conseguir fechar essa porta de vez sem sentir nada de ruim depois. Eu garanto.
— Com você eu posso tudo. – Falei baixinho, aconchegando-me em seus braços. – Fica comigo. Pra sempre.
— Pra sempre.
*
"Vida longa ao nosso reinado, vida longa ao nosso amor
Meu coração é suave, meu passado é difícil
Mas quando eu o amo, sinto algo
Algo como uma doce sensação de agitação
Que me atravessa, mas será amor desperdiçado?
(Não vamos desperdiçar, amor)
Mas somos apenas pessoas lindas
Com lindos problemas, sim
Lindos problemas, Deus sabe que temos
Porém temos que tentar"
Chapter 31: Goblin (고블린).
Chapter Text
Goblin (고블린) – SULLI
"É hora de encontrar o pântano da vida real
Não é um dia ruim, está tudo bem
Estou muito cansada disso, é verdade
(eu só quero estar com você)
(A vida é como um sonho com você)"
*
Pov Dahyun
— Gostou da viagem, Mei? – Perguntei risonha enquanto guardava as malas da mulher no seu quarto de hotel. – Eu sei que seu medo de avião é complicado, mas aposto que valeu a pena!
— Ainda não sei se valeu... – Respondeu forçando uma respiração afobada. – Mas, espero que valha, sim. – Brincou.
— E vai valer! – Sana apareceu carregando sua mala e estampando um sorriso largo. – Vou mostrar uns lugares muito legais para vocês, vão amar com certeza.
— Eu agradeço, mas hoje só consigo ficar deitada... – Atravessou a porta. – Vocês saiam, se quiserem, mas me avisem, ok?
— Vai dormir? – Perguntei ao notar seu bocejo. – Ainda está cedo para isso, Mei... Não quer nem sair para comer algo? Um sushi...
— Não, obrigada. – Bocejou novamente. – Saí bastante da rotina, vocês podem ir, eu preciso descansar.
— Vamos só tomar um banho e sair, ok? – Sana falou adentrando o quarto da chinesa, que a encarou confusa. – O que foi?
— Para onde você vai, mocinha? – Mei perguntou e eu fiquei em silêncio de propósito, segurando a risada.
— Colocar as malas no lugar...? – Sana respondeu nervosa e sem jeito.
— O quarto de vocês é esse do lado, Sana. – Apontou para o recinto que eu estava de frente.
— Ah... – Disse timidamente e eu não consegui mais segurar a risada boba. – Vi a Dahyun entrando aqui, achei que íamos todas dormir no mesmo lugar...
— Não! – Ela riu junto comigo. – Fiz questão de separar a gente, sei como adolescentes funcionam. Vocês dormem tarde, riem alto... Eu preciso descansar, entende?
— Oh, claro! – Sana concordou, pegou a mala de volta e se retirou.
— É verdade... – Comecei sapeca. – Adolescentes conversam muito alto, dormem tarde... – Provoquei maliciosa, de um jeito que só a Minatozaki entenderia. Mei, apesar de adulta e experiente, jamais pegaria o duplo sentido na minha fala, afinal para ela eu ainda sou um bebê. – Enfim, vamos? – Perguntei para minha namorada depois de abrir a porta de nosso quarto por completo.
— Dahyun! – Sana me repreendeu e encarou a chinesa desconfiada, um tanto tímida também, eu apenas ri daquilo tudo. – Tchau, Mei.
— Tchau... – Respondeu fechando a porta.
— Você me paga, Kim Dahyun! – Bateu em mim com a almofada de pescoço que segurava. – Espero que a Mei não tenha percebido sua piadinha de quinta série.
— Ela não percebeu, relaxa. – Gargalhei. – Quem vai tomar banho primeiro?
— Eu! – Correu para o banheiro. – Você já tem um lugar para irmos ou eu posso escolher?
— Você escolhe. Surpreenda-me! – Brinquei me jogando na cama. – E toma logo esse banho, não podemos demorar.
— Por quê?
— Vamos dormir cedo para acordar cedo, amanhã quero te levar a um lugar.
— Você conhece as coisas por aqui?
— Não, mas o que eu preciso saber para te levar até lá, já sei.
— Ok... – Disse abafado devida a água do chuveiro que já caía sobre si. – Então vem tomar banho comigo para ser mais rápido... – Sugeriu com um tom de voz sapeca. – Assim a gente se apronta mais rápido, sai para comer mais rápido e volta mais rápido também. – Não respondi, não fiz barulho algum, deixando Sana no escuro. – Dahyun? Você não ouviu?
— Acho uma ótima ideia. – Falei de supetão, aparecendo na porta do banheiro já enrolada na toalha. Eu tinha um sorriso bobo e largo, os olhos comprimidos e desconfiados, mexia as sobrancelhas para cima e para baixo de um jeito forçado e ela ria daquilo tudo, fazendo-me gargalhar junto. – Gostou?
— Idiota... – Falou ainda sorridente, abriu o box e me chamou com a mão.
*
Estávamos no restaurante sugerido por Sana. A decoração é bem característica da região, tudo me lembrava Sana, as coisas que já notei fazerem parte de sua infância, cultura, preferências. Osaka tem a cara de Sana, o restaurante tem a essência de Osaka e assim segue.
Minha namorada conversa com o garçom em japonês e eu apenas observo, não estampo reação alguma, apenas olho fixamente para o jeito que a garota se comunica e disfarço muito bem o sorriso bobo que está doido para escapar. Ela fica linda falando japonês, ela fica linda falando, gesticulando, explicando. Ela é linda. E ela é minha. Minha linda.
— Coisa linda... – Pensei alto, deixando escapar da minha boca os meus pensamentos.
— O quê?! – Ela virou para mim assim que falei.
— Nada. – Respondi envergonhada. – O que você estava dizendo a ele, hein? – Mudei de assunto, mas questionei algo que realmente estava curiosa sobre.
— Só pedindo nossos pratos e explicando como deveria vir o seu.
— Por quê?
— Pedi para tirarem a pimenta. – Respondeu revirando os olhos. – Sei que prefere comidas não apimentadas...
— Depende do meu humor, ok? – Rebati ofendida. – Não sou uma fracote, para!
— Uhum... – Debochou. – Sei...
— Enfim, sua chata, fazia quanto tempo que não visitava Osaka? – Mudei de assunto rapidamente, mas meu jeito de fazer isso arrancou um suspiro indignado da maior, mas que não dei atenção. Era meu jeitão implicante de ser e ela sempre entrava no personagem junto.
— Algum tempo... Depois quero te mostrar uns lugares que eu ia com meus pais e- – Interrompeu a si mesma, deixando a atmosfera triste de repente. – Te mostrar uns lugares que marcaram minha infância, sabe?
— Sei. Eu vou amar. – Respondi com um meio sorriso, procurando o jeito mais rápido e singelo de tocar a menina. – 'Tá tudo bem? – Questionei assim que consegui tocá-la. Entrelacei nossas pernas por baixo da mesa, encarei seu rosto sem expressão e lancei, mesmo que só num olhar, todo o carinho que sentia por ela.
— Está. Vai ficar. – Recebeu o carinho também com o olhar e retribuiu, lançando-me um beijinho no ar, singelo e suficiente. – Obrigada.
*
Pov Narrador
— Eu não sei se quero te ajudar com isso não, Miyeon. – Yuta falou irritado. – Na verdade eu sei, não quero.
— Qual é? Eu já pedi desculpa por mentir para você, expliquei tudo... Eu não quis te usar, mas foi ideia da Yuna e eu precisava obedecer a ela.
— Eu já conheço toda essa ladainha, não precisar repetir. – Rebateu num arfar pesado. – Já conheço, já entendo, mas não sou obrigado a concordar. Você me fez acreditar em mentiras pesadas, Miyeon. Eu traí e prejudiquei a Sana! Que era minha melhor amiga...
— Eu sei, mas...
— Vai embora, Miyeon. – Ameaçou fechar a porta de sua casa na cara da coreana, mas a mesma impediu tal ato colocando a mão no meio. – O que você ainda quer comigo, afinal?
— Quero me ajude com isso que acabei de dizer. – Falou mansamente, reabrindo a porta devagar. – Isso vai ser bom para você também, Yuta. Pense bem.
— Não vejo no que colocar Kim Dahyun de volta na escola pode ser bom para mim.
— Não é só isso... Eu acabei de voltar da casa da Yuna, nunca fui tão humilhada na vida. – Adentrou a casa do japonês sem pedir licença, mas o rapaz não a reclamou, pelo contrário. – Eu sabia que as coisas iriam piorar para mim no momento em que a Shin descobrisse minha traição e plano contra ela, mas não imaginei que seria assim...
— Do que está falando? – Demonstrou interesse, mas tentava parecer frio.
— Disso aqui. – Levantou a manga da blusa, mostrando marcas vermelhas na pele branca. – A Shin fez isso. Apertou com tanta força que feriu e quando ela viu as marcas, sorriu e se gabou. Disse que era só o começo, que eu deveria levar isso como um aviso.
— Ela fez isso em você?! – Tocou na pele da menor, denunciando preocupação. – Por que você foi até ela?
— Eu não podia não ir... Se eu me recusasse, teria minha vida exposta, Yuta, e é tudo que eu não quero...
— O que tudo isso tem a ver com trazer a Kim Dahyun de volta para o colégio?
— Ela é a única que consegue bater de frente com a Yuna, fazer ela provar do próprio veneno, custe o que custar... Eu preciso dela. De novo... – Seu tom era triste e sua posição cabisbaixa.
— O que te faz pensar que ela te ajudaria contra a Shin?
— Se eu conseguir fazer ela voltar para a escola, com certeza Dahyun me ajudaria. Tipo uma troca de favores, sabe?
— E como você pretende fazer isso?
— Ainda não sei bem... Mas de toda forma, preciso de você. Duas cabeças pensam melhor do que uma.
— Não sei... Tudo bem que ferrar com a Yuna me faria bem feliz, mas não ligo muito para isso, não faz diferença na minha vida. Ela nunca pegou no meu pé e nem nunca vai pegar, já estou sendo punido pelo que fiz com essa suspensão.
— Eu te ajudo a reconquistar a amizade da Sana e das outras meninas. – Rebateu rapidamente.
— Isso é impossível.
— Não, não é.
— Pode até não ser, mas não vai ser justo você a conseguir isso.
— Não quer nem tentar? – Lançou um olhar tentador. – Vamos, Nakamoto, você não tem nada a perder...
— Não consigo mais confiar em você, Cho. – Desabafou sem receio. – Eu ainda não te perdoei e ainda me sinto um idiota em relação a tudo. Não consigo fazer um trato com você.
— Não tem nada que eu possa fazer para você mudar de ideia?
— Não. – Colocou a mão na porta de novo, dando a deixa para a menor sair. – Sinto muito, mas vai ter que conseguir tudo isso sozinha. Boa sorte.
— Ok... – Disse já do lado de fora, de costas e pronta para ir embora. – Ah, mas antes... – Virou-se para o rapaz de novo. – Só queria te dizer algo antes de ir de vez.
— O que?
— Apesar de tudo, eu gostei de você e do tempo que a gente passou juntos. Claro que tinha um objetivo maior e fiz tudo com muito egoísmo, mas essa é a verdade. Eu tentei me defender com as armas que tinha e não me arrependo, porém sei que é errado. Desculpa por isso, Yuta.
— Tanto faz...
— É sério, me desculpa. Eu não queria te magoar, mesmo. Espero que a gente continue amigo...
— Acho difícil.
— Enfim, eu gostei de verdade da gente junto, japonês. – Piscou um dos olhos e foi se afastando de ré. – Até logo e desculpa de novo... – Acenou e não obteve resposta, virou-se conforme o menino entrava em casa e foi embora ao mesmo tempo que a porta bateu.
*
Era hora do intervalo e todos os alunos do ensino médio do Colégio Integral de Seul tiravam uma folga das aulas, das tarefas e matavam a fome que era muita naquele horário. Os grupos de Sana e Dahyun já estavam no refeitório e se deliciavam com as comidas fornecidas pela cantina.
Nayeon, Jeongyeon, Momo, Mina, Tzuyu, Jihyo, Jennie, Seulgi, Chaeyoung, Somi e Seungsik dividiam a mesa, os aperitivos e os assuntos com muita intimidade e conforto. Já eram amigos, já estavam à vontade.
— Essa escola não é mais a mesma... – Jihyo comentou. – Sem a Dubu aqui parece tudo tão vazio. – Completou tristemente.
— Real... – Chaeyoung falou. – Segundo dia sem minha bro aqui, 'tá vazio, sem emoção... Muito ruim.
— Foda que ela era a mente de titânio para as pegadinhas, né? – Somi questionou rindo.
— Nem sempre. – Jeongyeon respondeu. – Ela pensava mais nisso, claro, mas a gente também. O lance é que ela sempre levava a culpa para não prejudicar a gente, que podia se ferrar muito com isso, até mais que ela. Pelo menos era assim... – Lamentou. – Agora ela foi expulsa e dessa vez foi totalmente injusto.
— Era mais fácil expulsar a Kim, por isso o Wang o fez. – Jennie disse. – A gente sabe as razões pelas quais a Dahyun fez o que fez, o que a inocenta muito mais, mas de toda forma foi muito nada a ver a expulsão.
— Se a gente levar em consideração o histórico dela, tem um pouco sentido na expulsão, sim... – Mina comentou desconfiada. – Mas eu 'tô ligada que isso foi só uma desculpa que o diretor usou, afinal o histórico da Yuna também não é dos melhores e mesmo assim ela continua estudante daqui...
— Os privilégios de ser sobrinha do mandachuva... – Momo revirou os olhos. – E a Sana, hein? Ontem foi embora mais cedo e hoje não deu as caras... 'Tá fazendo o colégio ficar mais sem graça ainda.
— Ela viajou, mano. – Tzuyu respondeu. – Você não leu o grupo? – Negou. – As namoradinhas viajaram juntas para o Japão. – Forçou um tom de voz meloso.
— Queria estar assim... – Nayeon comentou pensativa. – Viajando para minha terra natal com meu amor... – Deitou a cabeça na mesa e começou a fazer cena. – Ai... Que romântico!
— Que nojo! – Seulgi disse. – Namoro na nossa idade é coisa de louco. – Falou e recebeu muitos olhares desconfiados para si. – Desculpem aí, apaixonadas e comprometidas do grupo, mas é isso aí mesmo!
— Eu concordo! – Jennie disse e esticou a mão, dando um tapinha como cumprimento na mão da Kang.
— O que deu na Nayeon para estar tão romântica assim do nada, hein? – Seungsik questionou. – Abre o jogo, Im! Por quem você está com os quatro pneus arreados?
— Virei assunto?! – A mais velha levantou-se da mesa rapidamente. – Ninguém! – Olhou desconfiada para as amigas, parando nos olhos de Jeongyeon que estava agora um tanto envergonha também. – Vamos terminar de comer que é melhor...
*
Pov Sana
— Está pronta? – Dahyun perguntou quando saiu do banheiro e me encontrou sentada na cama olhando o celular. Assim que ouvi sua voz, bloqueei o aparelho e balancei a cabeça tentando distrair-me do que tinha visto. – Sana?
— Oi.
— Está pronta?
— Sim. Vamos? – Levantei, peguei a bolsa e me pus perto dela.
— O que houve? Está estranha...
— Meu pai mandou mensagem, eu estava lendo quando você falou comigo. – Dei de ombros. – Enfim, não quero pensar nele agora.
— O que dizia a mensagem?
— Ele disse que eu devia mesmo me distrair nessa viagem, que eu podia ligar se precisasse, ele me daria tudo... Depois falou sobre o que conversamos...
— Dizendo o que?
— Disse que pensou num jeito de resolver as coisas, pelo menos parcialmente.
— Como assim?
— Não perguntei, nem respondi nada a ele. Mas a mensagem seguinte dizia algo sobre ele precisar da minha ajuda, que conseguiria se livrar da Sooyoung se eu o ajudasse e eu teria tudo que é meu logo agora.
— Isso é ótimo! – Sorriu empolgada, mas minha reação era neutra. – Digo, você vai aceitar, né?
— Ainda não sei e não quero pensar nisso agora.
— Ok... – Abriu a porta. – Vamos? – Colocou o braço para que eu entrelaçasse o meu. – Você vai gostar do que preparei.
*
— Da... Dahyun? – Falei nervosa ao perceber o lugar que estávamos nos aproximando. – É aqui?
— Sim. – Respondeu séria. O taxi estacionou, a coreana pagou rapidamente e saiu do carro primeiro que eu, esperando-me com paciência. – Calma, eu vou explicar. – Bateu a porta quando eu finalmente fique de pé ao seu lado. – 'Arigato'! – Acenou para o senhor motorista não muito simpático.
— Dahyun... – Falei quando ela tentou caminhar, mas meus pés não se mexiam. – Por que você me trouxe no cemitério?
— Olha, a gente só entra se você quiser, mas eu acho importante que você entre, mesmo que sem mim. – Parou em minha frente e começou com cuidado. – A Mei me deu essa ideia sem querer, ela disse que essa viagem seria boa porque é sua terra natal e eu conheceria mais de você, etc... Comentou que você poderia revisitar o passado e sair melhor disso tudo, então pensei nisso.
— Você sabe que aqui é onde minha mãe est-
— Sim, eu sei. – Interrompeu minhas palavras sem demora, segurou minhas mãos e me encarou profundamente. – Eu acho importante que você visite o túmulo de Kana, revisite seu passado. Acho que com isso você vai ficar em paz, vai desabafar com ela, como há muito tempo não fazia, certo?
— Eu... Eu não sei se consigo, Dahyun. – Falei cabisbaixa e temerosa, então senti seu toque mais forte, apertando mais ainda minhas mãos e acariciando a parte de cima com o dedão. Ela estava na mesma posição, mas eu não a olhava mais, não conseguia. A vontade de chorar já existia e o nervosismo me travou.
— Sei que é uma coisa complicada e eu nem te preparei para isso, não avisei e tal... Mas eu achei que seria melhor assim, juro que fiz na melhor das intenções. – Deu um passo a frente, ficando quase grudada em meu tronco. – Se quiser entrar sozinha, eu te espero aqui, se quiser que eu vá, eu vou. Se quiser ir embora, nós vamos, mas acho importante que encare isso, aproveite e faça disso uma coisa boa...
— Por quê?
— Porque eu sei que a melhor forma de ficar bem e livre dos problemas e das perturbações que os problemas trazem, é encarando tudo de frente. – Soltou minhas mãos e levantou cuidadosamente meu rosto pelo queixo usando a ponta dos dedos. – É uma das poucas coisas que a terapia me ensinou que eu guardo na memória... Confia em mim, hm? – Voltou a segurar minha mão, mas eu não dei a entender que seguiria para dentro daquele lugar.
— Faz tantos anos que não venho aqui... Não sei nem mais onde fica direito, não sei o que eu faria aí dentro, o que falaria...
— Sim, você sabe. Eu sei que você sabe de tudo isso e você também. Pode parecer que não, mas quando aceitar e tentar, sua memória volta e as coisas vão acontecendo do jeito certo... É só se deixar levar, Sana.
— Eu... Eu...
— Ei. – Abraçou meu corpo com força e sem demora. Assim que notou meu estado, agiu dessa forma e foi o suficiente para me deixar quente de novo, como uma pessoa saudável e viva. Acalmei os ânimos com aquele abraço, pensei direito, voltei à realidade. – Não vou insistir, você faz como preferir, mas posso só te dizer mais uma coisa?
— Claro que pode. – Respondi com a voz abafada, afinal estava com o rosto afundado nos ombros da menor.
— O luto não some, nem sei se fica mais fácil, mas você aprende a lidar. Isso tudo aconteceu tão cedo com você, uma perda tão difícil, mas mesmo assim conseguiu seguir em frente, viver. Eu sei e você sabe que sua mãe ficaria orgulhosa. Ela está orgulhosa.
— É... Ela me acompanha por onde eu vou.
— Exatamente. E mesmo doendo até hoje, você sobreviveu, conseguiu. Você conversa sempre com ela, já me contou isso, né? – Assenti com um balançar de cabeça. – Essa vai ser só mais uma conversa, apenas mudou de lugar.
— Não é a mesma coisa que conversar com ela no meu quarto, Dahyun. – Rebati e ela soltou um arzinho pelo nariz em risada, notando minha teimosia.
— Eu sei, mas não precisa de receio da sua parte. É a sua mãe, ela te conhece mais que todo mundo, te ama, e tudo é recíproco. Vai ser um encontro casual, que eu acho importante acontecer para que seu luto fique mais confortável, ao menos, e sua mente mais calma, seu coração sossegado e sua alma... Sua alma encontre a paz ainda em vida, Sana.
— Eu sabia que você era ligada em espiritismo, mas não tanto. – Não sabia o que responder, então disse a primeira coisa que me ocorreu. A verdade é que eu já senti paz com as palavras de Dahyun, já concordei e já senti vontade de acatar, só faltava o finalmente.
— Não sou espírita... 'Cê sabe que não tenho religião e tal... – Soltou-me finalmente e encarou-me com uma certa timidez. Sempre que o assunto caía sobre ela, mesmo que sutilmente ou indiretamente, ela ficava sem jeito. – Eu só acredito que cada um tem uma alma em busca de sossego, paz. E eu quero que a sua encontre isso em vida, sem perturbação quando... Quando seu corpo não responder mais, entende? – Não respondi.
Me peguei pensando por alguns segundos, divagando nas palavras da Kim. Ela falava da morte sem medo, sem demonizar, sem me deixar triste. Era realista, era natural, afinal é algo que vai acontecer com todo mundo e sempre aconteceu. É a única certeza que temos. A morte. E ela não precisa ser terrível ou temida.
O luto é pior, esse eu preciso conviver, curar, enfrentar. Mas também não precisa ser demonizado, é só entender que a vida funciona assim, numa linha tênue junto da morte. É um ciclo, inevitável, mas não impossível de aguentar.
— Você tem razão. – Finalmente disse algo. – Eu vou entrar. – Abracei brevemente a menor, segurei sua mão e me pus a frente, guiando nossos passos cemitério adentro.
*
— É aqui... – Falei quando finalmente ficamos em frente ao túmulo da minha mãe. – Está tão descuidado... – Comecei a limpar a pedra com a mão, tentando tirar toda a sujeira natural sozinha, mesmo que fosse impossível. – Meu pai garantiu que aqui era limpo sempre... Mais uma de suas mentiras! – Bufei irritada.
— Ei... – Ouvi a voz de Dahyun calma e delicada, seguida de um toque sutil em meu ombro, chamando-me. – Peguei isso aqui, acho que a Kana vai gostar de receber flores de sua filha... – Esticou um buque simples, com flores que a Kim colheu ao longo do caminho e eu nem me dei conta. – Aqui, pega! – Segurei e sorri como resposta, ela apenas devolveu o gesto. Um "obrigada" nem sempre precisa ser verbal. – Acho que agora você devia conversar com ela a sós...
— É... – Endireitei a postura, cocei a nuca, desviei o olhar, fiquei inquieta. – Não vai para longe, ok?
— Só o suficiente para não invadir sua privacidade. Se precisar, só falar um pouquinho mais alto que eu escuto e volto rápido. – Deu-me um selinho rápido e foi desgrudando a mão da minha gradativamente.
Observei minha namorada sumir da minha visão e me concentrei no meu mundo, o que ainda estava presente na minha vista. Olhei em volta algumas vezes, repetindo sempre os mesmos focos: árvores, meus pés, céu e o túmulo da minha mãe por fim.
No último ponto eu sempre demorava mais, pensava mais e ao mesmo tempo não pensava em nada. Era uma sensação esquisita, não era ruim, nem incômoda. Era... Boa? Talvez eu só tivesse com as palavras bonitas de Dahyun gravadas em minha mente, mas de toda forma, era como eu me sentia. Meu coração não estava mais descompassado, eu não tremia, não era acelerada, não tinha medo.
Um sorriso bobo vez ou outra escapava, meus olhos eram marejados, mas eram lágrimas de emoção, conforto e felicidade. Eu não sabia direito como começar a falar, as palavras pareciam distantes, eu não conseguia formular uma frase. O nervosismo existia, mas curiosamente também não era ruim.
— Mãe... – Comecei depois de respirar fundo, repetir os focos de visão e paralisar no túmulo em minha frente, focando na fotografia linda e envelhecida da japonesa. – Sou eu, Sana, sua filhinha... Lembra-se de mim, certo? Eu espero que sim, pois eu nunca esqueci de você, nem por um segundo que seja. Sabia disso? Eu penso em você todo o tempo, sua presença ainda é sentida por mim e é por você que eu chamo nos momentos mais emocionantes...
Coloquei a mão na pedra gelada que fazia o enfeite do túmulo e voltei a pensar nas próximas sentenças. Acabei acariciando o local sem perceber, deixei meu cérebro comandar tudo sem travá-lo um único momento. O impulso era fundamental aqui.
— Eu vim te ver... Mesmo depois de muito tempo, estou aqui de novo. Você gostou da minha visita, mãe? – Chorei, solucei e fraquejei. – Desculpa o choro, mas eu juro que são lágrimas de felicidade, viu? Eu estou feliz em estar com você de novo. É tudo saudade, é amor. – Apertei o caule das flores sem delicadeza. – Nossa, como eu sinto sua falta, mãe! Eu sinto tanto... Todos os dias, horas... Eu queria tanto que estivesse viva, mãe. Queria muito.
Chorei sem controle, feito uma criança, feito o meu eu criança que sempre foi emotivo e fraco quando o assunto era minha mãe. Deixei que minhas emoções falassem por mim, que meu choro lavasse minha alma e que tudo fosse sentido logo, sem amarras, sem esconder nada.
— Eu... Eu entendo que você teve que partir, mas eu não gosto disso. Não gosto nadinha. – Soltei em meio ao soluço. – Mas pelo menos ainda posso te sentir comigo, em qualquer hora e lugar. Obrigada por estar comigo sempre, ok? Isso me faz tão bem... Posso te pedir uma coisa? – Suspirei tentando acalmar meu tom. – Promete que nunca vai sair do meu coração, da minha mente... Promete ficar comigo sempre, mesmo distante. Você promete, mãe?
Chorei com força, curvei-me pela intensidade. Coloquei a mão no retrato da mulher, acariciei o vidro que protegia a fotografia, encarei seu sorriso feliz e sorri junto. Sem que eu me desse conta, a tristeza que as lágrimas expressavam, foi embora. O sorriso agora, mesmo que sem jeito e junto de um rosto choroso, representava alegria. Eu estava com ela em mim, eu sentia Kana comigo. E era maravilhoso.
— Eu trouxe flores. – Comecei, mas me interrompi logo. – Eu não, a Dahyun trouxe... Ela é uma pessoa especial para mim, mãe. Ela que me trouxe até aqui, fez com que eu criasse coragem para ter esse momento contigo... Ela é... Ela é especial demais. – Soltei sem medo, mas lentamente. – É o amor da minha vida, você sabia? Eu estou amando, mãe! Como nunca amei antes... É tão bom e puro. Você já se sentiu assim alguma vez? Você gosta da Dahyun, aprova esse namoro? – Ri boba com minha própria fala. – Espero que goste das flores... – Coloquei o buquê ao lado do retrato cuidadosamente. – É um presente meu e da sua nora, ok? Sua filha está apaixonada, Minatozaki Kana!
Gargalhei mais um pouco, enxuguei as lagrimas, estampei o enorme sorriso e a felicidade que sentia e suspirei forte antes de continuar a falar.
— Acho que já deve saber o que aconteceu comigo, meu pai e Sooyoung. Eu sinto muito que você esteve tão próxima de pessoas tão más, mãe. Eu queria ter percebido antes, queria que nada tivesse te acontecido, queria que você não tivesse que pagar pelos erros e inveja dos outros... – Abaixei a cabeça, mas continuei com a mão na pedra gelada. – Eu sinto muito por tudo que você passou, mãe. Eu te amo tanto... O papai errou muito, mas ele cumpriu a promessa que te fez naquela carta, ok? Eu fui líder de torcida, participei de praticamente todos os eventos importantes, sou uma boa aluna, tenho um futuro... Você está orgulhosa?
Dei mais uma pausa, tornei a mudar os focos, a ficar nervosa, a sentir que as palavras estavam fugindo de mim. Respirei fundo, num arfar pesado, olhei para o céu pálido em busca de respostas e forças, achando-as no momento em que tornei a visão para a foto de minha mãe.
— Eu vou conversar melhor com meu pai, sei que é o que você quer. – Respondi a contragosto, mas as palavras só saíram de acordo com o que senti, com o que me ocorreu no momento. Era o impulso novamente, mas dessa vez tinha o dedo de Minatozaki Kana em tais conclusões também. – Só tenha paciência comigo, por favor. Não vai ser fácil com ele. Nem as conversas, nem as soluções... Desculpa, mas não é tão simples, não consigo tão rapidamente.
*
— Acho que conversamos bastante, hein? – Falei rindo. – Eu gostei disso. Eu precisava, para falar a verdade. Obrigada, mãe. – Levantei-me do pequeno toco que estava sentada. – DAHYUN! – Gritei, chamando minha namorada do jeito que ela disse que deveria fazer. – Eu te prometo tentar tudo aquilo que conversamos sobre meu pai, trabalhar o perdão... E prometo me cuidar. – Acariciei uma última vez o retrato e sorri ao fazer isso. – Eu vou viver a minha melhor vida, mãe. Vou fazer isso por nós duas, prometo.
— Chamou? – Dahyun aparece em minha frente suada e ofegante. – Aconteceu alguma coisa?! Como você está?! – Tocava em mim com alvoroço.
— Ei, calma! – Segurei seus braços nervosos e a encarei. – Eu estou bem, olha. – Dei uma volta em torno do meu próprio eixo. – Veio correndo, foi?
— Sim! Você berrou meu nome, eu achei que tivesse acontecido algo grave, meu Deus! – Falou ofegante e com a mão no peito.
— Doidinha... – Ri boba com a cena. – Eu só gritei seu nome, você disse que eu deveria fazer isso quando acabasse aqui.
— Eu disse para me chamar, você berrou meu nome, Sana. Até assustei. – Negou com a cabeça. – Enfim... Como foi? Está bem?
— Desculpa te assustar, meu bem. – Puxei-a pelo pulso e agarrei seu corpo pela cintura num abraço frouxo. – Eu estou bem, muito bem. Eu e a Kana conversamos sobre muita coisa, eu estou mais calma e aliviada.
— Que bom, gatinha. – Piscou um dos olhos e sorriu, depois deu um breve beijo em minha testa, apertando nosso abraço. – Você conseguiu sentir o que eu descrevi ou pelo menos algo parecido?
— Consegui. Devo ter sentido até mais. Senti a paz que você descreveu, obrigada por me trazer aqui, sério. – A olhei com o olhar de gratidão mais honesto que pude expressar. – Agora estou mais leve, sinto que vou aproveitar essa viagem melhor, vou viver mais facilmente daqui pra frente... Eu te amo, loirinha.
— Eu te amo, japa. – Apertou meu corpo num abraço mais forte e íntimo, soltando-me devagar em seguida. – Vamos? – Deu a mão e eu encaixei a minha.
— Vamos.
*
"Toque no meu cabelo
Eu quero te abraçar por completo
Para colorir a névoa branca do seu coração de preto
Você sente que algo está errado?
Eu estou aqui
Não tenha medo
Só quero te dizer oi"
Chapter 32: Big In Japan.
Chapter Text
Big In Japan – Alphaville
"Eu não tinha ilusões
De que um dia encontraria um olhar de relance
De ondas quentes de verão em seus olhos"
*
Pov Dahyun
[...]
— Você costumava vir aqui quando criança? – Apontei para uma biblioteca em nossa frente.
— Sim! – Respondeu empolgada e sorridente. – Nossa, era mágico aí dentro... – Pareceu nostálgica. – Acho que é porque eu era criança e tudo era gigante, novo e muito incrível aos meus olhos, sabe?
— Não quer entrar e ver como está hoje?
— Você não acha chato um rolê numa biblioteca...? – Perguntou receosa. – 'Tô ligada que você não é a maior fã de livros...
— Só não sou uma nerd que nem você, Sana. – Impliquei. – Não vou achar chato, vamos logo. – Segurei sua mão, olhei para os dois lados da rua e ao constatar que era seguro cruzar, o fiz. – Mas você desenrola para gente aí, ok? – Empurrei-a de leve para frente.
— Tem medo de falar japonês, loirinha? – Implicou de volta.
— Não. Eu só simplesmente não sei falar japonês. – Fingi irritação, arrancando uma risada da maior.
Sana cumprimentou a bibliotecária, assinou um caderno grande que tinha no balcão e virou-se para mim, entregando-me a caneta para que eu fizesse o mesmo. Segurei o objeto, cumprimentei a senhora com um sorriso simples apenas e anotei meu nome ali.
Depois disso, Sana guiou-me pelos corredores imensos com prateleira altas cheias de livros e parou na sessão infantil. Parecia reconhecer o ambiente e ao mesmo tempo não. Fiquei em silêncio, observando o lugar e observando a menina em minha frente se reencontrar consigo mesma, mas em idades diferentes.
— Não estou achando... – Ela resmungou baixinho, olhando-me de relance. – Quero comprar um livro.
— Qual?
— Um não, dois. – Corrigiu e continuou a busca, ignorando minha pergunta. Ela estava muito focada nessa missão.
— Quais? – Repeti.
— Quero comprar "O Pequeno Príncipe", ele geralmente fica na sessão infantil...
— E o outro livro?
— Esse outro não fica nessa sessão, é um clássico famoso, deve ficar mais para lá. – Apontou.
— Você por acaso já tem os dois, né? – Perguntei mesmo já sabendo a resposta.
— Sim, mas eles não são para mim.
— Para quem são?
— Você. – Tirava alguns livros da frente, mais focada que nunca.
— Eu?! – Falei surpresa e ela apenas balançou a cabeça positivamente.
— Achei! – Pegou o livro francês e sorriu largamente, virando-se para mim. – Agora vamos pegar o outro, que vai ser muito rapidinho de achar.
Segui a menina, nada disse. Fiquei observando seu jeito empolgado com o coração quentinho. Era fofo. Apaixonante. O sorriso não sumia nunca, a empolgação era contagiante e sua nostalgia era sentida facilmente. Ela estava feliz, eu estava feliz por vê-la assim. Era tão honesto...
— Aqui. – Achou assim que colocou os pés na sessão, segurou o livro grande de capa dura e virou-se para mim em seguida, deixando-me ler o título. – Vamos, vou pagar.
— Você não existe... – Respondi sorrindo boba quando li "Romeu e Julieta" na capa. – Vai escrever uma dedicatória para mim? – Fiz doce, mas eu estava falando sério.
— Vou, mas você também vai. – Começamos a andar até o caixa.
— Como assim?
— Vão ficar na sua casa, estou comprando para te dar, mas eles são nossos, do nosso namoro... – Disse desconfiada. – Certo, "O Pequeno Príncipe" é só seu, estou te dando para lembrar de mim, talvez ele vire seu porto seguro também.
— Meu porto seguro é você.
— Para... – Deu um tapinha em mim, ficando corada com minhas palavras. – Mas o de Shakespeare é nosso, significa bastante coisa no nosso relacionamento, né?
— É... – Corei também, mas não podia me render tão fácil assim. – Tirando o final trágico deles... – Brinquei e Sana reagiu, batendo o livro em meu ombro. – Desculpa, eu precisei. – Ri baixinho e ela fez o mesmo.
— Besta! – Revirou os olhos. – Mas ele lembra a gente no comecinho... Eu gosto de lembrar daqueles dias... Você inocente, toda marrenta e preguiçosa!
— Ei! – Respondi ofendida. – Eu não estava preguiçosa é só que... Esquece, era preguiça mesmo.
— Mas quando você interpretou o Romeu direitinho nos ensaios finais e na apresentação foi tão lindo. – Parou em minha frente, olhando-me com doçura. – Nunca te disse isso, né? Não me lembro, pelo menos... Mas você se saiu bem no papel, 'tá? Se eu disse o contrário foi para implicar com você e tentar me convencer que eu não estava gostando do seu jeitinho bobo... – Revirou os olhos.
— Não lembro se você elogiou, mas se o fez, foi na força do ódio, tenho certeza, então vou fingir que só me xingou mesmo. – Brinquei. – Mas eu sabia que tinha arrasado. Tanto na apresentação, quanto com seu coração. – Sorri convencida, dando beijinhos nos meus ombros. – Mas, preciso confessar que eu errava as falas por dois motivos.
— Quais?
— Primeiro o nervosismo... Você me deixava muito nervosa, japa. Eu odiava isso, odiava gostar disso! – Falei rindo envergonhada e a outra encarava-me com os olhos mais doces do mundo, com muita atenção e paixão. – E depois eu realmente decorei as falas, mas tinha erros constantes porquê... Porque você fica uma graça com raiva e eu amava te ver brigando comigo.
— Sua besta! – Empurrou meu corpo de leve, rindo baixinho. – Até hoje você gosta disso, né? Por isso implica comigo ainda... Frequentemente...
— Sim... – Respondi desconfiada, mas sorrindo junto dela. – Vamos pagar esses livros logo, eu quero sair daqui e te beijar.
— Dahyun! – Repreendeu-me. – Alguém pode entender o que você está dizendo...
— Se tiver algum japonês bilíngue aqui, dane-se! – Respondi despojada. – Eu quero mais é que todo mundo saiba da gente, do nosso amor.
— Se você continuar, não vai dar tempo sairmos da livraria, eu que vou te agarrar aqui mesmo, loirinha. – Desviou o olhar e afastou-se por segurança, fazendo sinal para que eu continuasse a caminhar. – Vou pagar isso logo.
— Tem algum lugar para irmos depois daqui?
— Já vai anoitecer, acho que sei de um bem nossa cara.
*
Já era noite, a lua iluminava o escuro do céu e as estrelas completavam a paisagem divina. Eu e Sana estávamos sentadas no porta-malas do carro, num lugar afastado do movimento da cidade, num ponto alto com uma vista bela. Isoladas de um jeito privilegiado.
Conversávamos sobre qualquer coisa, riamos por nada, ficávamos em silêncio de forma confortável, nos comunicando por telepatia. O vento gelado não era incômodo, estávamos devidamente agasalhadas, o clima era perfeito.
— Sabe o que eu queria agora? – Quebrei o silêncio, virando-me para ela cuidadosamente,
— Um sushi bem recheado... – Respondeu lambendo os lábios enquanto virava-se em minha direção.
— Não... – Respondi de cenho franzido. – É você que quer isso, né?
— Pior que nem 'tava querendo, mas quando você perguntou, foi a primeira coisa que passou pela minha cabeça e agora bateu uma vontade... – Lambeu os lábios novamente, imaginando a refeição. – O que você quer agora, afinal?
— Não vou dizer, você vai brigar comigo.
— Achei que gostasse disso.
— Gosto, mas você não gostaria. – Voltei o olhar para frente.
— Kim Dahyun. – Chamou-me seriamente, mas permaneci olhando para frente. – Agora você vai dizer. – Neguei com a cabeça. – Dahyun... – Senti seus dedos puxando minha cabeça em sua direção. – Fala!
— Por sua conta e risco, ok? – Assentiu. – Essa vista, sua companhia, o ventinho gelado... Tudo isso pede por um... – Cocei a nuca, ficando desconfiada novamente. – Enfim, tudo isso combina com um cigarrinho, sabe?
— Kim Dahyun! – Riu do meu jeito, mas tentava manter a postura brava. – Você disse que não ia mais fumar...
— É, depois daquela briga com minha mãe não fumei mais, mas agora deu uma vontade...
— Vai ter que aguentar essa vontade, não tem verdinha aqui e não estamos em Seul para você ter isso malocado em algum lugar ou conhecer alguém que tem.
— No Japão é bem mais fácil de conseguir se você quer saber. – Falei rápido, virando para frente e mais desconfiada que nunca.
— Como é?! – Seu tom denunciou surpresa. – Como você sabe disso, Kim?
— Só sei, ué. – Dei de ombros. – Enfim...
— Olha, não sou careta, não ligo para baseado, juro. Mas a gente é muito nova, não é bom por agora... – Tentou soar calma, fazendo-me rir da sua falta de tato.
— Então você não é contra maconha? – Virei-me para ela empolgada.
— Não... Mas na nossa idade não é bom.
— Nem o álcool...
— Você tem um ponto. – Ficamos em silêncio, sem comunicação alguma, nem a mental.
— Sana... – Chamei-a depois de um tempo, um tanto receosa, mas sapeca também. – Posso te perguntar algo?
— Pode.
— Se, por acaso, uma hipótese apenas, ok? Se eu arrumasse um 'fininho'.... – Cocei a nuca e encarei seu rosto novamente, menos tímida e mais danada ainda. – Só hoje, só para você provar e... E eu me despedir disso até ter uma idade boa para voltar.... Você fumaria um comigo?
— Hipoteticamente? – Assenti. – Sim..... – Respondeu desconfiada.
*
Pov Sana
— Ainda não acredito que estamos fazendo isso... – Falei encarando o saquinho que segurava. – Não acredito que você realmente conseguiu comprar isso num país que nunca esteve... Você é mais louca do que eu imaginava e-
— Ei! – Interrompeu minha fala, colocando a mão em minha coxa. – Calma... Você está muito nervosa, desse jeito é melhor jogar isso fora, não é legal fumar assim...
— Você é muito experiente nisso, né? – Perguntei retoricamente e notei ela dar de ombros convencida. – Não, não vamos jogar isso fora, foi muito caro.
— Não precisa se preocupar com isso, se você não quiser, está tudo bem.
— O pior é que eu quero. – Respondi deixando o sorriso escapar. – Eu estou eufórica pelo contexto, porque é tudo novo, mas estou empolgada ao mesmo tempo...
— Muito louco tudo isso, né? – Assenti. – Um carro alugado, num país que nós duas não moramos, fazendo algo ilícito assim...
— E o carro é alugado no nome da Mei, já que a nem eu e nem você temos carteira! – Completei e nós gargalhamos alto. – Isso parece tão errado, mas tão certo...
— É bom viver perigosamente às vezes, japa. – Piscou um dos olhos e sorriu danada, deixando-me mais esperta ainda. Senti a velocidade do carro diminuir e reconheci a paisagem pela janela. Tínhamos chegado ao lugar que estávamos antes. – Vamos lá...
Descemos do carro, abrimos o porta-malas, sentamos nele e o silêncio tomou conta novamente. Nos encarávamos de leve, com uma timidez sem explicação. Era inocente, bobo e muito curioso.
— Me dá. – Dahyun disse, pegando o pacotinho da minha mão. – Eu vou bolar, puxar primeiro e depois você, ok?
— Vou precisar... "bolar"? – Perguntei inocente e com receio, recebendo uma gargalhada alta da Kim como resposta.
— Não... – Respondeu quando o riso cessou mais. – Observa. – Tirou a erva do saquinho, esticou na seda, colocou uma espécie de filtro na ponta e começou a enrolar o papel. No fim, lambeu a ponta solta e selou o cigarro. – Vou acender, puxar o ar, travar na garganta e depois soltar. É só repetir isso, entendeu?
— Acho que sim, não parece difícil.
— Se liga. – Pegou o isqueiro, colocou o beck na boca, apertou com os lábios e acendeu a erva. Eu vi a ponta ficar vermelha, a fumaça surgir e Dahyun seguir o roteiro. Eu não iria admitir para ela jamais, mas ela ficou tão atraente fumando... – Agora só soltar a fumaça... – Assim o fez, apontando a cabeça para frente, para que o ar não viesse em minha direção. – Tenta você.
— Certo... – Segurei, coloquei na boca, puxei o ar, travei na garganta e soltei rapidamente. – CARALHO! – Exclamei assustada, tossindo muito e sentindo uma ardência forte.
— Ei, calma... Você não pode puxar tão forte, senão queima o nariz e a garganta... Tossir é normal, por isso trouxe água. – Esticou o corpo para dentro do carro, catou a garrafa e me entregou. – Só relaxa, você vai conseguir. – Pegou o cigarro de mim e fez as mesmas coisas, devagar para que eu entendesse. – Tenta de novo.
— Ok. – Repeti o processo, sentindo arder a garganta de novo, mas bem menos. Traguei por alguns segundos e soltei a fumaça devagar, conforme ela me ensinou. – Fiz certo?
— Fez... – Respondeu rindo. – Já já você vai sentir o efeito, relaxa.
— Você já está sentindo, é?
— Um pouquinho. – Riu mais. – E você, sente algo?
— Nada... Não vai funcionar, tenho certeza!
*
— Porra... – Falei lentamente. – Meu mundo 'tá girando, Dahyyyun...
— É bom, né? – Ela perguntou, deitando-se na grama. – Vem aqui. O céu 'tá girando para mim, vem ver ele girar comigo.
— O céu está sempre girando, a maconha não fez isso, sua boba! – Levantei e agachei em seguida, deitando-me ao seu lado.
— Não é o céu que gira, nerd, é a Terra.... – Rebateu seriamente.
— É VERDADE! – Berrei quando entendi e ri alto em seguida, contagiando a menor. – A Terra gira! – Rimos mais. – O céu não...
— Deixa eu ver as fotos que você postou. – Pediu e eu imediatamente acatei.
— Agora deixa eu ver as que você postou. – Falei empolgada demais para um ato tão simples. Ela mostrou logo em seguida.
— O céu lindão nas nossas fotos... Queria ser astronauta. – Falou de repente ao mesmo tempo que procurava minha mão com dificuldade. – Eu ia tentar brincar de amarelinha na lua... – Achou minha mão, segurou forte e caiu na gargalhada em seguida. – Sana... Você era boa de amarelinha?
— Nunca fui bem em esportes... – Segurei a risada. – Como deve ser brincar de amarelinha na lua? Deve ser muito difícil, já que o céu fica beeeem mais distante, né? – Soltei o riso finalmente, ouvindo o de Dahyun em seguida.
— Mas a gente pula alto na lua, deve ser de boa, então. – Virou-se para mim e encarou-me seriamente. – Vamos até lá e colocar uma bandeira com nossa foto.
— VAMOS! – Encarei-a de volta, empolgada demais com a ideia. – Vamos agora?!
— Vamos! – Sentou-se depressa. – Mas de carro?
— A gente vai até a NASA de carro e lá pegamos um foguete, meu bem. – Levantei-me por completo e estiquei a mão para ela para ajudá-la a levantar também.
— Verdade... – Segurou minha mão e pôs força, levantando totalmente em seguida. – Mas e a Mei?
— Ela tem medo de altura, não vai querer ir conosco para a lua... – Encarei-a com dificuldade, notando um sorriso largo aparecer. – Do que a gente estava falando mesmo?
— Eu não sei! – Gargalhou finalmente, eu acompanhei do mesmo jeito, ficando mole em sua frente e ela me segurando com dificuldade. – Você está muito chapada, Minatozaki! – Soltou-me e encarou-me admirada.
— Você também está, Minatozaki!
— MINATOZAKI? – Berrou rindo. – Errou até meu sobrenome...
— Minatozaki Dahyun, oras! – Rebati com confiança e ela ficou séria de repente.
— Certo, Kim Sana... – Completou boba. – Vamos deitar de novo nessa grama e curtir o céu girando, a Terra girando... – Segurou minha mão delicadamente.
— Você fica tão gostosa chapada. – Soltei sem filtros.
— Sana! – Virou-se surpresa e tímida. – E você fica sem vergonha!
— Posso falar? – Perguntei e quando ela assentiu após deitar-se na grama, eu continuei. – Estou lentinha, meio bobinha e tal, mas até quando estava sóbria fiquei encantada com você bolando o cigarro e a fumaça em volta depois... Ai...
— Gostou, foi? – Ficou de lado, encarando-me.
— Uhum... Gostei muito.
— Você com esses olhinhos baixos e vermelhos... Ai eu vou ficar louca... – Virou-se de frente.
— Você já fez no porta-malas?
— Não... E você, já fez chapada?
— Também não... VOCÊ JÁ? – Virei-me para ela com uma expressão séria, deixando o ciúme tomar conta de mim, mesmo que não seja algo sério de verdade. Porém depende...
— Sana? – Gargalhou olhando para mim. – Eu perdi minha virgindade com você...
— Ah... – Ri junto. – Mas, então... – Olhei para o carro e ele pareceu tão confortável. – Você quer?
— Quero...
*
Pov Narrador
Sexta-Feira
— O que você está fazendo aqui, garota? – Nayeon perguntou quando Miyeon aproximou-se. – Não está suspensa?
— Estou, mas preciso falar com vocês, por isso dei um jeito de entrar no colégio e esse foi o melhor horário... – A Cho respondeu apressadamente.
— Na hora do intervalo? Sério? – Jihyo questionou irritada. – Não é hora para encher a nossa paciência, Miyeon, a gente quer comer em paz, beleza?
— Não, espera. – Insistiu quando percebeu os empurrões. – É sério. O que tenho para falar é do interesse de vocês, juro.
— O que é, garota? – Seungsik perguntou.
— O ano está acabando, as provas finais já são daqui uma semana... A Dahyun pode reprovar se não conseguir se matricular numa escola logo, né?
— E isso é da sua conta? – Tzuyu falou irritada. – Mona, você conseguiu o que queria, pelo menos parcialmente, por que não ignora nossa existência apenas?
— Escutem! – Insistiu novamente, irritada também. – Eu quero que a Dahyun volte para a escola, mas não vou conseguir trazê-la sozinha e o Yuta se negou a me ajudar, antes que insinuem algo.
— O idiota deve ter caído em si e percebeu que confiar em você é furada. – Jennie disse. – Por que justo a gente ia aceitar te ajudar se nem aquele bocó do Nakamoto quis?
— Ele está magoado, com o ego ferido... Ele gostava de mim e eu brinquei com os sentimentos dele... Enfim, vocês já sabem disso. – Miyeon respondeu sem demora. – Vocês querem a Dahyun de volta, certo? Ajudariam muito ela me ajudando... – Tentou soar convincente e obteve toda a atenção para si.
— Qual seu interesse com a Dahyun estudando aqui de novo? – Jeongyeon questionou desconfiada.
— Só quero uma coisa para isso... E só a Dahyun pode me dar, então... – Recebeu olhares curiosos e logo prosseguiu. – Quero a Yuna longe de mim, meu primeiro plano só piorou minha situação e as poucas coisas que a Dahyun fez funcionaram...
— Prossiga... – Mina falou rígida.
— Quero a ajuda de vocês para trazer a Dahyun de volta e a única coisa que quero em troca é que a Yuna me deixe em paz...
— Fale do plano, filha. – Chaeyoung insistiu impaciente.
— Apesar da Yuna não confiar mais em mim, ela ainda fala barbaridades na minha presença. Posso gravá-las e usar isso. Vocês decidem como, podem incrementar o plano... Além disso, consigo entrar facilmente na sala do Wang sem levantar suspeitas e isso nos ajudaria em muitas coisas...
— Nossa, você poderia entrar no computador dele e aumentar minha nota de inglês... – Momo comentou penosa e recebeu um beliscão de sua irmã. – Ai, porra! Pensei alto, foi mal...
— Não, mas o que você disse, mana, até que faz sentido. – Somi começou. – Não aumentar sua nota, isso foda-se, estude mais. – Deu de ombros. – Mas ter acesso ao computador do diretor nos dá muito poder...
— PRA CARALHO! – Seulgi disse empolgada. – Ele deve ter tantos e-mails com os pais de alunos, suborno... E a gente tendo isso em mãos, podemos exigir qualquer coisa ao Wang que ele acata.
— Não. – Mina disse pensativa. – Alunos chantageando um diretor, adolescentes contra adultos, isso só funciona seriamente assim em filmes... A gente até consegue umas coisas com ele, mas são simples, nada comparado a chantagem... Precisamos de alguém igual ao Wang para intimidá-lo de verdade.
— Você diz um adulto ou pai de aluno? – Jihyo questionou.
— Mais que isso. – Myoui falava com um sorriso sacana no rosto, como quem já tinha vencido a batalha. – O corpo docente da escola contra o próprio diretor ia ser algo grande...
— Mas como a gente vai fazer os professores ficarem contra quem paga o salário deles? – Nayeon perguntou confusa.
— A Tiffany pode ser uma boa para isso. – Momo disse. – Ela é nossa parceira e iria concordar. A ajuda dela poderia incentivar outros...
— Exato, mas temos que pensar em tudo... – Suspirou pesado. – Se no computador do chinês tem e-mails comprometedores dele com os pais dos alunos, esses mesmos pais de alunos não aceitariam confrontar o Wang... – A japonesa mais nova continuou. – Então o certo é apelar para o corpo docente, pais que sejam confiáveis e a internet.
— Internet? – Tzuyu falou. – Se a gente publicar algo, perdemos a chance de chantagem, Mina.
— Não, mas faz sentido... – Miyeon falou. – Não precisamos publicar antes, só ameaçar com isso. É algo grande, que dá medo em qualquer um e tem um alcance absurdo, muito mais impacto do que meia dúzia de pais reclamando no ouvido do Wang.
— E o que vocês sugerem, então? – A Son perguntou curiosa.
— Alguns pais podem ficar do nosso lado. – Tzuyu começou. – O da Sana com certeza ficará, ele está queimado com a filha, faria de tudo agora e seria ótimo, já que é o "mais mais" para o Wang.
— Os meus também. – Chaeyoung falou.
— Meu tio topa de boa. – Jihyo disse.
— Os nossos também. – Momo e Somi falaram ao mesmo tempo.
— Meus pais, os da Nay, Jennie e Tzuyu com certeza. – Mina disse. – Já é bastante coisa.
— Os pais do Yuta também, eu garanto! – Miyeon disse. – Mas só isso dá?
— Não. – Yoo começou. – Os alunos também precisam saber disso tudo... A gente começa um motim, que vai resultar em greve e deixar o Wang só com uma opção... Que é parar de autoritarismo e dar mais uma chance para a Dahyun.
— Convencer a galera de querer a Dahyun de volta é que vai ser foda... – Seulgi comentou. – A maioria ficou irada com ela desde a penúltima pegadinha...
— Não precisamos ser totalmente honestos, pessoal. – O outro Kang sugeriu desconfiado. – Vamos ocultar a parte do retorno da Kim para eles, expor apenas os podres do Wang, mas na hora de exigir algo para o diretor, pedir algo para os nossos pais e ameaçar pela internet, a gente fala da Kim.
— É uma boa. – Mina disse. – Precisamos falar com a Sana logo. Ela volta hoje do Japão, certo?
— Sim. – Jihyo respondeu. – Vamos falar com a Dubu também, ela vai se animar, tenho certeza.
*
Pov Sana
— Vai ficar bem? – Dahyun perguntou ao estacionar na frente da minha casa.
— Vou, pode ficar tranquila. – Dei um selinho breve, logo saindo do carro e notando ela fazer o mesmo.
— Seu pai ainda está acordado? – Perguntou enquanto tirava a mala por mim. – 'Tô ligada que você ficou lá em casa até agora para garantir de chegar e ele não te ver...
— Você é danada, hein? Percebeu sem eu dizer nada... – Falava enquanto procurava as chaves na bolsa. – A Mei dormiu logo quando chegamos na sua casa, tomei ela como base... Espero não o encontrar agora.
— Mas se acabar encontrando, mantenha a calma, ok? Lembra da técnica que te ensinei de contar até 10 mentalmente e tal...
— A técnica que você aprendeu na terapia, né? – Assentiu. – Ainda vamos conversar sobre sua terapia...
— O que tem minha terapia?
— Exatamente. O fato de não ter terapia... Vamos conversar sobre você se recusar a ir ao psicólogo.
— Certo... – Coçou a nuca sem jeito. – Você vai ficar bem, né? – Aproximou-se de mim, segurando minha cintura delicadamente.
— Vou. Qualquer coisa eu te ligo, prometo. – Beijou minha boca brevemente e se afastou em seguida. – Te amo.
— Te amo! – Entrou no carro, mas só deu partida quando eu entrei em casa.
Adentrei o recinto com receio. Não queria encontrar com meu pai ou Sooyoung, não quero vê-los ou falar com eles. Queria continuar na paz que essa viagem me proporcionou, pelo menos por hoje. Dormir sossegada, encerrar o dia perfeitamente.
Mas isso não aconteceu.
Enquanto subia as escadas, ouvi um barulho e em seguida uma voz me chamar. Fiquei quieta, não respondi, mas meus passos travaram. Freei no meio da escada, totalmente sem ação.
— Sana? – Era meu pai. – É você, filha?
Não respondi novamente, mas dei continuidade aos passos, subindo lentamente cada degrau. Eu queria continuar ignorando, mas isso também não aconteceu. Pensei na conversa que tive com minha mãe no cemitério, em como prometi tentar agir melhor com meu pai, a enfrentar a situação com a cabeça fria, sem radicalismo.
— Sim. – E então eu acatei a minha própria promessa e respondi à pergunta do homem, freando novamente os passos na escada.
— Está bem? – Ele finalmente apareceu em minha frente. – Fez boa viagem?
— Sim e sim.
— Podemos conversar?
— Pai, eu estou muito cansada da viagem, talvez depois... – Ia continuar a subir, mas ele me chamou novamente.
— É do seu interesse e vai ser breve, eu garanto. – Pediu simples e com uma voz suave, fazendo-me acatar por pura pena. – Depois prolongamos o assunto, só quero que ouça isso logo e antes de dormir. O tempo é fundamental agora, entende?
— Não, não entendo, não sei do que se trata ainda. – Falei enquanto descia para encontrar com ele. – Fale. – Disse parando na frente dele.
— Vamos ao meu escritório. – Sugeriu com calma e começou a andar sem esperar eu responder, então apenas caminhei atrás de si, ainda muda. – É sobre Sooyoung... E sobre aquela mensagem que mandei para você.
— Certo, diga.
— Primeiro... – Afastou-se, foi até sua mesa e pegou uma chave na gaveta, trazendo-a até mim junto de um bilhete. – Aqui é o endereço de uma garagem e a chave da mesma. Lá estão todas as coisas da sua mãe, essas coisas te pertencem, já expliquei por que as deixei lá... – Continuava de forma desconfiada. – Enfim, aqui está.
— Obrigada. – Falei ao segurar a chave, mas ainda não o encarava nos olhos. – Era só isso?
— Não. – Deu as costas e foi sentar na poltrona, apontando para a outra, querendo que eu fizesse o mesmo.
— Vou ficar de pé mesmo. Pode falar.
— Eu pensei direito e logo vamos conseguir colocar um fim nisso, pelo menos do jeito que dá. – Dizia envergonhado. – Sei que nada apaga o que eu fiz, nem te faz me perdoar, mas foi o método que encontrei de compensar e preciso da sua ajuda para isso...
— Tem razão, nada apaga, mas estou curiosa. O que você pensou?
— Vou colocar tudo no seu nome agora. As empresas, as casas, tudo. Você ainda é menor, mas posso fazer um documento que atesta seu poder sobre tudo, deixando-me gerir as coisas só até você ficar adulta... O que vai acontecer daqui uns meses apenas...
— Continue...
— Ou posso emancipar você, se quiser. Me separo de Sooyoung assim que acertar nossas contas, deixando você com tudo que lhe é de direito e é justo... Assim a Choi não terá nada quando nosso casamento acabar.
— E você?
— Continuo na presidência da empresa, se você deixar, mas isso é uma decisão sua. Eu tenho meu jeito de seguir a vida confortavelmente, não precisa se preocupar...
— Não vai pagar pelo que fez com a minha mãe?
— Sana...
— Eu imaginei. – Bufei e revirei os olhos em desdém, virando-me de costas pronta para sair daquela sala. – Você não lamenta o suficiente, pai. – Coloquei a mão na maçaneta.
— Você quer que eu seja preso?! É assim que acha que vai me perdoar? – Fiquei em silêncio, mas petrificada. – Hein, Sana? É assim que quer que as coisas sigam?
— Não sei se vou conseguir te perdoar independente do que faça, Shitara. – Virei-me para ele novamente. – Mas isso me faria considerar... Eu acreditaria que sente muito de fato, mas o que você me ofereceu... – Ri incrédula. – Parece piada... Quer me comprar, não é? Vai colocar toda a fortuna no meu nome, pegar um pouco de dinheiro, depositar num paraíso fiscal para enganar o juiz na hora da separação e conseguir deixar a Sooyoung com o menor valor possível e, por fim, ficar com a grana que escondeu. Acha que é isso que eu quero? Isso que me faria ficar bem ou em paz?
— Sana, filha...
— Se essa era a grande coisa que tinha para me dizer, já disse. Eu não ligo para o que vai fazer, eu só queria ver verdade em você, mas não consigo... Não consigo porque não há. – Respirei fundo antes de continuar. – Você pode lamentar o que ocorreu, ficar triste por mim e se sentir culpado, mas não sente tanto a ponto de abrir mão do dinheiro, da vingança contra a Sooyoung e da ficha limpa, não é?
— Entenda o meu lado também, filha... Já se passaram tantos anos, qual o sentido de me entregar agora?
— Ser justo? Honesto? Fazer o certo, que tal? – Aproximei-me dele e falei de forma incisiva. – Eu quero que a Sooyoung se ferre, quero muito, sempre quis. Mas vingança não é minha prioridade como parecer ser a sua, isso nem toma meus pensamentos mais...
— Então você entende os meus motivos perante a Choi, né?
— Não, pai... Eu sinto raiva dela, quis me vingar, mas eu tenho menos da metade da sua idade, poxa. Você um home adulto, experiente, crescido. E também é culpado. Muito culpado, inclusive. Sua raiva da Choi não tem proporção, não tem sentido.
— Claro que tem! Ela quis e quer acabar com minha família, eu não posso deixá-la sair dessa vitoriosa.
— De fato, mas essa ser sua prioridade é o que me faz ficar mais decepcionada ainda com você... O que deveria ser prioridade é a honestidade, sua confissão. Mesmo acidental, você matou alguém. Se não fosse minha mãe, seria a Choi e isso é muito sério, pai...
— A Sooyoung não merece pena de ninguém, Sana, muito menos a sua.
— Não é pena... Eu só não estou mais tão brava com o mundo, sabe? Revoltada com tudo. Estou conformada com os fatos. Minha mãe partiu há tantos anos, eu sinto saudade, mas o que fazer? Nada vai trazê-la de volta, nem mudar o que aconteceu... A única ponta solta nisso tudo você sabe qual é.
— O autor do crime ser condenado...
— Então você já sabe o que é o certo a se fazer. – Virei-me de costas novamente. Meu tom era ameno, eu estava calma. Surpreendentemente não estava mal. – Agora eu vou dormir...
— Espera. – Pediu quando abri a porta. Eu freei os passos, mas não o olhei. – Se eu me entregar, você me perdoa, filha?
— Não vou te prometer nada, já disse o que tinha para dizer. Faça o que for por você também... Analise tudo, encontre uma resposta e assume. Como eu disse, o adulto aqui é você. – Atravessei a porta e fechei.
*
"Você fez o que você fez para mim
Agora é história, eu vejo
Eis o meu retorno à estrada novamente
As coisas acontecerão enquanto puderem"
Chapter 33: With A Little Help From My Friends.
Chapter Text
With A Little Help From My Friends – The Beatles
"O que você pensaria se eu cantasse desafinado?
Você se levantaria e me deixaria sozinho?
Preste atenção e eu lhe cantarei uma canção
E eu tentarei não cantar fora do tom"
*
Pov Dahyun
"Era uma manhã de domingo, acordei por conta própria e me sentindo descansada. Eram situações raras. Acordar cedo, sozinha e me sentindo bem eram coisas que eu não tinha costume. Levantei-me depressa, fiz minha higiene pessoal e me pus para fora do quarto animadamente.
Tinha em mente fazer algumas coisas. Queria caminhar pelas ruas ouvindo uma música calma e sentindo o vento gelado no rosto, apreciando as pequenas coisas da vida e vendo graça nelas, depois iria até a casa de Chaeyoung jogar algum jogo e rir das besteiras dela, voltando para minha residência no fim do dia. Queria tudo isso, não era complicado, não era nada complexo, era habitual, normal, coisa de jovem, mas parecia que eu não era boa o bastante para isso, não merecia isso.
— Você ouviu o que a psicóloga disse, Sanghun. – Escutei minha mãe dizer sem pudor na voz e no tom das palavras. – A nossa filha não é normal, ela tem os mesmos problemas que você.
— Eu não sou doente! – O homem gritou irritado. Eu ouvia aquilo da escada, encolhi-me sentada em um dos degraus, num ângulo perfeito para ouvir a discussão e não ser vista por eles. – Eu me tratei, eu não fui mimado como a Dahyun, não venha dizer que somos iguais.
— Sanghun, você ouviu a psicóloga... – Dizia com cuidado, tentando convencer o homem e o fazer manter a calma.
— Isso foi uma péssima ideia, inclusive. – Soltou depois de um arfar aborrecido. – Essa sua ideia não trouxe benefício nenhum.
— A ideia de pagar a psicóloga para nos contar sobre a Dahyun não foi só minha e você concordou com ela. – Rebateu também aborrecida.
— Eu achei que isso ia nos dar alguma vantagem, íamos descobrir o que a Dahyun tem, mas não foi isso que aconteceu...
— Você só diz isso porque não quer aceitar que nossa filha é bipolar como você!
— Hyemi! – Berrou. – Eu não sou bipolar e nem a Dahyun... A doutora disse outro nome... É... – Parecia pensar com dificuldade.
— Borderline. – Completou. – No fim, é tudo a mesma coisa, é uma merda lidar, ter, tratar... No que importa o nome científico da coisa? A verdade é uma só e nós precisamos lidar com ela.
— Saber o que a Dahyun falava em consulta com a psicóloga não ajudou em nada, Hyemi, então não vejo outra saída...
— Internar a nossa filha? – Minha mãe perguntou receosa e eu, ao ouvir aquilo, deixei-me fragilizar por completo. Senti medo, tristeza, raiva. Era mais do mesmo, meus sentimentos misturados, a falta de controle e uma culpa anormal sobre mim. – Você acha mesmo que isso ajudaria?
— Agora eu que digo, Hyemi, você ouviu a psicóloga, nós ouvimos a consulta... A Dahyun não está bem e... – Suspirou profundamente antes de prosseguir. – Se ela tem algum problema parecido com o que eu tive no passado, então vamos tratar da mesma forma.
— Você disse que os profissionais da clínica eram brutais, Sanghun... Acha mesmo que é uma boa ideia enviar nossa filha para um lugar assim?
— Eu voltei curado, então, sim, eu acho uma boa ideia. Aliás, acho que é a única saída.
Não fiquei parada para ouvir mais, a conversa principal parecia ter encerrado e minha paciência já tinha esgotado. Não conseguia ficar ali nem mais um minuto. Levantei-me, retornei para o meu quarto, pulei a janela e saí correndo pelas ruas. Eu tinha um lugar para ir, mas me sentia perdida mesmo assim.
Caminhava com pressa, sentindo meu coração mais rápido que meus passos, minha mente mais acelerada que meus batimentos e meu choro já presente. Corri até a casa de Chaeyoung e cheguei rapidamente nela. Não era perto da minha e eu estava cansada depois de tanto esforço, mas não me importava com isso.
— Dubu?! – Minha melhor amiga disse assustada ao abrir a porta e me encontrar exausta sentada no batente. – O que aconteceu? Achei que só viria para cá mais tarde... – Parou em minha frente, agachando o corpo e me analisando com cuidado. – O que aconteceu, meu Deus?! Você parece mal.
— Acabei de ouvir umas coisas dos meus pais... Eles... Eles não sabiam que eu estava ouvindo, acho que imaginaram ser mais um dia normal em que eu durmo até mais tarde.
— O que você ouviu?
— Eles pagam minha terapeuta para me espionar... – Falei sem filtros. – Eu não estou sendo tratada por uma profissional de verdade, Chae, é só mais uma marionete dos meus pais... Eles sabem de tudo que eu confidencio nas sessões, sempre souberam.
— O que mais você ouviu? – Sentou-se ao meu lado, puxando meu tronco para caber no seu abraço.
— Começou com minha mãe dizendo que eu tinha a mesma coisa que meu pai, ele se irritou demais com isso e eu fiquei sem entender nada.
— Pera, quer dizer que seu pai também tem borderline?
— Ele negou até o fim, mas disse que eu deveria ter o mesmo tratamento que ele, já que tenho algo "parecido". – Fiz aspas com as mãos, sentindo repulsa só de lembrar.
— E o que seria esse tratamento?
— Ele quer me internar na porra de uma clínica como se eu fosse louca! – Berrei furiosa. – Ele disse que se curou depois de ter ido, como se transtorno mental fosse algo de outro mundo que precisa de tratamento de choque...
— Caraca... – Continuou o carinho manso em meu cabelo e dizia tudo com um tom calmo, passando isso para mim de forma sutil. – E sua mãe?
— Ela ficou receosa, mas é uma doida junto do velho, vai acabar cedendo e concordando. São dois doentes, se merecem!
— Eu sinto muito por isso, Dubu. O que você vai fazer a respeito?
— Nada. Não posso fazer nada, afinal. Só não vou deixar que me internem, já basta o tanto de medicamentos que tomo todos os dias... – Agarrei o corpo dela com força, sentindo seu abraço fortemente e me acalmando com o toque intenso. Chaeyoung era minha irmã de outra mãe e outro pai, éramos uma só desde sempre e só sua presença já me curava. – Ah, também vou sair da terapia.
— Dahyun... Tem certeza disso? Ela não estava te fazendo bem?
— Não, eu estava me enganando. A única profissional que realmente foi boa para mim foi a que tive quando criança... E ela não pode mais me atender, já que sou crescida agora.
— Por que não procura outra terapeuta, então?
— Quem sabe. – Dei de ombros após me soltar dela. Agora eu não chorava mais, nem tinha os pensamentos tão tortos ou confusos. – Não vai ser fácil achar um outro por conta própria, eu só tenho 12 anos...
— Meus pais podem te ajudar, 'cê sabe que aqui é sua segunda casa, segunda família... – Falou sem jeito, deixando um sorriso delicado escapar.
— Valeu, bro. – Demos um soquinho como cumprimento. – Eu sei disso, ok? Mas por agora vou ficar quieta, não quero nem ver um psicólogo na minha frente, ainda estou revoltada com tudo isso, vai ser difícil confiar em um novamente."
— Tofu...? – Ouvi de longe uma voz conhecida me chamar seguida de um balançar em meu corpo. – Acorde, querida.
— Ai! – Berrei assustada, levantando o tronco da cama e encarando Mei em minha frente. – O que houve?
— Me diz você! – Ela riu. – Estava aqui limpando seu quarto e você começou a falar sozinha, mexendo-se muito na cama, então decidi te acordar. Fiz mal?
— Não... Não fez. – Respondi lentamente, bocejando e coçando os olhos, finalmente despertando. – Que horas são?
— Pouco menos de meio-dia.
— Certo, obrigada. – Tirei a coberta e levantei por completo agora.
— Com o que sonhava, pequena?
— Mais um daqueles sonhos que são lembranças do passado, sabe? – Ela assentiu. – Nada de mais, só sou sensível mesmo. – Dei de ombros e fui até o banheiro. – Mei?
— Hm?
— Meus pais brigaram com você por conta da viagem?
— Não, pequena... – Riu fraco. – Meus dias fora foram como uma licença do trabalho, eles não podiam brigar comigo, afinal eu só usei meus dias de folga acumulados.
— Ah, que bom. – Suspirei aliviada. Pelo menos alguém tem paz nessa casa. – Eles estão, inclusive?
— Não. Ambos saíram cedo. Não perguntei para onde iam, mas ouvi um telefone da senhora Kim. Parece que um processo antigo foi reaberto e está ameaçado...
— Sério?! – Continuei o papo mesmo estando embaixo do chuveiro e Mei em meu quarto, arrumando algo. A distância e as condições não nos impediam de fofocar. – Sabe de algo mais?
— Não, mas se eu souber, conto para você. – Rimos juntas. – Vai farrear hoje, Tofuzinha?
— Não que eu saiba. Ainda não olhei meu celular, não sei se já marcaram algum rolê para hoje, então...
— Entendi. Desça e coma algo antes de sair, ok?
— Como sabe que vou sair agora?
— Tanto sei que vai sair, como sei quem vai encontrar. – Eu não estava enxergando a chinesa, mas tinha certeza que em seu rosto um sorriso sapeca aparecia. – Vai ver a Sana, certo?
— Você me dá medo, Mei... – Brinquei também rindo sapeca. – Pode deixar, eu desço e almoço, só então saio de casa.
— Não esqueça os remédios, hm? Já os separei direitinho.
— Não sou mais criança, você não precisa fazer isso por mim. – Revirei os olhos, mas não estava aborrecida de verdade.
— Para mim, você sempre será um bebê, Tofu. – Riu de leve. – Já terminei aqui, termine rápido aí também, ouviu?
— Sim, senhora!
*
Pov Sana
— Sana, se eu fosse você, aceitaria. – Tzuyu disse sem vergonha. – Arranca o dinheiro do velho, ele vai ser seu de todo jeito, melhor que seja logo, né?
— Eu concordo! – Nayeon falou sorridente. – Seu pai fez merda, uma merda sem precedentes, inclusive, mas não tem como consertar ou mudar, então... Não vejo problema em aceitar e você ainda daria o troco na bruxa da Sooyoung.
— Olha... – Momo começou. – O dinheiro é bom, importante e ia ser seu uma hora ou outra, então concordo com as meninas. Acho que você, Sana, só está associando isso a outra coisa, por isso não quer aceitar a proposta.
— Como assim? – Perguntei.
— Acho que sei o que ela quis dizer. – Mina disse. – Talvez você esteja atribuindo essa ideia do seu pai ao perdão, ao acerto de contas com você e com o passado, quando na realidade não quer dizer isso. Não precisa ser isso, entende?
— Você diz que eu devo aceitar o que ele propôs, mas sem mudar minha cabeça quanto a situação e tal? – Assentiu. – Mas, e se aceitando eu der falsas esperanças para o meu pai e o fizer pensar que sua culpa e responsabilidade diminuíram?
— Só deixar bem claro isso para aquele cara de 'furico. – Somi falou dando de ombros. – Chega nele e manda o papo, sabe? Sem rodeios, sem meias palavras. Só chega e diz o que você quiser, sendo honesta e esclarecendo suas condições.
— Oloco, pirralha. – Tzuyu disse boquiaberta. – Macetou com as palavras agora, hein? – Fez que ia dar um soquinho como cumprimento, mas a Jeon desviou com um tapinha na mão da taiwanesa.
— Pirralha é sua vó, Chou. Só sou um ano mais nova que você, se manca. – Provocou revirando os olhos, causando gargalhada no resto.
— Certo, agora que estamos atualizadas das novidades de todos, já compartilhamos tudo que precisava ser compartilhado... – Jennie começou desconfiada. – Podemos falar sobre algo muito importante e que está todo mundo necessitado?
— O que? – Momo perguntou confusa.
— Acho que já sei... – Nayeon sorriu sacana, acompanhando o raciocínio da prima.
— Que língua vocês estão falando, mano? – Perguntei do mesmo jeito que a Hirai.
— Já saquei e já 'tô resolvendo. – Tzuyu falou olhando o celular. – Jihyo teve a mesma ideia, mandou mensagem e-
— BOATE DO TIO DELA?! – Nayeon berrou empolgada e a Chou assentiu da mesma forma. – AI, PAPAI!
— Ah, era isso? – Mina disse não mais confusa. – Festa mais tarde, então?
— Com toda certeza desse mundo! – Jennie falou.
*
Anoiteceu em Seul, mas a cidade não escureceu junto. As luzes dos prédios, das boates, dos postes e dos bares eram claras, chamativas e convidativas. Os faróis dos carros no pequeno trânsito que existia também não eram incômodos, eram sinônimos de alegria, festejo e vida. Afinal, cada um daqueles veículos comportava pessoas felizes, eufóricas e ansiosas para entrarem de vez na Double 9.
A fila da boate era grande, mas não continha estresse, agonia ou qualquer sentimento ruim. Aqui a regra era clara, só existia uma exigência para entrar fora o ingresso: a diversão em primeiro lugar. O tio de Jihyo estava presente hoje e excepcionalmente também curtia o lugar, a música, as pessoas. Ele dançava conforme a canção, conforme a emoção e não parava.
Os portões se abriram logo, nós entramos sem pressa, todos juntos, cheirosos, arrumados e empolgados. Cada um tinha uma aura diferente, uma euforia específica, mas que no final, se combinava com a outra, fazia-se essencial para uma noite inesquecível.
Minha namorada me buscou em casa, mas seu carro já estava lotado. Chaeyoung, Somi e Jeongyeon ocupavam os assentos traseiros e o banco ao lado da motorista aguardava por mim. Entrei, conversei, ri o caminho todo. Na boate, encontrando o resto da turma, não foi muito diferente. Nós dançamos, gargalhamos, bebemos, cantamos, tudo em uma intensidade boa, forte, porém necessária. Seguíamos o roteiro improvisado que o momento pedia, não tínhamos amarras, receios ou vergonhas. Apesar do lugar estar cheio, parecia que só nós, amigos e cúmplices, existiam no momento.
— Ei, o álcool já bateu forte ou ainda temos que esperar para começarmos com as brincadeirinhas bobas? – Seulgi perguntou eufórica, aproveitando o momento que a turma tirou para descansar e se reunir novamente em volta da mesa.
— Por mim, toda hora é hora. – Jennie disse levantando seu copo quase vazio para um brinde consigo mesma. Ela não estava tão sóbria...
— Que brincadeira boba? – Jihyo perguntou desconfiada, mas empolgada também. Sentiu sua cintura ser envolvida pelo braço de Tzuyu e não hesitou. Deixou o toque acontecer em público, com intimidade e sem receio. O álcool nela já fazia efeito.
— Sei de uma muito show! – Dahyun falou, soltando-se de mim, puxando uma cadeira e sentando-se na mesma de forma invertida. O encosto da cadeira estava na frente de seu corpo e ela usou a região para apoiar a mão que segurava uma bebida. Nem preciso dizer que o teor alcoólico da minha namorada também era elevado...
— Diga, senhora Dubu! – Chaeyoung gritou animada. – Só não me venha com verdade ou desafio, essa já está batida...
— Nah... – Ela negou desajeitada. – O objetivo dessa aqui é cutucar o outro e beber muito! – Sorriu e arrancou sorrisos. – É um pouco parecida com verdade ou desafio, mas a verdade é opcional e o desafio é um shot de bebida!
— Explica isso direito, mano. – Momo disse com dificuldade. – Melhor, começa a brincadeira que a gente vai entender.
— Show! – Dahyun disse sapeca, catou uma garrafa vazia, colocou a mesma na horizontal e girou. Antes que o objeto parasse, ela virou-se para todo mundo e chamou, num aceno alvoroçado, todos para perto da mesa. Assim que acatamos, a garrafa parou.
— Oba! – Tzuyu berrou animada ao ver que o gargalo apontava para si. – Agora eu pergunto algo para qualquer pessoa, né? – Minha namorada assentiu. – Ok... Jennie, é verdade que você é a bissexual mais hétero que existe?
— O que?! – Falou a Kim, indignada. – Como assim, Chou Tzuyu?
— Você prefere homem...
— Claro que não!
— Então prova, mô. – Sugeriu sapeca, apontando para a Kang.
— Mana... – Jennie encarou Seulgi de maneira tímida, ameaçou pegar o copo e beber o shot, mas quando a garota citada fez drama, a Kim mudou de ideia e acatou a sugestão da taiwanesa, beijando-a sem pudor algum.
— EITA PORRA! – Jeongyeon berrou surpresa. – A Kang não era inocente?!
— Eu estou chocado! – Seungsik disse boquiaberto. – Realmente somos gêmeos até na viadagem... – Riu.
— Minha vez de girar essa bagaça! – Falei já um tanto alterada.
— Não seria da Jennie? – Nayeon questionou risonha.
— Se ela terminasse de engolir a Kang... – Brinquei observando as duas gays se afastarem da turma para continuar os beijos com mais privacidade. – Beleza, vou girar. – Assim o fiz. – Tzuyu! – Falei sorrindo de um jeito maléfico. – Você está solteira? Se sim, tem que beijar alguém agora... – Continuei perversa. Eu sabia das condições do namoro da minha melhor amiga, cutuquei sutilmente para ajudá-la. Estávamos todos bêbados, ninguém se lembraria do dia de hoje com clareza, muito menos julgaria alguma coisa. Era a situação perfeita.
— Minatozaki Sana... – A estrangeira arregalou os olhos e me fitou em seguida, já se aproximando da mesa para se servir uma dose de vodka. Olhei ao redor e todo mundo estava sorridente, mais avoado que nunca, mais suave que qualquer coisa. Tzuyu não percebeu o contexto assim como eu e resolveu desperdiçar a oportunidade.
— Meu bem! – Ouvi Dahyun dizer incrédula com minha atitude. – Você é doida?
— Eu não, a Chou que é por deixar passar algo assim... Eu tentei ajudar. – Falei perto de seu ouvido depois de sentar em seu colo, quando ela finalmente ajeitou a cadeira para a posição normal. – Meu deus! – Soltei chocada com a cena que estava presenciando.
— E você é solteira, Tzuyu? – Jihyo disse fazendo pose de brava, travando as ações da maior, que assentiu com medo. – Se é, então me beija.
— MANO! – Mina berrou empolgada. – PUTA QUE PARIU! – Bateu palmas em torno de si, que foi o tempo que durou o distanciamento das duas pombinhas.
— Que cabaré essa brincadeira que você sugeriu, hein? – Jeongyeon falou rindo. – Já formamos dois casais e eles já vazaram da rodinha para prolongar essa aproximação...
— Que inferno ser o único homem gay no meio de um bando de mulheres! – O Kang proferiu insatisfeito. – Ninguém pode me desafiar a algo assim... Que vida cruel!
— É verdade, mas você ainda pode desafiar alguma de nós. – Momo falou empolgada, agarrou a garrafa e entregou para o rapaz. – Gira, faz teu nome, solta um veneninho... – Piscou para o rapaz que recebeu e acatou a sugestão com um sorriso malandro no rosto.
— Nayeon! – Ele berrou quando a garrafa parou. – Quem dessa roda, incluindo as que já vazaram, você pegaria? – Falou sem rodeio e a Im travou, cena incomum demais. – Bebe ou responde? Anda, criatura!
— Eu respondo, mas preciso beber para isso! – Ela falou nervosa, mas um tanto eufórica também. Pegou a dose que Tzuyu não engoliu e bebeu sem enrolar. – Yoo, vem aqui... – Chamou a coreana com os dedos e estampando um sorriso malicioso, deixando Jeongyeon vermelha de vergonha.
— PORRAAAAAAA! – Somi berrou. – Ninguém vai beber, não? – Ela soltou quando viu que a Yoo cedeu ao chamado da mais velha e sumiu no meio da multidão. – É tão fácil assim desafiar vocês?
— Se acha isso, então lança uma bomba pesadíssima agora. – Dahyun disse despojada.
— E eu vou mesmo!
*
— Ei... – Falei entrando no banheiro que minha namorada estava. – Você saiu faz tempo, fiquei preocupada com a demora. – Disse depois de ter certeza em qual cabine ela estava. – 'Tá tudo bem, loirinha?
— 'Tá, sim. – Respondeu rapidamente e destravando a porta, abrindo-a em seguida. – Vem aqui. – Puxou minha mão com tudo e fechou a porta novamente.
— O que foi, hein? – Perguntei mansamente enquanto me ajeitava em cima dela. Dahyun sentou na privada fechada e me puxou pela cintura para que eu fizesse o mesmo, mas em cima dela. – Você está meio diferente desde hoje cedo...
— Nos vimos por alguns minutos só e você já concluiu que eu estava estranha? – Riu sapeca. – Só sonhei com umas coisas aí. – Deu de ombros e iniciou um carinho leve em minhas costas.
— E o que foi esse sonho?
— Nada que valha a pena ser dito agora... – Mordiscou o lábio inferior, encarando meus olhos de leve e descendo a mão que antes estava em minhas costas.
— Nem vem... – Tirei sua mão boba e segurei seu rosto delicadamente. – Depois eu te dou o que quiser, faço o que quiser... Mas agora, desabafa comigo, vai. – Fiz bico e ela se rendeu facilmente.
— Chata. – Revirou os olhos e suspirou antes de continuar. – Um lance que meus pais fizeram comigo no passado, uma ideia torta de me internar que nunca foi para a frente, não literalmente, pelo menos...
— Como assim literalmente?
— Ah, com o tanto de remédio que tomo desde sempre, minha vida normal ficou quase como a de algum lunático numa clínica, sabe?
— Quantos anos você tinha?
— Doze.
— Acordou bem, só com a lembrança e um tanto chateada ou pior?
— Mei me acordou, ela disse que eu estava me mexendo muito e falando sozinha enquanto dormia. Levantei com um pouco de dor de cabeça e meio tonta... Isso rolou pela carga emocional do sonho só. – Deu de ombros de novo, falava com pressa e sem mais me encarar.
— Por que você fica assim? – Franziu o cenho com minha pergunta. – Por que sempre fica assim arredia, nervosa, distante quando o assunto é você e seus sentimentos, seus problemas...?
— Não curto muito falar sobre nada disso, você sabe.
— Nem comigo? – Negou com vergonha. – Então, com uma psicóloga. – Arregalou os olhos e ficou na defensiva de repente. – Eu disse que precisávamos falar disso, né? Acho que é essa a hora, então...
— Não quero terapia, Sana, valeu.
— Não precisa ficar rígida, amor. – Acariciei suas bochechas com os polegares, fazendo-a olhar para mim devagar, mesmo que com dificuldade. – Por que essa resistência com o psicólogo? Você sabe tanto sobre essas coisas, já se tratou e até me ajuda com o que aprendeu em sessão... Por que não faz esse bem a si mesma também? – Perguntei com delicadeza, tomando todo o cuidado para não dizer nada radical ou que lhe desse gatilho. Queria conversar com ela sem amarras, mas também sem fazê-la se fechar de novo.
— Sana... – Ela começou devagarinho, de um jeito que não conseguia decifrar o que viria a seguir, o que ela estava sentindo, se agi certo ou não. Senti-me nervosa com os segundos mais longos que o normal, mas Dahyun não parecia tensa como eu. Um sorriso malandro começou a brotar em sua face, deixando-me mais confusa ainda e curiosa também. – Qual seu poder, hein, japa?
— Como assim? – Sorri junto, mas ainda receosa.
— O sonho que eu tive foi a lembrança do motivo pelo qual hoje não consigo fazer terapia... – Soltou um arzinho pelo nariz, colocou as mãos em meu rosto e acariciou a região do mesmo jeito que fiz com ela minutos atrás. – Perguntei seu poder porquê... porque você sempre sabe quando eu estou mal, mesmo que me esforce para parecer o contrário. E você tem uma sutileza, uma maestria e uma facilidade em arrancar de mim a verdade. Consegue tocar no ponto certo, sem que eu precise dizer nada...
— Que tal me contar direitinho como foi esse sonho, hm? – Beijei de leve sua boca, falando entre beijos e numa distância curta de nossos rostos. Coloquei o cabelo da coreana atrás da orelha, persisti com o carinho na bochecha e olhei diretamente em seus olhos sem desviar. Sua pupila era dilatada, sua íris brilhava por mim e tenho certeza de que eu estava da mesma forma por ela.
*
Pov Dahyun
No dia seguinte...
— Então, é isso? – Perguntei um tanto confusa, mas já visualizando tudo com satisfação. – Vamos fazer tudo isso e eu vou voltar para a escola e dar um jeito na Shin?
— Exatamente. – Miyeon respondeu séria. – Você aceita, Kim?
— Só se me pagar um milk-shake de cereja. – Falei brincalhona e ela revirou os olhos. – Sim, eu aceito. – Sorri feliz e Miyeon, junto dos meus amigos, fez o mesmo. – Posso perguntar algo rapidinho? – Falei depois de pigarrear e hesitar por vergonha.
— Diga, queridona. – Jeongyeon disse.
— Por que vocês todos revolveram fazer isso? Digo, nem é tão importante, minha função é incerta e... E por muito tempo muitas de vocês não gostava tanto assim de mim... – Finalizei desconfiada e arrancando uns risos tímidos.
— Dubu, a gente te ama! – Jihyo disse fazendo um coração com as mãos.
— E a gente não te detesta mais, Kim. – Mina começou marrenta. – Digo, quem te detestava antes, não detesta mais e quem era indiferente, já te considera muito também...
— Você me considera pacas, Minari? – Falei timidamente já deixando um sorriso aparecer.
— Sim... – Ela assentiu a contragosto, fazendo pose de má e revirando os olhos.
— Dubu, ninguém aguenta aquela escola tediosa sem você. – Somi disse. – Deu saudade das pegadinhas bobas e de ver a veia no pescoço do Wang quase estourando de tanto estresse! – Riu com vontade.
— Você era meio que a reparação histórica dali, Dahyun. – Tzuyu brincou.
— E a gente te deve isso, Kim. – Nayeon comentou. – Você ajudou a gente, principalmente a Sana. Apesar dos pesares, você não merece ser expulsa.
— Ajudou mesmo. – Seulgi começou emotiva como sempre. – Nem preciso dizer o quanto fez por mim, né? Enfim... Vamos começar esse plano logo, quero a Dahyun na escola até terça-feira no máximo. – Bateu palmas, andando rapidamente, apressando a todos na sala.
Assim como no dia que lembrei em sonho, hoje era uma manhã de domingo onde eu me sentia feliz por viver, pelas coisas básicas da vida, via graça no vento, sorria para o meu reflexo. Estava tudo bem. Mas, diferente daquele dia, eu ia encerrar hoje do mesmo jeito que comecei: sorrindo. Não teria crise, não teria gatilho, nada de ruim. Não agora, não hoje.
Conversar com Sana sobre meu bloqueio com a terapia me ajudou não só a lembrar desse fato com mais leveza, mas também, depois de tantos anos, a conseguir cogitar voltar a me tratar com um psicólogo.
Eu estava calma, leve. Graças a Sana, sua insistência sutil, sua habilidade formal em me fazer falar e sua maestria delicada em me fazer sentir sempre melhor. E eu estava feliz, como naquela manhã de anos atrás, dessa vez por nada e por tudo. Eu sorria com meus amigos, estava orgulhosa de mim mesma pelo que construí. Percebi que sou cercada de amor, de amizades verdadeiras, do mais honesto dos sentimentos: a gratidão. Eu amo isso. Vou sorrir por hoje, vou ficar bem. Só por hoje.
*
"Oh, eu me safo com uma ajudinha dos meus amigos
Hmm, tentarei com uma ajudinha dos meus amigos
Oh, eu fico doidão com uma ajudinha dos meus amigos
Sim, eu me safo com uma ajudinha dos meus amigos
Com uma ajudinha dos meus amigos"
Chapter 34: Hey Kid, Close Your Eyes.
Chapter Text
Hey Kid, Close Your Eyes – AKMU
"Sem nem saber que sangrava
Você acelera seus passos
O que é que você tanto ama
Que te faz sobreviver tantas vezes?
Ei, criança, feche seus olhos
Mesmo que esteja sufocante, aguente só mais pouco"
*
Pov Dahyun
Olhei os corredores e só segui o caminho ao constatar que não havia mais ninguém ali, que ninguém me veria e que eu poderia continuar sem maiores preocupações. Assim o fiz. Caminhei com pressa, desviando das câmeras que eu já sabia onde estavam, afinal conheço esse lugar como a palma da minha mão. E cruzei a linha que demarcava o final do ambiente tão familiar por mim e o início do território nada conhecido.
Pelo menos eu não tinha que me preocupar com vigia, ninguém lota o interior da própria casa com câmeras de segurança... Assim eu espero. Caminhei devagar, observando os cômodos e seguindo com cautela ao perceber que estavam vazios. Não conhecia a planta da residência, então vasculhei o lugar todo até finalmente achar o que tanto procurava.
E quando encontrei, abri a porta, entrei e a fechei novamente. O horário não era favorável ao meu tédio, já que teria de esperar aqui longas horas até o intervalo, mas era perfeito para que eu conseguisse adentrar o quarto e esperar a dona voltar sem empecilhos. Assim seguiu.
— Oie. – Falei simpática e sorridente, fazendo um "V" com os dedos.
— AI, PORRA! – Berrou assustada, virando o corpo para mim e aos poucos deixando a expressão de medo dar lugar a uma de raiva. – O que você está fazendo no meu quarto, Kim Dahyun?
— Bom dia para você também, Yuna. – Sorri novamente e caminhei em sua direção, saindo de trás da porta. – Gostou da surpresa?
— Não. – Respondeu com os olhos cerrados e estresse aparente. – O que você quer aqui? Não pode vir na escola, foi expulsa, esqueceu?
— Pois é... – Tossi antes de continuar, puxei uma cadeira e sentei-me de forma despojada. – É exatamente sobre isso que vim falar com você... E, ah, eu não estou na escola, bobinha, estou na sua casa.
— Que fica nos fundos do colégio, uau! – Desdenhou. – O que você quer, mano? Fala logo, não tenho o dia todo...
— Engraçado, porque agora que eu estou fora da escola, você não precisa mais confabular para me expulsar e, além do mais, seus comparsas todos já foram revelados... Me diz, o que você faz da vida agora? – Provoquei sorridente, arrancando um arfar aborrecido da Shin. – Ok, ok, não vou encher muito seu saco, mas escuta o que eu tenho a dizer.
— Diga rápido e saia.
— Então... Lembra-se que seu tio querido me expulsou, né? – Comecei fazendo uma cena besta. – Muito injusto, inclusive. Você não achou?
— Não.
— Dane-se. – Respondi de imediato. – A questão é: uma semana já foi o suficiente, já aprendi a lição, ele já pagou de bom diretor, agradou uma galera e tal... Já 'tá na hora de me aceitar de volta. – Finalizei com um sorriso simpático.
— Você está drogada? – Riu debochada. – Isso nunca vai acontecer. Meu tio não quer e nem pode, além de que eu não deixaria jamais. – Encarava-me com uma superioridade irritante.
— Poxa, eu quis fazer as coisas mais fáceis para vocês, Shin... Mas, pelo visto, não terei outra escolha. – Levantei-me. – Foi bom conversar com você, de toda forma.
— Espera. – Falou quando eu já ia embora. – Como assim? O que você pretende?
— Eu vim aqui atrás da sua ajuda, sabe? Facilitar as coisas pra mim, conseguir o que eu quero de forma prática, mas já que não aceitou, tudo bem. – Virei-me para ela e proferi o mais cínica possível.
— Deixa de teatro, Kim, fala logo.
— Não. – Adotei uma postura sincera do nada. – Mana, te dei a chance de ser legal e sair dessa sem se prejudicar, mas quis pagar de fodona... Agora, deixa eu ir...
— Espera, porra! – Fechou a porta brutalmente. – O que você tem contra meu tio para falar tão seguramente que vai voltar para a escola?
— Você me dá uma vontade absurda de contar histórias, Shin. – Ri fraquinho, deixando-me levar pela onda. – E é tão fácil chamar sua atenção, nossa! – A maior suspirou aborrecida. – Ok, eu falo... Mas antes, responde algo para mim.
— O que?
— Por que você é tão má? – Falei sem filtros e sem demora, a garota denunciou choque em ouvir tal questionamento e eu, apenas mentalmente, também fiquei chocada com sua primeira reação. Toquei num ponto delicado de repente, ela não esperava por isso e estava sensível há tempos, então reagiu dessa maneira. – Yuna? Ei, 'tá tudo bem? – Deixei-me preocupar quando a garota ficou séria após minha pergunta, seu olhar era perdido, quase não piscava, do nada ficou vulnerável e sem armas.
— Por que você está fazendo isso, hein? – Foi só o que ela disse. Virou-se de costas, apontou com a mão para que eu saísse, mas não acatei. – Sai, Kim, não quero saber o que tem contra mim ou meu tio, faça o que quiser eu... Eu não vou atrapalhar.
— O que eu disse para te deixar assim? – Aproximei-me dela, que já se isolava do mundo deitando-se na cama. – Olha, eu não queria despertar nenhuma crise em você, foi mal...
— Não é sua culpa. – Disse sem me olhar nos olhos. – E, respondendo, eu não sei direito porque ajo assim, o motivo de fazer as maldades que faço é desconhecido...
— Nem fodendo que vamos ter uma sessão de terapia agora... – Pensei sem expressar nada. – Ah, mas isso vai ser bom pra galera fazendo aquilo lá e-
— Dahyun? – Ela falou e arrancou-me dos meus pensamentos. – Você pode sair agora?
— Posso. – Respondi rapidamente. – Mas... Tem certeza que quer? – Ignorei o plano, a raiva que eu sentia da Shin, a pessoa que ela era. Eu só fiz o que meu coração e mente combinaram. Agi por impulso, como quase sempre faço. – Digo, ao que parece você precisa muito desabafar.
— Preciso mesmo, preciso há anos... Mas não vai ser com você que vou fazer isso. – Disse aumentando o tom, querendo passar uma energia de malvada novamente, mas aquilo só soava como um pedido de socorro. – Vaza daqui, porra.
— Entendi... – Não mexi um músculo. – A Miyeon falou comigo, disse que as coisas entre vocês só pioraram depois que... Depois de você-sabe-o-que aconteceu... Eu vi as marcas no braço dela, Yuna, a Cho confessou que foi você a autora daqueles vermelhos...
— Eu já pedi desculpas a ela! – Rebateu num tom alto. – Logo depois de fazer eu pedi desculpa, chorei até... Eu lamento muito isso, odeio violência... Até com você, que sempre quis ferrar, nunca apelei para toque físico.
— Eu sei, mas se odeia, por que faz isso? Sabe, Shin, violência não é só física... Quando você aperta os braços da Miyeon em repreensão, intimidação ou sei lá, deixa marcas visíveis para todo mundo ver, mas não é só isso que é maldade. – Comecei delicadamente. – Você chantageia a Cho e vários outros alunos, xinga outros, intimida, expulsa... – Disse receosa, não queria que parecesse que meu discurso era sobre mim. – Isso também é violência, é errado e faz muito mal...
— Eu sei! Eu sei, ok? – Gritou agoniada, levantando o tronco da cama e me olhando já chorando muito. – Já conseguiu o que queria, Kim? Me maltratar em vingança? Então sai logo daqui!
— Eu não estou sentindo prazer algum em te ver nesse estado, Yuna... – Aproximei-me mais ainda de seu corpo, sentando-me na ponta da cama sem pedir permissão. – Por que você faz o que faz com os outros se no final se arrepende, chora e reconhece que é errado?
— Eu já falei que não vai ser com você que vou desabafar.
— Já fizeram o mesmo com você no passado, né? – Perguntei ignorando seu jeito arredio e mais uma vez recebi uma reação de choque. Ela ia berrar de novo, talvez levantar e me expulsar com as próprias mãos, mas quando ouviu minha pergunta, paralisou. Não moveu um músculo, encarou o nada com angústia, deixando o silêncio nos ensurdecer.
— Dahyun... – Finalmente disse algo depois de longos segundos sem som. – Sai, por favor.
— Não vou mais insistir. – Levantei-me. – Se quer isso, eu saio. – Fui até a porta, coloquei a mão na maçaneta e a olhei de novo. – De toda forma, se quiser conversar de novo, eu estou aqui. Podemos esquecer as diferenças por alguns minutos, eu não nego ajuda nunca e não pense que é pena... Eu não sinto pena de você, ninguém merece um sentimento assim... É empatia, ok?
— Empatia por quê? Se eu já te fiz tanto mal, mal a suas amigas, ao seu grupo todo, a sua namorada... Você tem que sentir raiva de mim, é o que eu mereço, é o certo. O certo é sentir raiva de quem nos faz mal... – Falou com a voz abafada pelo travesseiro.
— Seguindo sua lógica, então o certo é a vingança, né? – Assentiu. – Desse jeito eu viro o opressor, Yuna.
— Você já se vingou de mim algumas vezes, Kim, não venha pagar de santa.
— Eu sei, mas existe uma diferença...
— Qual?
— Você sabe qual ou ainda vai descobrir. Eu espero que isso seja logo, inclusive. – Abri a porta. – O que eu disse é verdade, ok? Se precisar, pode me chamar.
— Por que você tem empatia, afinal?
— Porque a gente é parecida no fim das contas. Mesmo com situações e reações diferentes, se colocarmos tudo isso na ponta do lápis, fica igual.
— ...
— Eu já vou. – Falei ao esperar uma resposta da mais nova e não receber. – Fique bem. – Bati a porta e segui.
*
Estava na calçada da frente do Colégio Integral de Seul esperando meus amigos saírem pela porta. Era o fim do dia letivo e o início do meu retorno. Fiz minha parte no plano e aguardava ansiosamente para saber se os outros tinham feito as funções deles também.
— E aí, Dubu! – Jeongyeon falou sorridente ao atravessar a rua e me cumprimentar com um soquinho.
— Bro! – Chaeyoung falou, fazendo o mesmo.
— Deu certo lá com a Yuna? – Sana perguntou após darmos um breve selinho.
— Deu... Mas foi estranho. Enfim, depois conto os detalhes. – Respondi eufórica. – Quero saber de vocês, se conseguiram também.
— Eu consegui. – Miyeon disse orgulhosa ao chegar perto de nós e ouvir o fim da minha frase. – O Seungsik me ajudou muito com isso, inclusive. Sem ele não teria dado certo. – Falava enquanto puxava um notebook da bolsa. – Aqui.
— O que tem aí dentro? – Perguntei segurando o objeto.
— O pc do Wang todinho... – O Kang respondeu satisfeito. – Ensinei a Miyeon a copiar tudo. Enquanto nos falávamos por ligação e eu dava as coordenadas para ela, a Cho executava direitinho e rapidamente terminou.
— Boa! – Falei animada. – Então vocês conseguiram distrair o Wang direitinho, né?
— Foi molezinha... – Seulgi disse sorridente. – Eu inventei umas mentiras, disse que estava fraca, quase desmaiando e que a Jennie tinha me encontrado no corredor muito mal.
— A gente meio que merecia um oscar por isso, ok? – A Kim mais velha falou rindo. – O coitado do diretor até suava de nervoso.
— E a secretária? Quem distraiu? – Questionei curiosa pela história.
— Eu e a Momo, obviamente. – Nayeon respondeu. – Ela é fofoqueira demais, não foi nada difícil... Só começamos a falar umas fofocas bobas do time de futebol, das líderes, etc.
— Rapidinho aquela futriqueira esqueceu do trabalho. – Momo completou.
— E as que ficaram de folga por hora, estão preparadas para depois? – Perguntei desconfiada.
— Nasci pronta! – Chaeyoung disse. – Já está tudo no esquema, Dahyun.
— Ah, é? E posso saber como? Vocês não me deram muitos detalhes do plano, só detalharam minha função, a qual eu fiz direitinho inclusive. – Me gabei. – Distraí a Yuna como ninguém enquanto a Cho e o Kang mexiam na sala do diretor.
— Muito bem, Kim. – Mina disse francamente. – Eu respondo sua dúvida. – Coçou a garganta antes de começar e me encarou em seguida. – Chaeyoung e Somi vão encontrar o Wang mais tarde "por acaso" e introduzir o assunto para ele, comentando sobre um caso de uma faculdade que foi a falência depois de alguns boatos espalhados na internet.
— Isso aconteceu mesmo? – Perguntei intrigada.
— Sim, mas era uma faculdade tão fodida que ninguém liga. É notícia velha, inclusive. Aconteceu lá pra 2015... – A Jeon respondeu. – O lance é que o diretor, se for checar por conta própria, vai ver que é verdade, mas não vai se atentar aos detalhes que fariam total diferença.
— E ele só não vai ligar para os detalhes porque a palavra "falência" vai chamar muito mais atenção. – Tzuyu disse com desdém. – Aquele velhote faria de tudo por mais e mais dinheiro...
— Que bom, né? – Falei retoricamente. – Mas como as namoradinhas aí vão encontrar o Wang mais tarde?
— Roubei a agenda da secretária enquanto ela fofocava com as meninas. – A Chou respondeu orgulhosa. – Vi que ele tem um compromisso hoje. Um jantar de negócios e tal. As pombinhas estarão lá e vão improvisar a interação, conseguindo o que a gente tanto quer.
— Caralho! – Falei chocada com a perspicácia. – E o resto de vocês?
— Então... – Mina começou novamente. – Amanhã, quando a notícia já estiver na mente do diretor, Jihyo e Jeongyeon vão até a sala do Wang comentar sobre um boato que começou a rodar os corredores da escola... Vão inventar que alguns alunos estão enraivados com o Wang, que querem destruir a imagem da escola porque ele expulsou uma aluna injustamente, estabeleceu regras absurdas, etc.
— Mas isso é mentira, né? – Perguntei. – Quando disseram que iam atrás do apoio dos alunos imaginei outra coisa...
— Não ia rolar ser honesto, Dubu. – Seungsik respondeu. – Boa parte da galera ou não liga para sua expulsão ou comemora ela... Então, por conta disso, sugeri de usarmos uma meia verdade. – Denunciei curiosidade e o garoto tratou de saciar. – É fato que a galera 'tá de saco cheio das regras e injustiças do colégio, então só acrescentaremos que, além disso, estão chateados pela sua expulsão. – Riu bobo.
— Genial! – Sorri de volta, mais empolgada que nunca. – E depois?
— Aí, por fim, eu e Sana entramos em ação. – Myoui completou segura de si. – Nós vamos até a sala do Wang amanhã durante a tarde. Vamos ser honestas, exigir que você volte e tal. Quando ele se negar, vamos ameaçar publicar alguma nota difamando o colégio e a Sana vai usar o nome e a importância do pai dela para o diretor como arma também.
— E no fim, depois de amanhã, eu estarei de volta? – Perguntei já eufórica e deixei transparecer isso quando vi seu assentir. – PORRAAAA!
— Só não esquece que quando você voltar, Kim, precisa dar um jeito na Yuna. – Miyeon disse seriamente.
— Eu sei, relaxa. – Assenti olhando-a com paciência. – Gente, e o Yuta?
— Esse daí é carta fora do baralho. – Minha namorada respondeu aproximando-se de mim, entrelaçando o braço no meu e me encarando impaciente. – Ele não topou, mas se diz arrependido mesmo assim... – Arfou irritada.
— Que arrependimentos são esses, meus amores? – Nayeon disse. – Enfim, o plano já está em andamento, segue bonitinho e vai dar certo mesmo sem o Nakamoto ajudando.
— Fato. – Falei. – Agora, se me dão licença, vou vazar com minha gatinha e curtir o resto do dia, o penúltimo longe dos estudos... – Suspirei fazendo drama. – Valeu, falou! – Virei-me de costas junto de Sana e começamos a caminhar na direção em que meu carro estava estacionado.
*
Pov Sana
— Como 'cê 'tá? – Dahyun perguntou ao fechar a porta do carro e dar partida no mesmo.
— Bem e você?
— Também...
— O que rolou com a Yuna que você disse que me contaria depois?
Dahyun seguiu o caminho até minha casa detalhando sua conversa densa com a Shin, que a princípio era parte do plano, uma forma de distrair a mesma para que Miyeon conseguisse ficar sossegada na sala do diretor, mas que no fim virou algo profundo, uma troca de palavras agressivas e curiosas, com uma profundidade que eu não fazia ideia e nem conseguiria enxergar.
Mas Dahyun conseguiu.
— Por que você do nada quis ajudar justo a Shin?
— É o que eu disse para ela... Eu não negaria ajuda a ninguém, nem mesmo a Shin. – Suspirou pesado, parecia sentir uma tristeza ao falar sobre o assunto. – Não sinto pena dela. Sinto raiva, claro, pelo que ela já me fez e fez as pessoas que eu gosto, mas dessa vez foi diferente...
— Como assim? – Perguntei ao passo que colocava minha mão em sua nuca fazendo um leve carinho ali na tentativa de aliviar a tensão.
— Eu deixei de lado o plano por um momento, sabe? Não liguei, nem me importei quem era a Yuna na maior parte do tempo, ignorei até o que ela fez com a Seulgi e com você... Eu ignorei tudo, enxerguei só uma menina cheia de problemas e muito vulnerável em minha frente.
— Vulnerável?
— Ela ficou completamente sem armas depois que eu fiz aquela simples pergunta. Aí, então, eu vi que ela não era assim de graça, estava óbvio que algo tinha acontecido a ela no passado... Eu sinto uma tristeza ao constatar isso, sabe? Foi empatia pura.
— Sentiu empatia porque você s...
— Sim, eu me vi nela. – Interrompeu minha fala, completando sem demora. – Não sei o que rolou com ela no passado, mas só pelas reações às minhas perguntas sei que sofreu muito, chuto ter sofrido algo semelhante ao que faz com as outras pessoas hoje em dia.
— Você acha que ela sofria bullying antigamente?
— Acho. Parando para analisar, a vida dela é muito triste, Sana... Não que justifique ou isente ela da culpa, sabe? Ela continua errada por fazer o que fez e faz com outros, mas se explica, ao menos...
— É, de fato a Yuna é castigada desde sempre, mesmo se não tiver sofrido intimidação, a vida dela nunca foi de boa... Perdeu os pais duas vezes, os biológicos e adotivos, depois foi criada distante do mundo real, sem amigos, família...
— Pois é. – Foi diminuindo a velocidade do carro ao dobrar a esquina da rua da minha casa. – Eu me vi nela porque além de ter sofrido bastante durante a infância e adolescência, eu também externalizava a dor de um jeito meio torto.
— Você nunca fez mal a ninguém, meu amor, para com isso. – A encarei preocupada. – A Yuna sim, você não.
— Claro que fiz... – Riu de leve, deixando-me mais tranquila por perceber que ela não estava se culpando, apenas me explicando os fatos. – Além de fazer mal a mim mesma, eu já fiz você perder a última apresentação das líderes, causei sua alergia... Convenci meus amigos fazerem pegadinhas pela escola, influenciei de um jeito ruim...
— Para.
— Não, relaxa. – Tirou minha mão de sua nuca e segurou a mesma com carinho. – É verdade, afinal. Eu e Yuna sofremos e pedimos socorro do nosso jeito. Jeito torto, mas era um jeito. Ela errou, eu errei... E estou mudando, né?
— Sim, meu bem, você está. Está evoluindo a cada dia, fico muito orgulhosa disso, viu?
— Obrigada. – Beijou minha mão e sorriu de leve. – Mas eu tive apoio, Sana. Tive você, meus amigos, a Mei... Quem a Yuna tem?
— É verdade...
— Quem garante que se eu tivesse as pessoas certas do meu lado eu não teria me tornado uma Shin... Ou até pior? – Fiquei em silêncio, percebendo a profundidade das coisas e enxergando o que Dahyun enxergou sozinha com facilidade.
— E o que vai fazer a respeito? Já que você tem um trato com a Miyeon de dar uma lição na Shin...
— Eu vou cumprir o que prometi. Eu tenho palavra, afinal. – Desligou o carro ao estacionar na frente da minha casa. – Só que vou fazer do meu jeito.
— Eu te admiro, sabia? – Falei depois de tirar o cinto e me aproximar dela, segurando a ponta de seu queixo e a encarando sorridente.
— Do nada?! – Ela disse envergonhada, já dando lugar a um sorriso sem jeito e uma pele vermelha pela timidez. – Obrigada... – Desviou o olhar, mas não tirou o rosto da minha mão.
— Você é tão fofa, loirinha... – Sorri mais uma vez, deixando-a mais tímida e vermelha que nunca.
— Para, japa... – Pediu num grunhido sapeca. – Não espalha que sou fofa, ok? Eu fico assim só para você...
— Ok, senhorita envergonhada... – Revirei os olhos, beijei sua boca rapidamente e a soltei em seguida, abrindo a porta do carro rapidamente. – Desce, vamos ficar juntinhas o resto do dia, vem. – Bati a porta e a vi fazer o mesmo.
— Oba! – Sorriu satisfeita, caminhou ligeiro até mim, mas seus passos ficaram curtos de repente. – Esse carro... – Comentou baixinho de um jeito desconfiado, mas não dei importância e nem tempo para ouvi-la finalizar a frase. Agarrei-a pela gola da camisa, encostei seu corpo na parede e beijei-a sem demora.
— Eu estava com saudade, meu dengo... – Falei no momento em desgrudei de sua boca em busca de ar para, de novo, beijá-la. – Seu beijo é tão gostoso...
— Sua boca que é gostosa, gatinha. – Ela falou apertando minha cintura enquanto deferia beijos castos em minha bochecha. – Você é toda gostosa, na verdade.
— Sou é? – Mordi o lóbulo de sua orelha devagarinho, soltando um suspiro bem ao pé de seu ouvido, deixando o corpo da menor em estado de alerta e avisando que o meu já estava desse jeito há muito tempo. – Me mostra como você gosta de mim, me mostra. – Falei mordendo meu próprio lábio, estampando um sorrido malicioso e um olhar de desejo.
— Mostro. – Puxou-me novamente pela cintura, colando nossos corpos com violência e voltando a me beijar com vontade. – Sana... Sana, a gente... – Não dei tempo para ela terminar a frase, continuei a beijar sua boca com voracidade. – Sana...
— O que foi? – Soltei-a impacientemente.
— Estamos na rua... – Ela riu baixinho.
— Oh- – Falei nervosa. – É verdade, nossa...
— Vamos entrar, hm? – Soltou minha cintura e se pôs perto da porta, mas ainda encarando a rua.
— O que foi? Parece preocupada.
— Esse carro... – Dizia devagar, mas quando eu abri a porta, ela logo se distraiu e adentrou.
— Relaxa, vamos entrar e ir pro meu quarto. – Puxei o pulso da garota e a guiei pelo jardim, logo entrando na casa de vez, pela sala.
— Mãe?! – Falou incrédula ao encontrar a mulher ali.
— Dahyun? – A mais velha disse da mesma forma. – O que faz aqui?
— Eu que te pergunto isso.
— Estou trabalhando e você? – Falava rígida demais, parecia não ter emoção alguma. Eu encarava toda a situação com muita atenção, observando quem estava presente e quem estava ausente. Nesse caso, Sooyoung estava ao lado da advogada e meu pai não era visto por aqui.
— Eu... Eu... – Respondia sem jeito e muito nervosa.
— Sooyoung, cadê o meu pai? – Perguntei interrompendo minha namorada, ajudando-a numa saia justa e saciando minha própria curiosidade.
— No escritório, estava aqui agora há pouco, já deve estar descendo de novo.
— Ok, nós vamos subir. – Catei a mão de Dahyun novamente e comecei a caminhar indo até a escada. – Não quero ser interrompida, ok? – Berrei.
— Não vamos. – A Choi disse abusada como sempre. – Estamos ocupados demais com-
— Shh. – Ouvi a mãe de Dahyun repreender a outra coreana, interrompendo suas falas.
— Estamos ocupados demais aqui. – Corrigiu-se e eu segui para os meus aposentos.
— O que foi aquilo? – Perguntei intrigada ao entrar no quarto e trancar a porta em seguida. – O que será que sua mãe faz aqui? E trabalhando?
— Ela já advogou para sua madrasta outra vez, lembra? Justamente no inquérito da morte da Kana... – Dizia pensativa. – Acho que já sei o que está rolando aqui...
*
Pov Narrador
— Desculpem a demora. – Shitara disse quando retornou à sala. – Ouvi vozes, alguém chegou?
— Sua filha com uma amiguinha. – Sooyoung disse com desdém. – Já se recolheram no quarto, Sana pediu para não ser interrompida, então pode ficar tranquilo em ter essa conversa aqui.
— Entendi... – Disse tristonho, puxando a cadeira e sentando-se. – Eu trouxe os documentos do carro em questão, doutora. – Entregou os papéis.
— Obrigada. – Hyemi disse segurando os mesmos. – Está certo do que vai fazer, Shitara?
— Sim, estou. – Olhou para a advogada e depois para a esposa. – Sooyoung, se importa de nos deixar a sós rapidamente?
— Eu? Por quê? – Questionou surpresa.
— É um assunto delicado, não quero que se aborreça com isso, querida. – Atuou e a mulher acreditou. – Pode vigiar a Sana? Ela não pode ouvir minha conversa...
— Claro que posso! – Sorriu animada de repente. – Até logo. – Saiu.
— O que foi isso? – Hyemi questionou confusa. – Era interessante que ela ficasse e ouvisse...
— Não, não era. – O homem ficou sério e rígido de repente. – Doutora, ouça... Contei para minha mulher que essa consulta com a senhora era sobre a herança de Sana. Contei para Sooyoung que iria deserdar minha filha, tirar o carro que ela usa, etc... Mas na realidade, vamos fazer exatamente o contrário.
— Esconder isso de sua esposa eu entendo, afinal não quer deixá-la com muito dinheiro após a separação que me adiantou por telefonema... Mas em relação ao caso de sua falecida mulher? Sooyoung é parte fundamental nisso, Shitara, um depoimento dela poderia ajudar você e muito.
— Não tem como me ajudar, Doutora.
— Tem como diminuir sua pena, caso ela deponha ao seu favor, com as palavras certas, etc. – Dizia seriamente. – Com um bom acordo, ambas as partes podem sair disso satisfeitas.
— Eu não quero a melhor opção, quero a única coisa que pode fazer Sana me perdoar.
— Tem certeza? – Assentiu. – Vamos revisar para não ter erro, ok?
— Ok. – Pigarreou e endireitou-se na cadeira antes de continuar. – Providencie os documentos para emancipação de Sana, para a herança adiantada no nome dela e os papéis do divórcio também.
— Certo. Depois disso vem a parte mais delicada, senhor Minatozaki.
— Eu sei disso, pode dar prosseguimento.
— Após tudo isso, vai se entregar a polícia e assumir seus delitos, certo? – Assentiu. – Está seguro disso, senhor?
— Estou.
*
"Coloque seus braços em volta dos meus ombros
Eu vou te apoiar quando eles forem embora, então vamos nos apressar
As construções e estátuas estão desmoronando
Por que não percebemos que precisávamos mais de amor do que de dinheiro?"
Chapter 35: Bittersweet Symphony.
Chapter Text
Bittersweet Symphony – The Verve Pipe
"Nenhuma mudança, eu não posso mudar
Eu estou aqui no meu molde
Mas eu sou um milhão de pessoas diferentes de um dia para o outro
Eu não posso mudar meu molde"
*
Pov Narrador
— Ok, meninas. – O diretor pediu agoniado. – Eu vou ver o que posso fazer, agora parem com essas ameaças, minha cabeça já dói.
— Desculpe, senhor. – Sana disse adotando uma postura passiva-agressiva. – Não queremos que o senhor veja o que pode fazer ou coisa assim, queremos que faça. E faça exatamente o que pedimos, por favor.
— E caso não faça, já sabe... – Mina completou quase da mesma forma que Sana, mas sua passividade não ganhava da agressividade, tampouco empatava. Mina estava impaciente, queria acabar logo com aquilo e sair vitoriosa. Sabia que tudo correria bem e não tinha medo de expressar o quão cheia de orgulho estava. – Vamos publicar isso e ter o apoio da maioria dos alunos e boa parte dos pais deles... – Mostrou a tela do celular, onde estampava uma notícia falsa, numa montagem até que arrumadinha, o suficiente para gerar mais desespero em Wang.
— Certo! – Disse ele já sem fôlego. Afrouxou a gravata, sufocado. Era fato que se sentia pressionado e se via sem saída. Não tinha como negar a natureza, Jackson tinha prioridades, amores e coisas que valiam mais que outras em sua mente. Concluiu, em segundos silenciosos e em minutos barulhentos enquanto ouvia as duas adolescentes que, sim, o dinheiro importava mais que uma aluna problema de volta à escola. – Certo... Eu ouvi, entendi. Eu vou aceitar Kim Dahyun de volta, agora apaguem isso e tratem de sair da minha sala.
— Obrigada, senhor. – Sana sorriu complacente, já se sentia no pódio, mas Mina não partilhava da mesma expressão.
— Gostaria que o senhor o fizesse agora. – Ordenou sem filtros. – Por favor... – Tornou às boas maneiras. – Ainda é um bom horário para resolver esta questão, sabe? As provas finais já são na semana que vem e estamos perto do fim desta semana letiva... A Dahyun não pode, nem deve, ser mais prejudicada.
— Os pais da Kim não atenderão meu chamado agora, meninas. Não se preocupem, eu tentarei a todo momento, garanto que a Dahyun estará de volta amanhã mesmo.
— Wang. – Sana disse interrompendo o anseio do homem pela solidão em sua sala. – Sr. Wang, digo... – Pigarreou e aproximou seu corpo do homem pela mesa. – A Kim é emancipada agora, caso não saiba... Pode ligar diretamente para ela e resolver diretamente com a mesma...
— Exato. – Mina concordou e levantou-se de imediato, puxando o telefone fixo para mais perto do homem e lhe entregando um papel com números. – Aqui está o número do celular da Kim, pode ligar. Quando terminar a conversa, nós sairemos em seguida, prometo.
O homem acatou a contragosto, sentia-se como um menino amedrontado por alguma história fantasiosa. Seu medo não era de monstros, entretanto, mas sim de perder algum de seus privilégios e os zeros em sua conta bancária.
Assentiu ao pedido das adolescentes de imediato, olhou o papel e discou no telefone. A Kim atendeu rapidamente, como o combinado entre os amigos pedia. A conversa foi breve, dando às duas japonesas na sala um ar de vitória por completo.
Yuna ouviu boa parte da conversa atrás da porta, já que a sala do diretor era colada a sua casa. Ouviu, surpreendeu-se, mas não interrompeu. Deixou chegar ao fim e quando chegou, ela se pôs de volta para casa, sem adentrar a sala do tio e o questionar raivosamente pela atitude.
Shin aceitou, não ficou nada além de chocada. Sua curiosidade existia, mas era junto de admiração. Não sentiu raiva, nem vontade de impedir o plano. Ia deixar correr como deveria, fingiu-se de surda, muda e cega. Não atrapalharia mais, mesmo que sua maior vontade durante muito tempo, a qual foi conseguida com sacrifício, esteja prestes a acabar.
— Como a Kim conseguiu voltar? – Perguntou para si mesma em voz alta após se afastar da sala do Wang. – Ela é realmente especial, então. Tantos amigos... Não parece ter sido difícil... – Ficou imaginativa, deixou uma certa inveja escapar, mas não era igual as outras que sempre sentiu. Era só uma vontade genuína de ter tudo isso também, mas sem tomar de alguém. Coexistindo.
Coexistindo.
*
Pov Dahyun
Quarta-feira
— Bom dia. – Falei ao descer as escadas e encontrar, para minha surpresa, meus pais ainda a mesa.
— O que faz acordada a essa hora? – Minha mãe perguntou visivelmente chocada.
— Vou para a escola. – Respondi ao pegar somente uma maçã na mesa e passar por eles. – Sim, eu estou de volta à escola. A mesma que me expulsou, me chamou de volta. – Dei um risinho maroto, deixando ambos mais confusos.
— E emprego? Já arrumou algum? – Meu pai finalmente disse algo. – O tempo está passando e as despesas logo baterão na sua porta, Dahyun...
— Você virou cobrador, senhor-doutor-advogado Kim? – Perguntei provocativa, arrancando um suspiro impaciente do homem que não dei tempo de ouvir a continuação. – Tchaaaau. – Berrei na porta, batendo-a atrás de mim quando atravessei a saída.
Entrei no carro e dirigi sem música no rádio. Minha cabeça já tinha som o suficiente e, surpreendentemente, era tão agradável quanto uma canção em volume moderado. Eu estava em paz, feliz. Estava alegre por mim, grata pelos que tenho comigo e para além de satisfeita com o que vai acontecer em alguns minutos.
Aliás, já está acontecendo.
Noto a paisagem familiar e ao estacionar o automóvel, encaro o mundo a minha frente sem vidro na frente. O Colégio Integral de Seul, detestável, amado e cheio de gente doida é meu de novo. Um pouco, claro. Sou novamente aluna. Finalmente.
Pela primeira vez em anos chego muito adiantada, mas não estou sozinha. Sana com certeza já chegou, é mania sua ser além de pontual. Porém, alguns dos meus amigos também já estão presentes. Estes não vieram tão cedo por vontade própria, para me dar uma recepção calorosa ou por serem 1% parecidos com a Minatozaki, não.
O motivo é mais Kim Dahyun que qualquer coisa. Eu os chamei. Usei nosso falecido o grupo, o mesmo que usávamos antes de nos juntarmos ao grupo da minha namorada e formarmos um só. Organizei algo para hoje que será executado com muito risco, quase uma improvisação.
É Kim Dahyun porque, além de eu ter pensado, é também algo que sempre fiz, amo e é quase uma marca registrada.
Caminho apressadamente até o lugar que marcamos de nos encontrar. Ao longe vejo que todos já chegaram. Jeongyeon, Jihyo, Chaeyoung, Seulgi e Seungsik estão sentados na arquibancada vazia de umas das quadras do colégio a minha espera. Sana não está presente e nem estará. Não avisei, não podia. Deixei-me sorrir com todos os pensamentos e com minha visão.
— Buenas, muchachos. – Falei forçando um sotaque espanhol nada bom.
— Que? – Seungsik disse confuso.
— Bom dia. – Encurtei e falei nosso idioma mesmo. – Estão prontos? – Perguntei com um sorriso malandro que ia de uma ponta a outra do meu rosto.
— Sempre! – Chaeyoung respondeu da mesma forma que eu.
— Já disse hoje que você é louca, Dubu? – Jeongyeon falou e eu neguei com a cabeça. – Pois bem, você é louca, Dubu!
— Obrigada. – Respondi.
— Acho muito bom isso dar certo como sempre, senão não é só a Sana que vai te matar. – Seulgi comentou. – O resto da galera vai te comer viva, caso isso dê errado.
— Não vai dar, relaxa. – Falei confiante. – É coisinha boba, coisa que sabemos fazer bem e estamos acostumados. Vai dar certo, sempre deu e sempre foi bom. – Bati leves palmas em torno de mim. – Quando foi que tive medo de cara feia? Se a galera brigar comigo, vou fazer piada sobre. – Dei de ombros convencida.
— Até se for a Mina?
— É... – Respondi receosa. – Essa daí me assusta muito quando fica brava. – Fiz sinal com os dedos. – Mas, que seja, vou fazer!
— Então vamos logo. – O Kang falou. – Não temos muito tempo até o sinal tocar.
Acatamos todos e demos início a mais um plano de pegadinhas. Era meu retorno, afinal. E o Wang estava nas nossas mãos, não tinha por que não fazer só uma gracinha, né?
*
Pov Narrador
— E aí, galera! – A voz de Chaeyoung ecoou pelos corredores da escola. Estavam, ela e Dahyun, conectadas aos alto-falantes do colégio. – Bom dia, primeiramente, né? Desculpem a falta de etiqueta... Enfim, tenho um presente para vocês, alunos. – Fez uma pausa dramática ao passo que segurava o riso. – Por que um presente? Bem... – Atuou feito boba. – Algo muito bom ocorreu, algo que considero ser bom. E quis, por isso, presentear a todos, já que estou de bom humor.
— O que 'tá rolando? – Nayeon virou-se para as amigas e questionou confusa.
— Também quero saber... – Momo falou curiosa.
— Olhem em volta. – Tzuyu pontuou. – Quem está faltando na sala?
— Exatamente... – Mina completou. – Dahyun e o grupinho danado.
— Nem fodendo que ela já voltou tocando o terror. – Jennie comentou.
— Isso é o que eu 'tô pensando que é? – Sana virou-se e questionou um tanto preocupada.
— É! – Nayeon respondeu empolgada. – Ai que tudo, o colégio voltou a ter emoção!
— Para com isso, porra! – Mina tentou repreender, mas foi em vão. Agora, além delas, a sala toda se dispersava da aula para prestar atenção no que viria a seguir através do microfone.
— Bom, vou contar o motivo de eu estar feliz. – Chaeyoung continuou pelo alto-falante. – O querido diretor Wang reconheceu o erro, a falta de tato também, e... e a hipocrisia, né? – Sussurrou a última parte, mesmo que estivesse diante de um microfone e ele ampliasse sua voz pela escola. – ENFIM! – Berrou para disfarçar a farpa. – Alguém está de volta... E para soar como um novo começo do que era antes, preparamos isso. Vocês não sentiram falta da animação na escola?
— SIMMMMM!!!! – Berros em conjunto foram ouvidos pelo alto-falante.
— São as vozes da Jihyo, Jeongyeon e Seulgi, né? – Jennie perguntou e Sana assentiu. – Elas são doidas, porra! – Sorria eufórica.
— Então, sem mais enrolação, anuncio que Kim Dahyun voltou! – Chaeyoung disse empolgada ao microfone e alguns dos alunos que ouviam aquilo pelas extensões da escola vibraram junto e outros, a maioria, não deram a mínima e desprezaram fortemente tudo aquilo.
— Olá... – A voz da Kim foi ouvida. – Só quero que o Wang encare isso como gratidão, nada de rebeldia ou qualquer adjetivo que ele sempre atribuiu a mim... – Um risinho fraco escapou.
— Se eu pego essa garota... – Sana falou com os olhos cerrados, tentando não transparecer que estava empolgada ao mesmo tempo que preocupada.
— Quanto tempo faz que tocou uma música boa de verdade aqui nessa escola? – Dahyun questionou, esperou um pouco e logo uma melodia animada foi ouvida. Uma música de Kpop ecoou pelos corredores e os alunos fora da pegadinha não conseguiram se segurar. As aulas já tinham perdido o rumo, não tinha motivo para permanecer parado.
Os primeiros a levantarem e dançaram junto foram julgados, mas conforme o refrão se aproximava, mais estudantes cediam as tentações e transformavam aquele dia levito, e de importante revisão, num verdadeiro passatempo.
— O QUE ESTÁ ACONTECENDO AQUI? – Wang perguntou enfurecido ao adentrar a sala do terceiro ano, onde Dahyun deveria estar de volta. – Onde estão os responsáveis por isso? – Continuava furioso, fazendo a maioria parar de curtir na hora e se sentar de volta nos lugares certos. – Ninguém vai me dizer?
— Estão curtindo?! – Dahyun retorna ao alto-falante quando a música atinge a calmaria. Péssima hora para dar as caras.
— Ela está realmente transmitindo isso? – Wang questionou para si mesmo, incrédulo. – Ah... – Arfou aborrecido. – Vocês ainda em pé, SENTEM-SE! – Gritou olhando para a turma antes de sair da sala. – Isso é uma escola, não boate! Comportem-se e prestem atenção na aula!
— Tio? – Yuna levantou a mão timidamente e teve, de imediato, todos os olhares para si. Muitos deles temerosos, esperando mais uma atitude típica da Shin.
— Lá vem... – Tzuyu disse já irritada. – Ela vai acabar com a pegadinha e a Dahyun vai se ferrar de novo.
— Diga, querida. – O chinês falou, mas lembrou-se das repreensões. – Digo, aluna Shin. O que houve? – Corrigiu nervosamente.
— Acho que sei onde a Kim está escondida.
— Não seria na sala de comunicação? – Ele questionou intrigado.
— Não, diretor... Isso seria óbvio, né? – Aproximou-se do homem. – Eu o levo até a Kim.
— Obrigada, aluna Shin. – Dizia desengonçado. – Vamos. – Saíram.
— Eu sabia. – Mina disse. – Aquele lance de coitadinha não durou. Ela é ruim por natureza, não tem nada a ver com o passado. Uma babaca de verdade.
— Não sei por que esperei que fosse diferente... – Sana lamentou. – Só sinto pela Dahyun que acreditou nela... Sentiu empatia e tudo...
— A Dahyun é boazinha demais às vezes. – Momo comentou. – Agora é torcer para que essa pegadinha se encerre logo e não dê em mais problemas.
*
Pov Dahyun
— Vamos para a próxima música? – Eu disse empolgada, apertando o play em seguida.
— Dubu, já chega! – Jihyo disse assustada.
— Qual foi, Park? 'Tá 'dahora, não quero parar agora, tenho certeza que a galera também não quer. – Continuei animada.
— Mas já 'tá na hora de parar mesmo assim. – Falava agoniada, ao passo que começava a arrumar o lugar.
— O que houve? Por que está tão estressada? – Jeongyeon questionou.
— Do nada essa doida pirou... – Chaeyoung completou.
— Recebi uma mensagem alertando a gente. – Mostrou o celular com uma conversa de Tzuyu. – A Yuna foi dedurar a gente pro Wang.
— O que? – Falei chocada. – Mas o Seungsik disse que ela não viu a gente agir... Ele garantiu na vigia.
— Pois é, parece que não deu muito certo. – Jihyo continuava a arrumar tudo sem pausas.
— O que mais a Tzuyu disse? – Seulgi questionou ajudando a coreana.
— Só assegurou que a Yuna sabia mesmo onde a gente estava, porque falou com muita certeza para o Wang e tal. – Respondia alvoroçada. – Não podemos dar mole, galera, vamos arrumar tudo e vazar.
— Me dá esse celular. – Saí da poltrona e peguei o aparelho de Jihyo, digitando uma mensagem para Tzuyu. – Gente, calma. – Disse ao receber a resposta da taiwanesa. – Não precisam continuar a arrumar com tanta pressa assim.
— 'Tá louca? – Jeongyeon falou. – Eu não posso ser pega aqui, nem você, nem nenhuma de nós!
— Calma, cacete. – Respondi mostrando a tela do celular. – Perguntei como foi exatamente a conversa da Yuna e do Wang... A Shin não entregou a gente, ela nos deu tempo...
— Quê?! – Seulgi soltou os fios e se aproximou do celular para ler direito e tentar acreditar.
— Como assim, mano? – Jihyo soltou incrédula.
— Nem fodendo que a Dahyun conseguiu apoio da maior inimiga dela... – Chaeyoung brincou também surpresa.
— Pois é, galera. A Shin mentiu dizendo que seria óbvio estarmos na sala de comunicação e saiu para mostrar onde "estamos de fato". – Fiz aspas com as mãos. – Esse é o tempo que a gente tem para arrumar aqui e vazar.
— Vamos seguir o plano? – Jeongyeon perguntou.
— Sim, exatamente como planejamos. Ao sermos descobertas pelo Wang, vamos sair da escola rapidão e ele não vai poder nos punir, pois qualquer um poderia colocado uma gravação nossa nos alto-falantes... Ele não nos pegou em flagrante, então somos inocentes. – Sorri satisfeita. – Até que se prove o contrário, claro. — Relembrei o combinado.
— Você ter pensado nisso em minutos me assusta muito. – Seulgi confessou brincando. – E falando assim, roteiro perfeito, credo!
— Ela é filha de advogados, esqueceu? – A Son falou. – Deve ouvir esses termos chatos e intelectuais toda hora, no almoço e na janta...
— Você gostaria de um habeas corpus ao molho madeira? – Yoo entrou na brincadeira provocativa enquanto terminávamos de reorganizar a sala. – Ou um processo à milanesa?
— Para mim, um contrato com bastante pimenta, por favor! – Jihyo disse gargalhando.
— Suas bestas... – Falei tentando parar de rir. – E para sobremesa? Eu quero um alvará de soltura com pistache! – Bati leves palmas ao passo que a risada de todas se combinavam.
— Ok, ok... – Park disse com a mão na barriga, deixando seu sorriso sumir. – Agora já 'tá bom, temos que ir.
Assim o fizemos.
*
Pov Sana
— 'Tá pensando que vai escapar de mim? – Falei ao me aproximar de Dahyun, no fim do dia letivo, o qual ela só retornou à escola pela tarde, como seu plano pedia.
— Quem disse que eu quero escapar de você? – Falou sapeca colocando somente uma das alças da mochila nas costas. – Gostou do mini show de hoje, japa?
— Nem vem... – Empurrei de leve seu corpo e revirei os olhos. Apesar de ter gostado, não iria admitir tão fácil. – Você podia ter se ferrado, sabia disso?
— Mas não me ferrei. – Piscou um dos olhos e estalou a língua. Agia convencida como se tivesse usado o melhor argumento de todos.
— Mas podia. – Cerrei os olhos e rebati. – Podia ter dado muito rolo, muito drama... E você acabou de voltar, acabou de sair de outro drama...
— E que graça tem a vida sem drama? – Perguntou despojada. Ela era uma moleca metida a filósofa e aquilo me encantava de um jeito tão forte que se eu demonstrasse, perderia o ponto da repreensão.
— Você para com isso, Kim Dahyun... – Puxou-me pela cintura, no meio da sala quase vazia após o sinal. – Que foi? – Fingi não saber de suas intenções, olhava para o nada e fazia pose de quem não ligava para esse toque forte que pairava nas minhas costas sensíveis.
— Admite que gostou do que eu fiz. – Pediu sapeca tentando ocupar meu campo de visão, mas eu sempre desviava. Era uma brincadeira provocativa e só nossa. – Não vai admitir, né?
— Não. – Neguei com a cabeça.
— Ok... – Fez carinho em minhas costas e puxou meu rosto pelo queixo, fazendo-me ceder e encará-la. – Só precisa dizer que gostou das músicas que coloquei para tocar, então.
— Não gosto de kpop. – Menti na cara dura.
— Como você se faz, Minatozaki Sana! – Falou alto e rindo, eu não consegui me segurar e ri também. – Ah... Finalmente.
— Finalmente o que?
— Você me mostrou esse sorriso lindo, assim, bem pertinho de mim. – Beijou minha boca sem avisar, num selinho alvoroçado e bobo. – Achei que não conseguia mais te fazer perder a pose e gargalhar das minhas besteiras.
— Isso nunca vai acontecer... – Revirei os olhos. – Mas se você aprontar de novo na escola, Dahyun, eu juro... Eu juro que... – Cerrei os olhos e a encarei seriamente.
— Jura o que? – Apertou minha cintura, colando ainda mais nossos corpos. – Hm?
— Juro que vou fazer você se arrepender, ouviu bem? – Empurrei seu rosto que estampava um sorriso sacana, o mesmo sorriso que me desmonta e me tem, mas que agora eu não poderia ceder.
— Isso é mais um incentivo que qualquer coisa, você sabe, né? – Riu abafado pela minha mão ainda tampando aquela região. – Ok, ok. Vou andar na linha, japa.
— Acho bom! – Soltei-a e ela fez o mesmo, dando a mão para mim para finalmente sairmos dali. – Onde vamos agora?
— Quer dormir comigo hoje?
— Quero. – Fiquei alegre só de imaginar. – Só preciso passar lá em casa antes. Arrumar o que preciso levar e checar as coisas, sabe? Mas não quero demorar...
— Quer que eu te deixe lá e busque quando ficar pronta?
— Prefiro que me leve e espere eu terminar. Pode ser?
— Claro.
Entramos no carro e Dahyun dirigiu com calma até minha residência. O trânsito era amigável, a rua ainda clara e quente dava ao momento uma paz inexplicável. Era bom e confortável, podia-se falar de qualquer coisa sem peso algum.
— Meu pai falou comigo hoje cedo, esqueci de te dizer. – Comentei.
— O que ele disse? Foi referente a visita da minha mãe?
— Sim... – Comecei desconfiada. – Assinei uns papéis hoje, estou como você. – Ri fraquinho. – Estou emancipada e praticamente milionária.
— Você sempre foi, não?
— Antes meu pai que era, mas hoje também demos entrada nos papéis da herança... Aqueles que fazem tudo ficar no meu nome logo, sabe? – Assentiu. – Só precisamos levar ao cartório, ainda estão lá em casa, mas logo não estarão mais.
— Está feliz?
— Com as coisas que vou receber, sim. Mas o motivo ainda me deixa meio atônita, entende? – Concordou e fez carinho em minha coxa ao passo que eu falava sem medo. – Tivemos uma conversa densa, ele me contou detalhadamente todos os planos e tal... Falou que ia se entregar, que ia se separar e tirar tudo da Sooyoung, porque, mesmo com tudo que lhe disse, ele ainda acha que isso é justo.
— Eu até concordo com isso, Sana. – Dahyun disse com cuidado e sem me olhar, afinal prestava atenção total no trânsito. – Sabe, a Sooyoung não fez o ápice dos males, mas ainda fez muita coisa ruim, então acho justo que ela pague minimamente por isso...
— É, eu também acho.
— Vocês conversaram tudo isso hoje de manhã?
— Sim, pouco antes de eu sair para o colégio, ficamos no escritório do Shitara.
— E onde a Sooyoung estava? – Parecia preocupada.
— Relaxa, meu pai assegurou que ela tinha saído para caminhar.
— Tem certeza de que não corre risco, né? – Antes que eu pudesse responder verbalmente, notei o carro parar na frente da minha casa e atrás de outro automóvel, agora familiar, então apenas assenti a pergunta da minha namorada com um balançar de cabeça.
— Sua mãe parece estar aqui de novo... – Apontei para o veículo.
— Pois é, deve estar pegando os tais papeis que você falou. – Eu assenti abrindo a porta.
— Vamos ser rápidas, então. – Bati a porta e então adentramos o lugar por completo.
Péssima ideia.
— Sooyoung, calma! – Ouvi meu pai berrar nervosamente.
— Senhora Choi, não há necessidade para estresse, tudo vai ficar bem. – Agora era a voz de desespero da minha sogra que eu escutava. Eu e Dahyun nos olhamos preocupadas e curiosas, mas isso não parou nossos passos adiante.
Péssima, péssima ideia.
— Cala a boca, Shitara! – Sooyoung gritou com voz de choro e raiva. – Eu ouvi sua conversa com Sana mais cedo... Imaginavam que eu ia demorar para voltar, não é? Mas eu voltei logo... Eu sabia, algo me dizia que estavam agindo contra mim bem diante dos meus olhos! – Desabou num berro agoniante.
Eu e Dahyun finalmente chegamos à entrada. Só víamos meu pai e minha sogra na sala. Ambos com expressões nunca antes vistas por nós. Eles tinham muito medo, quase choravam, tinham cautela em cada movimento e aquilo era além de estranho.
Era preocupante.
— Sooyoung, calma. – Hyemi disse fazendo sinal com as mãos. Nem ela, nem o japonês nos viram pelo vidro. – Não precisa fazer isso, eu a ajudo, calma.
— O que está acontecendo? – Perguntei ao passo que colocava os pés dentro da sala de estar e encarava a minha direita, com meu pai e minha sogra tomando conta do meu campo de visão. Eu olhava para o lugar que não me daria respostas, mas era o lugar que eu conhecia e chamava minha atenção desde o lado de fora.
— Meu Deus... – Ouvi a voz de Dahyun. Ela olhava para a esquerda. Ela tinha as respostas que eu procurava. Foi então que me virei devagar, mesmo que meu pai fizesse "não" desesperadamente com as mãos.
— Ótimo! – Sooyoung disse enquanto eu girava para ela. – Agora a festa está completa! – Finalmente entendi a situação, o desespero, medo e tensão. Entendi a razão dos berros e dos movimentos calculados. Entendi, também, porque deveria não ter entrado nessa sala.
— Sooyoung, abaixe essa arma, por favor. – Meu pai falou quase chorando. – Vamos conversar e nos entender, hm?
*
"Porque é uma sinfonia agridoce, esta vida
Tentando fazer face às despesas
Você é um escravo do dinheiro, então você morre
Eu vou te levar pela única estrada em que já estive
Você sabe o que o leva para os lugares
Onde todas as tendências se encontram, sim"
Chapter 36: Tired Of Singing The Blues.
Chapter Text
Tired Of Singing The Blues – Lana Del Rey
"Oh, minha alma se esqueceu
Eu não consigo desligar minha mente
É como uma bomba-relógio
Tentando me matar por dentro
Quero dizer, dia e noite
Não há remédio para a memória?
Eu me senti assim antes
Conheci a profundidade do desespero"
*
Pov Sana
[...]
— SOOYOUNG, NÃO! – Meu pai berrou desesperado.
O primeiro disparo foi ouvido milésimos depois.
[...]
— Espera! NÃO! – Minha vez de gritar desesperada.
Então, o segundo disparo foi ouvido.
[...]
— Eu não vou ser presa! – Sooyoung exclamou.
E, mais uma vez, um disparo ecoou. O terceiro e último da sequência.
*
Achei que tivesse experimentado de todos os tormentos possíveis. Não, sem tanta presunção, corrigindo a sentença: achei que não passaria nunca mais por tormentos piores dos que já passei. É, assim fica melhor.
Engano meu.
Nadar numa piscina vazia, andar numa areia movediça, pular de um precipício e bater os braços tentando voar... É como me sinto agora tentando parar um sangramento de uma ferida profunda que não para de jorrar. Estou surda depois de tanto barulho, tantos gritos, disparos. Estou fervendo e muito gelada. Minha visão é deturpada, turva, não consigo ter reações normais, estou em choque.
Meu corpo é dormente, minha mente frágil e minha vista, além de embaçada, tem uma cor sólida tomando conta: o vermelho.
O chão é sujo, as roupas manchadas, lágrimas e mais lágrimas se misturam ao suor e sangue. Nenhum sentimento ou sensação boa é sentida aqui. É estranho, novo, assustador, bizarro.
Hyemi está jogada no chão, suja, chorando. Não saberia dizer se esse sangue que cobre boa parte de seu corpo é seu ou de outra pessoa. Eu estou do mesmo jeito. Suja de um sangue que não me pertence, mas que por um triz não foi meu.
*
Minutos antes...
— Sooyoung, abaixe essa arma, por favor... – Meu pai disse desesperado. – Vamos conversar e nos entender, hm?
— Nos entender?! – Ela retrucou rapidamente. – Não temos que nos entender. Shitara, você acha que sou idiota ou o quê? Eu ouvi sua conversa com Sana, eu ouvi seu plano sujo de me passar para trás. Eu ouvi tudo!
— Está certa... – Continuou sem interrupções. – Eu errei, erro continuamente, né? – Riu de nervoso ao passo que se aproximava lentamente, quase que de forma imperceptível. Nós apenas assistíamos. Era muita ação, adrenalina e medo juntos para nos permitir ter alguma reação. – Mas podemos reverter isso, ok? Hyemi ainda está aqui, minha advogada. Ela pode refazer os papéis e nós podemos nos separar como manda a lei, de uma forma que te agrade. O que me diz?
— Eu não acredito mais em você, Shitara. – Falou raivosa e apontou a arma para ele de supetão. Meu pai travou depois de dar um grande passo para trás, tornando a posição inicial e jogando seu progresso, e plano, no lixo. Eu, ao notar a ameaça direta, mexi meu corpo para frente e só não continuei adiante porque senti Dahyun me agarrar.
— Sooyoung, meu amor... – Começou atuando, ele estava desesperado, um medo que lhe parecia familiar, mas junto de uma ameaça nem um pouco esperada. – Vamos conversar, por favor... Não precisa acreditar em mim, ok? Apenas faça suas exigências à Hyemi e ela providenciará tudo, eu garanto, ela garante, certo? – Virou-se para advogada, que assentiu neutra.
— Se eu aceitar, vocês vão me enganar de novo! Querem só uma brecha para ferrar comigo de vez! – Berrou descontrolada, apontando a arma para todo mundo. – Assim que eu aceitar, vão tomar o revólver de mim, chamar a polícia e me prender. Eu não vou deixar, ouviram? Não vou!
— Posso falar, Choi? – Hyemi pediu com cautela. Pela profissão, imagino, tinha muita facilidade de lidar com situações do tipo. Ficou nervosa, claro, mas sua postura, num geral, não denunciava isso. Ela tinha calma, um cuidado surreal em se comunicar. Sua postura era ereta, não demonstrava uma intimidação além do "permitido". Ela sorria fraquinho e gesticulava bastante, tendo total atenção.
— Fique onde está! – Ordenou mirando o objeto na mulher, que mesmo assim deu dois passos adiante.
— Certo, perdão. – Voltou os mesmos dois passos. Eu ainda estava parada, em choque. Ainda tinha Dahyun agarrada a mim. Ela estava nervosa e surpresa tanto quanto eu, nós não tínhamos a menor vergonha em demonstrar choque e vulnerabilidade. – Posso falar?
— Diga.
— Eu sei que pode parecer uma armadilha e que é difícil confiar, mas veja bem, Sooyoung, agora não se trata mais de uma discussão entre casal e enteada. Eu estou aqui, minha filha está aqui. As coisas avançaram, eu não sou mais advogada do Shitara, pode confiar. – Levantou as mãos, mostrando que estava rendida. – Eu trabalho para você agora, hm? Tenho autorização do Minatozaki para ceder às suas vontades, a única condição dele, e minha também, é que não faça nada com essa arma. Por favor.
— Você fala bonito, mas ainda não me convenceu. – Afastou-se, pegando uma cadeira ainda de costas, sem tirar os olhos de nós. Quando conseguiu, sentou-se de frente e nos encarou da mesma forma sórdida de antes. – Eu vou dizer minhas condições e assim que elas forem acatadas, eu começo a soltar um por um.
— Não podemos confiar em você também! – Falei sem pensar. Maldita decisão. Meu corpo pendeu para frente, eu estava irritada, com medo e ódio ao mesmo tempo. Eu ia avançar em Sooyoung, sem pensar direito nos perigos que corria. Uma força pairou sobre mim de forma surreal, consegui me mover bruscamente para frente, mas o corpo da Kim, que ainda segurava o meu, impediu-me de ter êxito. Petrifiquei mais uma vez, não só pela ação da minha namorada, mas pela reação de Sooyoung.
— Você enlouqueceu, menina?! – Ela disse irritada, levantando bruscamente e mirando a arma para mim. Eu nunca tinha tido uma visão como essa, nunca tinha estado tão perto da morte. Foi bizarro. – Quer morrer agora mesmo?
— Você não vai matá-la. – Hyemi disse imponente, usando um tom firme e alto, cortando a fala de meu pai, que estava mais desesperado ainda. Ao passo que Sooyoung dava atenção a minha sogra, Dahyun me guiou para trás, de ré. – Precisa que fiquemos todos vivos para que consiga tudo que quer. Então, Sooyoung, mantenha a calma e tudo ficará bem.
— Não me diga o que fazer. – Rebateu furiosa. – Quem você pensa que é? Eu não estou com muita paciência hoje e, se não percebeu, não é a melhor hora para pagar de superior para cima de mim. – Aproximou-se da coreana.
— Calma. – Hyemi disse engolindo seco. A arma já estava tão próxima de si que eu tinha certeza de que ela se sentiu como eu minutos atrás. – Desculpe, ok? Desculpe. Vamos resolver isto. Diga-me o que quer e eu lhe darei, mas deixe minha filha em paz, deixe a todos em paz.
— Eu quero dinheiro, oras! Isso não é óbvio? Eu queria um casamento também, mas já entendi que ele chegou ao fim... Pelo menos que eu saia dele com alguma garantia de vida. Garantia pelo resto da minha vida...
— Podemos resolver isso, claro.
— Não quero nunca trabalhar e quero manter meu padrão de vida. Quero continuar com as mesmas regalias e conforto que tive aqui, enquanto esposa do Shitara.
— Isso é um absurdo! – Meu pai gritou. – Podemos fazer um acordo, sim. Posso te dar muito dinheiro, sim. Mas o que está pedindo é exagero.
— Você quer ir preso, homem. – Respondeu com desdém. – Quer pagar por crimes que já quase prescreveram, quer um perdão inútil de uma filha que nem liga para você e quer sair de um casamento que te fez prosperar... Tem certeza que eu estou exagerando? Sério?
— Vai se foder!
— CUIDADO! – Num pulo estava na frente do meu pai, berrando em sua face e exibindo a pistola que segurava. – Cuidado, Shitara, eu posso finalmente ser a louca que você diz por aí que eu sou...
— Você é. – Falei baixinho, mas não o suficiente para ser ignorada.
— Sana, venha aqui. – Sooyoung disse e eu enrijeci. Dahyun me apertou mais forte, não queria soltar, mas nós sabíamos que era inútil. – Agora. – Obedeci. Fiquei ao lado do meu pai, como ela ordenou. – Que lindo... Família reunida, parecem até felizes, amorosos... – Debochou e eu só tive uma reação. Cuspi na sua cara com todo ódio que tinha em mim.
— Sana! – Meu pai gritou atordoado, temendo pelo que viria a seguir após Sooyoung limpar seu rosto. – Escuta, perdoa minha filha, por favor, não faz nada com ela, por favor... E-eu juro que-
— Shitara, cala a boca. – A Choi disse neutra. Encarou-me tão profundamente que me fez balançar só com o olhar. Eu quis chorar, fugir, lutar. Mas nada fiz. – Agora eu sei, você é realmente louca. Como tem coragem de fazer tudo isso a uma pessoa que está segurando uma arma? Você puxou a sua mãe mesmo. Uma puta louca! – Berrou a última frase. Eu ia agir por impulso de novo, mas senti meu pai segurar firme minha mão e então desisti. – Ouviu isso, Sana? Você é igualzinha sua mãe. Uma vadiazinha sem limites...
— Vai pro inferno. – Falei entre os dentes, chorando sem sentir e a mulher apenas riu.
— Ok, já chega. – Ela disse num arfar aliviado, bateu duas palmas e se virou. – Já podemos começar o trato. Mas antes, claro, eu vou separar vocês, amarrar e cuidar para que não ajam contra mim. – Sorriu orgulhosa. Ela era assustadora. – Vamos lá?
Uma fração de segundos. Milésimos contam.
Numa fração de segundos tudo mudou. O que já estava torturante e assustador se tornou pior, mais amedrontador e mais dolorido.
Sooyoung virou de costas para pegar uma fita adesiva forte e nos amarrar, como havia anunciado anteriormente. Seu corpo quase todo focava em pegar tal objeto, mas sua mão segurando a arma continuava virada para nós. Dava para dizer que ela era inexperiente, já que sem visão, uma arma não serve de uma muita coisa. Não te defende, não te dá poder. Só te torna vulnerável e faz crescer, na mente das vítimas, um sentimento de agora ou nunca, um espírito de herói, uma vontade súbita e incontrolável de agir, uma visão torta, mas compreensível, de oportunidade perfeita.
Hyemi, que tinha a melhor postura e sangue frio de todos nós, pensou assim. Agiu assim. Fez. Avançou assim que a Choi deu as costas. Ao chegar perto, numa fração de segundos, a outra coreana se virou. O toque da mão da Kim no pulso da Choi foi o suficiente para imobilizar o tiro aleatório que viria naquele momento com certeza. Mas não durou muito. Ninguém venceu, por hora, e nem perdeu. Não era uma luta pela vida, era uma luta pela morte. Porque, sim, alguém ia morrer. Alguém tinha que morrer para dar um fim a isso.
Tinha que ser Sooyoung, claro, mas ela tinha a vantagem de segurar um revólver com toda força. E foi por isso que deu errado e alguém, por hora, venceu. Um empurrão forte da Choi contra a advogada a jogou para longe, seu corpo estava no chão, ela estava em desvantagem e iria perder.
Minha madrasta aproximou-se rapidamente, eu observei com medo, em choque. Não me movia porque meu pai não permitia, mas gritava feito uma criança medrosa. Sooyoung ficou perto o suficiente da Kim para não errar o tiro que já era fato que viria. Deferiu algumas palavras, enxugou o pouco sangue que escorria de sua boca e mirou, finalmente, a mulher.
— SOOYOUNG, NÃO! – Meu pai gritou desesperado. Eu estava de olhos fechados, esperando o barulho alto. Estava conformada, era o que restava, mas meu pai seguia encarando a situação atentamente. Após sua fala, o disparo finalmente foi ouvido e um choro alto veio em seguida.
— Uau... Vocês se amam mesmo! – Ela falou chocada, com uma neutralidade assustadora. Senti meu rosto molhar por lágrimas que não eram minhas. Ouvi um fungado triste e agoniado bem perto do meu ouvido e constatei: meu pai estava chorando muito. Eu imaginava o motivo, mas ainda não tinha encarado de frente.
— Filha, não... – Meu pai pediu ao notar minha cabeça se mover e perceber que eu ia abrir os olhos de vez. – Não... – Segurou meu corpo fortemente, mas isso não me impediu.
— M-meu... Deus. – Falei ao encarar a tragédia em minha frente. – NÃO! NÃO! – Soltei-me do meu pai e agachei perto de seu corpo sangrento. Hyemi estava suja de um sangue que não lhe pertencia, era Dahyun a ferida. Minha namorada foi baleada. A Kim mais nova se pôs na frente do disparo para defender a mãe e acabou se machucando no lugar. – NÃO! Não pode ser... Não, não, não... – Mexia no corpo dela, que estava apoiado no colo da minha sogra, ela estava pálida, mole. Chequei os batimentos e eles ainda estão lá. Ela desmaiou com o tiro, mas ainda estava viva. Eu só não sabia por quanto tempo.
— Sua filha da puta do caralho, você enlouqueceu?! – Perguntei caminhando em direção a Sooyoung. Era tudo tão estranho que ao mesmo tempo que o ambiente era barulhento, ele também era silencioso. Eu ouvia Hyemi chorar segurando a filha enquanto tentava estancar o sangue. Ouvia meu pai murmurar coisas que não assimilei direito e ouvia, a pior coisa que poderia ouvir agora, a risada de Sooyoung.
— Sana, não! – Meu pai berrou, mas não freei. – Sana!
— Por que isso, hein? Quer dinheiro? Pegue e suma! – Falei perto da mulher que sorria debochada. – Eu vou ligar para ambulância e não ouse me impedir.
— Se der mais um passo eu atiro eu você. – Ela deferiu rapidamente e eu, sem querer, parei de caminhar. Um frio na espinha me ocorreu. Olhei para trás, encarando a mulher e sua frieza ao apontar, novamente, aquele objeto para mim. Não sei o motivo, lamento e me odeio por isso, mas ao ver a cena, voltei a encarar o que tinha em minha frente e dei o primeiro passo adiante. – Sana, eu estou avisando.
— FILHA, PARA! – Meu pai berrou.
Eu finalmente freei. Não tive coragem de desafiar a mulher mais uma vez. Não podia ligar para a ambulância, não podia contrariar, não podia fazer nada. Era torturante.
— Sooyoung, ouça. – Meu pai começou. Eu observei a cena de canto, estava ajudando minha sogra com o ferimento de Dahyun. Não podíamos fazer muita coisa, então só tentávamos estancar o sangramento enquanto rezávamos mentalmente para que isso acabasse logo. – Faça o telefonema você, então. Peça uma ambulância e deixe que a garota seja atendida. É só uma adolescente, Sooyoung, poxa...
— Não posso me arriscar. Vá se sentar, chega disso.
— Por favor... Ela só tem dezessete anos, não tem nada a ver com a gente, nem deveria estar aqui. Não a deixe morrer, por favor... Você não é assim, Sooyoung. – Pedia delicadamente, aproximando-se da mulher com as mãos para cima e passos lentos. Ele queria tocar o coração dela e mostrar que não era uma ameaça. – Você nunca matou ninguém, não faça nada que possa se arrepender depois.
— Eu já me arrependo de muitas coisas, Shitara. – Apontou a arma e mexeu a mesma rapidamente, como quem gesticulava para ele se afastar. – Pra trás. – Ordenou, mas não foi obedecida.
— Do que se arrepende? Olha... Eu sei que errei com você, com Kana, com todo mundo. Eu sei disso, mas já aprendi a lição. Não vou errar de novo, já entendi do que você é capaz. Eu te dou o que quiser só... Só abaixe essa arma e deixa a menina ir para o hospital.
— Não. No momento em que eu permitir isso, os policiais serão avisados. Senão pela Hyemi, pelo próprio hospital. Esqueceu como a política funciona? Um ferimento de bala requer explicações a polícia. Eu não posso me arriscar.
— Até lá você já vai ter fugido. Pode pegar todo o dinheiro e sumir. Eu fico, a Dahyun vai sozinha com os médicos. – Hyemi começou. Seu tom era desesperado. – Eu juro, Sooyoung, juro pela minha vida, pela vida da minha filha... Por favor... – Chorou alto.
Todos os tecidos que estavam perto de nós eu já havia usado para estancar o sangue. Agora estavam todos encharcados. Eu não podia ficar parada esperando que essa discussão interminável levasse a algum lugar, eu tinha que agir, continuar a tentar prolongar a vida de Dahyun até que ela fosse levada ao hospital.
Então, por conta disso, levantei-me rapidamente do chão a procura de mais algum tecido para colocar no sangramento. Era um ato singelo, sem segundas intenções. Eu nem ao menos prestava atenção direta na conversa dos adultos. Eu só queria ajudar minha namorada até onde desse. Eu só queria vê-la viva, falando. Eu só queria ajudar.
Eu não tinha ideia da intensidade do diálogo-discussão entre os três. Eu não sabia que poderia ser interpretada errada por qualquer coisinha boba e sem intensão que fizesse. Eu não sabia. Eu só queria ajudar.
E, mais uma vez, numa fração de segundos tudo mudou. Ao passo que levantei ligeiramente, Sooyoung pensou que aquilo era retaliação, algum tipo de rebeldia ou tentativa de fuga. Qualquer ameaça a si. Ela pensou e agiu. Apontou o revolver em minha direção e colocou o dedo no gatilho. Estava pronta para atirar e iria atirar em mim.
Isso se meu pai não tivesse se posto em minha frente. Assim como Dahyun fez com sua mãe, meu pai fez comigo. Ele levou um tiro no meu lugar, salvou a minha vida. Seu corpo foi lançado ao chão pelo impacto e caiu ainda acordado. Sua respiração era dificultada, seu sangue já cobria o chão e eu, finalmente, entendia tudo.
— ESPERA! NÃO! – Berrei desesperada quando notei que ela ia dar mais um tiro em meu pai, um de garantia. Ela queria ele morto. Nada mais importava.
Hyemi sumia do meu campo de visão por segundos, mas Sooyoung notou e, quando achou a Kim, virou-se para ela, mirando em sua cabeça.
— Solta esse celular. – Falou a Choi irritada. – Agora!
— Você já baleou minha filha, ela provavelmente não vai resistir. – Hyemi disse chorando, num tom desesperado e cansado. Soltou o celular, mas não parecia ter feito por ordens da outra. – Eu não ligo se me matar, não percebe? Você errou quando deu o primeiro tiro e errou de novo quando deu o segundo!
— Por que diz isso?
— Eu já liguei para polícia e eles já estão a caminho. – Sorriu vitoriosa, pelo menos ali ela tinha vencido. – Você pode matar nós duas, mas não vai fugir. Se der mais um tiro, isso só vai piorar a sua situação, Soooyoung.
Eu ouvia tudo, mas não dizia nada. Meu corpo já estava no chão junto do meu pai. Fiz o mesmo que com Dahyun, segurei o corpo do homem e localizei a ferida. Saía muito mais sangue que na da minha namorada. Mas, pelo menos, ele estava acordado. Cuspia sangue, respirava devagar e tinha a cor pálida, mas ainda estava ali.
— Calma, pai. Nós vamos conseguir. Vai dar certo, aguenta só mais um pouco. – Falei segurando sua blusa contra o ferimento. – Vai dar certo, ouviu? Fica comigo, não dorme. Não dorme.
— Volte aqui! – Sooyoung berrou e eu notei que ela gritava para Hyemi, que saía de perto dela para ir de encontro a filha. A Kim voltou a tentar estancar o sangramento e não deu ouvidos a mulher armada. – Droga! – A Choi disse ao olhar o celular. – Sua filha da puta do caralho! – Berrou. – Aproveitou o momento para ligar para a polícia mesmo, não era blefe! Droga! – Dizia desesperadamente, coçava a cabeça e andava em círculos. Foi aí que tudo mudou.
Numa fração de segundos...
Um barulho foi ouvido. A porta bateu, alguém estava entrando. Eu não fazia ideia de quem era, mas tinha certeza que me faria bem. Eu sentia. Não cabia mais nenhum mal aqui. Poderia ser a polícia, mesmo que seja muito silêncio, zero sirene ou passos, poderia ser. Eu tinha que pensar positivo.
O que era positivo para mim, todavia, não era para Sooyoung. Ao ouvir o barulho, desesperou-se ainda mais. Seus olhos arregalaram, seu suor aumentou e seu nervosismo começou a tirá-la do eixo. Não racionava mais, seu maior medo era que fosse, de fato e finalmente, a polícia. Aceitaria tudo, menos ir presa. Com certeza seu sentimento foi similar ao do processo que sofreu pelo acidente da minha mãe. O pânico de passar anos atrás das grades lhe atormentou novamente e ela, longe da lucidez, só teve uma atitude.
— Eu não vou presa! – Berrou e apontou a arma para si, atirando num lugar pouco provável, mas o suficiente para tê-la inconsciente.
— Rápido, Sana! – Hyemi disse ao notar tudo. Ela tinha uma frieza invejável e eu, um choque cada vez maior. – Ligue para a polícia! Eu vou ligar para a ambulância.
— Você não ligou para a polícia? – Perguntei apanhando um celular.
— Não. Não consegui completar a ligação, não deu tempo falar nada. Efetuei a chamada, mas Sooyoung me pegou no flagra, então tive que agir dessa forma que você viu... – Falou discando alguns números em seu aparelho.
— Sana? – Uma voz ecoou da cozinha. O barulho que ouvimos há pouco era isso. Alguém estava entrando. – Alguém em casa? Que barulho foi esse? – Eu reconheci a voz. Estava assustada, mas continuava a se aproximar.
— Aqui! – Berrei. – Aqui, Yuna! – Finalmente a garota surgiu.
*
Pov Narrador
— A ambulância chegou! – Yuna disse tornando para dentro de casa. Ela gritou desde a calçada, tinha assegurado que ficaria vigiando. Ajudou a estancar o sangue o máximo possível e a colocar os feridos num lugar mais favorável que o chão.
— Boa tarde. – Um dos médicos disse eufórico. Nada além foi falado antes que todos os machucados estivessem dentro do carro. – A senhora é a única adulta aqui? – Perguntou ao tornar.
— Sim, sou. – Hyemi assentiu e curvou-se brevemente. – Doutora Kim Hyemi. – Entregou o cartão e foi a vez do homem se curvar. – Já acionei a polícia e eles já estão vindo. Gostaria de pedir um favor.
— Diga, doutora.
— Ao chegar no hospital, um homem já estará esperando. É o doutor Kim Sanghun, pai de uma das vítimas. Gostaria de pedir para que o senhor assegurasse que ele soubesse de tudo sobre o estado dos três e ficasse de olho enquanto cuido de tudo por aqui.
— Pode deixar, senhora, eu mesmo cuidarei disso. – Sorriu complacente. – E eu sinto muito por tudo isso... – Curvou-se após um sorriso de Hyemi e se retirou.
— Meninas? – A Kim falou ao adentrar a sala. – A polícia já está a caminho, só queria falar algumas coisas antes que cheguem.
— Diga. – Yuna falou primeiro que Sana, que apenas assentiu com a cabeça.
— Não entrem em pânico, eu conduzo. Já chamei alguns dos advogados do meu escritório e tudo terminará bem. Meu marido já está no hospital e também cuidará de tudo por lá. Peço que mantenham a calma. Não seremos presas, não temos culpa.
— Obrigada. – Sana falou e se retirou em seguida, indo para a cozinha.
— Certo, doutora... – Yuna falou desconfiada, levantando do sofá e demonstrando que queria ir atrás da japonesa.
— Pode ir. – Hyemi permitiu e assim a adolescente seguiu.
— Sana?
— Oi. – A menor respondeu chorosa. – Obrigada por hoje, ok? Não agradeci ainda, mas saiba que tenho uma dívida eterna com você agora...
— Não precisa agradecer, digamos que foi um acerto de contas.
— Como assim?
— Eu vim até sua casa para conversar. Tive essa ideia do nada depois da conversa que tive com Dahyun. Imagino que ela tenha comentado com você, certo? – Assentiu. – Enfim, Sana... Eu quero mudar, estou mudando. E queria começar pedindo desculpas a todos que um dia fiz mal, então eu vim aqui. Vim pedir perdão.
— E acabou me ajudando, talvez até salvando vidas... – Falou cabisbaixa. – Você acha que eles vão sobreviver? Digo, perderam muito sangue e Dahyun ficou desacordada o tempo inteiro.
— Mas estavam todos vivos ao entrar na ambulância. Não se desespera. Foi terrível, muito sangue, mas nós fizemos o possível até os médicos chegarem e eles já estão nas mãos certas... – Falou puxando uma cadeira e sentando-se ao lado da japonesa. – Então, sim, eu acho que vão sobreviver.
— Obrigada, Yuna. – Falou levantando a vista finalmente. – Obrigada por tudo isso... E nem precisa pedir desculpa pelo passado. Já passou, já foi. Fico feliz que mudou.
— É... – Assentiu timidamente. – Por que não toma um banho? Talvez isso melhore seu astral.
— E- – Sana ia responder, mas foi interrompida.
— Não agora. – Hyemi falou adentrando a cozinha. – A polícia chegou. Vamos.
*
Pov Sana
À noite...
— Já comeu? – Mina perguntou checando minha temperatura. Não estava com febre, apesar de sentir muito frio e ter a pele quente.
— Não estou com fome. – Respondi.
— E banho? Já tomou? – Nayeon questionou.
— Sim, depois que voltei da delegacia eu tomei. – Falei cobrindo-me até o pescoço. – A água estava muito gelada, por sinal, por isso estou com tanto frio.
— Você está com frio porque está triste e porque o aquecedor da Tzuyu quebrou. – Momo falou me entregando um copo. – Bebe esse chá, a mãe da Chou fez no capricho pra você. – Sorriu solícita e eu agradeci devolvendo o sorriso.
— Meu aquecedor não está quebrado, só velho... – A taiwanesa falou saindo do banheiro. – Você tem que comer, Sana.
— Eu não consigo.
— Consegue, sim. – Jennie disse levantando-se da beira da cama. – O que você quer comer? Pode falar qualquer coisa, pensa em algo bem gostoso e diz. Vai ser mais fácil engolir a comida se for algo muito saboroso.
— Sushi. – Falei a primeira coisa que passou pela minha cabeça. – De todos os tipos.
— Ok. – A Kim disse e fez sinal chamando Nayeon consigo. – Nós voltaremos em instantes com sua comidinha.
— Não precisa... – Falei em vão, já que logo as duas partiram. – Sério, não precisam me paparicar assim.
— Para de besteira, a gente se importa. – Mina falou. – E sabemos que não está sendo nada fácil...
— Vocês têm notícias da Dahyun? – Perguntei. – E do meu pai e da Sooyoung?
— Eu tenho... – Uma voz foi ouvida depois de duas leves batidas na porta, que a princípio foram ignoradas por nós. – Como você está, Sana? – Era Hyemi inteiramente dentro do quarto.
— Bem e a senhora?
— Igualmente. – Aproximou-se de mim, sorriu para quem estava presente e me olhou ao final. – Trouxe notícias.
— Quais?
— Sooyoung está na uti, em coma. – Falou sem pesar e nem demora. Eu fiquei chocada, mas não lamentei. – O tiro que ela sofreu não foi o suficiente para matá-la. Pelo menos não ainda...
— E meu pai? E Dahyun?
— Seu pai é um pouco mais delicado... O tiro pegou nas costas, os estilhaços se espalharam rapidamente e profundamente. A distância do disparo também não foi favorável, então a situação é grave, Sana.
— Grave como?
— Ele precisou ser internado numa uti. Agora, está fora de perigo, mas não sabemos se isso vai durar. A cirurgia de retirada da bala foi bem, mas ele perdeu muito sangue...
— Hyemi, eu... Seja honesta, por favor. – Pedi impaciente, sentei-me na cama e a encarei nervosamente. – Meu pai corre risco de vida?
— Não mais que Sooyoung. Mas, sim, corre. Todos ali correm. Muito sangue foi perdido, mas não fique desesperada. A equipe médica é muito boa, temos tudo de melhor, vai dar tudo certo.
— E Dahyun?
— Bom... – Suspirou antes de continuar quase deixando uma lágrima escapar. – Dahyun foi a que perdeu mais sangue. Ela chegou ao hospital quase... Quase sem vida.
— Eu sei, por isso a senhora pediu que eu voltasse para casa.
— Sim, seu desmaio ao saber da notícia me preocupou, então agi dessa forma e agora... – Olhou em volta orgulhosa. – Vejo que fiz bem.
— Obrigada. – Minha vez de suspirar. – E Dahyun? – Perguntei novamente.
— Ela precisava de sangue o mais rápido possível, mas o hospital, por coincidência do destino malvado, não tinha o tipo certo. – Ela arfou cansada e negou com a cabeça, como quem sentia raiva de tudo de ruim que aconteceu. – Por sorte, Sanghun tem o mesmo tipo sanguíneo de Dahyun e doou tudo que foi necessário. – Ela sorriu largamente e eu fiz o mesmo, sentindo uma esperança forte em meu peito.
— Deu tudo certo, então?!
— A princípio houve algumas complicações, por isso o atraso em te dar notícias, mas tudo seguiu relativamente bem. – Levantou-se. – Eu saí do hospital pois estava muito nervosa e não aguentaria esperar lá pela notícia de que tudo estava bem de novo. Além do mais, recebi algumas ligações da polícia e dos advogados, tive que sair para responder ao chamado.
— Já fez isso?
— Sim. Agora há polícias vigiando a Sooyoung no hospital 24 horas por dia. Sua casa está sob investigação da perícia e todos os depoimentos, burocracias, etc. Já foram coletados. Bom, pelo menos dos que estão disponíveis para isso. – Ela riu fraquinho. – Ao dirigir para cá, Sana, eu recebi mais uma ligação. Era meu marido. A cirurgia de Dahyun finalizou com sucesso!
— SÉRIO?! – Falei alegremente e notei os vários sorrisos no quarto compartilhando da mesma felicidade. – Isso significa que ela está curada? Fora de perigo totalmente?
— É... – Suspirou tristemente, aquilo fez todos os sorrisos sumirem, principalmente o meu. – Eu, mais do que ninguém, adoraria responder que sim, mas não posso mentir justamente para você.
— O que houve?
— A cirurgia ocorreu bem, mas Dahyun ainda está mal. A doação de sangue foi útil, claro, mas seu corpo está fraco, sua respiração ainda é debilitada...
— Claro, a asma! – Falei ao associar as duas coisas. Fiquei arrasada novamente.
— Exato. O organismo de Dahyun não é muito forte. Ela tem os problemas e os maus hábitos... Mas estou certa de que minha filha vai ficar bem, Sana. Confie, pense positivo também.
— Eu confio.
— Não posso deixar de entristecer, claro, mas não vou me deixar levar por esse sentimento. Dahyun ainda não acordou, ainda está sedada e em observação severa. Não está totalmente livre de riscos, mas já esteve bem pior. Vamos pensar desta forma.
— Ok...
— Sugiro que fique aqui na casa de sua amiga até que sua residência seja liberada. Eu mesma me encarregarei dos assuntos da empresa e sua herança. Fique tranquila, não ficará desamparada. – Assegurou mudando de assunto para não cair em lágrimas.
— Obrigada, Hyemi.
— Eu estou fazendo isso pela Dahyun. – Rebateu, mas não era uma grosseria. Ela estava desabafando. – Eu... Eu sei que errei bastante, então vou tentar compensar isso, afinal minha filha arriscou a vida por mim. – Deixou-se emocionar. – Obrigada por cuidar dela tão bem. Por fazer o que eu nunca fui capaz. Você tornou a Dahyun esse ser bondoso...
— Obrigada, mas está enganada. – Falei calmamente. – Ela sempre foi assim, pura. A alma dela é jovem e natural. É singular e honesta, vocês só nunca conseguiram enxergar isso. Espero que agora tudo mude.
— Já está mudando. – Assentiu curvando-se ligeiramente. – Se me der licença, vou voltar para o hospital.
— Quando nós vamos poder ver a Dahyun? – Momo perguntou.
— Amanhã. – Respondeu antes de partir.
Dahyun estava viva, meu pai estava vivo e Sooyoung estava viva.
Ninguém morreu.
Dahyun já está sendo assistida, mas quase perdeu a vida. Sangrou tanto que quase não via a cor do chão que seu sangue cobria. Arriscou a vida pela sua mãe e no fim, ao quase perder a sua, foi salva pelo seu pai. Enredo esperado para uma família. Para uma família comum, claro. Uma que se ama, se respeita.
Não a de Dahyun. Eu estou chocada, é fato, que sua mãe foi gentil, tratou com a frieza certa que a situação toda pedia. Salvou a nós num blefe perigoso e o marido, na astúcia e poder, doou seu sangue para a Kim e ordenou seu escritório a conduzir tudo da melhor forma. Eu já vejo que foi a melhor forma.
Meu pai pode morrer, eu temo por isso. É estranho odiar tanto suas ações, ter aversão a ele, mas ao mesmo tempo ter pavor em vê-lo morrer. Uma prisão não doeria como a morte, como vê-lo se doar para que eu continue respirando, como saber que agora ele corre risco de vida numa cama de hospital.
Saber que tudo isso se deu pelas ações dele mesmo.
Eu não quero perder meu pai, não suportaria, não desejo. O perdão vai acontecer, é necessário. Eu entendo agora. Eu sei os motivos que ele teve para fazer o que fez. Não concordo, mas não condeno mais. Eu só quero ele vivo. Talvez isso tenha sido sua redenção. Morrer por mim seria seu perdão definitivo, sua cura, faria seu arrependimento sumir. E sua não-morte é a prova disso. Talvez.
Sooyoung pode morrer, eu não lamentaria, mas também não quero que ela morra. A quero viva para pagar por tudo, morrer é fácil demais. Nem purgatório, nem inferno. A vida é a mais cruel das alternativas e a que eu quero que ela experimente.
Eu poderia ter morrido, poderia ter visto alguém morrer. Dói em mim da mesma forma. Por quê? Por que está doendo tanto assim? Como se algo pior tivesse acontecido... Por que eu não consigo ficar aliviada o suficiente ou grata o suficiente para esquecer de todo mal? Por quê?
Eu queria minha mãe agora, mesmo que por pouco tempo. Mesmo que por uma fração de segundos...
*
"Sabe, às vezes eu acho que Deus
Está jogando um joguinho comigo
Olhando do céu, rindo
Tentando ver o quanto eu posso suportar
Porque do jeito que as coisas vão, é como uma piada"
Chapter 37: Hold On.
Chapter Text
Hold On – Kansas
"Olhe no espelho e me diga
Apenas o que você vê
O que os anos de sua vida
Lhe ensinaram a ser
Inocência morrendo de tantos jeitos
Coisas que você sonhou estão perdidas
Perdidas na neblina"
*
Pov Narrador
— Oi... – Yuna diz ao se aproximar da mesa dos amigos de Sana e Dahyun. – Posso falar com vocês rapidinho?
— Se veio fazer alguma chantagem, não. – Jihyo respondeu.
— Nã- – Yuna ia falar, mas a Park a cortou.
— Se veio encher o nosso saco num geral, então também não. – Finalizou.
— Não é nada disso, Jihyo. – Sua expressão era séria, de igual para igual, como ninguém nunca tinha visto antes. – Posso?
— Senta aí. – Nayeon falou. – O que foi?
— Algumas coisas, na verdade... Bom, primeiro eu gostaria de me desculpar. – Falou num suspiro alto e ninguém esboçou reação alguma. – Pedir perdão, na verdade. Eu falaria com cada um individualmente, ainda posso fazer, se preferirem, mas quis falar para todos juntos primeiro. Acho que faz mais sentido.
— Desembucha de uma vez. – Seungsik ordenou impaciente.
— Certo. – Puxou o ar e encarou os adolescentes. – Eu sinto muito por tudo. Sinto muito por ter feito mal a vocês sem motivo algum. Sinto muito por ter revidado alguma coisa muito desproporcionalmente, lamento mesmo. Espero que possam me desculpar algum dia, senão hoje. Eu não espero o perdão de vocês agora, entendo cada um. Eu só... só precisava falar isso, sabe?
— Para tirar o peso da consciência? – Chaeyoung questionou irritada. – Você tem alguma consciência, aliás?
— Sim, para tirar o peso da minha consciência. – Respondeu a Shin, cabisbaixa. – Não tinha me tocado disso antes, de como eu agia da mesma forma, ou pior, que agiram comigo no passado. Eu errei, errei feio. Com muita gente além de vocês. Fiz cada coisa terrível e sinto muita vergonha por isso, mas sei que não basta. Sei que leva tempo perdoar, esquecer, relevar... Eu mesma me odiaria se fosse vocês...
— Que bom que sabe. – Jennie cutucou impiedosa.
— Gente, deixa ela falar. – Seulgi comentou, recebendo olhares confusos dos amigos. – Fui uma das mais prejudicadas pela Shin e estou quieta ouvindo o que ela tem a dizer, então vocês podem o fazer o mesmo. Deem a chance dela se redimir, hm?
— Se você acredita nessa lorota, Kang, é contigo. – Mina rebateu. – Mas, sim, vamos ouvir em silêncio, galera. – Olhou para Yuna. – Pode continuar.
— Bom, a segunda coisa era sobre a Dahyun e a Sana... Já têm notícias?
— Não é da sua conta! – Jihyo respondeu com raiva, quase levantou dali e avançou na maior. – Sai fora, porra!
— Ei... – Tzuyu disse. – Calma, ok? A Yuna ajudou muito a Sana e a Dahyun, talvez sem ela algo pior teria acontecido, então relaxem aí. – Disse imponente. – Shin, não temos muitas novidades. A Sana não veio, continua triste demais na cama, ela está passando um tempo na minha casa por enquanto. A Dahyun está sedada, assim como o pai da Minatozaki. Todos ainda correm sérios riscos, mas estão na melhor situação desde que tudo rolou. A Sooyoung está em coma.
— Certo... – Yuna acatou, levantando-se. – Tem mais uma coisa, mas eu preciso da ajuda e opinião de vocês para isso.
— Lá vem! – Chaeyoung desdenhou, mas não continuou a provocação porque levou um puxão de orelha de Jeongyeon. – Foi mal...
— A última semana tá chegando, as provas finais estão bem na nossa porta, mas depois de toda essa confusão e tragédia, não acho que tenhamos condições de realizar qualquer exame. Inclusive a Dahyun, que nem acordou ainda... – Completou com pesar, fazendo todos a mesa pensarem sobre o assunto.
— E o que você sugere? – Mina perguntou.
— Meu tio não faz exatamente o que eu peço a hora que eu peço, é delicado, varia muito. O que eu queria pedir, é um adiamento da última semana, dando tempo dos alunos prejudicados se recuperarem. – Finalizou segura.
— E como faremos o Wang aceitar isso? – Momo questionou.
— Eu sozinha não rola, mas se formos todos, ele com certeza aceita.
— Podemos chamar a Tiffany também. – Somi falou. – Um professor junto sempre dá mais credibilidade e ela com certeza aceitaria nos ajudar.
— Boa! – Tzuyu concordou. – O diretor é chato pra caralho, mas não tem um coração de pedra. Ele vai entender e atender, com certeza. – Virou-se para a Shin desconfiada. – Desculpa, sei que ele é seu tio e tal...
— Relaxa. Bom, vocês topam ir agora até a sala dele? – Levantaram juntos, assentindo.
*
— Oi. – Hyemi disse depois de um selinho breve no marido. – Notei algo estranho no caminho. Alguma novidade? – Encarou o homem com o cenho franzido.
— Sim, algumas. – Respondeu com um meio sorriso e tornou a caminhar adiante. – Umas doze novidades.
— Doze?! – Perguntou chocada, já sentindo seu sangue ferver de nervoso. – O que aconteceu, Sanghun? – Freou os passos sem nem se dar conta que a resposta estava bem ali.
— Veja você mesma. – Virou delicadamente o corpo da mulher para frente novamente, dando a visão da sala enorme que Dahyun estava internada. Adolescentes estavam parados diante do vidro que dava visão a Kim acamada, eles estavam em silêncio e torciam mentalmente para que a amiga se curasse logo.
— Você me assustou! – Empurrou o homem depois de um suspiro aliviado. – Mas eles não podiam entrar aqui, Dahyun não podia receber tantas visitas assim, ao mesmo tempo.
— Eu tentei impedir que eles entrassem, mas foi inútil. – Deu de ombros e caminhou lentamente ao lado da esposa. – Eles são impossíveis juntos.
— Eu posso imaginar... – Finalizou quando já estava próxima o suficiente da turma. – Chegaram faz muito tempo?
— Ah, oi. – Chaeyoung se virou e se curvou, o resto viu e fez o mesmo. – Não muito, só alguns minutinhos...
— E como conseguiram passagem? Lembro-me de deixar uma ordem expressa de que somente era permitido um visitante por vez, fora os parentes. – Dizia seriamente, fazendo os adolescentes engolirem seco. – Calma, eu não estou brava...
— Ah, ufa! – A Son arfou tão alto em alívio que arrancou um risinho dos mais velhos. – Nós só... Só queríamos muito ver a Dubu, sabe? Então não deixamos ninguém nos impedir, não foi tão complicado assim... – Sorriu amarelo, mas convencida.
— Sei... – Hyemi cutucou Sana e a puxou para mais perto. – Podemos conversar rapidinho?
— Claro. – A japonesa seguiu a coreana junto do esposo até a lanchonete do hospital. – O que querem? – Perguntou quando o silêncio já era agoniante.
— Não temos uma notícia muito boa para dar... – Sanghun começou, ele olhava para baixo, nunca nos olhos da garota. Temia a comunicação, sentia nervoso pela reação, mas não desistiu. – Você já viu seu pai ou a Sooyoung?
— Não, nenhum. Quis esperar vocês ou algum médico aparecer para me guiar até onde meu pai está internado.
— Sabe, UTIs não dão livre acesso, mas nós conseguimos isso para você. – Hyemi falou calmamente. – Sana, você pode ir vê-lo quando quiser.
— Isso é ótimo! – Sorriu felizmente. – Não entendi porque disseram que tinham uma notícia ruim...
— Bom... Sobre isso... – O Kim pigarreou antes de continuar. – O quadro da Sooyoung teve uma piora. A Choi convulsionou nesta madrugada, teve que ser reanimada também. Agora seu quadro é ainda mais delicado tal qual o... – Hesitou. – Tal qual o seu pai, Sana.
— Meu pai convulsionou também? Conseguiram reanimá-lo, né?
— Ele não convulsionou, mas teve uma queda brusca de oxigênio, foi reanimado com sucesso, mas segue numa situação grave. Bem mais grave que no começo. – Suspirou. – Eu sinto muito, menina...
— Eu posso vê-lo agora? – Foi a única coisa que Sana disse ao levantar a vista e encarar os adultos. – Posso?
— Claro.
*
Pov Sana
Adentrei aquela sala gelada com mais frio do que ela causava. Meu corpo estava gelado e arrepiado não pelo ar-condicionado, mas sim pela tensão que o lugar emanava. Caminhei até meu pai, que estava deitado com muitos aparelhos em volta de si. Segurei o livro que eu tinha em mãos com muita força e o encarei de perto. Sua pele era pálida, sua barba rala e os olhos fechados.
Toquei seu braço e me emocionei quando ao contrário do que eu esperava, sua pele era quente. Acariciei o local e deixei-me sorrir só com aquele pequeno detalhe. Eu sabia que a situação era delicada, que amanhã meu pai poderia não respirar mais, daqui meia hora ele poderia não respirar mais. Eu sabia. Mas mesmo assim não foquei no copo meio vazio.
Claro, não era uma situação exatamente dividida, a possibilidade de algo grave acontecer era maior, mas ainda existia o contrário. E era nisso que eu focava.
— Pai... – Falei baixinho ainda acariciando seu braço. – Eu estou aqui, viu? Não vou sair de perto de você, eu prometo. Vou cuidar de você quando tiver alta e não precisa se preocupar com mais nada. Eu... Eu sinto muito que esteja nessa situação. – Solucei em meio ao choro que acontecia sem eu sentir. – E... E muito obrigada por me salvar. Você me salvou tantas vezes que eu... Eu nem saberia dizer quantas. Obrigada. – Abaixei o tronco e beijei sua testa, deixando algumas lágrimas pingarem em seu rosto. – Eu te amo. – Finalizei saindo da sala rapidamente.
Aquilo era torturante demais para durar. Pelo menos por ora eu não ficaria ali. Meu coração, alma e mente, porém, ficariam. Já estão ali, com ele naquela sala. Entraram primeiro que meu corpo e só sairão junto do meu pai.
*
— Não quis ir ver a Sooyoung, né? – Tzuyu perguntou enquanto caminhávamos até seu carro. Eu balancei a cabeça negativamente. Tinha preguiça até de falar. – Te contaram sobre a Yuna hoje na escola?
— Não, o que houve?
— Além de ouvirmos um desabafo forte e um pedido de perdão, ela perguntou como você e Dahyun estavam. Parecia preocupada de verdade.
— Não me espanta, a Shin foi fundamental nesse lance todo, sem ela não gosto nem de pensar o que teria acontecido, sabe? E vocês, como reagiram?
— A maioria só deu patada nela, ainda muito bravos com tudo que ela já aprontou, entende? – Assenti. – Exceto eu, Jeongyeon e Seulgi. Nós entendemos a Shin e tal... Mas não foi só isso que rolou com ela hoje.
— O que mais?
— Eu contei para os pais da Dahyun quando você se retirou. Nós contamos, na verdade. – Deu partida no carro. – A Yuna sugeriu que falássemos com o Wang sobre toda essa situação e pedíssemos que ele adiasse a última semana.
— E ele aceitou?! – Arregalei os olhos só de imaginar.
— Sim!
— Uau... – Suspirei em choque. – O diretor mudou ou eu estou louca?
— Não mudou, mas parece que ele é mais gentil quando vamos exigir algo em equipe. – Riu fraquinho. – Mas a Yuna mudou, tenho certeza. Foi ideia dela, que executou junto da gente e fez a maior parte, claro. Foi impressionante.
— Preciso agradecê-la por isso também. – Encostei a cabeça no banco e suspirei profundamente. – Tzu?
— Hm?
— O que você faria se estivesse na minha pele? – Soltei com uma sinceridade e necessidade afobada. – Digo, se fosse eu, tipo literalmente. O que você faria, pensaria, falaria?
— Seja mais específica, Minatozaki...
— Meu pai pode morrer amanhã. Ele pode morrer a qualquer momento, pode já ter morrido e meu celular vai tocar daqui a pouco numa ligação que carrega a notícia... – Dizia sem pausas. – Eu não quero que ele morra, não quero mesmo. Sinto-me triste e angustiada só de lembrar de tudo... Não só pelo acontecido em si, mas porque ele estava envolvido. Porque ele é meu pai, entende?
— Sim, claro.
— Então, eu queria saber como você reagiria... Perdoaria ele? Aceitaria tudo? O que faria?
— Eita... – Soltou surpresa. – Essa é difícil... – Hesitou, suspirou e enfim prosseguiu. – Eu perdoaria. É, sim, perdoaria. Não esqueceria, pelo menos por enquanto, continuaria a ficar chateada com ele e revoltada com tudo, principalmente ao relembrar, mas acho que passaria. Leva tempo, tudo leva tempo e acho que esse é o caso.
— Então você acha que eu deveria perdoar meu pai por ter matado a minha mãe?
— Dizendo dessa forma fica tão errado... – Coçou a nuca nervosamente. – Eu não sei dizer as coisas certas, nem bonitas, nem direito. Talvez fosse melhor você falar disso com a Mina, ela sempre sabe o que falar, como falar...
— Eu sei, mas quero falar com você agora. Você é minha melhor amiga, minha irmã. O que você pensa importa pra mim mais do que a maioria das pessoas. – Falei honestamente e ela sorriu envergonhada. – Diz, o que acha que devo fazer?
— Eu acho que você deve esperar. Eu sei que é a pior coisa do mundo, mas é verdade. Só o tempo, Sana... – Suspirou profundamente, temendo continuar a sentença. – Como você falou, seu pai pode partir a qualquer momento, não é hora de ficar imaginando coisas.
— Aí que 'tá, Tzuyu. Eu não quero que ele morra e muito menos que morra numa situação terrível comigo, onde eu o culpei, o fiz se entregar... Eu não quero esse peso em mim, sabe?
— Mas também não adianta dizer que perdoou sem ter perdoado.
— É, você tem razão... Eu queria saber o que sinto, ter as respostas logo, queria que ele ficasse bem...
— Só o tempo. – Foi diminuindo a velocidade. – Mas, tem algo que já pode ser resolvido por agora.
— O que?
— Você ama seu pai, Sana. Sempre o amou, sempre o teve como ídolo, como melhor amigo... E ele sempre foi bacana. Tirando a Sooyoung, você teve uma vida perfeita, certo?
— É, mais ou menos...
— O lance é que você admirava tanto o Shitara que quando algo tão grave veio à tona abalou tudo. E não é pra menos, óbvio. O que aconteceu foi muito grave, terrível, principalmente para você. Mas mesmo assim... Ele é seu pai, você o ama. O ama há mais tempo do que o odeia.
— Uau...
— É... E é essa a resposta que você já tem, mas que ainda está difícil de aceitar.
— Qual exatamente?
— Você o quer vivo, contigo e livre. Talvez não tenha perdoado o que ele fez, mas um dia vai, você sabe que vai e sabe que isso fará bem a si mesma. Não vai esquecer, mas isso vai parar de doer tanto.
— Você acha mesmo?
— Não, eu tenho certeza, Sana. – Desligou o carro finalmente. – Mas, se porventura eu estiver errada. – Descemos do carro. – Não tem problema também. No fim, o que quer que sinta por ele, perdoando ou não, vivendo com ele ou não, o Shitara preso ou não, o que quer que aconteça, você, no fim, vai ficar bem.
— Obrigada... – Abracei seu corpo fortemente assim que tive a chance. – Eu te amo, Tzuyu. Muito.
— Eu também te amo muito, Sana. – Devolveu o abraço sem estranhar minha atitude. – Escuta, vamos nos apressar aqui. Comer, tomar um banho e sair de novo.
— Para onde vamos?
— Ao hospital.
— Não podemos...
— Sim, podemos. Eu pedi a senhora Kim para deixar você ter um momento com a Dahyun e ela permitiu logo após a janta, então...
*
Pov Narrador
— Sanghun? – Hyemi falou a tornar e ver o homem de cabeça baixa. – O que houve? É sono? Se for, pode ir para casa, eu fico com aqui com Dahyun.
— Não, não é sono. – Levantou a cabeça e mostrou o motivo sem usar palavras. – Quer dizer, eu estou com sono, sim. Estou exausto, mas não quero e nem vou sair daqui... Vamos ficar juntos, hm?
— Meu amor... – Segurou o rosto do homem enxugando as lágrimas. – Por que está chorando?
— Você se lembra quando estava, uh... No terceiro ou quarto mês de gravidez e teve um sangramento forte? – A mulher assentiu num sorriso sem jeito. – Lembra como foram duas noites pavorosas para nós? – Assentiu mais uma vez.
— Você não saiu do meu lado um único segundo, Sanghun... Aquilo foi muito importante, sabe? Até para a gestação em si. A enfermeira falou, lembra-se?
— Claro! – O homem sorriu. – Ela disse que sem o apoio do pai da criança e da mãe, juntos, numa situação como aquela o neném não teria resistido...
— A Dahyun sempre nos deu dor de cabeça, até quando ainda era uma ervilhinha... – Brincou a Kim, emocionada. – Eu nunca me reclamei das complicações da gravidez, até hoje não reclamo ou lamento. Serviu para nos unir mais ainda.
— A Dahyun nos uniu muito. Lembra quando ela disse a primeira palavra? Quando deu os primeiros passinhos? – Seus olhos marejaram. – Não desgrudávamos dela... A cada momento livre de processos, papelada... Estávamos ali, acompanhando cada novidade, cada detalhezinho.
— Acredita que ainda tenho pesadelos com a primeira crise de asma que ela teve? – A mulher soltou com pesar. – Era tão novinha. O oxigênio ficou distante e ela não sabia se comunicar. Foi aterrorizante...
— Sorte que conseguimos chegar a tempo ao hospital.
— É... Juntos mais uma vez. – Suspirou nostálgica. – Como agora.
— E como no dia do sangramento. E como vários outros dias... – Suspirou arrasado. – Trouxemos a Dahyun tantas vezes ao hospital, né?
— Mas nenhuma visita foi tão grave como essa.
— Mas nós fizemos parecer que eram. – Desabafou. – Nunca foi algo tão profundo que merecia nossa reação... Por que agíamos daquela forma, Hyemi? Eu... Eu não me dava conta disso até... Até essa desgraça acontecer.
— Nem eu. E também não sei como deixamos as coisas ficarem dessa forma... Eu lembro quando, porquê, mas não consigo entender... O escritório, muito dinheiro, muito trabalho, pouca paciência, pouco tempo... Aos poucos tudo se tornava mais uma dor de cabeça para gente, inclusive os problemas da nossa filha.
— Que a maioria nós causamos. – Lamentou-se num choro abafado. – Eu me arrependo tanto, Hyemi... Tanto. – Abraçou a mulher. – Você se sente assim também?
— Com um vazio dentro do peito? Uma dor física só de pensar? Sim, sinto.
— É quase como... Como um soco no estômago, uma dor de cabeça sem fim. Eu não me perdoo, mas quero que ela me perdoe. Somos tão egoístas. – O homem falou em desespero. O corpo estava mole, trêmulo e gelado. Chorava sem controle, soluçava e quase perdia o fôlego. Tinha aparência e jeito de menino, sem pudor nenhum com as emoções e poder nenhum em conter as reações.
Chorou pesado, com força. Ficou fraco nos braços da esposa que se via na função de acalentar o homem. Era fato que ambos estavam exaustos, preocupados e tristes, mas Sanghun era peculiar. A frieza de advogado que Hyemi esbanjava, o Kim nunca conseguiu ter diante de problemas pessoais.
Sua cabeça nunca o deixou em paz, mesmo quando voltou da clínica. Seus pensamentos aceleram, seu humor oscila e ele se culpa. Chora, sente raiva, medo e felicidade numa velocidade absurda, uma mudança sem cautela num tempo sem medida. Ele era igualzinho sua filha. Seu choro era descontrolado tal qual o dela e ele odiava a si mesmo por ser assim, transferindo tal sentimento para a menina.
— Sanghun, acalme-se. – A Kim falou preocupada, mas o homem não parava de chorar fortemente. – Sanghun!
— Eu... Eu não consigo parar. Hyemi, eu não sei o que fazer, só de pensar no estado dela naquela sala eu... Eu... – Desabou mais uma vez. – E se ela não resistir? O que nós vamos fazer? Eu morro junto, Hyemi, eu morro...
— Ei, ei... Calma, ok? Olha pra mim. – Pediu segurando o rosto do homem com cuidado. – Conta até dez, repetidas vezes e no seu ritmo. – Assistiu o homem fazer coordenadas. – Por que não entra na sala e conversa com a Dahyun? Mesmo sedada, ela pode te escutar...
— Você acha que devo?
— Se quiser, não vejo motivos para recusar... Vá e deixe seu coração falar. Eu estou aqui.
— Não quer ir junto?
— Acho que dessa vez não. Parece um encontro necessário só de vocês, sabe? De igual para igual... – O homem acatou, levantou-se, saiu de perto da mulher e adentrou a sala onde a filha estava.
Caminhou a passos curtos, tentando evitar ao máximo a realidade. Não queria ver a filha naquele estado, mesmo que já tivesse visto, mas não tinha chegado tão perto. Queria estar no lugar dela, ter evitado tudo, ter feito diferente. Mas já era tarde. Tudo já tinha acontecido, as coisas eram o que eram. E ele sabia disso. Sabia tanto que chorou mais.
Sentou-se numa poltrona um tanto distante da maca até conseguir ficar de pé novamente. E isso levou tempo. O homem chorava feito uma criança, sem controle algum. Suas emoções falavam sozinhas, comandavam seu corpo. Até que, subitamente, o choro cessou e ele conseguiu se recompor.
Levantou-se novamente, caminhou até a maca e firmou olhar na jovem. Observou o tubo de oxigênio em seu nariz e boca, desceu a vista e notou as várias agulhas pelo corpo da garota, sentia sua cabeça doer pelo barulho irritante e interminável da máquina de batimentos, mas torcia para que aquele som nunca tivesse fim.
A pele da Kim era mais branca que o normal, o cabelo loiro desbotado e quebradiço dava um aspecto mais frágil à menina e as veias saltadas deixavam claro que a situação não era simples.
— Dahyun... Ah... Filha. – Começou falando com dificuldade. Gaguejava muito, estava visivelmente nervoso. – Sou eu, seu pai aqui. Acho que reconhece minha voz, certo? Queria te ouvir dizer sim ou ter uma resposta qualquer. Alguma coisa que denunciasse que está aí, me ouvindo, me entendendo. – Segurou a mão esquerda da jovem com cuidado. – Você não cresceu muito, não é? – Riu de leve ao notar o tamanho da mão. – Que nem sua mãe e... É, que nem eu. Lembra-se de como me chamava quando criança?
Suspirou, sentiu as forças irem embora. Ele segurava a mão da filha sozinho, já que o corpo em sua frente não demonstrava lucidez, vida. Ele hesitou em continuar, ficou imaginativo e nostálgico novamente.
— Você me chamava de "papai Mestre" como um dos anões do filme... E eu... Ah, eu sempre variava seu apelido, né? Ora você era a branca de neve, já que sua pele sempre foi pálida como a dela, ora você era um dos anões também. Qual era mesmo o nome? – Fez força para pensar, deixando um sorriso bobo escapar. – Era... Dunga! Isso! – Ficou feliz em recordar. – Não falava muito, era fofinho, sem barba e tinha orelhas marcantes, como as suas... Lembra-se que eu e sua mãe sempre mordíamos as suas orelhinhas?
Olhou pela janela, encarando a esposa ali. Hyemi já não tinha mais a postura neutra que estabeleceu para si desde o princípio. Era humana, afinal. Aquilo era demais para suportar séria. Ela chorava emocionada, mas contida. Assistia o marido ser jovem de novo, ser honesto consigo e com a filha. Assistia com o coração mais apertado que nunca.
— Eu sinto saudade daquela época... Uma saudade tão forte e boa que não machuca de um jeito incômodo, não. Na verdade, aquece. E eu só sinto saudade porque vivi isso, porque vivemos isso. Eu, você e sua mãe. Juntos. – Suspirou, intensificando o toque na mão da menor. – Eu queria sentir saudade de mais coisas com você, filha, de todos os momentos, na verdade. Mas não... Não posso sentir porque eu não estava lá, eu... Eu lamento. Lamento muito.
Passou a mão vaga nos cabelos da garota, alinhando-os atrás das orelhas, arrumando para que ficasse linda para as visitas. Acariciou as orelhas, apertando de leve e ficando, novamente, imaginativo. Segurou o queixo, as bochechas e a ponta do nariz. Ela era a combinação perfeita dos dois. A aparência era a junção exata de Hyemi e Sanghun, era surreal.
— Agora você está aí, Dahyun, distante, acamada. Eu estaria no seu lugar se pudesse, mas se eu pudesse e tivesse controle faria tantas outras coisas também... Faria quase tudo diferente... Pensamos no dinheiro e no trabalho e o que isso nos proporcionou, afinal? Eu largaria tudo, filha, tudo... Tudo para ouvir sua voz de novo, ver você andar, viver... Eu daria minha vida, não só o meu sangue. Acredite, hm? – Chorou lentamente, tornando a segurar a mão da filha. – Ah, eu só queria um sinal. Divino, não sei, mas eu queria. Queria saber que está aqui, comigo, consciente. Ai, filha... Eu sinto muito por tudo. Desculpa o pai, por favor... – Falou num tom de desespero e fraqueza. – Perdoa o papai Mestre que durante anos estava mais para... Zangado. Perdoa-me, filha. Eu te amo mais que tudo no mundo, mesmo sem demonstrar, eu juro que amo.
Ficou de joelhos ao pé da maca, o seu braço era esticado para conseguir segurar, ainda sozinho, a mão da menina. Ele chorava em silêncio sobre si mesmo. Nunca sentiu dor tão profunda como esta. Não sentia quase nada, seu corpo parecia dormente.
Até que, num súbito momento, sem planos, avisos ou previsões, um toque é sentido. A mão de Sanghun é tocada. Firme, mesmo que ainda delicadamente, o homem sente sua mão contrair-se em outra. Dahyun estava ali, ela estava consciente, acordando, vivendo. Fechou sua mão na mão do pai. Viveu.
— HYEMI! – Berrou enquanto tentava ficar de pé sem largar a filha.
— EU VI! – A mulher falou animada, correndo até a maca de imediato. – Ei... Acordou... – Falou com uma voz familiar para Dahyun, mas que já não ouvia há tempos. A Kim mais velha usou um tom delicado e fofo, falou como falava com sua filha quando ela era criancinha. – Shh... Cuidado, não faz esforço. – Colocou a mão dela no lugar.
— O que houve?! – A voz de Sana é ouvida na porta. Um tom desesperado, preocupado e temeroso. Ela havia chegado com Tzuyu como combinaram, mas não estava esperando tal visão. Sentiu um frio na espinha, o coração palpitar mais que o normal e já se preparou para ouvir o pior quando observou os pais da Kim chorosos. – O que houve? – Repetiu a pergunta.
— Nossa menina acordou. – Sanghun falou, abrindo espaço.
— O-o que? – Sana gaguejou ao ouvir aquilo. Seu corpo amoleceu, ficando menos tenso, relaxado. Ela estava genuinamente feliz e eufórica. Correu até a maca e constatou a notícia com os próprios olhos.
Dahyun estava ali, de olhos abertos. Confusos, mas conscientes. Ela estava viva e fora de perigo.
*
"Espere, baby, espere
Porque está mais próximo do que imagina
E você está de pé na beira
Espere, baby, espere
Porque tem algo no caminho
Seu amanhã não será o mesmo que hoje"
Chapter 38: Fingertips.
Chapter Text
Fingertips – Lana Del Rey
"Quando eu olho para trás
Pensando: Quem me dera poder extrapolar alguma pequena intenção
Ou talvez apenas chamar sua atenção por um minuto ou dois
Que tipo de mãe ela era para dizer que eu acabaria em instituições?
O que tem de errado com você para me mandar embora, porra?
Para nunca mais voltar
Lugares e pessoas exóticas não valem tanto quanto ser sua filha"
*
Pov Sana
— Ei... – Disse chegando perto finalmente. Seu olhar era perdido e assustado, mas tão doce e inocente ao mesmo tempo. O negro da íris era hipnotizante, ela só focava em mim e eu nela. Nós sorrimos uma para a outra ao mesmo tempo, a garota quis dizer algo, mas a máscara de oxigênio ainda impedia e eu também, já que abaixei sua mão delicadamente, pedindo em silêncio que falasse qualquer coisa depois. – Já chamaram os médicos? – Olhei para os adultos.
— Sim. Hyemi chamou pouco antes de entrar na sala. – Meu sogro respondeu. – Eu nem acredito que isso está realmente acontecendo... – Sorriu, deixando lágrimas escaparem. – Eu... Eu vou atrás de uma garrafa de água e... Enfim, eu já volto. – Dizia nervosamente, saindo da sala logo.
— Ela acabou de acordar? – Perguntei e a mulher apenas assentiu num balançar de cabeça. O rosto da mais velha era vermelho e molhado, só levava o tempo em acariciar o cabelo da filha.
— Olá. – O médico responsável finalmente chega. – Vejamos... – Dizia enquanto se aproximava da maca. – Ela não disse nada até agora?
— Achei melhor pedir para ela não fazer esforços. – Hyemi respondeu com o olhar atento a cada movimento do médico. – Ela está bem? O que vai fazer?
— Por enquanto só alguns exames simples. – Disse após checar algo em sua prancheta. – Acredito que ela esteja bem, sim. Para ter certeza, além de consulta médica, preciso ouvir a voz da paciente, ouvir dela o que está sentindo. – Começou a tirar o aparelho de respiração.
— Ela tem asma! – Minha sogra disse quase impedindo a ação do homem. – Cuidado, pode estar muito complicado para respirar.
— Sim, claro... – Riu fraquinho. – Sei das condições de Dahyun, por isso trouxe esse aqui. – Mostrou um aerossol portátil, que a Kim menor poderá tirar para falar ou quando sentir a necessidade e depois colocar de volta sem demora ou complicações. – Vamos lá, Dahyun-ssi... – Mexeu de leve nos aparelhos, depois no corpo da menina que continuava calada, mas observa a tudo com um olhar manso e atento. – Prontinho.
— Cuidado. – Alertou a outra coreana na sala. – Devagar ela... Ela está machucada ainda, teve a cirurgia e tudo mais.
— Eu sei, senhora. – Sorriu gentilmente. – Pode ficar tranquila, hm? Já vai ver que Dahyun está mais forte do que pensa. – Ajustou a cama, puxando um pouco mais para cima e deixando a Kim quase sentada. – Diga, Dahyun, como se sente hoje?
— Ah... Hm... – Ela disse ainda com a máscara de plástico na frente. Observou a fumacinha, o tom abafado de sua voz e eu já sabia o que ela estava sentindo com aquilo. – É... Eu 'tô legal. – Fez sinal com as mãos e retirou a máscara impacientemente. – E acho que é de boa ficar sem esse troço.
— Olhe só, senhora Kim! – O médico falou sorridente. – Sua filha está bem melhor, até melhor do que eu imaginava. – A mulher voltou para perto da menina e a encarou sem jeito. – Se queixa de algo, Dahyun?
— Só umas dores no pescoço... – Levou uma das mãos até o local e tentou massagear, mas era inútil. Não alcançava com exatidão, estava sensível e limitada. Sua mãe tentou ajudá-la, mas o corpo de Dahyun falava por si só. Esquivou-se de supetão, surpreendendo até a si mesma. – Acho que por causa da dormida... – Aproximei-me dela finalmente, já mirando no local dolorido. – Isso! Exatamente aí... – Gemeu de dor quando massageei a região tensa.
— Tem alguma coisa errada aqui. – Falei. – Você caiu no chão quando levou o tiro, mas não consigo ver relação nas duas coisas... – O médico se aproximou, eu retirei as mãos e ele examinou rapidamente.
— Ah, isso é só tensão muscular mesmo. Nada grave. Talvez seja um torcicolo, logo passa. Ficou bastante tempo nessa cama, Dahyun, e muito tempo no chão também. É normal. – Retornou ao lugar anterior. – Ainda não sente outras dores? Tipo onde levou o tiro, onde bateu quando caiu?
— Não. Ainda parece tudo dormente. Vou sentir dores?
— Vai, mas com os remédios elas vão ficar leves. – Foi até o local atingido. – Vamos fazer uns estímulos aqui, ok? – Puxou o lençol, dando-nos a visão do ombro já devidamente atado. – Vou passar algumas coisas da sua clavícula até o pulso, diga-me se sente algo ou não.
— Tipo o quê? Dor? – Perguntou assustada. Eu continuava massageando seu pescoço e a minha sogra apenas observava em silêncio. – Vai me causar dor com uma pena? – Questionou desconfiada ao notar o que o homem segurava.
— Não... – O médico riu. – Primeiro vou passar essa pena por onde te falei. É para ver o grau de dormência.
— Mas por quê? – Perguntou olhando para a pena que passeava agora pelo seu braço.
— Não sente cócegas? – Negou. – Isso é para saber se a dormência é causada somente pelos remédios ou se algo mais delicado pode ter acontecido. É um procedimento padrão, não precisa se preocupar. – Passou a pena pelo antebraço e pulso. – Nada ainda?
— Nadinha... – O homem guardou a pena e pegou um lápis. – Vai desenhar em mim agora? – Brincou e eu ri sem nem sentir. Meu coração ficou mais aquecido ainda naquele momento. Eu tenho minha namorada bobona de novo.
— Agora é que vou ter a certeza das coisas. – Ele posicionou o lápis na clavícula da menor. – Diga-me se sente alguma coisa, qualquer coisa.
— Ok... – O homem encostou e Dahyun já se mexeu de leve, indicando que sentia algo ali. Ele seguiu delicadamente, mas apertando o lápis um pouco mais fundo. – AI! – Berrou quando passou no braço. – AI, DOUTOR! – Berrou de novo quando passou no antebraço. – JÁ 'TÁ BOM, NÉ? – E outra vez, ao chegar no pulso.
— Certo... Acabamos. – Ele sorria largamente. – A notícia é ótima. Dahyun não terá danos permanentes, a fisioterapia será tranquila e você, jovem, vai voltar a ter todos os movimentos do braço de novo.
— Então foi por isso que me furou com esse lápis? – Ele assentiu. – Não podia pedir para eu mexer o braço?
— Tente mexer. – Rebateu paciente, minha namorada acatou orgulhosa, tentou e falhou. – UÉ? Por que não consigo mexer?
— Os analgésicos e anestesias ainda fazem um efeito forte em você, Dahyun. Você sozinha não consegue mexer esse braço por hora. Os movimentos voltarão, não se preocupe, mas precisei te "furar" para ter mais precisão, entende? – Ele riu e eu também, Dahyun apenas aceitava intrigada. – A enfermeira vem mais tarde trocar os curativos, mas mandarei outra trazer comida de verdade para ela. – Falou diretamente para Hyemi.
— Obrigada, doutor. – A Kim mais velha falou, acompanhando o profissional até a porta e depois retornando para perto de nós. – Lembra-se de tudo, Dahyun?
— Cada detalhe, infelizmente. – Falou depois de suspirar. – O que aconteceu depois?
— Muita coisa, mas nada que deva se preocupar. Não agora. – Respondeu aproximando-se mais ainda da filha. Queria retomar o carinho no cabelo, mas estava receosa. – Depois te contamos tudo, agora é melhor descansar.
— Entendi. – Dahyun respondeu indiferente. – Será que você poderia me deixar sozinha com a Sana rapidinho? – Pediu sem vergonha alguma. Eu, por outro lado, senti meu rosto queimar de tanta timidez. – Por favor...
— Oh! Claro... – Hyemi disse também espantada, mas acatando.
— Então... – Falei timidamente após ouvir o bater da porta. – Por que eu estou tão nervosa? – Desabafei rindo.
— Deixa eu ver. – Esticou um pouco a mão, eu peguei e coloquei em meu peito, deixando-a sentir o palpitar acelerado do meu coração. – Que bom!
— Por quê?
— Ótimo saber que ainda te deixo nervosa. – Sorriu convencida.
— Idiota... – Revirei os olhos. – Por que eu não ficaria?
— Sei lá, não sei quanto tempo fiquei dormindo. Quanto tempo foi, inclusive?
— Dois dias mais ou menos.
— E preciso ficar mais quanto pra você finalmente me beijar?
— Dahyun! – Repreendi timidamente, mas meu corpo já começava a acatar. Curvei-me em seguida, analisando o rosto da menor ao passo que aproximava o meu. Ela é tão linda, tão minha. – Eu te amo. – Falei antes de grudar nossos lábios. Beijei-a num selinho demorado, quente e cheio de saudade. – Nunca mais fica longe de mim, nem por dois dias, nem por duas horas!
— Eu juro! – Deu o mindinho para que eu entrelaçasse o meu. – E eu também te amo, minha linda. – Sorriu o sorriso mais lindo, olhando-me nos olhos com o olhar mais lindo. Ela é mais linda. – Agora me atualiza.
— Sua mãe proibiu esse assunto e eu concordo com ela.
— Qual é? Eu estou bem... – Fez bico. – Você ouviu o médico, não ouviu?
— É sério que quer saber de tudo? Digo, as coisas são sérias.
— O que me preocupava, já não me preocupa mais desde que abri os olhos e você ocupou meu campo de visão. – Soltou boba. – Minha preocupação era você, quando te vi fiquei em paz de imediato.
— É, eu estou bem. Meu pai se arriscou por mim, se ele não tivesse feito isso eu... Eu poderia não estar aqui.
— Como é?! – Franziu o cenho muito preocupada.
— Viu só? Você já ficou nervosa... Não vou te contar nada, depois eu te atualizo, mas agora não é o momento...
— Sério isso? – Assenti mandona e ela revirou os olhos. – Certo, então podemos pular para a parte que dormimos juntas?
— Você é tão... – Tentei pensar num adjetivo perfeito, mas era impossível encontrar. Dahyun era peculiar, singular e aleatória demais para caber numa única palavra. – Como vou dormir com você?
— Esses cabinhos te impedem de amar sua namorada? – Fez drama. – Entendi... Esse é o grande amor que sente por mim, então? Uau...
— Por que você é tão besta, hein? – Perguntei rindo, aproximando-me novamente de seu rosto e beijando sua boca mais uma vez. – Eu adoraria, mas é impossível dividir a cama com você agora... Mas, sim, posso dormir aqui.
— Pode?! – Sorriu alegremente, analisou o quarto e deixou o sorriso morrer de novo. – Não tem lugar para você, não quero durma num lugar assim...
— Minha situação não é tão confortável ao ponto de eu achar um sacrifício dormir nessa poltrona...
— O quê? Por quê?
— Minha casa está interditada, sob investigação e tal, sabe? – Assentiu. – Estou dormindo na casa da Tzuyu por enquanto, o que não é terrível, claro. Ela é incrível, sou bem tratada e tudo mais, mas... Sei lá...
— 'Tô ligada, o cantinho da gente é sempre melhor, né? – Assenti. – Quer dormir na minha casa?
— Endoidou? Sem você lá não faz sentido eu ir e seus pais não me convidaram.
— Quem está convidando sou eu e tem sentido, sim. – Falou autoritária, mas de um jeito bom. – Minha mãe não vai negar e nem achar ruim, tenho certeza.
— Já sei até sei o que vai usar de argumento.
— O único argumento bom em dezessete anos de vida e o único que eles não vão conseguir refutar. – Sorriu sapeca. – Não tem como negar, eu salvei a vida da minha mãe, então ela me deve uns favores, né? – Riu. – Está resolvido, Sana.
— Vou arrumar tudo para quando você voltar, ok? Nem vai notar que estive ali.
— Pode parar! Quem disse que eu quero isso? – Estranhei. – Quero seu cheirinho lá quando voltar... E quero você lá também. – Sorriu boba, contagiando-me. – Fiquei tempo demais longe de você, não aguento mais esperar.
— Nem eu aguento mais... – Abracei seu corpo com cuidado.
Aquele abraço foi para além de um contato simples ou de saudade. Não selava um namoro, selava um compromisso, um compartilhamento de almas e corpos. Eu era de Dahyun, ela era minha. A gente se pertence da forma menos possessiva e mais natural possível. A gente existe para coexistir.
— Tem uma notícia que posso te dar. – Falei. – A Yuna conseguiu, com ajuda da nossa galera, o adiamento da última semana. Você vai poder fazer as provas, terminar o ano e tudo isso sem estresse.
— Caraca! – Deixou-se admirar. – A Yuna fez isso?! Que loucura... Ela mudou, então...
— Dahyun, ela salvou sua vida. – Falei sentindo uma dor no peito só de lembrar daquele dia. – A Shin chegou num momento crucial, você já estava num estado muito delicado... O lance com a Sooyoung podia ter durado muito mais sem ela ali.
— Sério?!
— Sim. Você salvou a vida da sua mãe e foi salva pela Yuna e pela Hyemi. Deu praticamente tudo certo.
— Por que praticamente? – Perguntou visivelmente preocupada ao notar que entristeci de repente.
— Nada. Não vamos falar disso, não é bom para você. – Cheguei perto de novo. Eu ia beijá-la novamente, fazer carinho, amá-la do jeito que fosse possível, mas algo nos interrompeu.
— NEM FODENDO, É VERDADE MESMO! – Era a voz de Chaeyoung e o "algo" era a porta da sala abrindo. – DUBU, DUBU, DUBU! – Correu até a maca, eu olhei para trás e enxerguei uma multidão.
— Meu Deus! – Jihyo disse com os olhos marejados. – Ai, que lindeza, meu Deus!
— Gente, vocês não podem entrar todos aí. – Mina falou da porta, preocupada, mas ninguém deu ouvidos. – Ah, foda-se. – Entrou também.
Nayeon, Jeongyeon, Momo, Jihyo, Mina, Chaeyoug, Tzuyu, Jennie, Somi, Seulgi e Seungsik estavam aqui. Vieram assim que souberam da notícia. Ao que parece, Tzuyu viu a movimentação antes de sair do hospital e avisou ao resto sem ir embora. E que bom que ela fez isso.
Não podiam entrar aqui. Nem nesse horário, nem todos juntos, mas isso jamais os impediriam. Foi lindo. Deixei-me emocionar com a amizade forte que já tínhamos uns com os outros. Cada um mais feliz que o outro, mais aliviado e esperançoso. Era tão bom. Num curto período a vida pareceu tão simples e honesta, tão boa e tranquila, dando vontade de viver mais outras mil.
*
Pov Dahyun
No dia seguinte...
— Mei! – Disse animada ao ver a nova visita. – Achei que não viria.
— Pequena, o dia acabou de começar, por que pensou isso? – Rimos do exagero. – Como você está?
— Bem, exceto pelas dores que já começaram a aparecer... Sabe, as que os remédios mascaram? – Assentiu. – Está cuidando da Sana lá em casa?
— Sim, estou... – Sorriu simples. – Ela estava tímida, mas fiz exatamente o que você pediu e acho que funcionou, já que ela ainda estava dormindo quando saí de casa.
— Ai que bom!
— Você já sabe da situação toda?
— Sim.
— Sério? Seus pais disseram que não seria bom para você.
— Eu sei, a Sana até evitou me contar, mas perguntei para a Chaeyoung por mensagem e ela é boca de sacola, você sabe... Então me contou tudinho.
— Já falou com a Sana, então? Sabe, Tofu, essa menina está passando por muita coisa... Foi tudo ao mesmo tempo e tudo tão rápido, fico preocupada...
— Sim, conversei. Queria vê-la depois que soube de tudo, mas ainda não rolou. Também fico preocupada, mas eu sei o tanto que ela é forte. Ela é tão incrível, Mei, já passou por tanto e segue sorrindo, eu acho isso tão lindo... – Suspirei. – Você tem notícias dos outros dois internos?
— Só sei que o Minatozaki teve uma melhora, mas segue desacordado. A Sooyoung está instável desde sempre, basicamente.
— Poxa...
— Mas não vim aqui para isso.
— E por que veio, dona Mei?
— Queria ver como minha pequena está e... – Hesitou, deixando-me em alerta. – E saber o que se passa aí nessa cabecinha.
— Vai ser chocante se eu disser que estou bem? Tipo, sim, estou muito assustada, ainda sem acreditar, mas num geral, sinto que já estive pior.
— E esteve mesmo, mas não estava acordada para saber... – Foi sua vez de suspirar. – Dahyun, só de lembrar de como vi você, fico angustiada, sinto umas coisas tão ruins aqui dentro. – Apontou para o coração, massageando o lugar que chuto estar agitado com a lembrança.
— Desculpa. – Soltei tristemente.
— Não foi sua culpa, menina. Você fez algo tão lindo, eu... Eu queria falar sobre, inclusive. – Hesitou mais uma vez. – Como se sente em relação a sua mãe e pai?
— Do mesmo jeito que antes. Eu me joguei na frente da arma porquê... Bom, porque eu sinto que para minha mãe seria mais doloroso perder a própria vida, que me ver sem a minha. – Desabafei honestamente, arrancando um olhar assustado da chinesa. – Calma, eu não estou dizendo que minha não vale nada, só achei que seria justo fazer o que fiz pela minha mãe, sabe?
— E você só teria feito se fosse por ela?
— Não, eu... Eu teria feito por você, pela Sana, pela Chaeyoung, pela Jihyo, pel... É, eu teria feito por muita gente.
— Dahyun, você poderia ter morrido. – Dizia enquanto fazia carinho na minha mão. Ela estava de pé, ao lado da maca. – Não pode fazer essas coisas, tem que pensar em você.
— Eu acho sofro menos dessa forma, sabe? E isso ainda me faz ser muito paparicada. – Brinquei, mas a mulher continuou séria. – Isso é um sermão, Mei?
— É. Eu sei que você só ouve duas pessoas e sou uma delas, então não posso deixar passar.
— A outra pessoa por acaso é a Sana? – Ela assentiu. – Entendi... Você não 'tá errada.
— Escuta. – Segurou firme minha mão, encarou meu rosto com um cuidado materno e proferiu num tom preocupado. – Não repete essas coisas, hm? A vida dos outros, de tantos outros assim, não pode importar mais para você do que a sua própria vida.
— Eu sei, eu sei.
— Promete para mim que vai se cuidar.
— Mei...
— Dahyun-ah!
— Eu prometo.
— Ótimo. – Sorriu, soltou minha mão e se sentou na poltrona ao meu lado. – Sabe, seu pai também salvou sua vida. Yuna, Hyemi, Sanghun, Sana, os médicos... Menina, você tem tanta gente que se importa com você.
— O que o meu pai fez?
— Não soube? Ele doou muito sangue já que o hospital não tinha. Foram momentos tensos, mas você é tão forte que está de volta.
— Uau. Eu não fazia ideia de que ele tinha feito isso. – Fugi do rosto da mulher para encarar o nada e refletir coisas que nem sei discernir. – Que coisa!
— Eles conversaram comigo, Tofu. Estão arrependidos de todo o mal que te fizeram. Ainda vão conversar com você, pedir perdão, tentar resolver, mas achei que deveria te adiantar isso.
— Por quê? Vai jogar a favor deles agora? Vai tentar me convencer a perdoar? – Fiquei agressiva sem nem perceber. – Desculpa.
— Não, não falei nada disso por esses motivos. Não estou do lado deles, estou no seu, sempre estive. Você perdoa se quiser, se conseguir, se te fizer bem, se realmente for capaz de perdoar. Pode ser hoje, amanhã ou daqui anos. Ou nunca. Eu só... Só quero falar com você sobre, como sempre fizemos sobre tudo, hm?
— Certo... O que quer falar exatamente?
— Você parece já saber...
— É, sei um pouco. Eu ouvi meu pai falar comigo pouco antes de eu acordar de fato. Não lembro muito bem, parece mais um sonho, as lembranças vão ficando distantes e tal, mas ainda assim sei o que importa.
— E o que é?
— Você sabe...
— Certo, não quer falar, entendi. Mas isso aí que você já sabe, te fez sentir o que?
— Você fala como uma psicóloga. Como minha psicóloga da infância.
— Que psicóloga?
— A que eu ia quando criança... A senhora Kwon.
— Senhora Kwon? Não me lembro dela...
— Sério? Ah, foi a melhor profissional que já tive.
— Quantos anos você tinha?
— Não lembro disso direito, mas eu era bem novinha.
— Menos de doze?
— Sim, com certeza.
— Dahyun, você não teve psicóloga alguma nessa época. Era tão tímida, não falava muito, tinha o choro descontrolado, que você já sabe como é, tinha problemas de confiança, etc. Nessa época só ficava em casa mesmo, tinha recém começado a fazer bagunça na escola.
— Foi também a época que meus pais começaram a trabalhar mais do que me dar amor.
— Eles fizeram isso, sim. Mas nessa época, só seu pai saía muito. Sua mãe sempre ficava em casa, você não se lembra? – Neguei. – Estranho... Por que será que sua memória apagou isso?
— Ouvi dizer que traumas são apagados da mente.
— Estranho é isso ser um trauma... Bem, não sou psicóloga, então não sei como isso funciona. Só não imaginei que algo bom podia soar como trauma.
— Como assim algo bom, Mei? Meus pais saindo e me deixando sozinha não é bom e todas as consequências disso também não são boas.
— Querida, você está confundindo as datas... A ordem dos eventos está confusa na sua mente. Você sempre pensou assim?
— Sim, sempre. Não tem nada a ver com o acidente, fui acertada no ombro e não bati a cabeça no chão tão forte assim. Não estamos numa novela, você pode ser totalmente franca comigo, Mei.
— Ei, calma... – Segurou minha mão novamente, conseguindo ter meu olhar preso no dela. Respirou fundo junto comigo ao perceber a agitação que ameaçava começar em mim. – Nessa época você não ia a nenhuma psicóloga, quem cuidava de você, além de mim nas tarefas mais básicas, era sua mãe. Ela ensinou você a controlar o nervosismo.
— Como assim?
— Eu não me recordo muito bem... Mas acho que tem algo a ver com contar até 10, não é?
— Está me dizendo que quem me ensinou isso foi minha mãe e não a senhora Kwon?
— Não existe senhora Kwon, então, sim, estou dizendo isso. Foi sua mãe, eu estava lá, eu vi... Sua mãe lidava com seu pai e com você, que são exatamente iguais, mas aí ele se ausentou para ir numa clínica e voltou mudado.
— Como assim?
— É, aí não posso cobrar que se lembre, isso foi bem antes de criar consciência e logo quando entrei para aquela casa... Enfim, podemos ter esse papo outra hora?
— Não. – Tentei me levantar, mas as dores não permitiram. Eu já estava agitada e curiosa o suficiente. Minha mente me enganou esse tempo todo? O que está acontecendo? – Fala agora, por favor.
— Ei, calma. – Deitou-me novamente. – Eu falo, mas só quando eu perceber que isso não vai te fazer mal.
— Mal vai fazer se eu continuar achando que vivi algo sem ter vivido. – Disse sem pausas.
Mei repetiu as mesmas coisas para as mais repetidas perguntas que fiz. No fim, as repostas não poderiam ser diferentes, já que minhas perguntas também não eram. Eu variava somente uma palavra ou outra, mas nem percebia. Fiquei tão aérea com a primeira parte das revelações que não consegui mais me manter racional.
— Quem é Kwon, afinal?
— A única Kwon que conheço e sei que você também conhece é exatamente quem estou falando desde o início.
— Mei, seja mais clara, por favor.
— Kwon é o sobrenome de solteira da sua mãe, Dahyun. Não sei por que seu cérebro criou essa persona aí dentro, uma psicóloga tão boa para você e que te ensinou as melhores coisas. Não sei porque foi substituída pela sua mãe, eu queria saber, ter todas as respostas que você quer e precisa, mas eu não tenho... Desculpe-me. – Deixei-me desligar. Eu estava em choque. – Só um profissional da área vai conseguir te explicar.
— A Sana já queria que eu fosse a um terapeuta, agora mais do que nunca, então.
— Sua mãe também é muito útil. Pergunte a ela, Tofu. Ela estava presente nos momentos com você mais do que eu. Pelo menos nessa época.
— Não sei se acredito nela o suficiente para ouvi-la assim, mas vou tentar... – Beijei a mão da mulher que já estava pronta para se despedir. – Obrigada, Mei.
— Por nada, minha pequena. Eu estou aqui sempre.
— Eu sei. Eu te amo, mamãe Mei. – Falei honestamente e a mulher virou o rosto. Eu julgo que uma lágrima de emoção escapou e ela não quis me mostrar. – Vai lá... Cuida da Sana por mim, 'tá?
— Cuido, sim... – Caminhou de costas para mim até a porta.
— Mei? – Ela freou com a mão na maçaneta. – Eu posso confessar algo? – Ela assentiu num balançar de cabeça. – Só pra você saber que... Bom, quero que saiba disso porque me importo com o que pensa. Enfim, se isso tudo for exatamente dessa forma que parece, não vou automaticamente perdoar meus pais. Nada justifica a forma que fui tratada durante tantos anos. Eu passei mais tempo sendo desprezada que amada, então isso só me deixa confusa e não empática ou, sei lá, favorável a eles...
— E você está no seu direito. – Olhou para mim e constatei. Ela chorou, mas agora não chorava mais. – Como eu disse, Dahyun-ssi, estou com você independentemente.
— Obrigada. – Ela abriu a porta finalmente. – Tchau, Mei.
— Tchau, filha-Tofu.
*
Pov Sana
Naquele dia...
"— Eu não vou presa! – Sooyoung disse poucos segundos antes de atirar contra si mesma.
O sangue jorrou sem dó, mas meu corpo não se moveu na mesma velocidade que a maioria das coisas ao meu redor. Sooyoung, desacordada, caiu no chão com tudo. Hyemi, de prontidão, levantou-se e me deu uma tarefa, fazendo outra rapidamente. Yuna, enviada por algum anjo da guarda, adentra o local depois que a chamo. Ela começa a ajudar sem que eu precise pedir.
O sangue da Choi continua a escorrer, a arma de metal está jogada próxima a dona e também é vermelha, como o chão da sala, as roupas de todos, a visão de todos.
Sinto meu corpo amolecer, mas perceber que não deve. Tudo ao mesmo tempo. Eu ajo sem sentir, quero sumir, mas estar ali para ajudar. Quero chorar, gritar e sorrir. Finalmente acabou, mas está apenas começando.
Meu coração bate forte, rápido, minha pele sua e o suor se mistura com o sangue de três pessoas. Os médicos chegam e vão embora. Os policiais vem e vão. Eu vou. Hyemi me leva. Yuna vai.
Sooyoung, meu pai e minha namorada são levados até o hospital, mas eu me pergunto se eles vão embora também.
Alguém vai.
Não é uma luta pela vida, é uma luta pela morte."
— Ai, ai... – Levanto-me de supetão, sentindo meu corpo quente num suor frio. Um medo relaxando ao passo que percebo ter apenas sonhado, mas um aperto no peito que não vai embora junto. – Que porra...
Checo o horário e me apresso para sair. Após me arrumar, desço e tomo café. Quando termino, sigo até a saída, pego o carro de Dahyun, que ela me autorizou a usar, e dirijo até o hospital.
O rádio está desligado, o ar também e as janelas fechadas. Apesar do sol radiante e quente lá fora, eu sinto frio. Sinto quase um calafrio. Arrepios atingem meu corpo vez ou outra e percebo, ao parar no semáforo vermelho que mesmo depois de tantos minutos, o aperto no peito não sumiu.
Checo o celular e vejo mensagens positivas, acalmando-me um pouco. Dahyun está bem, meu pai teve uma melhora, meus amigos seguem bem e eu também. Ufa.
O sinal abre, o verde toma conta da minha visão, mas só consigo me lembrar do vermelho. Cor chamativa, marcante e líquida. Densa, de cheiro forte e impregnante. Barulho incessante, cena vívida, lembranças perturbadoras. Eu deveria seguir dirigindo, mas a cor escarlate tirou o meu foco. A minha mente barulhenta me fez ignorar, por poucos segundos apenas, até as buzinas dos carros atrás de mim.
Tornando ao real, sigo com o carro apenas para dar passagem, já que percebo não estar totalmente em condições. Estaciono no acostamento mais próximo e respiro fundo. Tento me acalmar, mudar o pensamento, o foco, mas o frio, que sentia tão fortemente, transforma-se num calor infernal, deixando-me mais tensa, angustiada e assustada.
Ligo o ar, abro a janela e sinto o oxigênio entrar com excelência, fazendo-me, finalmente, acalmar o coração. Os barulhos vão sumindo, as buzinas não existem mais, as imagens traumáticas desaparecem por um instante, o vermelho não tem mais força e eu sou levada a outro ponto focal.
Meu celular toca. No visor, o nome de Hyemi estampa a tela. Eu pego, ainda atordoada, atendo e introduzo a conversa. Os segundos de silêncio me dizem tudo que eu já sabia, já sentia e já imaginava. Eu não, meu subconsciente.
— Alô? Senhora Kim, o que houve? – A respiração da mulher ficou pesada. – Hyemi? Alô?
— Sana, venha para o hospital. Temos novidades. – Falou rapidamente, foi só aí que percebi já estar no acostamento do prédio citado.
— Eu já estou aqui, estou só entrando. Pode dizer. O que houve, senhora Kim?
— Seu pai teve uma melhora, não é nada com ele. – Arfei em alívio, mas o aperto não entendeu e permaneceu comigo. – Foi a Sooyoung... Ela... Ela morreu, Sana.
Eu entendi. Ali eu entendi a luta pela morte. A luta que nem era de Hyemi contra Sooyoung. Nem minha contra a Choi. Era ela contra ela mesma. E ela perdeu.
Meu corpo ficou dormente de novo, mas o vermelho que ameaçava voltar enquanto a ligação ainda estava de pé, sumiu. Sem cores fortes, gritos, medos. Sumiu. Eu não senti paz ou felicidade. Eu senti que era o fim, finalmente. Era trágico, mas não havia o que fazer.
Eu estava conformada.
Era o fim. Ela realmente não iria presa. Foi realmente uma luta pela morte. E agora as contas serão acertadas finalmente. Percebi que a justiça dos homens, a que eu queria que Sooyoung enfrentasse, não me traria o mesmo sentimento de agora.
Não iria sentir que acabou, sempre iria parecer que o novo começo começaria em breve. O medo constante, o sentimento de incompletude, a possibilidade de visitar o mal em pessoa. Não, definitivamente essa justiça não serviria para mim. Foi como deveria ser. Aconteceu, é isso.
*
"É uma pena e estou chorando agora
Para chegar até você, salvá-lo se eu tirar a minha vida
Encontrar seu corpo astral, colocá-lo em meus olhos
Dar a você dois segundos para chorar
Eu não conseguia ouvir o que eles disseram no telefone
É uma pena que nós morremos
Eu me dou dois segundos para chorar
Deixo isso desabar sobre mim
Como as ondas do mar"
- - -
Chapter 39: Carry On.
Chapter Text
Carry On – fun.
"Bem, eu acordei com o som do silêncio
Você jurou e disse:
Nós não somos estrelas brilhantes
Embora eu nunca tenha passado por um inferno como esse
Eu fechei janelas o suficiente
Para saber que nunca se deve olhar para trás"
*
Pov Dahyun
— Eu quero ver a Sana! – Falei autoritária. Eu tinha acabado de saber sobre Sooyoung, tinha acabado de descobrir que acreditei em coisas nunca existiram e estava, ainda, numa cama de hospital. Meus nervos nunca estiveram tão fora de controle. – Ela já deve ter entrado aqui, chamem ela!
— Dahyun, calma. – Meu pai falou preocupado. – Sua mãe foi receber a Sana. Muitas coisas aconteceram, tenha calma.
— Não me peça para ficar calma, isso é a pior coisa para se dizer num momento de nervoso! – Exclamei cansada. – Cadê a Sana, caramba?!
— Entrando... – Ela mesma respondeu adentrando o local. Meu pai viu, cumprimentou-a brevemente e saiu da sala. – Oi...
— Ei, meu bem, vem aqui. – Pedi nervosamente. Eu queria tanto confortá-la e temia tanto pelo seu psicológico que não agia com a delicadeza que a situação pedia. – Eu já sei o que aconteceu, eu... Eu sinto muito mesmo. – Segurei sua mão quando ela finalmente encostou na maca. – Como você está?
— Atônita. – Respondeu nem sem piscar. Não me olhava, mas sua aura não era tensa. – Eu estou sem acreditar ainda, mas, chocantemente, estou bem.
— Você já foi vê-la?
— Não e nem quero. Já tenho imagens traumáticas demais em minha memória, não quero mais uma... – Beijou minha mão, depois minha testa e finalmente me encarou. – E você, como está?
— Sana... – Hesitei. – Eu estou bem. O médico disse que logo terei alta.
— Isso é ótimo! – Sorriu largamente, mas ainda tinha algo estranho ali. – Sua mãe foi chamada por um dos médicos, eu estou... Estou agoniada.
— Eu percebi. Não é por causa da morte de Sooyoung? Digo, talvez seja melhor viver o luto, encarar tudo de frente para conseguir superar depois.
— Eu não estou de luto. Eu não estou nem triste. – Desabafou honestamente. – Talvez seja isso que está me deixando tão agoniada. Eu não consigo sentir compaixão pelo que aconteceu, mesmo sem comemorar, também não dá para lamentar, entende?
— Você está no seu direito. Não é anormal sentir isso ou... Ou não sentir, sei lá. – Minha vez de beijar sua mão. – Seja honesta com seu coração, não mascara nada. Eu aprendi isso com-
— Com a sua psicóloga de infância? – Completou.
— É, sobre isso... Tenho umas coisas para te contar. – Puxou a poltrona e sentou-se para me ouvir atentamente.
[...]
— Olá... – Minha mãe adentra o local depois de rápidas batidas na porta. – Sana, preciso que venha comigo. – Disse seriamente, deixando-nos tensas de imediato.
— O que aconteceu? – Perguntei.
— É sobre o Shitara. – Respondeu olhando para minha namorada, que levantou tão rápido quanto um piscar de olhos. – Ele acordou.
— O-o que?! – Sana disse incrédula, mas feliz. – Ele está bem?
— Está! E quer falar com você.
— ELE JÁ ESTÁ FALANDO? – Berrou de empolgação, minha mãe assentiu e a chamou mais uma vez. – Eu já volto, Dahyun. – Acenou para mim, eu apenas balancei a cabeça. Queria ir junto, apoiá-la, mas não dava.
De toda forma, quis interpretar o momento como necessário. Sana precisava desse momento sozinha com seu pai, era importante, fundamental, eu saberia dos detalhes depois. E, claro, se ela quebrar, estarei aqui para recolher e juntar os caquinhos. Quebrando ou não. Eu vou estar aqui.
*
Pov Sana
— Olá. – Disse entrando na sala. Minha vista foi diretamente no homem deitado. Ele também tinha o mesmo aerossol portátil que Dahyun, mas estava menos irritado com ele que minha namorada outro dia. Seu olhar não era perdido, tinha consciência de tudo e parecia já saber das novidades. – Pai, como... Como você está? – Perguntei já ao lado dele.
— Sana! – Ele sorriu, falou alegremente e abriu os braços. Eu o abracei com cuidado, mas depositando todo o alívio que sentia naquele contato breve. – Que bom, filha, que bom que está bem. Eu também estou.
— Que ótimo! – Sorri ainda nervosa. – Já fez todos os exames? Como parece tão bem assim tão rapidamente?
— Não fiz todos os exames, o médico está aqui para isso. – Apontou com a cabeça para o homem que lia alguns papéis. – Eu acordei há pouco, Hyemi foi informada primeiro.
— Ah, claro. Por isso ela teve que sair de perto tão abruptamente... Então se recuperou durante esse tempo e só aí eu fui chamada? – Assentiu. – Já sabe de tudo?
— Sim, sei. Olha, Sana... Não se culpe, nem... Nem fique lembrando disso, é...
— Relaxa. Eu estou bem, vamos todos ficar com o tempo. – Segurei sua mão, olhei em seus olhos e assegurei com sinceridade. Eu acreditava naquilo que dizia. – Doutor, você vai fazer aquele mesmo lance que fez com a Dahyun?
— O que? – Meu pai perguntou confuso, encarando o profissional e a pena que ele segurava. – O que está acontecendo?
— Senhor Minatozaki, eu vou apenas testar sua sensibilidade. O tiro acertou suas costas, os estilhaços foram muitos, podem ter danificado algo mais.
— Como assim? – Perguntou nervoso.
— Vamos testar primeiro, hm? – Pegou a pena, passou por toda a extensão inferior do corpo do meu pai e ele teve a mesma reação que Dahyun. Ou falta dela. – Certo, sem cócegas... Agora vamos para outro teste. – O procedimento se repetia e eu assistia o médico passar o lápis pelo meu pai, mas diferentemente de Dahyun, o Minatozaki não reclamava, não dizia nada. – O que sente, senhor?
— Nada.
— Nem um formigamento?
— Não.
— Certo, vou colocar um pouco mais de força, diga-me se sente algo, qualquer coisa mesmo. – Retomou o toque. Eu fiquei atenta em cada detalhe. Vi o curativo enorme nas costas do meu pai, vi que o médico estava realmente botando força e vi que ele não reagia nunca. – Nada ainda?
— Não... O que eu deveria estar sentindo? – Perguntou com a voz abafada devida à posição. – Digo, as anestesias não deveriam fazer exatamente isso? Deixar meu corpo dormente...?
— Sim, claro. – O médico dizia pacientemente, mas tinha o cenho franzido e muita concentração ao anotar algo. – Amanhã vamos repetir o processo, as anestesias podem estar camuflando a sensibilidade do senhor.
— Doutor, posso falar com o senhor rapidinho? – Pedi já assumindo que a resposta seria positiva e levantei-me. Segui o homem até o lado de fora da sala e o encarei com segurança. – Pode ser franco comigo. O meu pai corre algum risco de... Sei lá... Perder o movimento?
— Eu normalmente não responderia a essa pergunta, mais exames e testes precisam ser feitos, mais estímulos e num momento em que as anestesias não façam mais efeito... Mas, dessa vez é diferente.
— Por quê?
— A bala atingiu as costas numa região delicada, os estilhaços seguiram o percurso e a distância do disparo contribuiu para uma situação de risco. – Puxou o ar antes de prosseguir. – Quando tomei conhecimento da situação, já imaginava que algo do tipo poderia ocorrer, depois que observei como o quadro seguiu e agora, após fazer um simples teste, continuo com o mesmo pensamento. Não posso afirmar totalmente, mas as chances do contrário são mínimas.
— O que o senhor está dizendo exatamente? Seja claro.
— Sim, Sana, seu pai corre sérios riscos de perder o movimento das pernas. O tiro atingiu uma região muito próxima da coluna, os estilhaços, como falei, seguiram o mesmo caminho. Apesar da anestesia e dos remédios serem fortes, ao menos um formigamento era para ser sentido, entende?
— Então está dizendo que... Que meu pai pode ficar paraplégico?
— Sim. Ainda precisamos fazer outros exames, testes, etc. Mas, com minha experiência e um quadro como esse, posso afirmar com 99% de certeza de que, sim, seu pai não vai voltar a andar. Só um milagre faria isso acontecer.
— Nossa, eu... Eu não esperava por isso. – Foi a única coisa que consegui responder. Muita coisa aconteceu a mim, eu simplesmente não tinha mais capacidade de reagir.
— Eu sinto muito, garota, mas não fique triste. O paciente vai precisar de muito apoio nesse momento e, mesmo sendo uma notícia difícil, pense que poderia ser pior. Por muito pouco o Shitara não teve o mesmo destino que a Choi... – Colocou a mão em meu ombro e acariciou levemente o local, olhando-me com cuidado e respeito. – Quer um conselho? Entre naquela sala e o faça companhia, não comente sobre essa conversa, não ainda. Amanhã testes definitivos serão feitos e aí você poderá ser franca com ele.
— Entendi. Obrigada, doutor. – Curvei-me de leve, adentrando o local sozinha novamente. – O médico foi chamar as enfermeiras para trocar sua atadura. – Falei para o meu pai.
— Podemos conversar enquanto isso? – Pediu inocentemente, eu acatei sem dizer nada. Sentar-me ao lado dele foi a resposta suficiente para que o papo começasse. E começasse por ele, claro.
*
Pov Narrador
— Yuna, eu espero que você não tenha me convencido a fazer algo terrível. – Wang falou após ler uma notícia no celular. – Você viu tudo que está acontecendo?
— Com quem?
— Os Minatozaki e Kim.
— Da última vez que soube de algo só tive boas novas. A Dahyun acordou, o pai da Sana teve uma melhora e conseguiram estabilizar a Sooyoung. Algo mudou?
— Bastante. – Virou o celular para a garota, que lia rapidamente. – O Shitara acordou, mas a esposa morreu. Eu me pergunto como esses jornalistas sabem de tudo tão rápido e já publicam.
— Funcionários do hospital acabam vazando por uns trocados, é sempre assim. – Deu de ombros entregando o celular ao dono. – Mas por que teme que tenha tomado uma decisão ruim por minha causa? Está falando do lance da semana de folga?
— Sim, estou. Tenho medo de que isso vaze também e a imagem da escola seja prejudicada.
— Por que seria...? – Denunciou impaciência. – Isso que você fez foi legal.
— Os jornalistas podem tirar de contexto, não sei... Vou voltar atrás. – Levantou-se depressa, decidido.
— O senhor ligou para os advogados Kim? Para, sei lá, prestar solidariedade... Ligou para a Sana? – Negou. – Apenas comunicou a semana adiada e é só? – Assentiu. – E agora quer voltar atrás?
— É.
— Caramba, tio! – Falou chocada. – O senhor não percebe que nem tudo gira em torno de dinheiro? Eu tenho certeza que não vai haver uma única matéria sobre o colégio. E se tiver, não vai fazer barulho. As pessoas estão mais preocupadas e atentas ao caso gravíssimo que aconteceu aquelas duas famílias. Famílias de duas alunas do seu colégio. – Aumentou o tom e a intensidade das palavras. – Se voltar atrás aí sim terá a mídia detonando uma ação sua.
— Você acha mesmo? Digo, Yuna, as coisas são complicadas... Eu lamento por tudo, claro, mas tenho que pensar em mim, no meu patrimônio.
— Não foi isso que fez a vida inteira? Talvez seja o momento de parar de pensar nisso. Respira, visita as vítimas, seja honesto. Pelo menos uma vez, tio. – Pediu determinada. Ela tinha voz e foco o suficiente para fazer o homem acatar.
— Eu... É... – Ia continuar, mas a campainha tocou, interrompendo o papo e desprendendo Yuna daquela conversa. – Quem será?
— É a Miyeon e o Yuta. – Respondeu correndo até a porta. – Espero que seja, pelo menos. Eu os chamei. – Finalmente abriu a porta e constatou. – Sim, são eles. Entrem... – Deu passagem timidamente.
— Olá. – O japonês curvou-se. – Boa noite, diretor.
— Boa noite. – Miyeon fez o mesmo.
— Boa noite, jovens. – O chinês respondeu tornando a atenção para o celular. – Como vão?
Eles não responderam, era o tipo de pergunta que vinha no meio de um cumprimento. Não precisava ser respondida, nem repetida. Os dois seguiram Yuna até o local que tanto conheciam: o quarto da Shin.
— O que você quer, hein? – Miyeon perguntou assim que a porta fechou. – Nem num momento tenso como esse você dá uma folga?
— É, Yuna, nem num momento como esse? – Repetiu a sentença como um bobo. Ele queria parecer durão, mas não era de sua natureza, então só imitava a Cho.
— Podem desarmar. Eu não os chamei aqui para nada do que estão pensando. – Os cenhos dos outros franziram em confusão. – Não vou chantagear, repreender, intimidar, agredir... Eu só quero me desculpar.
— O que? – Yuta falou incrédulo.
— É isso mesmo. Eu quero pedir perdão. Estou fazendo isso a todos que prejudiquei e vocês são os últimos da enorme lista... – Olhou para Miyeon com pesar, a loira ainda era séria e tensa. – Principalmente você, Miyeon. Eu... Eu lamento por tudo que te fiz passar, de verdade.
— Isso está realmente acontecendo? – Nakamoto questionou mais uma vez. Ele estava muito chocado.
— Sim, está. Eu estou pedindo desculpas a vocês... Os chamei aqui porque achei que seria mais prático. E também porque imaginei que não me receberiam em suas casas.
— Está certa. – A coreana finalmente disse algo. – Mas eu ainda não acredito. Não consigo perdoar porque simplesmente acho que está fingindo.
— Eu não estou! – Assegurou nervosa. – Miyeon, olha, eu entendo que duvide, tenha receios e tudo mais, mas eu estou sendo sincera. Eu quero consertar toda a merda que fiz durante boa parte da minha vida.
— E o que te deu uma crise de consciência assim do nada? – Questionou com desdém.
— A Dahyun conversou comigo. Ela disse coisas que eu precisava muito ouvir para cair na real. E eu caí em mim, então comecei isso. Não vou me gabar por mudar, por pedir desculpas e tal, fiz minha obrigação, mas se ajudar vocês a acreditarem, podem perguntar aos grupos da Sana e Dahyun... Podem perguntar a própria Sana, inclusive.
— É, nós ouvimos falar que você ajudou a Kim. – A Cho respondeu ainda séria. – Eu não quero ouvir desculpas suas, Yuna, nunca quis. Foi legal escutar, é legal saber que virou gente, mas nada disso é tão importante para mim quanto você me deixar em paz de vez.
— Eu vou deixar. – Falou de imediato. – Eu nunca, nunca mais mesmo vou falar da sua vida pessoal, não vou nem pensar a respeito. Não é da minha conta, não tenho o direito e é errado, eu sei. De novo, me perdoa por isso...
— Por mim está tudo resolvido. – Yuta falou depois de um suspiro. – Apesar de ainda ter um pouco de ranço da sua cara, Shin, eu não posso agir como se fosse o mais prejudicado nisso tudo... Eu te perdoo. – Esticou a mão para a garota e ela prontamente apertou.
— Obrigada, japonês. – Sorriu largamente. – Miyeon... Eu... O ano está acabando, eu quis mudar porque além de perceber tudo de errado que fiz e o mal que causei, quis dar um novo rumo a minha vida. A escola está acabando, daqui a pouco vou para a faculdade, terei um emprego, daqui a pouco eu vou ser a adulta e a vida vai se encarregar de me fazer pagar por tudo que fiz com os outros... Eu só quero encerrar esse ciclo com paz no coração, entende?
— Paz no coração?
— Não totalmente, claro. Já consegui o perdão de alguns, o que já faz eu me sentir bem melhor, já estou me perdoando também. Eu sei que é um processo, não quero mais apressar as coisas, aprendi a esperar. Vai chegar minha hora de ser feliz de fato, ter paz totalmente. Eu sei que vai, mas... Mas quero que pelo menos esse ano termine mais tranquilo do que começou, entende?
— Você vai realmente parar de usar os outros, de me usar, chantagear e tudo que você costumava fazer?
— Vou. Eu prometo. Mesmo que minha palavra não valha, eu repito: prometo. – Esticou a mão para um cumprimento. – E eu vou provar com o passar dos dias. Nem falo com você ou olho para você se não quiser, só quero... Só quero melhorar.
— Se é assim, então, acho que você vai conseguir, Shin. – Esticou a mão também. Yuna parecia confusa, mas ao toque das duas, as coisas clarearam na mente da mais nova. – Acho que vai melhorar. Está perdoada.
*
Pov Sana
— Por aqui, Miyeon. – Falei guiando a menor pelo corredor. Paramos na frente do quarto que minha namorada estava. Bati na porta e após uma confirmação do outro lado, entramos uma após a outra. – Olha quem veio te ver, loirinha...
— Miyeon! – Dahyun disse alegremente. Apesar da pouca proximidade das duas na vida fora daqui, eu sabia que minha namorada jamais demonstraria indiferença com uma visita. Qualquer um, por mais distante que fosse, seria bem recebido, teria uma Kim calorosa ali. – E aí?
— Oi... Desculpe não ter vindo antes, queria ter certeza que poderia visitar e que não incomodaria. – Sorriu timidamente ao passo que se aproximava da maca. – Como você está?
— Bem. Acho que fico melhor cada vez que respondo a essa pergunta. – Brincou e nos fez rir. – E você?
— Estou bem também... O que aconteceu me deixou assustada, eu não sei nem o que dizer a vocês... – Olhou para nós duas de um jeito receoso. – Sinto muito por tudo.
— Obrigada. – Respondi.
— 'Tá de boa. – Dahyun respondeu. – Eu queria falar com você também, inclusive. Ia falar, mas as coisas aconteceram e não pude dizer antes, enfim... – Puxou o ar. – Eu não vou poder fazer o que me pediu como condição para me readmitirem no Colégio Integral. – Finalizou desconfiada.
— Ah, isso? – Riu fazendo a tensão sumir, mas a dúvida pairar. – Não vim cobrar o combinado, relaxa. E eu sei que não pode realizar...
— Eu já não ia fazer antes mesmo de todo esse lance acontecer. Sabe, tive uma convers...
— Uma conversa com a Yuna, já sei. – Completou. – Eu também tive uma. Agora há pouco, inclusive. Eu entendo sua decisão e devo dizer que gosto dela, por mais irônico que isso soe.
— Nem um pouco. – Brincou. – Que tipo de conversa tiveram?
— Eu e o Yuta fomos até lá, ela nos pediu perdão e nós... Nós aceitamos, é. – Falou arfando ao final. Parecia retirar um peso das costas. – E gosto disso. Foi mais fácil que uma pegadinha, certo?
— Foi, mas seria bem mais legal pregar uma peça! – Falou bobona e eu lhe dei uma encarada severa. – Claro, se eu ainda fosse uma garota mundana... – Continuou provocativa. Ela ama me tirar do sério com piadinhas bobas. – E o japonês? Ele 'tá de boa com você?
— Sim. Não somos amigos, mas também não somos inimigos, então acho que isso é bom.
— Quem sabe isso não vira amor de verdade?
— O baile de fim de ano poderia fazer esse milagre será? – Entrou na atuação da Kim.
— Oh, o baile! – Dahyun disse animada. – Eu tinha esquecido desse evento delicioso! Ah... Eu sempre amei o baile de fim de ano.
— É, você sempre aprontava algo... – Comentei baixinho. – Esse ano vai ser bem diferente, acredito.
— É, com certeza. – Miyeon concordou, mas sorriu para Dahyun.
— Claro... – Assentiu da mesma forma. Aquilo era estranho demais, mas não me prendi na desconfiança de Dahyun já estar planejando uma última pegadinha na escola.
— Meninas? – Minha sogra falou após entrar na sala sem aviso. – O horário de visitas já acabou... Agora Dahyun precisa dormir, já vai tomar os remédios e trocar o curativo.
— Mãe! – Repreendeu a Kim menor. – Não precisa falar como se eu fosse bebê, né? – Eu e Miyeon gargalhamos daquilo, a garota parecia um tomate de tão vermelha. – Enfim... – Revirou os olhos. – Valeu pela visita, Miyeon.
— Valeu. – A Cho disse afastando-se. – Até depois. Cuidem-se. – Cruzou a porta, mas não a fechou, deu passagem para outra pessoa adentrar.
— Cheguei muito atrasada? – Mei perguntou desconfiada.
— Não. Vem aqui. – Dahyun respondeu rapidamente. – Me dá. – Pediu agoniada, recebeu uma sacola com algo que não consegui identificar o que era e escondeu embaixo de si. – Obrigada, Mei. – Finalmente foi simpática, sorriu e deixou a tal tensão sumir. – Já vai? – Questionou quando a chinesa retornou para perto da porta.
— Já. Preciso. – Olhou para mim. – Quer carona, Sana?
— Não, obrigada. Estou de carro. – Ela acenou e cruzou a porta.
— Você já vai, Sana? – Hyemi perguntou sem delicadeza alguma, mas não julgo grosseria, ela só era direta demais.
— Não... Digo, se eu puder ficar mais, gostaria de ficar. – Respondi timidamente.
— Ela vai ficar, sim. – Minha namorada disse. – Queria ficar sozinha com ela um pouco, mãe. – Fez o pedido diretamente.
— Tudo bem, mas antes preciso te dizer algo, Sana.
— O que houve? Meu pai está bem?
— Está... Hoje foi um dia com muitas emoções, eu sei, mas é meu dever te dizer isso logo. – Puxou o ar antes de prosseguir. – A papelada já foi toda resolvida, registrada em cartório e finalizada com sucesso. Você já é emancipada, a empresa já está no seu nome e toda sua herança já caiu na conta.
— Uau! – Foi só o que consegui dizer. – Obrigada, senhora Kim.
— Por nada. – Curvou-se e eu devolvi o gesto. – Vou deixar vocês a sós agora... – Cruzou a saída e bateu à porta.
— Não é melhor eu ir? Não está cansada? – Perguntei aproximando-me dela.
— Estou cansada, mas não quero que vá. Antes preciso fazer uma coisa. – Apontou para a poltrona ao lado da maca. Eu segui e me sentei onde ela pediu sem dizer nada. – Tenho uma surpresa. – Mexeu na sacola que Mei trouxe.
— Que surpresa?
— Antes da surpresa, olha o que desenhei nos poucos minutos que fiquei sozinha. – Mostrou-me uma folha de ofício preenchida pela metade, mas com um desenho lindo.
Era o estilo de Dahyun, característico dela. Reconheceria esse traço sempre desde que ela me desenhou naquela cartinha formal em Busan. Mesmo que por acidente, sem intenção, ela me entregou seu dom, me fez perceber o que sabia fazer mesmo que sem pretensão.
Despojada como sempre, mas delicada ao mesmo tempo eu reconhecia aquela garota na folha como um alter ego. Tinha os olhos quase fechados num sorriso exagerado, cabelos bagunçados e escuros. A roupa era justa e chique, mas a pele pálida e repleta de mini desenhos que representavam tatuagens.
Era Dahyun no futuro, Dahyun num sonho dela mesma, Dahyun num universo paralelo, mas era Dahyun. Eu também reconheceria aquelas características em qualquer um.
— Está lindo. – Disse admirada. – Posso ficar com ele?
— Pode! – Sorriu de volta, parecia aliviada que eu tinha gostado tanto.
— Agora me fala da surpresa.
— Você tem passado por tanto, quase não descansa. Eu estou preocupada, apesar de saber que é muito forte, a pessoa mais forte que conheço. Eu te amo tanto que detesto o mundo todo por não ser perfeito pra você... – Tirou o que tinha dentro da sacola e vi que era um livro, um livro muito conhecido por mim. – Eu quero ler um pouco para você, posso? Só para ver se consegue ficar relaxa por um momento.
— Claro que pode. – Falei sorrindo demais. Meus olhos estavam marejados, eu poderia chorar ali mesmo, mas segurei. A atitude dela foi tão linda. Reconheci o livro não somente por ser o meu favorito da vida, mas por ter sido eu a presenteá-la com ele. Dahyun segurava O Pequeno Príncipe e procurava uma página específica para ler. – Eu te amo...
As pessoas grandes adoram os números. Quando a gente lhes fala de um novo amigo, elas jamais se informam do essencial. Não perguntam nunca: "Qual é o som da sua voz? Quais os brinquedos que prefere? Será que ele coleciona borboletas?" Mas perguntam: "Qual é sua idade? Quantos irmãos tem ele? Quanto pesa? Quanto ganha seu pai?" Somente então é que elas julgam conhecê-lo.
Se dizemos às pessoas grandes: "Vi uma bela casa de tijolos cor-de-rosa, gerânios na janela, pombas no telhado..." elas não conseguem, de modo nenhum, fazer uma ideia da casa. É preciso dizer-lhes: "Vi uma casa de seiscentos contos". Então elas exclamam: "Que beleza!" Assim, se a gente lhes disser: "A prova de que o principezinho existia é que ele era encantador, que ele ria, e que ele queria um carneiro. Quando alguém quer um carneiro, é porque existe" elas darão de ombros e nos chamarão de criança! Mas se dissermos: "O planeta de onde ele vinha é o asteróide B 612" ficarão inteiramente convencidas, e não amolarão com perguntas.
Elas são assim mesmo. É preciso não lhes querer mal por isso. As crianças devem ser muito indulgentes com as pessoas grandes. Mas nós, nós que compreendemos a vida, nós não ligamos aos números!
Gostaria de ter começado esta história à moda dos contos de fada. Teria gostado de dizer: "Era uma vez um pequeno príncipe que habitava um planeta pouco maior que ele, e que tinha necessidade de um amigo..."
Para aqueles que compreendem a vida, isto pareceria sem dúvida muito mais verdadeiro. Porque eu não gosto que leiam meu livro levianamente. Dá-me tanta tristeza narrar essas lembranças! Faz já seis anos que meu amigo se foi com seu carneiro. Se tento descrevê-lo aqui, é justamente porque não o quero esquecer.
É triste esquecer um amigo. Nem todo o mundo tem amigos. E eu corro o risco de ficar como as pessoas grandes, que só se interessam por números. Foi por causa disso que comprei uma caixa de tintas e alguns lápis também. É duro pôr-se a desenhar na minha idade, quando nunca se fez outra tentativa além das jibóias fechadas e abertas dos longínquos seis anos! Experimentarei, claro, fazer os retratos mais parecidos que puder. Mas não tenho muita esperança de conseguir.
Um desenho parece passável; outro, já é inteiramente diverso. Engano-me também no tamanho. Ora o principezinho está muito grande, ora pequeno demais. Hesito também quanto a cor do seu traje. Vou arriscando então, aqui e ali. Enganar-me-ei provavelmente em detalhes dos mais importantes. Mas é preciso desculpar. Meu amigo nunca dava explicações. Julgava-me talvez semelhante a ele. Mas, infelizmente, não sei ver carneiro através de caixa. Sou um pouco como as pessoas grandes. Acho que envelheci.
*
Pov Dahyun
"— Kim Dahyun! – Disse como quem estava muito feliz em me ver e precisava reafirmar meu nome para ter certeza de que eu estava de fato ali. – Como está?
— Bem, e você?
— Bem também, meu amor... – Beijou o topo da minha cabeça, pegou-me no colo e me guiou até o meu cômodo preferido: o quarto da bagunça. Pelo menos era assim que eu chamava. – O que fez hoje? Precisei sair para pegar umas coisas para você...
— Presentes?! – Perguntei animadamente. A mulher me colocou sentada na minha cadeira colorida. A minha favorita. Mesmo de plástico, ela era muito confortável. Avistei meu cubo mágico, estiquei-me para pegá-lo e quando finalmente alcancei, comecei a montar.
— Não, querida, não eram presentes... Não dessa vez, ao menos. Por quê? Tem algo que quer?
— Não, estou bem, já tenho muitos brinquedos... O que foi buscar, então?
— Ah, já te expliquei... Os remedinhos que você precisa, hm? O doutor mandou você tomar para se sentir melhor, então fui buscá-los...
— Entendi. – Respondi sem olhá-la, as cores em quadrados pareciam mais atrativas que qualquer papo.
— Você não me respondeu, Dahyunnie... O que fez hoje?
— Mamãe, por que o papai foi viajar?
— Oh! – Espantou-se com minha pergunta. Eu nem sabia que era algo delicado, apenas segui meu cérebro que estava faminto por respostas. Além de saudades. – O papai foi para mais uma viagem... Você não sabe, mas ele já foi a uma igual a esta quando você nem sonhava em nascer. – Riu amarelo. – A saúde do papai ficou um pouco ruim, então ele foi cuidar disso.
— Papai está doente? Por isso o vi chorando muito aquele dia... Ele chorava tanto e gritava para si mesmo...
— Você viu isso? – Denunciou preocupação, eu assenti e ela me pegou no colo de novo. – Não se preocupe com isso, hm? O papai ficou doente, sim, mas foi cuidar disso e vai voltar bem, eu prometo.
Beijou o topo da minha cabeça, mas continuei apenas mexendo no cubo. Eu estava confortável em seu colo, presa num abraço cuidadoso, paparicada por motivo nenhum. Senti carícias inocentes em meu cabelo e costas, ela fazia cócegas em mim e parava quando eu ria, dando-me um tempo para recuperar o fôlego, depois passava as mãos nas minhas e contava cada um dos dedos, pedindo que eu fizesse aquilo junto.
Eu deveria decorar a sequência, saber os números de um a dez, sempre repetir quando mais uma crise viesse, quando me sentisse mal, quando ficasse nervosa, quando fosse preciso. Assim como meu pai fazia, assim como ela o ensinou e depois me ensinou.
Kim. Não Kwon. Kim."
*
"Eu não sou o fantasma que você quer de mim
Se você está perdido e sozinho
Ou você está afundando como uma pedra
Siga em frente
Deixe que seu passado seja o som
De seus pés sobre chão"
Chapter 40: K.
Chapter Text
K. – Cigarettes After Sex
"Eu me lembro da primeira vez que percebi
Que você também gostava de mim
Eu sabia que algo havia mudado
No jeito que você me olhava naquele momento
E você está dançando comigo agora
E eu estou tirando fotos de você com flores na parede"
*
Pov Dahyun
Dias depois...
— Certo, agora o pé direito, isso... Cuidado! – Minha mãe dizia enquanto me guiava pela calçada até entrar em casa. – Agora o esquerdo, devagar...
— Mãe, eu sei andar normalmente. – Falei freando. – Meu problema é no ombro. – Apontei. – Relaxa, beleza?
— Nada disso. – Meu pai falou chegando do outro lado. – Sua mãe está certa, vem aqui.
— Ah, ótimo! – Falei aborrecida. Agora eu tinha um guia em cada lado, mesmo conseguindo andar perfeitamente. – Eu já fui a fisioterapia hoje, vocês não precisam ficar desse jeito...
— Só estamos cuidando de você. – A mais velha falou suavemente e aquilo foi o suficiente para me fazer calar e aceitar.
— Tofu! – Mei falou ao me ver cruzar a sala. – Sana está lá em cima esperando você, ela chegou há pouco.
— Ah, perfeito! – Sorri largamente, desprendi-me dos meus pais e segui caminhando rapidamente até a escada.
— Cuidado, Dahyun! – Repreendeu o homem, mas nada lhe respondi. Continuei os passos rápidos sem preocupação alguma.
— Gatinha? – Falei batendo de leve na porta. – Hm... – Abracei-a fortemente e funguei satisfeita em seu cabelo recém lavado e muito cheiroso. – Adoro seu cheiro.
— Esse é o seu shampoo, Dahyun... – Ela falou revirando os olhos.
— Ah, então eu amo meu cheiro. – Dei de ombros, brincando. – O que fez enquanto eu estava quicando umas bolas de pilates? – Perguntei sentando-me na cama.
— Visitei meu pai, nós conversamos, depois fui ver a Tzuyu e saber das novidades.
— Novidades? Que novidades?
— Ainda não soube? – Abriu um sorriso sapeca e eu devolvi o gesto já sentindo cheiro de fofoca. – A Tzuyu e a Jihyo finalmente encerram a novela e assumiram o namoro fofo delas.
— MENTIRA! – Berrei alegremente. – EU NÃO SABIA!
— Você checou seu celular? Vai que te mandaram mensagem e você só não viu...
— Verdade. – Peguei o aparelho no bolso do casaco e constatei o que Sana sugeriu. – Foi exatamente o que rolou, olha. – Mostrei. – Mais de duzentas mensagens no grupo, cara!
— É, esse foi um evento e tanto! – Sentou-se ao meu lado. – Como foi na fisioterapia?
— Ah... Que bom que perguntou. – Ajeitei a postura, cocei a garganta e finalmente prossegui convencida. – Se liga! – Mexi o braço atingido, de leve, mas ainda um grande avanço. – E não acabou por aí. – Segurei o celular com a mão prejudicada e tirei um selfie numa altura considerável. – VIU SÓ?!
— Não faz tanto esforço! – Tomou o celular. – Não doeu?
— Nadinha! Pode relaxar e me elogiar pelo avanço, vai... – Fiz pose esperando. – Ainda não ouvi um "Caraca, Dahyun! Você é fantástica, estou impressionada, meu Deus! Você é realmente o amor da minha vida, a mulher mais incrível do mundo!" – Exagerei propositalmente.
— Caraca, Dahyun! Você é fantástica, eu estou impressionada... – Tentou se lembrar da exata frase, mas falhou. – Você é o amor da minha vida! – Completou desconfiada.
— Isso serve. – Impliquei, inclinando o corpo para beijá-la rapidamente. – Mas tem uma coisinha de errado ainda... – Fiz bico.
— O que foi, hein, senhorita drama? – Arqueou apenas uma das sobrancelhas e me encarou conhecendo cada pedacinho meu.
— Eu quero carinho. – Repeti o bico triste. Ela, prontamente, deitou-se na cama, com a cabeça no travesseiro e me chamou, com batidinhas leves no espaço ao seu lado. Acatei felizmente, coloquei a cabeça em seu braço, fiquei confortável em seu toque e recebi o cafuné com um sorriso no rosto. – O que você quer cursar depois que a escola acabar?
— Eu queria muito, muito medicina. Depois mudei para engenharia, direito... Enfim, eu ainda estou um pouco confusa depois desse ano louco, mas tenho certeza de que vou escolher algo bem difícil, pra valer os anos de esforço e vida certinha. – Riu baixinho. – E você?
— Eu sei lá. Eu gosto de viver a vida, no improviso, na leveza. Eu nunca pensei muito sobre o futuro, nem nunca achei que me daria bem numa faculdade.
— E por quê?
— Acho que pelo fato de nunca ter conseguido me identificar com nenhum curso.
— Nenhum curso mesmo? – Neguei. – Impossível.
— Não é, acredite. – Minha vez de rir baixinho. – Uma vez fiz um desses testes para saber qual carreira seguir. Fiz com a Chaeyoung. O meu deu inconclusivo! INCONCLUSIVO! – Falei indignada e ouvi a gargalhada de Sana ao fundo, contagiando-me levemente. – É sério, cara... Faculdade não é para mim, já aceitei.
— Então com o que quer trabalhar?
— Também não pensei nisso.... – Respondi desconfiada.
— Sabe, já já a gente fica adulta, tem que começar a pensar nisso, no seu futuro.
— Meu futuro é com você, gata. – Provoquei, mas ela me deu um tapinha de leve na cabeça, depois retomou o cafuné. – Eu sei que tenho que pensar... Ei, você fica adulta logo menos, né?
— Sim, meu aniversário está bem próximo.
— Por falar nisso, então, posso trabalhar organizando festas. Eu gosto de festas, sou boa nisso e acho divertido. Além de dar muito dinheiro.
— É uma possibilidade.
— Está decidido. – Virei-me para ela, ainda mais baixa, mas encarando-a normalmente. – Você faz a faculdade difícil que passar e eu vou trabalhar como organizadora de festas! – Sorri alegremente. – Quer começar ano que vem?
— Já quer trabalhar ano que vem? Uau! Isso é um avanço. – Riu. – Sim, podemos. Quer morar em Seul mesmo?
— Está me chamando para morar com você, Minatozaki Sana? Isso, por acaso, é um pedido de casamento? – Ri boba e ela também, ficando tímida. – Sim, pode ser Seul. Qualquer lugar do mundo, não interessa. – Retomei à posição anterior. – Só precisa ter uma faculdade para você, um bom público para as festas que eu vou organizar e uma casa para a gente morar juntas.
— Eu já gosto desse ano que vem...
— Você quer estudar já ano que vem? Digo, não sente que está muito em cima da hora? Crescer, ter mais responsabilidade, viver uma vida mais dura e tudo isso depois de tanto estresse?
— É, eu sinto, mas o que podemos fazer?
— Um ano sabático. – Sugeri imaginativa.
— O que? – Parou o cafuné.
— Sabe, tirar um ano de "folga"? A gente poderia tirar um ano inteiro para viajar pelo mundo, curtir, desestressar, viver o resto da adolescência de uma maneira menos turbulenta. – Sentei-me e a encarei empolgada. – O que acha? Temos dinheiro para isso, já somos donas do próprio nariz pela lei e isso seria muito divertido, né?
— Eu... – Sentou-se também. – Eu acho uma ótima ideia, na verdade. – Riu. – Você tem uma imaginação tão fértil...
— Não é para ficar só na imaginação, Sana. Eu quero fazer acontecer, você não?
— Um ano inteiro viajando o mundo com você? Parece a melhor coisa de todas... – Ficou imaginativa junto. – Qual seria nosso primeiro destino?
— Algum lugar animado, quente, com gente animada, muita festa.
— Brasil!
— Podemos ir em fevereiro! Ouvi dizer que é quando tem o carnaval.
— Samba! – Fez uma pequena dancinha. – Mas fevereiro é o segundo mês do ano, temos que começar o ano sabático em janeiro.
— É... Então, para contrastar, vamos num lugar frio, calmo.
Continuamos a imaginar nosso possível ano sabático. Deitei-me no mesmo lugar do início e voltei a receber cafuné. Devolvi o carinho que recebia, acariciando o braço de Sana que estava próximo.
Compartilhamos ideias, planos, sonhos. Um ano inteiro conhecendo lugares, pessoas, costumes. Provando de tudo um pouco, vivendo livremente, da maneira mais leve e pura possível. Vivendo a melhor das vidas com o amor da vida.
Eu brincava em certos momentos, implicando com minha namorada como sempre, ela ria, rebatia ou repreendia, mas tudo com muito humor e amor. Era nossa linguagem de afeto. A gente se amava de um jeito inocente, adolescente. É tão bobo e bonito, é tão... Tão nós.
*
Pov Sana
— Certo, vamos lá... – Abri a porta de casa e voltei, guiando meu pai pela cadeira de rodas. – Bem-vindo a nossa nova casa! – Falei alegremente ao passo que empurrava a cadeira.
Minha casa usual já tinha sido liberada, mas decidi, juntamente de meu pai, que seria melhor vender, alugar ou abandonar. Qualquer coisa é melhor que voltar a morar ali, então procurei, com ajuda do meu sogro, uma nova residência.
E chegamos a esta. Tão grande quando a anterior, mas apenas no térreo, com cores mais vivas, que gritam recomeço, conforto e paz. A paleta se resume à madeira clara, num marrom suave, e bege, quase um branco fosco. Não era colorida, mas passava a mensagem exata para nós: mesmo não sendo um arco-íris nas paredes, ainda representava inúmeras possibilidades.
Os quartos, meu e dele, tinham mais diversidade. O meu, por ironia, não era tão rosa, mesmo que em tons bebês. Dessa vez eu variei, estava decidida a adentrar numa nova era, então optei por um lilás. Não é uma mudança radical, mas ainda é uma mudança.
E Dahyun riu de mim por isso. Por mudar de rosa para roxo e agir como se fizesse uma enorme diferença. Eu briguei com ela, que riu alto em resposta, depois dei um tapinha em seu braço, que me fez rir também, e nós voltamos ao estado natural.
— A casa é ainda mais linda pessoalmente! – Meu pai disse admirado. – As fotos que me mostrou já me davam a certeza da boa escolha, mas agora... Você fez bem em mudar para cá, Sana.
— Que bom que gostou... – Sorri satisfeita enquanto retornava para a sala depois de uma pequena tour pela casa. – Ah, deixa eu te apresentar... – Falei quando notei alguns funcionários chegarem perto.
— Olá. – Meu pai falou simpático. – Vocês que cuidarão de mim? – Ele riu timidamente.
— Sim, senhor. – Uma das três pessoas ali respondeu.
— Então, pai, essa é equipe que te falei. Vão te auxiliar por hora. – Apontei para o primeiro. – Esse é o Wooyoung, enfermeiro. – Apontei para o segundo. – Esse é o Soobin, fisioterapeuta. – Apontei para a terceira. – E essa é a Eunbi, sua cuidadora em potencial.
— Muito prazer. – Meu pai disse sorridente, os funcionários responderam a mesma coisa depois de um curvar formal e eu deixei-me distrair pelo som de batidas na porta.
— Eu abro. – Falei afastando-me dos quatro. – Yuta? O que você está fazendo aqui?
— Oi, Sana... Queria falar com você, posso?
— Ah, pode, claro. – Dei passagem. – Como descobriu meu novo endereço?
— Eu pedi a Dahyun, expliquei que precisava te ver e ela concedeu.
— Entendi... – Caminhamos casa adentro. – Vem... – Entrei no cômodo do novo escritório. – Podemos falar aqui. – Puxei uma cadeira para mim, sentei-me e apontei para o rapaz fazer o mesmo. – Pode começar.
O japonês começou nervosamente, deferiu palavras penosas, falava sobre perdão e arrependimento, repetiu algumas sentenças que já havia usado no outro pedido de desculpa e implorou por uma resposta ao seu favor.
Devo dizer, não estava com raiva dele, rancor ou vontade de vingança. Não sentia nada, nem vontade de retomar a amizade. Mesmo que as coisas possam voltar ao que eram antes, eu já não sou como antes. Não sou a mesma Sana de meses atrás, dias atrás. Não sou a mesma pessoa que fui ontem.
Não me encaixo mais como melhor amiga de Yuta, apesar de ainda o querer bem e guardar bons momentos consigo. O tempo passou, mesmo que não muito, ele passou. E levou o período em que ainda dava certo.
Respondi ao garoto com toda sinceridade, paciência e empatia. Eu sabia que estava fazendo o certo por mim, por ele e por nós, pelo que vivemos. A verdade é sempre a melhor opção, foi a que eu escolhi e a que constatei ser a correta, afinal em momento algum o clima entre nós ficou estranho, tenso ou ruim. Ele sorria satisfeito, aliviado, e eu era igual.
Igualmente leve, em paz. Não havia rancor, mágoa, raiva nem nenhum ressentimento ou sentimento ruim. O tempo passou para nós dois enquanto dupla e passou, também, para nós dois enquanto rivais. É complicado, pode demorar, mas nesse caso, agora, o perdão aconteceu e foi bom. Foi como deveria ser e trouxe uma paz inexplicável.
O sentimento de ciclo encerrado, relação acabada, porém com um bom desfecho, e intrigas resolvidas. Eu realmente estou encerrando um capítulo da minha vida junto desse ano escolar que se encerra, junto da escola que encerra de vez.
*
Pov Dahyun
— Posso falar com você? – Perguntei ao notar que minha mãe estava na sala e finalmente sozinha.
— Claro. – Olhou-me, desligou a TV e endireitou a postura, batendo no assento perto de si. – Sobre o que quer falar?
— Antes, cadê meu pai?
— Ele foi visitar o Minatozaki. Sana e o pai chegaram na nova casa há pouco, a que seu pai ajudou a comprar, organizar e tudo mais.
— Entendi... E Mei?
— Está de folga, eu falei que poderia ir.
— Então só tem eu e você em casa? – Assentiu. – Ok... Eu quero fazer algumas perguntas. Perguntas sobre uns assuntos que estão bem confusos em minha mente e eu preciso muito que sejam respondidas com total sinceridade.
— Pode perguntar.
— Promete que vai me responder a verdade? Sem esconder nenhum único detalhe?
— Prometo, filha. – Bateu novamente no assento ao seu lado, eu finalmente acatei e me sentei ali. – Pode perguntar.
— Eu tive uma psicóloga quando criança?
— Sim, algumas.
— Com quantos anos eu tive a primeira?
— Bem, falando assim... Não era mais criança de fato, estava crescendo já. – Puxou a informação com dificuldade. – Acho que com doze anos você teve sua primeira consulta.
— Só isso? Não dez? – Negou. – Essa psicóloga aí, ela tinha o sobrenome Kwon?
— Não. Por quê?
— Eu nunca tive nenhuma com esse sobrenome? – Negou de novo. – O que meu pai tem, afinal? – Enrijeceu. – Seja honesta, por favor.
— Ele tem bipolaridade, querida. – Soltou tensa. – Alguns sintomas parecem com o borderline, mas, num geral, são coisas diferentes. Vocês dois são semelhantes na intensidade dos sentimentos, na falta de controle, nas mudanças constantes...
— O que meu pai varia é entre raiva, indiferença e, sei lá, tristeza? Porque não me recordo de tê-lo visto sentir felicidade uma única vez.
— É, seu pai é uma pessoa complicada. Ele é um homem difícil, realmente, já passou por muito, afinal. Mas ele sente felicidade, sim, talvez não demonstre, não saiba como, mas sente, sim.
— Um dia ouvi algo sobre uma clínica. Ouvi uma conversa entre vocês dois, queriam me internar na mesma clínica que ele foi. Vocês sempre falavam com muita raiva do que eu tinha, dos meus problemas psicológicos... Eu nunca entendi o motivo disso e me culpava por ser assim. – Desabafei com a mesma honestidade que exigia.
— Dahyun... – Abaixou a cabeça tristemente, depois se levantou e sentou-se mais perto de mim. – Eu sinto muito por termos feito você se sentir assim, não tem justificativas...
— Mas eu gostaria de ouvi-las. Mesmo que não justifique, sei que se explicam. Por que vocês sempre agiam assim com meus sintomas?
— Seu pai cresceu com esses problemas, ele nunca teve o suporte. Você sabe que saúde mental só foi um tópico abordado recentemente... Enfim, ele não tinha controle desde que eu o conheci. Fui atrás de saber mais sobre, então descobri algumas técnicas para ajudá-lo e apliquei até com você, quando percebi que tinha quase a mesma coisa. – Ficou cabisbaixa. – No total, seu pai se internou três vezes. Uma vez quando éramos namorados, outra logo quando você nasceu e outra quando tinha uns... uns nove anos.
— Dez.
— O que?
— Anos. Eu tinha dez anos.
— Você lembra?
— Agora eu lembro. Ele chorava, né? Lembro de ter visto meu pai gritar consigo mesmo no espelho e chorar muito enquanto isso.
— Ele nunca aceitou o que tem... Nos meus estudos sobre, eu vi que o fato do paciente não aceitar o problema dificulta no tratamento. Com isso, ele nunca conseguiu se curar ou controlar a si mesmo com eficácia. Alimentou muito ódio de si, do que sentia, dos próprios transtornos e dos sintomas.
— Por isso a repugnância quando me via fazer o mesmo? – Assentiu. – E por isso ele queria me internar? Para ficar "boa" que nem ele?
— Ele não toma remédios, diferente de você, então tem a ideia deturpada de que esses tratamentos de choque que teve durante a vida, ajudam de verdade e ajudariam você.
— E se você tem todo esse conhecimento, por que nunca ficou ao meu lado? Digo, se me ajudou a conter as crises, ajudou meu pai, cuidou de mim até certa idade, por que mudou de repente?
— Eu não sei responder a isso. Eu errei, não tem explicação, justificativa ou desculpas. Eu fraquejei, talvez tenha atingido meu limite ao cuidar de vocês dois e nunca de mim, mas mesmo assim... Não vejo como isso alivie o meu lado, Dahyun.
— Seu sobrenome de solteira é Kwon, certo? – Perguntei e ela assentiu. Não respondi sua fala anterior porque eu ainda queria saber mais, entender mais, ter mais respostas. Ainda não era hora do acerto de contas, do choro, da culpa. Ainda não. – Aqui, nessa casa, tinha um quarto meu com brinquedos, jogos e uma cadeira colorida de plástico?
— Que específico... Sim, tinha. Você chamava de quarto da bagunça, mas era só seu quarto normal de criança.
— Meu quarto? – Assentiu. – Estranho... Eu não lembro das coisas nessa ordem, desse jeito.
— E como você lembra?
— Lembro que tinha uma psicóloga quando criança, o nome dela era Sra. Kwon, eu a amava, ela me entendia como ninguém e tinha sido a melhor profissional a me tratar na vida. Eu tinha essa memória dela. O consultório dela, a sala que eu era atendida, era o tal quartinho da bagunça. Lembro das coisas dessa forma.
— É, isso nunca existiu assim. O quartinho da bagunça era seu quarto, você gostava de tudo ali. Colorido, muitos estímulos. Você se distraía com tudo e era muito esperta. Não parava nunca, quase não relaxava para dormir, então eu adaptei seu quarto para ser o local onde podia ficar sem riscos e sem tédio.
— Você reformou meu quarto normal para virar o "quartinho da bagunça"?
— É, ele sempre foi enorme, então além da cama, tinham muitos brinquedos, coisas coloridas que você gostava de mexer, de usar, etc. Eu já sabia que você tinha TDAH, então até que atingisse uma idade boa para ir a um terapeuta, tomei esse papel para mim. Eu via que conseguia falar tranquilamente, abertamente e sinceramente quando mexia em outra coisa ao mesmo tempo. Seu favorito era o cubo mágico.
— Eu lembro... Mas crianças podem ir a psicólogos...
— Eu sei, mas no nosso país saúde mental não tem a devida atenção, você sabe. Então para crianças não existia, não aqui. E se tinha, não era renomado, eu só confiava em profissionais reconhecidos.
— É, até pediu para me espionarem. – Ela enrijeceu de novo. – Sim, eu lembro disso também. Sei que pagaram a psicóloga para repassar tudo que eu dizia em sessão.
— É, fizemos isso. – Entristeceu de novo. – Mais uma vez, sem desculpas. Foi ideia minha, mas seu concordou depois de achar que seria realmente o melhor. Saberíamos como lidar mais facilmente, o que fazer exatamente. Pelo menos foi o que pensamos na época.
— Depois disso tudo piorou, você percebe isso, né? – Assentiu. – Você era a senhora Kwon?
— Acho que sim. Pelo que conta, sim, era. Sou. Sempre cuidei de você. Eu quase não saía até você ter uns dez anos. Trabalhava menos, seu pai mais. Era como ele ocupava a mente.
— Por que eu achei que era uma psicóloga de verdade comigo naquela época? Digo, eu não me recordo de ser você. Não me recordava, ao menos. Agora eu lembro, mas não entendo por que mudei.
— Você sabe como descobrir as respostas, né? – Assenti. – Eu sei que causamos seu trauma com terapeutas, problemas de confiança e muitas outras coisas, mas enfrente isso. Quer tanto entender a si e essa confusão mental, então devia procurar um psicólogo. Faça isso por conta própria, procure alguém que ache ser bom, então se trate, se conheça.
— ...
— Ou faça isso com a Sana. – Falou depois que lhe respondi o silêncio. Senti meu corpo formigar de nervoso, eu imaginava o que viria a seguir e era o suficiente para tremer de medo. – Eu sei que confia nela e que ela é importante, então talvez seja interessante tê-la ao seu lado.
— Como assim, mãe? – Ri de nervoso. Respondi a pior coisa para encerrar o assunto como eu queria, mas nem pensava direito.
— Vejo que seguiu meu conselho. Bom, em partes. – Ela riu baixinho. Eu fiquei mais tensa ainda. – Lembra-se quando disse que deveria ser mais como a Sana? Andar com ela e...
— E parar de andar com meus amigos. – Respondi com rancor, ela ficou sem graça. – Sim, eu lembro.
— Como eu ia dizendo... Vejo que seguiu esse conselho. Você está diferente. Sei que é mérito seu, mas também sei que ela ajudou nesse processo.
— Não entendi direito, mas sim, ela ajudou muito.
— Eu sei que estão juntas. Namorando. – Eu finalmente tinha a confirmação do que pensei que iria acontecer. Aconteceu. Minha mãe disse essas palavras em voz alta, mas não em repreensão. Eu estava dormente, confusa, mas aliviada ao mesmo tempo. Meu coração queria sair pela boca, mas o sorriso de orelha a orelha que eu exibia involuntariamente impedia isso.
— C-como v-você sab-
— Eu sou mãe, Dahyun. Mães sempre sabem. Eu sabia desde que tinha três anos. Digo, sabia sobre você. E sobre seu namoro foi mais fácil ainda concluir.
— Ah... – Minha vez de ficar de cabeça baixa. Apesar de feliz, eu estava com muita vergonha. – Show.
— Você não precisa se esconder, viu? – Puxou meu rosto para cima com a ponta do dedo. – Já falei, mas repito quantas vezes for preciso, eu me arrependo de todo mal que causei. Eu e seu pai nos arrependemos. Muito. Mudaríamos o passado, o presente e o futuro se fosse possível. Isso quer dizer que você não tem que se preocupar com nossa aceitação. Nós já sabemos há um tempo e estamos felizes com sua escolha, de verdade.
— Eu... Eu...
— Ok, vou te dar o tempo que precisar para ficar à vontade com esse assunto. – Sorriu simpática. – Você já terminou com as dúvidas?
— Acho que sim... Mas não terminei o papo. – Endireitei-me e a encarei com coragem. – Tenho mais duas coisas para falar.
— Diga.
— Primeiro, quero que me dê um norte para procurar um terapeuta, não sei por onde começar. – Ela assentiu solícita. – E quero saber o que pensa sobre ano sabático...
*
Pov Narrador
— Beleza, essa pizza vai demorar mais quantos dias? – Nayeon falou indignada.
— O garçom está atrás de você. Com. As. Pizzas. – Tzuyu respondeu implicante. – Perdoa ela, moço, não tem educação, tadinha...
— Me passa um pedaço da de pepperoni, por favor. Jihyo pediu, esticando o prato.
— Para mim, o mesmo! – Jennie falou, repetindo o movimento.
— Vocês são mais pidonas que eu, que tenho um movimento de braço a menos! – Dahyun brincou, esticando o prato. – Me dá um pedaço... – Pediu desconfiada.
Os amigos se serviram, comeram, beberam e comeram mais. Era uma noite simples num restaurante italiano, uma noite de reunião, reafirmação de laços e comemoração implícita de cumplicidade, vitória e recomeço.
Sana não era a mais animada da mesa, mas não estava triste. Sua vida mudou muito, muita coisa tensa aconteceu a ela, muita gente deixou de fazer parte do seu ciclo, deu adeus a alguns hábitos, encerrou outros capítulos e começou mais alguns.
Ela seguiu o conselho de Dahyun e dos amigos. Viveu o luto. Tirou a semana de folga da escola para sentir a tristeza, o impacto de todos os acontecimentos trágicos. Viveu cada um deles, chorou dias seguidos, horas longas. Sentiu os sentimentos ruins que cabiam, não escondeu nenhum. Teve apoio de todos os lados, nunca ficou sozinha quando procurou por alguém, mas ficou apenas consigo mesma quando sentiu a necessidade de tal.
Momentos bons e momentos ruins. A semana serviria para isso, ela viveria como deveria viver, liberando seu eu para chorar, sentir dor. Depois disso, estava decidida, finalmente viveria para si mesma. Não para a memória da sua mãe, não para seus estudos, não para um sonho distante de profissão, não para seu pai, não para a inimizade com Sooyoung. Para si, para Sana. Por ela, para ela. Finalmente.
— Mães, por favor, mais um pedaço. – Chaeyoung cutucou Jihyo e Tzuyu e proferiu brincalhona. – Brincadeira, estou cheia. Pede a sobremesa.
— Você acabou de dizer que está cheia. – A Park respondeu rindo.
— Ela nos chamou de mãe! – Tzuyu pontuou intrigada. – Eu fui a única a notar isso?
— Não, todo mundo ouviu. – Dahyun respondeu rindo.
— Digam que não! – Tzuyu repreendeu, mas ninguém entendeu o motivo do pedido, mesmo acatando. – Eu quero ouvir de novo... – Sorriu boba.
— Ai que casal lindo, meu Deus! Vou morrer. – Nayeon comentou exageradamente.
— Que bicha exagerada, jesus. – Jeongyeon comentou disfarçadamente.
— Que foi, Yoo? Algum problema?
— Com você? Todos.
— Por que não diz na minha cara?
— Acabei de fazer isso. – Encarou profundamente e chegou mais perto. – Você é muito exagerada.
— E você gosta. – Respondeu se achando, deixando Jeongyeon tímida de repente. Dava para ver que ela não esperava por isso. – Admite que gosta! – Implicou mais.
— Vocês parecem um casal de sitcom. – Sana disse rindo.
— Somos quase isso! – Im falou. – Jeongyeon é meu marido!
— Por que não posso ser a esposa? – A garota citada questionou.
— Porque eu disse primeiro, essa é a regra. – Retrucou convencida.
[...]
O jantar acabou, mas ainda estavam todos à mesa. Cheios, satisfeitos, mas não cansados de falar. Piadas, provocações, confissões e risadas eram os elementos principais ali. A refeição foi completa, prato principal, sobremesa e felicidade. A amizade era bonita por ser simples e honesta, sem interesse ou inveja. Todo mundo era igual, se gostava igual, implicava igual e se entendia igual. Era jovem. Viver tem que ser jovem. A vida é jovem.
— Conversei com minha mãe sobre o lance das minhas memórias confusas. – Dahyun disse. – Foi uma boa conversa.
— Já perdoou ela? – Seungsik perguntou.
— Não se trata disso, mas não, ainda não.
— Senti um tom diferente nesse "não". – Mina comentou. – O que mudou aí dentro da sua cabeça? Ou do coração, quem sabe.
— Não sei direito ainda, mas vou saber logo.
— Por quê? – Somi perguntou.
— Vou procurar um psicólogo. – Os sorrisos foram unanimes. – Depois de anos, finalmente criei coragem e vontade.
— Que bom, Dubu! – Seulgi falou alegremente.
— Arrasou, Dahyun! – Momo falou, dando um soquinho na menor como cumprimento.
— Nós vamos, na verdade. – Sana falou. – Não foi combinado, antes que perguntem, e também não vamos ao mesmo tempo. – Riu. – É só que... Bom, vocês já sabem que é fundamental para mim agora.
— Já sabem quais profissionais? – Jennie questionou.
— Sim, falamos com eles pouco antes de vir para cá. Minha sogra nos apresentou uns contatos para nos dar um norte e aí achamos dois que se encaixam ao gosto de cada uma. – A japonesa respondeu prontamente. – Começaremos logo.
*
Pov Sana
— Tem certeza de que sua mãe não vai achar ruim você dormir na minha casa hoje e não na sua? – Perguntei quando ela saiu do carro já devidamente estacionado dentro da garagem.
— 'Tá me querendo longe? – Ela disse ofendida. – Quem é?
— Quem é o que, sua doida?
— A pessoa que está escondendo debaixo da cama. Quem é? – Correu até mim, fingindo raiva. – Eu te pego, vagabundo! Vou deixar ele careca, Sana...
— Deixa de ser besta... – Ri alto, agarrando seu corpo pela cintura. – Só estou preocupada de seus pais acharem ruim, sabe? Estavam com medo até de você caminhar, tipo...
— Relaxa. – Segurou-me pela nuca, colocando meu cabelo para trás, eu segurei sua cintura mais forte ainda. Ela caminhava lentamente para frente, fazendo-me seguir o mesmo caminho, só que de costas. – Ninguém mandava em mim antes, o que te faz pensar que agora vão mandar?
— Ninguém manda, é? – Arqueei as sobrancelhas dizendo tudo, ela riu desconfiada, desviou o olhar e freou o caminhar assim que encostei as costas na parede.
— Só você...
— Só eu?
— Uhum, só você, japa. – Piscou um dos olhos, umedeceu os lábios, encarou meus olhos e finalmente encostou a boca na minha. Beijou-me com cuidado, leveza e paixão. Seu beijo ficava melhor a cada vez. – Agora eu posso ficar?
— Claro que pode. – Sorri tímida, mordi seu lábio inferior rapidamente e quando tornei a posição normal, encarei-a com o olhar mais sincero possível. Eu denunciava amor em toda extensão do meu corpo.
— Vamos entrar logo, então, quero ver se não está escondendo ninguém debaixo da cama. – Riu da própria piada e eu acompanhei, empurrando seu corpo de leve, mas ainda tendo ela comigo.
— Não tem ninguém... – Revirei os olhos. – Eu sou só sua, loirinha.
— Diz que me ama, vai... – Pediu sapeca. – Com essa vozinha aí que me deixa fraca.
— Te deixa fraca? – Provoquei e assisti suas bochechas ficarem vermelhas. – Eu te amo, minha loirinha.
— Ai... – Colocou a mão no coração. – Acho que estou morrendo. – Brincou. – Te amo tanto...
— Tanto...?
— Meu amor, meu dengo, minha Sana.
— Fala com essa voz ao pé do meu ouvido... – Pedi puxando seu corpo para grudar no meu novamente. Beijei-a com desejo, com vontade. – Mas faz isso lá no quarto, não aqui.
— Por que não aqui? – Senti sua mão em minha cintura, apertando-me e colando-me mais ainda nela. Fiquei quente e tensa de repente, eu sabia que Dahyun estava da mesma forma. – Responde, Sana. Por que não aqui?
— Alguém pode... Pode ver... – Respondi com dificuldade, já sentindo minha voz querer vacilar. – Tem muitos funcionários aqui agora.
— E o que você quer que eu faça, então? – Perguntou do jeito que pedi que fizesse no quarto. Maldita, sacana, danada. – Diz... – Falou num tom baixo e grave, bem ao pé do meu ouvido, fazendo-me arrepiar por inteira.
— Eu quero... – Tentei empurrar seu corpo, mas me faltava força e vontade o suficiente. – Você sabe o que eu quero, Dahyun. – Falei seriamente.
— Mas eu quero ouvir você dizer. – Olhou-me profundamente. Seu corpo também denunciava tudo que ela sentia. – Diz pra mim, Sana...
— TEM GENTE VINDO! – Berrei, ela afastou-se de imediato e adotou uma postura desconfiada. Eu fiz o mesmo.
— Não vejo ninguém.
— É porque eu menti. – Sorri sapeca. – Vamos pro quarto logo, vem. – Peguei em sua mão e a guiei. – Você só faria o que eu estava pedindo assim...
— É verdade. DROGA! – Disse emburrada, sentando-se na ponta da cama. – Você é muito, muito chata, sabia?
— Sabia... – Tranquei a porta e caminhei até ela, empurrando seu corpo devagar para o centro da cama. – Você vai gostar da minha decisão, Dahyun.
— Vou, é? Não sei não... – Revirou os olhos decepcionada.
— Ei... – Falei baixinho, subindo na cama também e me sentando em seu colo. Fiz tudo com calma e cuidado pra não machucar seu braço prejudicado, mas sem atrapalhar, ao mesmo tempo, o meu show. – Quer que eu te diga o que eu quero? – Perguntei ao pé do seu ouvido, usando a voz manhosa que sei deixá-la em alerta. – Quer?
— Quero...
*
"Acho que gosto mais quando você está toda vestida de preto
Acho que eu gosto mais de você quando você está só comigo
E ninguém mais
Estou beijando você, deitada no meu quarto
Te abraçando até você cair no sono
E é tão bom quanto eu sabia que seria
Fique comigo, eu não quero que você vá embora"
Chapter 41: Heavenly.
Chapter Text
Heavenly – Cigarettes After Sex
"Querendo que seu amor entre em mim
Sentindo-o lento sobre este sonho
Toque-me com um beijo, toque-me com um beijo
Agora você está acima, ainda sentindo
Me diga que é amor, me diga que é real
Toque-me com um beijo, sinta-me em seus lábios"
*
Pov Dahyun
— Quero. – Respondi convicta à pergunta de Sana. Meu aborrecimento tinha sumido e ela estava certa, eu ia gostar de sua decisão. Já estou gostando, na verdade.
— Quero que a gente esqueça do mundo por algumas horas. – Segurei firme sua cintura e a encarei com atenção. – Vamos imaginar que só existe eu e você na Terra. Só eu e você, esse quarto, essa cama e nosso amor.
— Podemos fazer isso, sim.
— Eu quero amar tanto você... – Beijou minha boca assim que finalizou a frase. Foi um beijo intenso, forte e quente. Esbanjava desejo e, como ela disse querer, também esbanjava amor. Existem diversas formas de amar, a de hoje seria uma variante e eu sabia qual. – E eu quero que me ame também.
— Eu amo o tempo todo. – Falei agarrando sua cintura mais firme, consequentemente a garota moveu-se para frente, grudando totalmente em mim. Ela olhou-me de cima para baixo, devido a posição, mirou meus olhos e não desviou. Nós dizíamos tudo sem falar nada e sentíamos tudo sem precisar de um toque ousado. – Quer sentir o meu amor? – Olhei-a depois do beijo chegar ao fim, ela apenas assentiu num balançar de cabeça.
Eu posso dizer que Sana me deixa hipnotizada, viciada ou dependente, mas o adjetivo que mais se encaixa quando encaro seus olhos, sinto seu toque, o gosto do beijo, o calor se misturar, as nossas almas combinarem, é outro. É embriaguez.
Sana me deixa bêbada. Ela é mais forte que vodka, dando-me uma sensação semelhante a bebida, mas sendo mais intensa, já que não preciso de um gole para sentir meu corpo vacilar, os sentidos ficarem fracos, a visão turva, o tato dormente e um calor inexplicável.
O álcool de seu corpo vai além do perfume forte e doce que ela usa. É algo que me faz querer mais e mais, nunca me sentir satisfeita, ficar fraca, mas forte ao mesmo tempo. Ela me dá superpoderes ao mesmo tempo que me faz sentir como uma mocinha que precisa de resgate. É tão estranho e tão incrível.
A graça é não saber seu próximo passo, mas saber que não importa qual seja, eu vou gostar mesmo assim.
E, mais uma vez, Sana me surpreendeu. Fiquei bêbada no segundo em que ela assentiu à minha oferta de lhe amar essa noite. O beijo foi intenso como sempre, foi quente, envolvente e viciante. Ficamos ofegantes, mais grudadas, mais necessitadas e mais insaciáveis. E, mais uma vez, eu gostei.
Estava embriaga no toque, no cheiro, no som e no gosto da Minatozaki. Ela ainda estava sentada em meu colo, ainda estava por cima, ainda tinha um olhar de superioridade que aceita minhas ordens, ainda sorria maliciosamente e gemia ao pé do meu ouvido de forma manhosa de propósito. Eu queria mais um gole dela.
— Deita aqui. – Pedi batendo no espaço ao meu lado, ela acatou e eu agi. Levantei-me, tirei minha blusa, ficando apenas com o top e a calça. O resto eu deixaria para ela. – Você tem cócegas? – Perguntei retornando para a cama.
— Não muita, por quê?
— Bom... – Puxei delicadamente sua blusa para cima, com seu auxílio, exibindo seu abdômen para mim. Depois, tirei a parte de baixo completamente, exceto pela calcinha. – Quero sentir teu corpo todo hoje. – Deferi alguns beijos castos em sua coxa, que subiram até o quadril. – Cada pedacinho dele... – Beijei sua barriga, que se comprimiu com o toque gelado da minha língua. – Posso te sentir todinha, Sana?
— P-pode. – Respondeu com a voz trêmula. Ela realmente não tinha cócegas, mas tinha muita sensibilidade na barriga. – Pode fazer o que quiser, Dahyun.
Beijei mais sua barriga. Eu variava entre selinhos demorados, deferidos várias vezes, e entre caminhos longos que percorria com minha língua. Como uma bêbada, eu agia no improviso, não pensava. As ordens eram dadas pelas reações que ouvia Sana ter. Ela tentava abafar um gemido vez ou outra, mas não insistia muito nisso, já que eram vários. Meus e seus. Nossas reações eram as mesmas, por diferentes estímulos, mas as mesmas sinceras reações.
Subi um pouco mais com a boca e encontrei a blusa tampando os seios que não se cobriam com sutiã. Pulei aquela região por hora, encontrando a clavícula da japonesa devidamente marcada e chamativa. Beijei-a com a mesma intensidade, variando os meios, mas atrás dos mesmos fins. Ouvi seu arfar alto indicando que encontrei um lugar sensível. O lugar era um pouco abaixo de seu pescoço, na lateral. Fiquei ali por um tempinho a mais.
Com minha mão, enquanto minha boca estava ocupada, agarrei seu seio. Apertei de leve, mas firmemente. Seu corpo teve o primeiro espasmo e eu senti meu centro pulsar com dada reação.
Variei os beijos, fui até a bochecha, orelha, mordendo o lóbulo, depois pescoço por completo e finalizei beijando-a nos lábios. Sua boca era gelada, já que estava aberta esse tempo todo. O contraste de nossas temperaturas também era motivo de excitação, afinal eu sabia que a língua de Sana era a única parte de seu corpo que estava fria no momento.
— Onde você quer que eu vá agora? – Perguntei.
— Aqui... – Levantou a blusa, finalmente deixando os seios à mostra. Acatei seu pedido e mirei em ambos. Enquanto estimulava um com a boca, estimulava o outro com a mão. – Isso... – Senti minha nuca ser agarrada com força por Sana, mas não sentia nenhum outro toque de sua mão livre. Foi aí que percebi o motivo disso.
— Ei... – Parei o que fazia, olhei-a como autoridade e ela me encarou com os olhos mais pidões do mundo. Umedecia os lábios a todo momento, estava ofegante e ainda com a outra mão ocupada. – Eu faço isso. – Tirei sua mão de sua intimidade, onde estava esse tempo todo. – Mas antes...
Três dedos. Ela estava se tocando com três dedos e todos estavam para além de úmidos quando os retirei daquele local. Eu sorri ao perceber a intensidade da excitação da minha namorada. Estava orgulhosa e igualmente excitada, então, mais uma vez, agi com impulsividade.
Coloquei os três dedos na boca, lambi, chupei, brinquei e fiz tudo isso com os olhos fechados. Eu sabia que Sana encarava a cena. Ela gemia com o toque da minha boca em sua mão e com a visão do que eu fazia com eles. Ao fim, abri os olhos e retirei os dedos devagar enquanto a encarava.
— Dahyun... – Tremeu a voz. – Sente ali embaixo, sente. – Pediu manhosa, eu sorri quase acatando de imediato, mas permaneci estática de propósito. – Por favor... – Finalmente acatei.
Desci sua calcinha rapidamente, ela se posicionou da melhor forma e eu fiz o que deveria fazer. Ajustei meu corpo no meio das pernas de Sana, beijei o interior de suas coxas suavemente, depois a virilha e, ao final, lambi com tudo sua intimidade. Do início ao fim, uma única vez, muito devagar, quente e intensamente.
— Caralho! – Berrou num arfar perdido. Eu sabia que tinha acertado no toque, pois já sentia seu pulsar em minha língua.
Bêbada. Estava bêbada por causa de Sana. Seu líquido de gosto agridoce se misturava com minha saliva rapidamente. Os movimentos eram suaves e acelerados na medida certa e conforme ela pedia.
E, sem demora, a explosão veio. Era denso, não tinha nenhum gosto, a não ser o metafórico, e significava o ápice do prazer. Mais uma vez senti seu clímax chegar em minha boca, com a ponta da língua seu pulsar, seu gosto, o quente de seu interior, senti prazer.
*
Pov Sana
— Já está na hora de tirar essa roupa, não acha? – Ela falou após acalmar os nervos. – Eu também quero fazer isso tudo com você.
— O mundo lá fora ainda não voltou a existir. Só tem eu e você... Por que não vem tirar minha roupa? – Sugeriu sorrindo malandramente e levantando-se. Caminhei com os joelhos até a beira da cama. Ao chegar, puxei-a sem delicadeza para mais perto.
Desabotoei a calça, puxei o zíper e a encarei de baixo. Ela olhava tudo com atenção e sem deixar aquele maldito sorriso sumir. Puxei a calça sem demora e ela terminou de retirar. Fiquei ereta e tirei seu top também sem enrolar.
O cabelo loiro naquela pele pálida, aquele sorriso sacana, os seios à mostra, os músculos marcados e excitação clara que ela sentia me fizeram petrificar por segundos. Puxei-a pelo pescoço, apertando de leve como sei que ela gosta, encostei nossos troncos, nossos seios, nossos corpos nus. Ambos quentes e estimulados. Eu sentia seu arrepiar em mim ao passo que os mamilos rígidos roçavam um no outro, sentia que ela já amolecia ali, sentia seu tremer enquanto me tocava e os gemidos abafarem em cada beijo.
— Deita aqui. – Apontei, ela o fez e tratei de chegar perto logo após. – Você 'tá... – Falava sem jeito enquanto tocava seu sexo ainda coberto pela calcinha. – Está tão molhada assim por mim, Dahyun? – Perguntei fingindo inocência e usando a voz que sei deixá-la fraca.
— Uhum. – Respondeu entre gemidos. – Me deixa mais. – Pediu, abrindo as pernas. – Vai...
Juntei suas pernas apenas para retirar a calcinha, mas logo as separei novamente. Ainda não tinha me agachado, estimulei o sexo da garota encarando a região, alternando o foco entre sua intimidade e seu rosto. Queria assistir cada uma de suas reações e assim o fiz. Brinquei como quis, não dei ouvidos as suas exigências, já conhecia seus gostos, seus pontos fracos e sabia exatamente como mover cada um dos dedos.
Estimulei o clitóris com dois dedos, movendo-os em círculos, numa velocidade moderada e colocando certa força. Ouvi seu gemido alto num palavrão, seguido de um grunhido manhoso. Continuei aquilo, mas agora com as duas mãos. Enquanto a tocava no ponto central, também a tocava no ponto interno.
Penetrei Dahyun assim que notei seu pedido não verbal para tal. Após abrir um pouco mais as pernas, acatei o que aquilo queria dizer. Deferi estocadas suaves, mas intensas, e gemi junto da minha namorada.
Ela iria sentir meu amor dentro dela, como eu senti, como deveria ser. Abaixei o tronco e encostei a boca na intimidade da Kim. Devagar, mas maliciosamente lambi a região, fui intensa e travessa. Rápida, mas delicada. Ao mesmo tempo que a chupava, também a penetrava. Tudo denunciava que estava bom, mas algo a mais denunciou que o clímax estava próximo.
Ela tremeu. Fechou as pernas comigo no meio, apertou meus cabelos e gemeu alto. Estava ofegante, trêmula, suada e tensa. Senti a intensidade de seu interior com a língua e também do seu ápice. O orgasmo, entretanto, não veio apenas para ela.
Não tinha condições de me estimular com as mãos naquele momento, tampouco precisei. Junto dela, sem toque direto, cheguei ao clímax mais uma vez. Ao mesmo tempo que Dahyun, colidimos no prazer. Quente, denso, insípido e viciante. Como uma droga. Era amor e paixão. Sexo é apenas um detalhe.
Nos amamos uma na outra, profundamente e intensamente. Atingi o meu limite quando ela atingiu o dela. É um fetiche no amor, na paixão. Não tem como negar o desejo, o apetite e a necessidade uma da outra. O sexo é um detalhe, um viciante e delicioso detalhe.
*
Pov Narrador
Um tempo depois...
— E aí? Acham que foram bem? – Mina perguntou quando encontrou o resto do grupo. – Eu fui mesmo a última a sair da sala? – Olhava para todos os rostos para responder a si mesma.
— A Sana ainda não saiu. – Dahyun respondeu. – Foi só o primeiro dia, mas acho que vai ser moleza...
— Já choramos tudo aqui. – Tzuyu disse. – Eu odeio, odeio, odeio química.
— A culpa é sua por ter enrolado as aulas com a Sana e a Mina. – Chaeyoung provocou. – Ainda bem que sou inteligente. – Disse sorridente.
— Deu certo a cola? – Nayeon questionou.
— Sim! – A Son respondeu alegremente, levantou a manga da blusa e mostrou as inúmeras anotações.
— Esquema infalível, mores. – Seungsik bateu a mão na mão de Chaeyoung em comemoração.
— Quem mais fez esse esquema? – Mina questionou.
— Eu, a Chae, o viado, a Jennie e sua Momolada. – Nayeon respondeu provocativa.
— Momo! – Mina repreendeu. – Você precisava mesmo pescar?
— Ah... – Respondeu cabisbaixa.
— E aí! – Sana apareceu finalmente. – Gostaram da prova?
— Uma parte sim, outra não e a outra 'tá feliz que conseguiu colar. – Seulgi respondeu.
— Agora é revisar o conteúdo para as próximas do dia... – Jihyo disse já abrindo o livro. – Ou, no caso dos delinquentes, copiar mais coisas no braço.
— Obrigado por lembrar! – Seungsik disse.
— Usem o celular, seus burros. – Jeongyeon sugeriu impacientemente.
— Mona, não incentiva a colar, poxa! – Mina disse.
— Fala sério, Minari! – Chaeyoung disse. – Eu quero ser artista, não preciso saber o que caralhos é um três metilfenidato. – Dizia com desdém enquanto anotava coisas no braço.
— E não rola usar o celular, o professor que está fiscalizando nossa sala toma todos os aparelhos. – Jennie respondeu fazendo o mesmo.
— Essa putaria do Wang de misturar as turmas pelas salas da escola para evitar pesca não adianta de nada, ele é tão tapado. – Dahyun disse. – É só olhar para vocês, mais empenhados em anotar cola no braço que estiveram para copiar a matéria o ano inteiro. – Riu.
— Nossa, falou a santa da escola! – Nayeon provocou. – Eu deveria estar jogando tinta do teto, né? – Gargalharam todos com a brincadeira.
— Ei... – Sana disse parando de rir e abraçando a namorada. – Não tira sarro dela, poxa... – Riu mais um pouco. – Você conseguiu estudar mesmo que por pouco tempo? – Olhou para a Kim.
— Um pouquinho, sim. Mas já foi mais do que fiz em anos de escola. Eu nunca revisava o conteúdo antes das provas, só fazia com o que via já na sala de aula.
— Você tem superpoderes ou o quê?
— Tenho TDAH, isso pode ser um bom poder às vezes. E nesse caso era, já que eu fazia qualquer coisa na sala, menos tarefas e leituras, mas mesmo assim ouvia o que o professor estava dizendo e fixava.
— Fazer oitenta coisas ao mesmo tempo te ajuda a concentrar, né? – Perguntou sorrindo boba, beijando brevemente a parceira. – Vamos tomar um café antes do horário da próxima prova?
— Vamos, é bom que aproveitamos o tempo que temos juntas por hoje.
— Como assim?
— Ah, é que estou enrolada com umas coisas dos meus pais, japa, aí nem vamos conseguir nos ver hoje, é... Isso aí. – Falava enquanto coçava a nuca sem parar.
— Tudo bem, também não posso hoje.
— E por que não?
— Também estou... É... Também estou enrolada com meu pai. – Repetiu o jeito desajeitado na fala.
*
Pov Dahyun
— Beleza, Dahyun, por que nos chamou aqui? – Momo questionou quando adentrei meu quarto novamente. – Isso aí é comida? – Distraiu-se ao ver a bandeja que eu segurava.
— Sim, é. Mei fez pra gente, ajudem aqui...
— Beleza, agora conta qual é a parada? – Nayeon perguntou de boca cheia.
— E por que só tem a gente aqui? – Mina falou desconfiada. – Sem sua galera da bagunça e sem a Sana... O que está rolando?
— Vou explicar. – Peguei um copo de refrigerante e sentei-me na cama em seguida para poder falar confortavelmente. – Eu quero fazer uma surpresa para a Sana. Não chamei o resto da galera porque não dá para fazerem esse lance, já que envolve vocês também.
— Vai falando... – Tzuyu disse interessada.
— Lembram-se da viagem a Busan para os jogos? – Assentiram. – E lembram que ferrei a última apresentação da Sana como líder de torcida? – Assentiram irritadas dessa vez. – Enfim, eu me arrependo muito disso e lamento bastante, por isso.... – Fiz um suspense bobo. – Eu quero compensar. Vamos fazer uma apresentação de fim ano junto do baile!
— Isso é fantástico! – Jennie disse. – Como faremos isso? Digo, se quer fazer surpresa, a Sana não pode saber, mas como ela vai se apresentar sem saber?
— Ela vai saber que vai se apresentar, só quero que anúncio seja surpresa. E vamos fazer isso acontecer se nos ajudarmos. – Sorri empolgada. – Estão dentro?
— Claro! – Tzuyu respondeu animada. – Já sabe algum plano?
— Old... – Respondi me gabando. – O baile já vai acontecer de toda forma. Sempre rola no fim do ano, depois das semanas de recuperação. Então terão tempo para ensaiar e fazer tudo ocorrer bem.
— Boa. – Mina disse. – Convencer o Wang que vai ser foda...
— Nem vai! – Assegurei. – Primeiro que a Yuna agora pode ajudar, segundo vamos pedir a Tiffany um apoio e terceiro isso vai ser legal para o colégio.
— Por quê? – A outra Kim questionou.
— Eu quero fazer desse baile um evento! – Levantei-me e comecei a falar com muita empolgação, contagiando as outras. – É o fim de ano letivo do colégio mais famoso e prestigiado da Coreia do Sul, os alunos são muito ricos, filhos de pessoas muito influentes, então se anunciarmos uma grande festa, com apresentações, shows e tal vai atrair a mídia, o Wang sairá satisfeito e então não vai negar nada!
— Você realmente acha que isso é possível? Tipo, trazer a imprensa, shows e tudo mais? – A Im perguntou.
— Sim, acho! Nós mesmas temos pais influentes, com contatos, também temos gente que pode nos apoiar e fazer isso acontecer, então vai dar certo sim!
— É verdade. – Mina disse. – O Yuta, por exemplo, é filho de empresários. A mãe dele já agenciou uns cantores, não nos falta contatos!
— CARALHO, CARALHO, CARALHO! – Tzuyu soltou eufórica. – PODEMOS, SEI LÁ, CHAMAR UM GRUPO DE KPOP PARA O BAILE?
— Não viaja também, Chou. – Momo falou. – A mãe do japonês agenciou artistas JAPONESES.
— Foda-se, um grupo de JPOP, então.
— É, isso aí pode ser!
— Vamos pensar nisso depois, prestem atenção no lance da Sana. – Falei. – Vocês topam a apresentação, certo? – Assentiram. – Certo, então amanhã...
*
Pov Sana
— O que rolou...? – Jeongyeon questionou desconfiada.
— Sua casa nova é bem legal, Sana. – Seulgi comentou sorridente.
— Obrigada. – Sorri de volta, puxando uma cadeira para mim, já que o sofá estava todo ocupado. – Eu chamei vocês aqui para me ajudarem com algo...
— O que? – Chaeyoung questionou.
— Eu quero dar um presente para a Dahyun, mas quero ideias de como entregar fazendo uma surpresa. E também preciso saber se ela é alérgica a gatos.
— Ela tem asma. – Seungsik disse rindo, mas logo tornando ao normal. – Desculpa. Não, não tem alergia direta. E o lance de pelos prejudicarem na asma dela foi só uma desculpa que os pais arranjaram para sumir com o Cereja.
— É, 'tô ligada. Por isso quero dar um novo bichinho para ela e dar um nome tão legal e importante quanto.
— Já sabe qual?
— Quero que ela escolha, mas vou sugerir um, sim.
— Então, isso do gato 'tá resolvido. – Jihyo começou. – Digo, 'tá liberado dar um a Kim. Já sabe onde adotar, como quer um e tal?
— Preciso de ajuda nisso também. Não conheço muito... – Falei. – Mas, sim, sei como quero que ele pareça.
— Como? – A Park perguntou animada.
— Quero um gato todo preto, prefiro fêmea e vou colocar uma coleira colorida nela, toda fofa.
— Perfeito, falta só adotar e fazer a surpresa, então. – Yoo disse. – Pode entregar depois do baile. Ela vai chegar em casa cansadona, não vai imaginar algo assim e do nada BOOM!!! Um novo filhinho.
— Filhinha. – Seulgi corrigiu. – E depois do baile não parece bom, já que com certeza ela vai beber, então estaria bêbada... Não vai nem raciocinar direito.
— Boa. – Disse. – Quando, então?
— No seu aniversário! – Seungsik disse. – Ela vai fazer algo para você, porque é seu dia e tal, vão sair e aproveitar... A Dahyun nunca vai esperar um presente no dia do aniversário de outra pessoa!
— Péssimo. – Chaeyoung falou. – É o dia da Sana, ela é a principal. A Dahyun nem ia curtir isso de fato...
— Eu não ligo de ser meu aniversário. – Falei.
— Quietinha. – Jeongyeon disse brincando. – Estamos fazendo um trabalho aqui... – Revirou os olhos rindo. – Você liga, sim. Alguém tem outra ideia?
— Entrega no dia seguinte ao dia do baile. – Park começou. – Se ficarem bêbadas na festa, no outro dia não estarão mais, então dá certo.
— Mas o que esse dia tem de especial, meu pai? – Seungsik perguntou. – Tipo, é só um dia qualquer.
— É por isso que é bom para fazer surpresa, seu tapado. – Seulgi retrucou. – E também tem tempo para se preparar e acertar todos os detalhes. Temos um mês até a festa de fim de ano.
— Ok. Dia decidido, agora me ajudem no jeito. – Falei. – Como entrego?
— Você coloca em cima dela enquanto ela estiver dormindo e de ressaca! – Chaeyoung falou.
— Ou ela pode colocar o gato numa caixa cheia de furinhos, enfeitada, bonitinha e entregar para a Dahyun. – Jeongyeon sugeriu.
— Gata, mano, entende de uma vez. – Seulgi corrigiu novamente. – Ela já vai saber do que se trata quando olhar para a caixa com furos. Estraga a surpresa.
— Então leva a Kim para o lugar de adoção e mostra a ela lá. – O Kang disse.
— Nossa, que bela bosta. – Park disse cansada. – Você poderia, Sana, esconder o bichano num quarto e chamar a Dahyun para lá, quando ela abrir a porta, vai ver ele.
— Nossa, mas essa ideia é genial, né, Park Jihyo? – Seungsik retrucou.
— Gente, vocês são terríveis ajudando alguém. – A Kang disse impacientemente. – Sana, solta a gatinha dentro de casa, a Dahyun vai ficar surpresa quando ver e você explica tudo.
— E você é ótima ajudando, hein!
Eles continuaram a discutir quem tinha a melhor ideia, mas nunca chegavam numa conclusão. Nem eu chegava, afinal não queria acatar nenhuma delas. E não vou. Vou fazer do meu jeito e acho que será melhor assim, inclusive.
Eu ri do jeito deles, da forma bagunçada que nunca chegavam a lugar nenhum, dos insultos criativos e das caretas que faziam um para o outro. Também entendi o motivo de Dahyun ser a líder deles. Eles precisam de um, afinal.
Não me arrependi de pedir a ajuda dos cinco, afinal agora sei o que não quero fazer e também sei como arrumar um gato, além de ter a companhia para tal. Chaeyoung vai comigo no abrigo de gatos, vai me ajudar com a papelada e a esconder o animal até o dia da entrega.
Vou fazer isso no dia que achar melhor, no momento que eu preferir, do jeito que me der na telha e acompanhado de mais uma surpresa. Dahyun não imagina o que a espera e eu tenho certeza de que vai amar muito tudo que preparei.
*
Pov Dahyun
— Toc-toc... – Ouço meu pai falar, colocando apenas cabeça dentro do meu quarto. – Suas amigas já foram?
— É... – Olhei em volta como quem achava essa pergunta idiota, afinal estava óbvio. – O que foi?
— Podemos conversar? Francamente.
— Tem que ser agora? É que eu estou cansada, amanhã tenho prova e...
— Por favor. – Entrou de vez. Eu parei a fala para aceitar seu pedido. – Estou te devendo essa conversa.
— Se for para pedir perdão, eu ouvi o que disse no hospital, não precisa repetir.
— Ouviu? – Pareceu surpreso. – Enfim... Não é sobre isso.
— É sobre o que, então? – Puxou-me pelo pulso, colocou-me perto da cama e puxou uma cadeira para si, sentando-se em minha frente. Eu entendi e sentei-me na cama. – Diz, pai.
— Está na hora de sermos sinceros um com o outro, falarmos sobre o passado, sobre nossos problemas.
— Eu realmente não quero, tipo, não precisa... Já entendi que erraram comigo, se arrependem, me amam e tal... Não tenho ódio de vocês, minha indiferença um dia vai passar e já vou começar na terapia, então os traumas vão sumir também, pode relaxar. – Disse sem pausas.
— Acabou?
— Acabei o que?
— De falar, de tentar adivinhar o que tenho a dizer, de responder à perguntas que nem fiz ainda. Acabou?
— Foi mal... Pode falar.
— Eu não me referia aos nossos conflitos de relação quando disse "nossos problemas". Eu me referia aos nossos problemas em comum aqui... – Apontou para a cabeça. – Precisamos falar um pouco sobre nossos transtornos, dificuldades, condições... Que seja. Você não acha?
— É, essa é uma conversa interessante realmente. E também é criativa, muda um pouco o disco dos arrependimentos e perdões... – Revirei os olhos. – Diga.
— Vamos voltar um pouco no tempo...
*
"E quando você está longe, eu ainda sinto tudo
E quando você está longe, eu ainda sinto o mesmo
E quando você está longe, está longe"
Chapter 42: On Our Way.
Chapter Text
On Our Way – Lana Del Rey
"Eu acho que você é muito legal, amor
Adoro tudo que você faz
Por que eu pensei tanto?
Você diz que não devo me preocupar
E você tem um plano muito bom
Meus problemas acabaram agora
Porque você é minha
Você diz que nascemos uma para a outra
Nós ficaremos juntas, finalmente
Voando por aí e estou finalmente livre"
*
Pov Dahyun
Conversar com meu pai sobre nossas mentes confusas, nossos conflitos internos que afetam o mundo externo, nossas manias, vícios, escapes e sobre como somos com dadas condições, foi uma das experiências mais confortáveis de toda minha vida.
Tive muitos momentos confortáveis, mas reduzindo aos meus pais, tive apenas alguns e esse foi um deles. Foi novo, mas não estranho. Eu precisava disso, da franqueza, de falar com alguém que me fizesse sentir como um espelho, alguém tão semelhante a mim que é até do meu sangue. Foi preciso e eu me sinto bem melhor agora.
Ele estava certo, precisávamos desse papo. A franqueza, as semelhanças, desabafos e conselhos foram os principais elementos desse tempo que passamos papeando. Eu estou bem.
Não choramos, não houve nenhuma palavra repetida. Tudo foi novo, era honesto, nada ensaiado. Saiu o que tinha de sair, foi dito o que precisava. Aconteceu com naturalidade e tranquilidade. Sem drama pela primeira vez na minha vida. Sem dores. Eu estava em paz.
Apesar de não os perdoar ainda, de ainda sentir rancor e uma indiferença para com eles, eu não os odeio, não os condeno, não desejo mal. Como esse pequeno momento, o resto das nossas vidas, nossa relação, vão seguir o mesmo curso. A naturalidade vai comandar. Tudo vai acontecer quando tiver de acontecer.
*
Pov Sana
Dia 1. Fiz as provas, fui bem, ri com meus amigos, conversei tranquilamente com meu pai, que voltou à presidência da empresa, namorei, vivi.
Dia 2. Fiz mais provas, também fui bem nestas, ouvi os choros decepcionados de alguns dos meus amigos por não terem conseguido colar, ri mais um pouco, namorei mais, vivi.
Dia 3. Penúltimo dia, mais provas, mais satisfação da minha parte, mais risadas, mais conversas profundas, rasas, aleatórias. Mais paixão com minha namorada, um vislumbre de boa relação com meu pai voltou a surgir, mais vida vivida.
Dia 4. Último dia. Provas, choros, risos, satisfação, namoros, vida. Agora ouvia-se choros não apenas por conta dos exames, mas por causa da despedida. Era o último dia de todo mundo junto, ao mesmo tempo, na escola. Alguns choravam apenas por não gostar de despedidas, mas eu, meus amigos e colegas estávamos emocionados por encarar, finalmente, o fim.
Éramos quase adultos agora, a escola chegou ao fim. Todos juntos, na mesma sala, na escola, escrevendo, rindo, implicando. A rotina ia mudar, novos caminhos irão se abrir, alguns irão se perder, outros seguirão como o esperado. Eram apenas caminhos, mas significavam, agora, o resto da vida.
Agora era somente a escola da vida. Laços estabelecidos irão se abalar, distanciar, ficar diferente. As coisas mudam, era esperado. Mas ninguém espera, nenhum jovem pelo menos, espera algo tão impactante. Sabe que vai acontecer, que um dia não precisarão mais de todas essas coisas, mas nunca estará preparado.
A escola é difícil, força-nos a conviver com gente chata, complicada. Somos obrigados a fazer coisas que nem sempre queremos, a dizer coisas que não desejamos, ou nos calar quando dá vontade de gritar. Somos castigados às vezes, passamos dos limites, cometemos erros, tiramos notas ruins, choramos, mas sempre rimos de novo. A escola é tão difícil quanto a vida, afinal isso tudo aqui também é vida.
E dar "tchau" a uma vida não é simples. Ninguém espera ou está preparado, principalmente se tem apenas dezessete anos. Não é fácil, nem legal, mas é necessário e faz parte da vida como um todo.
Os choros foram acalmando, as piadas voltaram, mais risos foram ouvidos e logo toda a emoção lacrimal sumiu por completo. O riso sempre vem depois de um choro. Mesmo soluçando, a gargalhada chega no fim. É tão jovem ser jovem, ver o fim, mas rir dele e com ele mesmo assim. Eu vou sentir falta disso.
Vou sentir muita falta.
*
Pov Dahyun
Terça-feira: acordo com dificuldade e ajuda. Ajuda de Mei. Uma ajuda inusitada, inclusive. Senti cócegas nos pés, ri ainda de olhos fechados, meio dormindo, meio acordada, mas aos poucos despertando de vez. Eram os dedos nervosos da chinesa brincando com a sola do meu pé e conseguindo, com êxito, fazer-me levantar de vez da cama.
Saio de casa após alguns minutos e ao chegar na escola, papear brevemente com meus amigos, vou até a sala e faço as provas. Não tão fáceis como no primeiro dia, mas não tão difíceis ao ponto de ficar desesperada como sei que alguns vão ficar.
Ao fim do dia letivo, mais conversas com os amigos, mais do mesmo, mas sempre muito agradável. Sigo meu caminho junto da minha namorada para, também, mais do mesmo. Apesar de igual, é diferente. É sempre melhor. O dia foi bom e proveitoso.
Quarta-feira: No colégio, recebo a notícia de que Momo e Nayeon falaram com Tiffany e ela aceitou de cara, após uma explicação honesta e detalhada dos nossos motivos. Jennie e Tzuyu explicaram-me que conversaram com os atletas da escola e eles também adoraram a ideia, topando de cara e graças, nas palavras da Kim, ao poder de convencimento que ambas tinham.
Mina e eu, no momento mais apropriado, fomos até a sala do Wang e conversamos francamente com ele. Yuna já estava lá nos esperando, como combinado, e nos ajudou com a lábia. Conseguimos o que queríamos e agora era só ajustar os detalhes.
Quinta-feira: Yuta, solícito e querendo se redimir, disse que falaria com a mãe empresária para arranjar uma boa atração para o baile. Eu sabia que ele ia conseguir, então me permiti sorrir orgulhosa daquilo tudo já estar tomando forma.
Miyeon pediu ao pai o contato de jornalistas e assegurou a visibilidade que o diretor tanto queria. Mais uma vez, estava dando certo.
Sexta-feira:
— Boas reações dessa vez? – Perguntei ao me aproximar da galera. – Fui realmente a última a sair?
— Pois é. – Sana respondeu, chagando perto de mim. – Redação não é seu forte, né?
— Tenho preguiça, mas não acho que fui mal.
— E por que demorou, então? – Jeongyeon perguntou.
— Eu... Eu cochilei um pouco... – Admiti envergonhada e arrancando risos dos outros. – Foi só um pequeno atraso, ainda tinha uma garota na minha sala, não fui a última lá.
— Que garota? – Mina perguntou.
— Sei lá, não olhei direito, estava sentada no fundo. A professora tinha saído, então só coloquei minha prova no birô e vazei.
— Provavelmente a tal "garota" era a professora, Dahyun. – A japonesa mais nova completou. – Até ela estava cansada de te esperar.
— Ah, cara... – Falei envergonhada novamente. – Enfim, vamos para o auditório?
— Já soube que o diretor pediu? – Jennie perguntou.
— Ele sempre faz isso, todos os anos para os alunos do terceiro ano. É um velho emotivo, tadinho. – Respondi rindo, já caminhando junto da galera.
— Sinto que ele não vai ser o único a ficar emotivo. – Chaeyoung disse. – Já vejo lágrimas de alguns de vocês, gays. – Provocou brincalhona.
— Para! – Nayeon bateu no braço da menor de leve, empurrando-a para frente. – Eu sou uma garota sensível, é só. – Fungou.
— Eu nem citei nomes, Im, você se entregou sozinha! – A Son rebateu desconfiada, caminhando mais rapidamente para se livrar de outro tapa.
— Até eu acho que vou chorar. – Sana disse. – Já lacrimejei um pouco mais cedo. Alguns discursos de professores antes de entregarem as provas me pegaram...
— Fracote! – Tzuyu disse rindo. – Eu hein, até parece que a gente vai morrer com todo esse drama. – Revirou os olhos. – É só o fim do ano, 'tá ligado? Eu 'tô é feliz, nunca choraria.
— Eu também 'tô feliz! – Seungsik falou. – Mas vou sentir falta dos treinos dos gostosos do time de rugby...
— Oh nojeira. – Momo falou. – Mas vou sentir falta dos times também.
— É, eu também. – Jennie disse. – E você, Sana? – Perguntou sapeca, mas eu entendia o motivo de seu jeito.
— Claro que vou... Foram anos como líder de torcida, né? Anos bons demais... – Ficou nostálgica de repente, mas não deu tempo de continuar o papo melancólico, pois já tínhamos chegado no auditório.
Cada um buscou seu assento e, por sorte, ainda tinha bastante lugar vago perto um do outro. Sentamo-nos e aguardamos até que a falação começasse. Enquanto o tempo passava, conversávamos baixinho sobre qualquer coisa, controlando a risada para não soar escandalosa devido ao ambiente que estávamos, mas ainda assim não parávamos de fazer graça.
Alguns minutos se passaram e finalmente a espera parecia chegar ao fim. O diretor foi visto subindo no palco, olhei em volta e percebi todos os assentos preenchidos e logo a voz do chinês foi ouvida ao microfone.
— Boa tarde, alunos. – Disse curvando-se brevemente. Nós respondemos em coro. – Espero que tenham feito boas provas esses dias todos, que estejam bem e que sintam a mesma emoção que eu estou sentindo nesse momento.
— Cara, ele é muito fofinho... – Jihyo disse olhando para a gente. – Às vezes...
— Se ele chorar, eu juro que filmo e posto no twitter! – Chaeyoung falou.
— Chega, prestem atenção no discurso! – Sana advertiu.
— Imagino que os professores e colegas de turma já tenham feito algum tipo de discurso de despedida para vocês, então só me resta fazer o mesmo. – Pigarreou antes de continuar. – Todo ano faço esse tipo de coisa, vocês sabem. Faço questão de me despedir dos alunos que também se despedem da escola e da adolescência, então não seria diferente esse ano.
Senti meu peito apertar com a fala do homem. Ainda que simples e clichê, era algo forte de se ouvir, uma nova realidade a se encarar. Um novo mundo estava começando, eu finalmente seria adulta e isso não é fácil.
— Minto. – Falou de um jeito tenso, surpreendendo a todos. – Dessa vez é diferente, afinal esse foi um ano diferente. Uma das turmas foi intensa para mim, muitos acontecimentos, muitas novidades. Então não posso dizer que isso aqui é como sempre foi. Não é.
— Será que ele vai tacar o pau na gente? – Jeongyeon perguntou nervosamente.
— Se for, eu jogo tinta nele. – Falei brincando.
— Não sou de fazer comparações entre turmas e alunos, mas acho que dessa vez é válido. – Tirou o microfone do suporte, segurou o objeto e foi mais à frente do palco. – Esse ano foi, talvez, o mais diferente de todos e também o mais especial. Eu enfrentei situações que nunca antes tive de encarar, vi coisas novas, aprendi outras. Essa é a verdade, alunos.
— Meu Deus, ele 'tá elogiando?! – Mina falou surpresa. – Caraca!
— Vocês foram alunos desse colégio, vieram aqui para aprender, mas sairão com uma bagagem maior do que essa. Além de aprenderem, ensinaram. E nós, o corpo docente, além de ensinar, aprendeu. Foi uma troca justa, natural. Eu fico orgulhoso de mim com mais um ano que se encerra, com jovens se formando e saindo adultos sábios, mas fico ainda mais orgulhoso por vocês.
— Sim, ele 'tá elogiando! – Momo falou também chocada.
— Vocês são o futuro e eu não me preocupo com isso. Fico aliviado, na verdade. Orgulhoso, sobretudo, que conseguiram enfrentar a pressão, os exames difíceis, as dificuldades da adolescência e mais diversas outras coisas. Hoje estão de parabéns. E eu, estou grato. – Curvou-se mais uma vez, juntando as mãos, em sinal de agradecimento. – Sabe, não é fácil crescer, dar adeus a uma fase tão cômoda da vida, que apesar de parecer a mais difícil, é só a ponta do iceberg. Conseguir fazer isso, viver o outro dia, passar de fase, é uma grande coisa e estão de parabéns por isso também.
— Eu 'tô chorando. – Seulgi falou. – Alguém me dá um lenço. – Esticou a mão para minha namorada que lhe entregou o pedido. – Droga...
— Sinto orgulho de vocês enquanto jovens, alunos e seres humanos. E também sinto orgulho de mim por conseguir acompanhar cada um, fazer parte do desenvolvimento de vocês, por aprender com vocês e ensinar algo em troca. Obrigado. De nada. – Curvou-se novamente. – Por fim, ofereço todas as funções do colégio para vocês quando precisarem. Estaremos todos aqui, sempre. E eu também.
— Cara, isso 'tá tão fofo. – Jeongyeon falou fungando. – Droga, Im! – Empurrou a garota ao seu lado. – Para de chorar, está me fazendo chorar também e eu quero é rir de você!
— Espero encontrá-los futuramente formados, bem-sucedidos, felizes e saudáveis. Por favor, vivam bem, vivam a vida adulta com essência de jovens, é disso que o mundo precisa. Não apaguem esse brilho inocente, a empolgação com coisas simples, a disposição para bobagens. Não abandonem esses adolescentes que são hoje. Cresçam, amadureçam, mas não sumam de si mesmos. – Tirou o microfone de perto para enxugar lágrimas castas que saíam de seus olhos. – Encerro meu discurso dessa forma, clichê, mas sincera. Essas poucas lágrimas que derramei nada mais significam que gratidão, felicidade e satisfação. Claro, com uma pontinha de saudade. Cada um fará falta, dos mais quietos aos mais chamativos. Já sinto saudades. Mais uma vez, obrigado. – Curvou-se uma última vez, demorando um pouco mais para se endireitar.
As palmas foram ouvidas, os alunos ficaram de pé, curvaram-se tal qual o Wang, depois se endireitaram e encerram os aplausos. Foi bonito, emocionante, chocante e confortável. Não era algo tão dramático, mas considerando a carga emocional que esse ano teve, era perfeitamente compreensível as reações chorosas.
Todos choraram, nem que apenas um pouco. Fui uma dessas pessoas, mas minha maior reação de emoção não veio principalmente através do choro. Fiquei calada, mas sorrindo um sorriso de despedida. Era uma despedida, sobretudo. Demos um abraço coletivo ao final da fala do Wang, chorando mais um pouco as poucas lágrimas que restavam.
— Eu sabia! – Nayeon falou quando voltamos a nos sentar. – Eu sabia que você ia chorar, Chou Tzuyu!
— Ah, mas eu nunca disse que não choraria. – Secou o rosto muito molhado.
— Sim, você disse! – Seulgi pontuou rindo.
— Ok, eu disse, mas eu minto às vezes. – Respondeu convencida do bom argumento.
— Agora, por favor, vamos fazer silêncio para um anúncio especial. – O diretor falou, chamando num aceno alguns professores. Cada um representava uma turma do terceiro ano. A nossa era Tiffany que representava.
Eu já sabia o que estava por vir e não era a única. Nayeon, Momo, Mina, Tzuyu e Jennie também sabiam. Agora meu presente para Sana iniciava. Foi divertido, devo confessar, ver os olhares confusos do resto, principalmente o da minha namorada.
Além de observar a atuação de quem já tinha ideia do que aconteceria em minutos, tive de segurar o riso por ver as meninas disfarçarem e até por mim, que me esforçava muito para manter a pose de curiosa sobre o que viria a seguir.
*
Pov Sana
— Bom, os professores representantes das turmas, escolhidos por vocês, estão aqui em cima para anunciar algumas surpresas bacanas. – Entregou o microfone para a Tiffany.
— Boa tarde, alunos. – Sorriu após curvar-se brevemente. – Como sabem, o baile de fim de ano é para todos os alunos da escola, todas as turmas estarão presentes, mas dessa vez vocês, os formandos, terão algo só de vocês. Além de música e dança como habitual, teremos um show!
— CARALHO? – Chaeyoung berrou alto demais com a notícia. – Desculpem. – Encolheu-se na cadeira ao notar os olhares sobre si.
— Show de quem? – Seungsik perguntou.
— Alguns artistas japoneses e coreanos irão se apresentar no dia do baile, que ocorrerá após os dias de recuperação para os alunos que não passarem de primeira. – Um dos professores respondeu prontamente. – Saberão mais detalhes sobre cada um dos cantores em breve, mas a surpresa não acaba por aí.
— É, já que geral vai ter esses shows, não só a gente do terceiro. – Alguém da plateia pontuou.
— Umas alunas sugeriram que fizéssemos algo que vocês tanto gostam uma última vez e o diretor aceitou felizmente. – Sorrisos animados e curiosos eram vistos por todos lado, inclusive o meu. – Uma última apresentação dos times esportivos e das líderes de torcida! Com direito a muita música, acrobacias e amistosos que durarão tempo suficiente para se despedirem das atrações impecáveis que eles sempre entregaram! – O professor disse sorridente, berros animados da plateia foram ouvidos e palmas em seguida.
— Quem será que sugeriu isso? – Perguntei sorrindo de orelha a orelha e encarando meus amigos. Alguns não faziam ideia, apesar de felizes, e outros sorriam muito, mas tinham zero choque com a notícia. – FORAM VOCÊS?! – Perguntei num berro alto, mas disfarçado pela multidão eufórica.
— Agradeça principalmente à Dahyun! – Mina disse apontando.
— Você fez isso acontecer? – Olhei para ela, que apenas assentiu num balançar de cabeça. – Fez tudo isso, meu bem? Até arrumar um show? – Assentiu de novo. – Ah... – Segurei seu rosto pelas bochechas. – Você é tão incrível, sabia?
— Sabia. – Falou sorrindo largamente e era a cena mais adorável do mundo, já que o sorriso era amassado pelas minhas mãos que seguravam suas bochechas. – Você gostou? Eu fiz porque você não pôde se apresentar uma última vez, lá em Busan, por minha causa...
— Eu amei. – Disse honestamente, um tanto emocionada e sentindo meu coração apertar. Puxei um pouco mais seu rosto para grudar no meu, e beijei-a com a decência que o local exigia. Apesar disso, denunciei no toque singelo e breve, que a amava muito, demais para caber no peito e por isso ele até doía. – Obrigada.
— Ok, foi lindo, mas as duas pombinhas aí, se liguem que tem mais, pelo visto. – Momo falou depois de um cutucão em meu ombro.
— Vocês prepararam mais alguma coisa? – Perguntei, mas me responderam com um não num balançar de cabeça e cenhos franzidos em confusão. Percebi, então, que não era atuação dessa vez. – E o que é agora?
— Já vamos descobrir... – Seulgi disse, apontando para Tiffany que pegava o microfone novamente.
— Mais uma diferença foi adicionada esse ano. – Sorriu empolgada, ela parecia uma adolescente às vezes. – Teremos votação de Reis e Rainhas do baile. Isso mesmo, no plural. Na noite da festa, logo na entrada, cada um pegará um papel e anotará os nomes de dois casais, colocarão em alguma das urnas e, mais tarde, o resultado será anunciado. Os vencedores terão coroas e um diploma mais que especial em suas mãos.
— Caralho, 'tô me sentindo em High School Musical. – Jennie disse. – Quando vamos começar a cantar do nada?
— Eu sou aquele loirinho fofo. – Seungsik disse. – E sem piadas. – Repreendeu os risos que já queriam sair. – Ok, podem dizer...
— Claro que seria, ele é a única bicha do filme! – Chaeyoung disse rapidamente.
— As surpresas não acabaram... – Outra professora disse ao microfone, mas aquela não era representante de nenhuma das turmas do terceiro ano. – Eu, como professora de artes, tomei a liberdade de pedir ao diretor para mais um adicional nessa grande festa e ele, gentilmente, aceitou. – Ela sorria empolgada demais, parecia a Chaeyoung uns anos mais velha depois de conseguir, finalmente, se tatuar, mesmo sem a permissão dos pais.
— Caraca, o Wang 'tava de bom humor mesmo, né? – Jihyo disse.
— 'Tava nada, a gente teve que dar algo em troca. – Mina respondeu.
— O que? – Jeongyeon perguntou curiosa.
— Depois conto, agora vamos ouvir a professora.
— Terá uma sessão para exposição de arte. Cada um de vocês pode expor o que quiser, desde que você mesmo tenha feito. Esculturas, quadros, poemas, qualquer expressão artística é válida. – Notei a Son mexer-se animadamente mesmo que a mulher ainda nem tenha terminado de falar. – Não é obrigatório, mas aconselho que façam. Todos vocês são artistas, podem não saber, mas vão descobrir que são, se expuserem.
— Manos, vou entregar a melhor coisa que essa escola já viu desde o sétimo ano! – Falou sorrindo largamente. – Vão se arrepender de terem tirado essa matéria!
— Por que ela subiu lá se não ensina a ninguém daqui? – Tzuyu questionou.
— Para anunciar o projeto dela, oras! – Dahyun respondeu. – E, antes que pergunte, não temos nada a ver com isso.
— Expressão artística nessa escola? Sei não... – Momo comentou. – O Wang sempre foi um conservador do antigo ensino, tanto é que só tivemos Artes até o sétimo ano. É estranho ele permitir justo uma exposição.
— É nada. – Nayeon soltou. – Eu desconfio que essa tia aí esteja pegando o chinês!
— MANO? CONTA ESSE BABADO DIREITO! – Jihyo disse afoita.
— Depois, caras, a mulher ainda está falando. – Mina disse, apontando para a frente.
— Suas obras serão expostas não só para os alunos e funcionários do colégio, mas também para a imprensa. Teremos repórteres documentando a grande festa que será o baile de fim de ano, por isso, terão uma visibilidade gigante! – Sorria demais. – Poderão ser vistos por algum diretor de arte, algum empresário, além de terem propostas muito boas oferecidas já na noite!
— Como assim? – Yuna perguntou num volume moderado, já que estava bem próxima do palco.
— Além da imprensa, alguns diretores de faculdade virão para a festa. – Wang respondeu orgulhoso. – É uma boa oportunidade para vocês, pessoal. Façam valer a pena! – Curvou-se acompanhado dos professores ali. – Isso é tudo, obrigado!
Seguimos nosso caminho para fora do auditório, agora menos emotivos e mais animados. Muitas novidades, muitos acontecimentos bons demais para dar lugar às lagrimas. Alguns de nós planejava o que expor, outros só pensavam na coroação de reis e rainhas. Era uma mistura de tudo no final, como bons adolescentes, estávamos indecisos, eufóricos e criativos. Tudo ao mesmo tempo.
Depois de mais conversas, nós nos separamos. Cada um foi para um lado fazer qualquer coisa. Eu, que ainda não tinha esvaziado meu armário, cuidei em esvaziar.
Abri e fiquei nostálgica de imediato, encarando algumas anotações para provas, alguns adesivos já desgastados pelo tempo e, lá no fundo, algo que nem me lembrava mais. Uma peça de roupa que não me pertencia, que tentei devolver, mas não fui ouvida. A gravata de Dahyun estava ali, enroladinha, bem guardada e intocada. Bom, agora eu poderia devolver.
Coloquei tudo na bolsa. Todos os livros, papéis, adesivos e a gravata. Fechei o armário e levei a chave até a recepção, entregando a mulher que estava ali. Segui escola a fora sozinha com meus pensamentos, afinal tinha dispensado todas as caronas e companhias, exceto a de uma pessoa.
— E aí, Minatozaki. – Ela falou num balançar de cabeça. Estava encostada em seu carro e já tinha até trocado a blusa do uniforme. – Demorou, hein?
— Foi mal, Chae. Tive que esvaziar o meu armário, sabe? – Falei analisando a garota e o carro que estava prestes a entrar. – Cara! Isso era para ser segredo!
— Relaxa... A Somi não vai contar para ninguém, já combinei com ela. Além do mais, tinha prometido dar carona para ela.
— Você é igualzinha sua amiga... – Bufei irritada, mas adentrando o veículo mesmo assim. – Oi, Somi.
— Oi, Sana! – Desligou o celular quando me viu ali. – E aí? Empolgada para conhecer sua filhinha nova?
— Sim, bastante. – Respondi rapidamente.
— Espero que quando disse que eu era igualzinha à minha amiga, estava se referindo a sua namorada. – Assenti. – Ótimo, então isso é um elogio! – Sorriu dando partida.
— Eu quis dizer... Ah, esquece.
— Relaxa, Saninha, não vou contar! Eu já sou cliente desse pet shop, terá mais crédito se eu for com você.
*
Alguns minutos rodando a cidade, chegamos no local. Chaeyoung estacionou rapidamente e nós saímos apressadas para entrar. Após uma lábia, conseguimos convencer o funcionário a nos deixar olhar os gatos, mesmo que já tenha passado do horário de fechar.
— É essa daqui, sem dúvidas! – Falei apontando para uma gatinha pelo vidro.
— Uma boa escolha. – Somi disse. – Então, cara, vamos querer aquela ali, por favor.
— Vou precisar que preencham essa ficha. – Colocou um papel com muitas questões no balcão. – E terão de esperar a validação e o período de liberação do bichinho, mas não se preocupem que ela ficará reservada para vocês.
— Por que liberação? – Perguntei.
— Ela é muito novinha, nem desmamou ainda, então só posso liberar em alguns dias.
— Quantos dias? – Questionei já nervosa.
— Duas ou três semanas.
— Mas isso começa a contar a partir de agora, certo?
— O desmame, sim. Mas só poderei dá-las a vocês quando forem aprovadas através desse formulário, que só vou entregar depois das semanas do desmame. – Empurrou o papel para mais perto de mim. – Pode preencher.
— Cara, escuta... – Somi chegou perto dele, após atravessar o balcão, colocou a o braço ao redor dele pelo ombro e começou a andar pelo pet shop. – Já sou cliente de vocês há anos, compro sempre aqui e não compro pouco, né?
— Eu sei, senhorita Jeon, mas é o que manda o procedimento. É lei.
— Quem liga para o procedimento, né? – Riu.
— Todo mundo liga, na verdade. – Respondeu confuso.
— Como é seu nome mesmo? – Soltou o ombro do homem e olhou o crachá em sua blusa. – Jimin... Olha, Jimin, quantos bichos já adotei aqui nesse pet shop?
— Não me lembro, senhorita.
— Quatro! QUATRO! – Falou eufórica. Eu ouvia tudo, mas sem parar de preencher o formulário gigantesco. – Isso é muita coisa... E sabe como eles estão agora? Todos os quatro bichinhos que adotei, você sabe como estão?
— Não, senhorita.
— Estão ótimos! Comem muito, brincam muito e tomam todos os remédios. – Sorriu simpática. – E comem a ração que compro aqui, brincam com os brinquedos que compro aqui e se medicam aqui.
— Eu fico grato pela confiança, senhorita, mas não pos-
— Ei... Jimin, camarada, calma. – Puxou-o de volta para perto de si. – Não tinha visto você aqui antes... É novato?
— Sou o filho do dono, meu pai está viajando, então tomei conta.
— Ótimo! Então estou com um amigo, já que seu pai é meu amigo e muito, mas muito grato pela cliente que sou. – Sorriu de novo, o garoto tremia na base com tanta intimidação. – Veja, ele com certeza entenderia meus motivos e confiaria em mim, já que tenho um bom histórico aqui...
— Eu sei, mas... É o que manda a lei, entende?
— Oh, claro que entendo e não precisamos infringi-la.
— O que quer, então?
— Vamos fingir que a gatinha vai ficar esse tempo toooodo aqui. – Gesticulava muito. – A minha amiga já está preenchendo o formulário e nós vamos esperar o desmame do bichano. Só o desmame. Entendeu? – Falava pausadamente, sem deixar de encarar o jovem medroso, e sorrindo. – Depois do desmame, vamos pegá-la, mas você pode fingir que ela continua aqui até a tal autorização vir.
— E se não autorizarem?
— Vão autorizar.
— Oi... Eu terminei de preencher. – Falei timidamente.
— Mas e se não autorizarem, senhorita? – Jimin perguntou receoso.
— Aí, então, você diz que ela fugiu. – Tomou o papel da minha mão e entregou para o rapaz. – Mas não se preocupe, cara, eles vão autorizar. Estamos resolvidos?
— Sim, sim, estamos. – Olhou o papel, depois olhou para nós e olhou o papel de novo. – Mas há um problema no formulário.
— Qual? – Somi perguntou.
— O nome da gatinha. Essa parte não foi preenchida.
— Ah, é porque ainda não decidi. – Respondi deixando a tensão sumir.
— Tem que preencher, moça. – Eu ia receber a folha, mas a Jeon foi mais rápida.
— Pronto. – Entregou o papel de volta após escrever algo. – Está tudo certo agora, Jimin?
— Sim, está.
*
— Valeu pela carona, Chaeyoung. – Falei quando notei o carro estacionar na frente da minha casa. – E valeu, Somi, por resolver tudo lá.
— De nada, Sana. – A mais nova respondeu simpática, nem parecia a malvada do pet shop de agora há pouco.
— De boa, Sana-chan! – A Son falou. – Eu disse que minha namorada ajudaria.
— E estava certa. – Abri a porta. – Aliás, Somi, que nome colocou na gata?
— O mesmo do antigo cachorro da Dahyun, ouvi a Chaeyoung comentar. Mas relaxa, depois poderá mudar o nome "Cerveja" da gata. – Riu.
— "Ce" o que? – Perguntei após sair totalmente do carro e bater a porta. Agora eu estava na frente da porta da garota.
— Cerveja.
— Era Cereja o nome do cachorro da Dahyun! – Falei rindo alto. – Cara...
— Ah... – Ela falou desconfiada. – Bom, esse que coloquei combina mais com a Dahyun, né? – Brincou.
— Definitivamente... – Chaeyoung comentou. – Enfim, te vemos mais tarde na Double 9?
— Com certeza! – Peguei as chaves na bolsa e fui até a porta da minha casa. – Tchau, até mais tarde. – Ouvi elas responderem a mesma coisa e, quando entrei e fechei a porta novamente, ouvi o cantar dos pneus.
*
Pov Dahyun
Após um bom e longo banho com direito a música alta de fundo, saio do banheiro, coloco roupas bonitas, perfume e acessórios. O cheiro era o mesmo de sempre, as joias também eram as mesmas pratas e simples, mas as vestimentas mudaram um pouco.
— Tofu, aqui está o qu- – Mei disse adentrando o quarto e paralisando a fala quando me viu quase pronta. – Cadê a minha pequena? Você a engoliu e ficou no lugar? – Brincou sorrindo, mas ainda com o olhar arregalado.
— Ah, nem vem... – Bufei, revirei os olhos e peguei os saltos que ela segurava. – Obrigada. – Sentei-me na cama e comecei a calçar os sapatos. – O que foi? – A olhei impaciente pelo jeito chocado e paralisado da chinesa.
— Você... O que deu, hein? Vai para uma entrevista de emprego? Sua formatura é hoje? E se for, por que não me avisou?
— Você é tão boba... – Levantei-me após calçar os saltos. – Não é minha formatura, mas já terminei a escola, sim. Hoje foi o último dia, mas a festa é só daqui um mês... E não pretendo dar nenhuma entrevista de emprego a essa hora da noite nunca na vida! – Coloquei mais perfume, ajustei as joias e me olhei no espelho para conferir.
— E por que está toda produzida? Digo, eu sei que vai sair com amigos, mas... Está diferente.
— É, estou mesmo. – Deixei-me chocar junto da mulher. – Ah, qual é... É só um vestido, um salto alto...
— É... Só um vestido chique, vermelho, com decote, delicado e com brilhos. O sapato é só um dos mais caros da sua mãe, todo delicado, fino e chique demais... O que aconteceu para se produzir assim?
— Estou feia? Exagerada? – Perguntei preocupada. – Seja honesta, eu não quero pagar mico.
— Não, querida. Está linda... Para onde vai?
— Para a boate do tio da Jihyo. Vai uma galera da nossa sala para comemorar o aniversário da Sana, mas é só mais um dia normal para a boate.
— Então todos estarão chiques que nem você, logo não, não está exagerada. – Sorriu olhando-me. – Mas por que essa mudança, Tofu?
— É uma surpresa para a Sana.
— Ah, ok, nem precisa continuar. – Tampou os ouvidos e deu as costas, pronta para sair.
— Calma! – Puxei-a. – Não é nada disso... É só que uma vez, quando ainda éramos inimigas, ela deixou escapar que eu ficava bonita com roupas assim e deveria usar mais vezes, então vou fazer essa surpresa.
— Isso é fofo. – Riu fraquinho. – Está se sentindo bem? Digo, está confortável com essa roupa?
— Por incrível que pareça, sim, estou.
— Sendo assim, então, o que acha de colocar uma boa maquiagem?
— Não sei fazer maquiagem e não posso pedir a nenhuma das meninas, porque quero fazer surpresa.
— Bobinha... – Colocou a mão na maçaneta, pronta para sair. – Eu faço sua maquiagem, Dahyun. Espere aqui, vou buscar as coisas.
*
"Você diz que nós vamos fugir por aí
Ponha seu vestido de verão
Gire-me, beije-me no seu Chevrolet
Eu te amo cada vez mais a cada dia
Você me encontrou quando me perdi do meu caminho
Você sabe o que quero
Escolha para mim um gloss rosa
Como você fica tão atraente?
Você está me fazendo enlouquecer
Espero que nunca pare"
Chapter 43: 8TEEN.
Chapter Text
8TEEN – Khalid
"Acordei um pouco tarde demais esta manhã
Mas eu acho que vou ficar bem
Porra, meu carro ainda cheira a maconha
Minha mãe vai me matar
Então, eu acho que eu vou alcançar a estrada
Não, eu nunca fui realmente o mais inteligente
Sim, eu cometi meus erros
Você estava lá quando os tempos estavam mais obscuros"
*
Pov Narrador
Luzes piscantes, música alta, álcool, risadas, danças, mais música, mais dança, mais riso. Era uma noite como outra qualquer na Double 9, mas os rostos além de conhecidos, eram também ansiosos.
Nayeon, Jeongyeon, Momo, Jihyo, Mina, Chaeyoung, Tzuyu, Somi, Jennie, Seungsik, Seulgi, Miyeon, Yuta e Yuna estavam ali festejando da maneira que podiam. Sóbrios ou não, racionais ou não, acompanhados ou não, mas felizes, sim, dançavam, curtiam, aproveitavam.
E esperavam.
— Cara, daqui a pouco dá meia-noite e nada daquelas duas! – Chaeyoung comentou ao chegar na enorme mesa reservada para os amigos. – Preciso de água... – Procurava pela superfície o que queria, mas não encontrava nunca. – Mano, só tem álcool aqui, vocês vão morrer de cirrose! – Berrou assustada.
— Tem água lá dentro, tapada. – Jeongyeon respondeu bebendo algo numa latinha. – E não tem só álcool aqui, veja. – Mostrou o que segurava. – Eu estou bebendo refrigerante.
— Deixa eu cheirar isso. – Aproximou-se da amiga, que recuou o recipiente. – 'Tá batizado, né, Yoo Jeongyeon? – Arqueou apenas uma das sobrancelhas.
— Só com um pouco de tequila, ué! – Deu de ombros. – É crime agora?
— Levando em consideração que somos menores de idade, sim, é.
— Jeongyeon já é adulta, tampinha. – Nayeon rebateu. – Você que é a criminosa da mesa.
— E aí, conseguiu contatar a Sana ou a Dahyun? – Somi perguntou para a namorada ao se aproximar.
— Ah, esqueci de fazer isso... – A Son respondeu desconfiada, esquecendo da sede que sentia por água e substituindo-a pela bebida da amiga mais velha. – Vocês falaram com alguma delas?
— Não. – Jihyo respondeu. – A Dahyun não atende.
— Tentei a Sana e nada também. – Tzuyu respondeu.
— Qual é?! – Nayeon falou aborrecida. – A aniversariante vai faltar a própria festa? Chegar atrasada eu até entendo, apesar de ser estranho para Minatozaki, mas tem que chegar antes da meia-noite, caras, é o combinado.
— De quem foi essa ideia de comemorar o aniversário dela por dois dias, hein? – Somi perguntou.
— Minha! – Tzuyu respondeu orgulhosa. – É uma ótima ideia, admitam! Até a Sana achou incrível, não venham me zoar agora...
— Pior que é mesmo. – Jeongyeon comentou. – Mas só funciona se a aniversariante estiver aqui, né? Para comemorar estilo réveillon, contar de dez até zero para a meia noite e cantar os parabéns depois, só funciona com a Minatozaki presente...
— Senão perde o sentido. – Jihyo completou. – Mas relaxem, elas já vão chegar, não furariam justo hoje. A Dahyun até preparou um presente especial para a Sana.
— Enquanto as namoradas dão uma fugidinha, resta para nós, pobres mortais, dançar mais, beber mais, cantar mais e... – Somi falou depois de virar uma dose de bebida alcoólica. – E sei lá, mas nos resta tudo isso aí.
— Que não é nada torturante de fazer, né? – Nayeon comentou rindo e acompanhando a amiga. – Bora curtir, minha gente.
*
Pov Dahyun
Após Mei finalizar minha maquiagem, peguei minha bolsa e as chaves e saí de casa, finalmente, em direção a residência de Sana para buscá-la como combinamos.
Estacionei quase na frente, só não o fiz por já ter um veículo parado ali. Era uma van, mas não me atentei aos detalhes do automóvel, pois outra coisa chamou mais atenção. Também não precisei chamar minha namorada pela campainha ou ligação, o que chamou minha atenção foi justamente a porta da casa dela se abrindo.
Primeiro saiu um rapaz de estatura mediana, pouco mais alto que ela, cabelos pretos, traços finos e usava uma roupa um pouco formal da mesma cor da van. Ele sorria para Sana, que sorria de volta quando cruzou a saída. Os dois continuaram o papo por poucos segundos apenas, dando um abraço em despedida por fim.
Minha namorada olhou para o lado, viu meu carro e, como já estava pronta, apenas bateu à porta de sua casa e seguiu até mim. Sorria mais ainda o sorriso mais lindo do mundo. Ela estava linda. Surpreendente com roupas que nunca a vi usar, não aquele estilo ao menos.
Apesar de ter cores não habituais para a Minatozaki, uma blusa folgada e uma calça que seguia a mesma linha, ela combinava com aquilo. Seu cabelo era completamente liso e divido ao meio e seus acessórios eram simples e comuns, exceto pela gravata que que estava amarrada em sua cintura imitando um cinto. Devo dizer, ela sabe como se produzir com as peças mais impensadas do mundo e ainda deixar charmoso.
— Ei, gatinha, pode me dar uma carona? – Ela falou ao abrir a porta. Eu, que estava no celular respondendo a uma mensagem urgente, logo guardei o aparelho o bloqueando junto.
— Se eu disser que não, vai adiantar? Você já está entrando, não posso negar, vai que está armada... – Entrei na brincadeira. Ela sorriu de volta, sentou-se e fechou a porta. – Você está linda.
— UAU! – Berrou quando me viu com atenção. – VOCÊ ESTÁ... UAU! – Estava boquiaberta, mas ameaçava deixar um sorriso escapar a qualquer momento. – KIM DAHYUN! UAU!
— Gostou do meu modelito, foi? – Sorri sapeca. – Eu também gostei do seu. Está diferente do que costuma usar, amei demais. Eu estava certa.
— Em relação ao que? – Perguntou com o cenho franzido, mas ainda encarando minhas vestimentas. Meu celular apitou em notificação, mas decidi que ignorar seria melhor e Sana, assim, ignoraria também.
— Lembra-se daquele dia que ficamos presas num quartinho em Busan?
— Mentira que pensamos a mesma coisa... – Ela soltou chocada.
— VOCÊ ESTÁ VESTIDA ASSIM POR CAUSA DAQUELE DIA?
— SIM! – Falávamos incrédulas e eufóricas. Os sorrisos chocados eram também de alegria. – Aliás, tem mais um detalhe nessa roupa, percebeu?
— Não... – Tentei achar algo de estranho, mas não consegui. – O que é?
— Essa gravata é sua, Dahyun. – Tirou o objeto e me mostrou. Eu reconheci assim que toquei no tecido e encontrei uma mancha na parte interna. – É minha mesmo... – Mostrei para ela a mancha. – Invadiu minha casa e pegou, foi?
— Você quase a usou para amarrar minha boca outro dia na escola. – Respondeu com desdém. – Você era muito selvagem, sabia disso?
— Sabia... – Rimos juntas. – Beleza, somos o melhor casal do mundo, não tem jeito.
— Sem dúvidas, mano! – Demos um soquinho em cumprimento. – Agora liga esse carro e acelera, quero chegar logo na boate. – Colocou o cinto, eu liguei o carro, dei partida e mais um barulho de notificação. Ignorei mais uma vez, mas suando frio.
*
Pov Sana
— Que horas são? – Perguntei inclinando-me para tocar na tela do celular de Dahyun para responder a mim mesma, mas ela foi mais rápida e tomou o aparelho.
— Quase onze.
— Hum... – Estranhei a atitude, mas não me prendi a isso. Liguei o som do carro, conectando meu celular e escolhendo uma música do meu agrado, mas o barulho da canção não foi o que tomou conta da minha audição.
Após minha namorada ver que horas eram, numa atitude desesperada de tomar o celular da minha mão, ela o colocou no mesmo lugar de antes, mas depois de alguns minutos voltei os olhos ao aparelho alheio. A música que ecoava pelo carro não era o som principal, mas sim o barulho de notificações incansáveis que o telefone de Dahyun emitia.
A olhei desconfiada, quase dizendo algo só com o olhar, mas ela, como sempre, desviava de mim. Ficou visivelmente nervosa, virou o celular para baixo e o colocou no silencioso. Mas eu já tinha visto quem estava mandando tanta mensagem assim e, para minha surpresa, não era ninguém próximo da Kim. Era Miyeon.
— Então... Por que não responde e depois dirige? – Soltei um pouco aborrecida.
— O que? – Ela perguntou nervosa, mas sem me olhar ou parar de dirigir.
— As mensagens. Por que não responde a elas primeiro e depois a gente segue viagem?
— Não é nada importante, depois eu vejo.
— Não parece que não é importante.
— O que quer dizer com isso, japa? – Sorriu de canto, mas não era um sorriso sincero.
— Se fosse algo bobo, não seriam tantas mensagens assim e também não te deixariam tão inquieta.
— Não estou inquieta e sim, é bobeira.
— Quer que eu responda por você, então?
— Não. – Disse rapidamente. – Digo, não precisa, amor... Não quero ver nada agora, só quero chegar na boate e curtir a comemoração do seu aniversário com você.
— A Miyeon vai estar lá? – Provoquei. Agora eu nem escondia a desconfiança e, sobretudo, o ciúme.
— Vai. Você disse que poderia chamar geral das turmas do terceiro.
— É, acho que ela deveria ficar de fora.
— Por quê?
— Me diz você, Dahyun. – Falei séria e a menina finalmente me olhou. Estava espantada pelo meu tom, dava para ver. – O que a Miyeon quer te mandando tanta mensagem, hein? Sim, eu vi que é ela.
— Ah, é isso? – Riu. – Relaxa, não é nada importante. Ela é gente boa.
— É?! – Fiquei alterada e mais curiosa ainda. – Então estão conversando muito, é?
— Você, por acaso, está com ciúme, dona Sana? – Sorria brincalhona, mas eu não estava brincando.
— Não é como se você não tivesse me dando motivos, né? – Rebati irritada. – Por que tantas mensagens e por que você está escondendo de mim?
— É uma surpresa para você, cara.
— Não é, eu sei quando está mentindo.
— Caraca! – Freou o carro, parando-o no acostamento. – Você quer mesmo brigar agora? Nessas circunstâncias?
— Não estaríamos brigando se você não tivesse agido de um jeito tão suspeito.
— Qual foi? Está desconfiando de mim agora? – Olhou-me visivelmente chateada.
— Você está me dando motivos para isso...
— Ai, Sana, fica de boa aí, vai... – Encostou as costas no encosto do banco e arfou pesado. – Não quero brigar com você hoje, mas você parece que quer, né?
— Cara, não joga isso em mim, foi você que agiu estranho.
— Se vamos falar de coisas estranhas, então, quem era aquele carinha saindo da sua casa?
— O JIMIN?! – Berrei incrédula com a pergunta. – Mano... – Ri impaciente.
— Esse é o nome do queridão? Beleza... Quem é ele?
— Um funcionário de uma loja.
— E o que ele estava fazendo na sua casa?
— Trazendo uma encomenda.
— E por que pareciam tão íntimos?
— Eu já o conhecia.
— E precisa abraçar para dar "tchau"?
— ELE É GAY!
— E a Miyeon hétero!
— E se ela não fosse hétero? – Perguntei incisiva.
— Você é doida... – Riu chocada. – E se ele não fosse gay?
— Eu namoro!
— EU TAMBÉM!
— Não importa, o seu comportamento continua estranho. Eu respondi a todas as suas perguntas, mas você até agora está omitindo tudo.
— Não tem o que dizer, por isso não falei nada... – Dizia num tom cansado.
— 'Tá, né... – Falei dando de ombros, virando-me para o meu lado da janela. – Achei que essa sua mania de mistério tinha sumido, mas pelo visto...
— E eu achei que seu jeito controlador tinha mudado! – Rebateu, mas eu não disse mais nada.
Ficamos em silêncio por um tempo. A música foi desligada por ela, o carro começou a andar novamente e rapidamente tínhamos chegado à boate. Assim que Dahyun estacionou, desci sem nem olhar para ela, que também nem fez questão de tal, já que nada disse sobre coisa alguma.
Caminhamos separadamente, distantes e sem nem nos olharmos. Era uma briga. A nossa primeira briga.
— Ah, finalmente... – Tzuyu disse ao me ver. – AÍ, GALERA, ELAS CHEGARAM! – Berrou olhando para trás e sorrindo para mim. – Cadê a Dahyun?
— Vindo aí atrás. – Assim que fechei a boca, a Kim passou ao longe, acenou para a Chou e seguiu reto.
— Uou... O que rolou aqui?
— Brigamos. – Sorri irônica. – A Dahyun aparentemente tem muito assunto a Miyeon, não me deixa saber do que se trata, se recusa a dizer o que é e ainda mentiu dizendo que era uma surpresa!
— Caralho? – Tzuyu disse com os olhos arregalados. – Precisa de alguma bebida?
— Sim, por favor.
— Vou pedir para separarem as mesas... – Ela disse cuidadosa. – Já sei que o grupinho vai separar e cada uma desabafar, então é melhor eu me adiantar, né? – Riu sem jeito.
— Valeu...
*
Pov Dahyun
— Cara, ela colocou na cabeça dela que estou tendo um lance com a Miyeon! – Falei indignada.
— COMIGO? – A Cho disse chocada. – Foi por causa das mensagens?
— Opa, que mensagens? – Jihyo questionou intrigada.
— Tudo começou porque... – Contei tudo para meus amigos, sem omitir nada e eles escutaram com toda atenção. – As mensagens eram coisas que vocês já sabem.
— Ah, o lance da pegadinha de fim de ano? – Jeongyeon perguntou e eu assenti. – Era só contar para a Sana, 'tá ligado? Não precisavam brigar.
— Se eu contasse, íamos brigar ainda mais, não por eu querer fazer a gracinha, mas porque ela ia tentar me impedir, eu não ia ceder e aí tudo ia desandar.
— Que merda, hein? – Seungsik falou. – Mas você também é meio burra, né, Dubu?
— Porra. – Falei ofendida. – De graça assim?
— Não, mas era só ter inventado algo e sem agir como quem tem culpa no cartório. Pô, você tomou o celular dela quando ela só queria ver as horas... Até eu desconfiaria.
— Foi mal, eu não sei agir sob pressão, fiquei nervosa! – Desabafei. – E eu tentei inventar uma mentira, mas ela me conhece demais e percebeu que não era verdade.
— O que você falou? – Seulgi perguntou.
— Falei que era uma surpresa para ela.
— Puta merda. – Chaeyoung soltou. – Depois de tanta surpresa você achou mesmo que dizer sobre MAIS UMA seria algo crível o suficiente?
— DE NOVO, eu não funciono sob pressão! – Falei indignada. – Foda-se, não era para ela desconfiar de mim assim, não fiz nada afinal!
— Mas agiu como se tivesse feito, Dubu. – Minha melhor amiga falou pacientemente. – Ok, ela é sua namorada, tem que confiar em você e tal, mas quando você dá motivos para desconfiança, o que espera que a Sana faça?
— a... – Soltei chateada.
— Desculpa, Dahyun. – Miyeon falou. – Eu não deveria ter mandado mensagem naquele momento, nem tantas assim, nem percebi. Foi mal mesmo.
— Não é sua culpa. – Respondi. – Eu li as mensagens, boa parte era perguntando onde a gente estava, coisa que o resto também fez.
— É, e comentei sobre a pegadinha porque tive uma ideia e precisava memorizar, achei que fosse gostar dela, então enviei a mensagem... Se quiser, eu falo com a Sana e explico tudo.
— Não precisa. Eu que tenho que resolver isso.
— Vai resolver? – Seulgi questionou.
— Não. – Respondi de imediato. – Não vou mentir, fiquei puta com a desconfiança, tenho direito de ficar quieta também! – Levantei-me. – Vou cantar os parabéns, beber e dançar. Depois eu penso na briga.
— Vai fazer tudo isso ao lado da Sana? – Seungsik perguntou.
— Não também. Ela lá e eu cá. – Respondi seriamente.
*
Pov Sana
— Porra, mas precisava agir que nem uma doida varrida também? – Momo soltou honestamente. – Não sabia que você era tão ciumenta.
— Eu não sou! Mas, caras, ela me deu motivos, certo? – Falei desesperada. – CERTO?
— Sei lá, talvez sim, talvez não. – Mina começou. – Digo, ela nunca te deu motivos para ao menos sentir ciúme, certo? – Assenti. – Então, acho que não precisava desse show todo.
— E ela te viu dando abracinho no carinha da loja lá e nem disse nada. – Jennie comentou. – Tipo, ela viu algo físico, né? Poderia ter ficado com ciúme e ter agido que nem você, mas não o fez.
— Vocês estão doidas? Era um gay! Eu também nunca dei motivos para ciúme, ele estava lá a trabalho e foi só um abraço! – Rebati seguramente. – Ainda respondi todos os questionamentos dela, não me esquivei, diferente dela.
— Mona, mas ciúmes é tão mico... – Tzuyu comentou baixinho. – Sei lá, vocês podiam ter resolvido depois ou só na conversa, mas agiram como duas crianças.
— Na hora da raiva você não pensa. – Respondi.
— Bom, mas agora a raiva baixou, então já podem conversar feito gente. – Nayeon disse. – E se resolverem.
— Não quero isso agora. Já me estressei minutos antes de chegar aqui, não quero continuar a raiva minutos antes de virar o dia para meu aniversário. – Disse confiante. – E ainda acho que estou na minha razão, fim de papo!
— Que bom. – Mina disse. – Porque falta só um minuto para meia-noite, nem daria tempo mesmo. – Riu de leve. – Vamos reunir o pessoal e fazer a contagem, depois cantar os parabéns e, finalmente, festejar todo mundo junto como deve ser sempre.
— Bora! – Falei tentando ignorar os acontecidos.
*
Pov Narrador
— Pessoal, vamos lá! – Tzuyu disse, juntando os amigos rapidamente numa rodinha em volta da enorme mesa do começo. – Vinte segundos para a japonesa aqui ser uma adulta responsável! – Apontou para a amiga, que sorria feliz, mas dava para notar um incômodo ali mesmo assim.
— Dubu, e o presente da Sana? – Chaeyoung sussurrou para amiga, que estava de pé, um pouco distante da namorada e do centro, a Kim mais nova estava na lateral, tímida, mas sorrindo. E também, claro, com um incômodo dentro si. – Vai entregar após os parabéns como o combinado?
— Não... – Respondeu chateada. – Depois eu vejo quando entregar, não tem sentido entregar depois da briga...
— BELEZA, É AGORA! – Nayeon berrou. – Vamos lá, todos juntos... – Puxou o ar antes de prosseguir. – DEZ!
— NOVE! – Disseram todos juntos, ao mesmo tempo, imitando as tradições dos festejos de fim de ano. – OITO!
A contagem seguiu como o esperado, chegando ao fim nos segundos normais e, para finalizar, um parabéns animado foi ouvido por todos. Sana estava feliz, grata pelos que a cercam, sorria largamente, cantava junto e agradecia em silêncio na hora de apagar as dezoito velinhas.
Fez um pedido que ninguém podia saber, mas que tinha certeza ser o mesmo de outro alguém. Fechou os olhos enquanto desejava e os abriu novamente para finalizar o que manda o figurino. Endireitou-se ao final, mais palmas foram ouvidas, alguns gritos animados das amigas e algumas breves palavras de agradecimento de Sana também.
Era meia-noite, o aniversário da Minatozaki acabava de começar, mas a noite animada não teve início nesse momento. Os jovens estavam muito animados, alguns já tontos pelo álcool, outros precisando de mais. Mas, mesmo que a festa para eles tenha tido um início cedo, ela, assim como para Sana, não encerraria tão rápido. Apesar de tudo, a noite é uma criança, não acaba até terminar. E não tinha hora para o encerramento.
Como sempre viveu os dias, como costumava pensar em momentos como esse, Sana repetiu para si mesma seu quase mantra. Ela viveria hoje como se fosse o último dia de sua vida, como gostava, como sempre fez.
Do outro lado do salão, Dahyun não dançava, mas bebia. Ela ria alto com os amigos velhos e novos. Fazia piada e brindava com os conhecidos e desconhecidos, já que apesar de tímida, nunca teve dificuldade de puxar papo, principalmente se estiver alcoolizada.
— A gente vai lá fora fumar rapidinho, ok? – Chaeyoung disse para a melhor amiga. – Vai conosco?
— Não... Parei, você sabe. – Deu de ombros, virando-se para frente novamente e deixando a amiga partir. – E aí, quem duvida que eu consigo jogar essa garrafa para o alto e fazê-la parar em pé?
— Amiga, a garrafa é de vidro, vai quebrar. – Uma garota jovem falou rindo do jeito bobo da Kim. – Quer usar uma de plástico? – Perguntou simpática.
— Não... A graça é justamente o risco de quebrar. Quem duvida?
— Por que não apostamos? – Ela falou sorrindo de leve. – Se conseguir, eu pago uma rodada de cerveja para todo mundo aqui. – Apontou para os que estavam em volta delas.
— E se eu não conseguir? Coisa que não vai acontecer, já aviso...
— Aí eu decido na hora... – Puxou a cadeira e se sentou mais perto da coreana. – Mas não precisa se preocupar com isso, já que tem certeza de que vai conseguir, né? – Apoiou o braço no ombro da menor, fazia de tudo para o mínimo de contato visual, físico e, talvez, para além disso.
— Beleza... – Tirou o braço da garota. – Preciso me concentrar, licença. – Puxou a cadeira para ficar um pouco mais distante da outra. – Contem até três!
— 'Tá vendo aquilo ali? – Nayeon falou para Sana, que observava a cena de longe. – Aquela menina 'tá dando em cima da Dahyun claramente.
— Sim, eu estou vendo.
— E não vai fazer nada?
— O que eu posso fazer?
— Sei lá, um barraco? Que tal? Eu ajudo a bater na vadia oferecida...
— Eu não vou brigar mais, muito menos desse jeito, Nayeon. – Respondeu ainda atenta no que cercava a namorada. – Ela sabe que tem um compromisso, mesmo bêbada e brigada comigo, ainda tem um compromisso.
— Então você confia nela?
— Claro!
— Então por que discutiu mais cedo? – Olhou-a vitoriosa, como se tivesse dado um xeque-mate. E realmente tinha.
— Vamos dançar? – Mudou de assunto e de foco, puxou a Im pelo pulso até o centro da pista de dança, distraindo-se de Dahyun e daquela cena irritante. O tempo é o melhor remédio, então não ia fazer nada agora além de curtir sua festa.
— CONSEGUI! – Dahyun berrou orgulhosa, levantando-se da cadeira de tanta empolgação pelo êxito. – Agora pode ir pagando uma rodada de cerveja para geral aqui... – Olhou para a garota, que sorria desconfiada, mas sem perder a pose de poderosa.
— Eu pago, mas por que eu e você não tomamos outra bebida?
— Eu gosto de vodka. – Falava inocentemente. – Pode pedir, então, um copo de vodka com limão e sal na borda!
— Por que não tomamos juntas? – Aproximou o corpo da Kim definitivamente. Agora a inocência de Dahyun não existia mais e ela entendia tudo. – Ali no balcão mesmo ou num lugar mais reservado, o que me diz?
— Eu namoro. – Falou desgrudando o corpo da garota bruscamente. – Vai pagar uma dose para minha namorada também? – Falou brincalhona.
— E cadê ela? Eu não sou ciumenta... – Deu mais um passo afrente, querendo colar no corpo da Kim.
— Mas ela é! – Afastou-se novamente. – Galera, cobrem a rodada de cerveja que ela prometeu, beleza? – Disse alto para os que estavam ali e em seguida deu as costas, saindo.
Dahyun caminhou para fora da boate, saindo pela lateral como sempre fez. Iria encontrar com as amigas que saíram para fumar, mas no meio do caminho já deu de cara com ambas.
Trocaram apenas algumas palavras e se separaram novamente, a Kim seguiu o caminho mesmo assim. Logo estava na calçada, caminhando até seu local favorito e muito frequentado. A cadeira não estava ali, como esperado, mas o concreto mais alto que o asfalto servia de assento tão bem quanto.
*
Pov Sana
— Você quer mesmo dançar? – Nayeon me perguntou. – Não para de olhar para os lados... O que foi, hein?
— Eu quero. – Menti. – Só estou vendo o ambiente, ué. – Dei de ombros, ainda olhando em volta sem parar.
— É por causa da oferecida dando em cima da Dahyun?
— É... Droga! – Parei os movimentos e desabafei com a Im. – Não vejo nem a assanhada- feia, nem a Kim!
— Está ficando paranoica agora, Sana, relaxa. A Dahyun não saiu com ela, não pira.
— Então onde a Dahyun está?! – Berrei indignada e mais nervosa ainda.
— Lá fora. – Chaeyoung respondeu chegando perto de mim. – E sozinha, se quer saber.
— Vai logo lá, Sana. – Nayeon disse revirando os olhos. – Faz horas dessa briga, é seu aniversário e estão brigadas por besteira...
— 'Tá...
Caminhei rapidamente até a porta lateral, acessível apenas para funcionários e amigos da sobrinha do dono, que era o meu caso. Cruzei e logo avistei a minha namorada.
Meu olho caminhou por tudo ali. Ela estava sentada na beirada da calçada, tinha uma posição confortável e jeito familiar. De um lado, uma garrafa de cerveja com o líquido na metade e do outro, a mão perto da boca. Caminhando mais um pouco, vi que ela segurava algo na boca, algo cilíndrico e que me preocupou de imediato.
— Você 'tá fumando? – Perguntei ainda de longe, mas com o tom incisivo e mandão de sempre.
— Você está precisando visitar um oculista. – Respondeu sem me olhar. – É um canudo, Sana... – Catou a cerveja, tomou um gole e voltou a garrafa para o mesmo lugar. Ao ouvir sua resposta, além de me sentir idiota, caminhei mais afrente, chegando perto dela.
— Que bom, porque se fosse um cigarro, eu arrancaria da sua boca agora! Já fiz isso antes mesmo...
— Eu adoraria ver você tentar. – Rebateu sem demora.
— Acende um, então! – Provoquei.
— Se eu tivesse um, acenderia.
— Eu duvido.
— Problema seu.
— E quem precisa de um oculista é aquela garota que estava dando em cima de você por não ter visto que você namora! – Mudei de assunto bruscamente. Sentei-me ao seu lado e ela finalmente me olhou. Era um olhar cansado.
— Eu não dei bola, disse que namoro e vim pra cá, não precisa começar tudo de novo... – Falou e depois virou-se para frente, brincando com umas pedrinhas no chão.
— Eu sei. – Comecei a brincar com as pedrinhas também. – Eu conheço você...
— Tem certeza? Digo, não parecia isso mais cedo.
— Qual é? Você tem que entender meu lado também...
— E você entende o meu?
— Agora entendo. – Parei de mexer nas pedras e a olhei, mesmo que o foco da Kim ainda fosse no chão. – Desculpa. Por ter desconfiado, brigado, agido que nem criança, desculpa.
— Desculpa também... – Falou sem jeito, levantando a cabeça devagar e me encarando timidamente. – Por ter escondido, ter começado outra desconfiança com aquele carinha estranho. Se quiser, até conto qual é o lance com a Miyeon.
— Eu ia ficar sabendo futuramente?
— Sim.
— Então não precisa me dizer agora... – Tirei o canudo que ainda estava no meio dos dentes dela. – Vamos fazer um combinado?
— Que nem aquele que fizemos antes de namorar?
— Mais ou menos.
— Diga.
— Vamos sempre tomar um tempo. Digo, quando algo nos incomodar, não vamos agir no impulso. Tomamos um tempo, falamos devagar e resolvemos, também tomando um tempo, se for preciso. Combinado?
— Combinadíssimo. – Esticou o mindinho para eu entrelaçar o meu no dela. Assim o fiz. – Vamos lá dentro curtir o restante da festa.
— Vamos. – Levantei-me e dei a mão para ela se apoiar e se levantar também. – Quase três da manhã já...
— Então vamos correr! – Segurou meu pulso e fez como sugeriu. Corremos boate adentro e rapidamente estávamos no centro da pista de dança com uma música chegando ao fim. – Dança comigo? – Sugeriu cavalheira, estampando um sorriso simpático e fazendo uma pose engraçada. Eu aceitei dando-lhe a mão e deixei-me ser guiada. Uma nova música começou e percebi ali que ela também deixou-se ser guiada. Por mim e pelo som da canção.
Era Carmen da Lana Del Rey. Tinha um ritmo lento, melodia envolvente, letra densa, mas cativante ao mesmo tempo. Dançamos no improviso, sem deixar um único pedaço em branco. Nós sabíamos como agir, qual passo dar, mesmo sem ter ensaiado. Era interessante como nossas mentes pensavam em conjunto, como nós duas conversávamos por telepatia, como combinávamos até na aura.
A querida está vestida sem ter para onde ir
Essa é a pequena história da garota que você conhece
Confiando na simpatia de estranhos
Dando nós em cabos de cerejas, sorrindo, fazendo favores em festas
Coloque seu vestido vermelho, passe seu batom
Cante sua música
Agora que a câmera está ligada
E você está viva novamente
*
Pov Dahyun
Eu não conduzia mais a dança. Nem eu nem Sana. Pelo menos não nós enquanto pessoas físicas. Talvez nossas mentes e almas fizessem todo o trabalho, ditado pelo som, pela melodia que falava da gente, pela gente, como a gente.
Em dado momento, quando percebi que a música chegava ao fim, fiz sinal para Chaeyoung que entendeu perfeitamente o que aquilo queria dizer e agiu.
Meu amor, eu sei que você me ama também
Você precisa de mim
Você precisa de mim em sua vida
Você não pode viver sem mim
E eu morreria sem você
Eu mataria por você
— Não disse isso ainda porque estava esperando ter algo em mãos... – Falei no seu ouvido e sem parar a dança. – Feliz aniversário, meu dengo! – Afastei nossos corpos finalmente, deixei o encerramento da canção ser a trilha sonora desse momento estático entre nós. – Quer casar comigo? – Disse rindo e abrindo a caixinha que guardava dois anéis pratas.
— CASAR?! – Ela berrou com os olhos arregalados, mas entendeu segundos depois e riu junto de mim. – Oh, claro, aceito! – Esticou a mão. – Você escolhe o mês e o dia e eu o ano, pode ser? – Brincou observando-me colocar o anel em seu dedo.
— Combinado! – Entreguei-lhe a caixinha, que tratou de pegar a joia e colocar em meu dedo da mesma forma que fiz com ela. – Você gostou? – Perguntei sorrindo e com a certeza de que meus olhos estavam brilhantes e marejados.
— É o presente mais lindo mundo, eu amei! – Abraçou-me com força, beijando-me sem parar. – Obrigada, meu dengo. Esses anéis de compromisso só reforçam como a gente é para sempre.
— Amo você sempre e para sempre, minha Sana.
— Eu também te amo sempre e para sempre, minha Dahyun.
Ela me abraçou mais uma vez. Apertou-me, deixou-se emocionar. Não fui diferente, confesso. Ao fim, na separação breve de nossos corpos, olhamos uma para a outra com atenção e cuidado, denunciando a felicidade e paixão que pairava no ambiente. É tão simples amar Sana. Nosso amor é simples. É por isso que tenho certeza de que é eterno, enquanto o simples durar. Sempre e para sempre.
— Quer dar uma volta? – Perguntei para ela. – De carro. Está de madrugada, trânsito mais tranquilo, está um pouco frio também... Quer?
— Só andar de carro ou vamos parar em algum lugar?
— Podemos parar, se quiser.
— Vamos no improviso, então!
*
"Porque eu tenho dezoito anos
E eu ainda moro com meus pais
Sim, eles não são como os seus
Bem os seus são mais compreensivos
Eu nunca me apaixonei
Salvei esses sentimentos para você
Então vamos fazer toda a merda estúpida que os jovens fazem
Seu amor parece cortar-me profundamente, a imagem mais nítida
Você sempre terá uma parte de mim"
Chapter 44: People (사람).
Notes:
(See the end of the chapter for notes.)
Chapter Text
People (사람) – Agust D
"Que tipo de pessoa eu sou?
Eu sou uma boa pessoa?
Ou, se não, uma pessoa má?
As formas de avaliar são muitas
Eu também sou só uma pessoa
As pessoas mudam, como eu mudei
Vivendo num mundo onde nada é eterno
Todas as coisas que acontecem são passageiras"
*
Pov Dahyun
Semana 1.
— Dahyun? – A profissional falou confusa. – Você está confortável?
— Na verdade, essa cadeira é um pouco dura... – Respondi tentando me encaixar no assento. – O couro está me fazendo suar também...
— Oh! – Falou surpresa e sorridente. – Eu posso deixar a sala mais fria, se quiser, e pode se sentar em outro lugar também. – Assim o fiz. Levantei-me de imediato e mirei no pequeno sofá na lateral da sala. – Mas minha pergunta se referia ao seu psicológico... Como se sente hoje?
— Desculpe. – Falei com vergonha, ela anotou algo e me olhou atentamente em seguida. – Eu estou nervosa.
— Com o que exatamente?
— Essa consulta. É tudo muito novo para mim, há anos não via uma psicóloga, entende? Só psiquiatras e é um tipo de sessão bem diferente dessa... Não sei muito o que dizer.
— Não tem roteiro a se seguir, você fala o que quiser, eu escuto. – Assenti, mas permaneci em silêncio. Eu realmente não sabia o que dizer. – Na triagem você já me deixou ciente dos seus transtornos, das medicações que toma e como foram os tratamentos que teve, mas hoje vamos falar de todo o resto, combinado?
— Combinado.
— Pode falar... – Disse sorridente, mas eu ainda estava em silêncio. – Prefere que eu te faça perguntas e você as responda?
— Sim, por favor.
— Tudo bem... O que fez essa semana?
— A semana ainda não acabou, quer saber o que fiz nesses últimos dias ou na semana passada?
— O que quiser me contar.
— Vou falar de ambos, então.
Comecei contando-a sobre as inúmeras conversas que tive com meus pais, que foram mais constantes e mais proveitosas nesses poucos dias do que as que tive nos últimos três anos, por exemplo. Enfatizei isso também. E claro, ela anotou. Aquelas anotações sempre me tiravam do sério, sempre fiquei muito curiosa sobre o que os profissionais escreviam ali, o que isso queria dizer, se eles liam no tempo livre, etc.
Depois contei sobre a escola, que apesar de ser inteligente, acabei ficando de recuperação em duas matérias. Literatura e física. Era esperado que não passasse direto, porque além de sempre ter sido relapsa e devagar nessas matérias, também perdi muitas aulas, tive muitos problemas e coisas que me distraíram.
Por fim, falei sobre meus relacionamentos. Mencionei Sana, Mei e meus amigos. Também falei sobre meus pais, que foram os mais citados do início ao fim. A psicóloga seguia anotando, fazendo algumas perguntas, mas tudo com muita cautela e atenção. Eu gostava de como ela me fazia sentir confortável, como me dava tempo de pensar, de ficar em silêncio, como me guiava num assunto quando eu tangenciava, gostava da importância que ela dava ao meu conforto físico tanto quanto ao mental. Ela era uma boa profissional.
— Você gosta da sua vida hoje? Digo, vamos imaginar apenas o hoje, os primeiros meses do ano não contam. Você gosta de como está hoje? – Ela perguntou.
— Em que sentido? Porque sobre a escola não gosto, mas minha relação amorosa, por exemplo, está infinitamente melhor que no começo do ano...
— Ok, vou ser específica. – Puxou o ar, colocou o caderninho de lado e me olhou. – Você gosta da sua rotina hoje? Do que faz do acordar ao adormecer?
— Sempre muda, então, sim eu gosto. Talvez se fosse tudo igual sempre, como antes, eu não ficasse tão feliz ao ir dormir... Eu tinha esse problema, sabe?
— Qual?
— De não conseguir dormir bem. Meu sono não era legal, demorava muito mais para adormecer, acordava algumas vezes, tinha sonhos ruins e sempre acordava cansada.
— E hoje? Como está seu sono?
— Eu ainda demoro a dormir, às vezes ainda sonho com coisas ruins, mas pelo menos acordo com a sensação de relaxamento, como se eu realmente tivesse descansado.
— Quantas horas você dorme?
— Umas cinco...
— Era menos antes?
— Só um pouco menos, meu horário de sono ainda é bagunçado.
— Então sem hora para deitar ou levantar? – Assenti. – Ainda acorda no meio do sono?
— Não.
— E o que faz todos os dias de tão diferente? Já que antes era tudo igual, imagino que tenha mudado muito, certo?
— É... – Fiquei séria para tentar apontar alguma mudança muito radical, forcei a mente a pensar e prossegui com vagareza. – Eu... Bom, agora que namoro, vejo ela todos os dias, fazemos coisas diferentes e é sempre muito bom.
— O que mais de diferente?
— Meus pais estão mais em casa.
— Conversa com eles bastante, então?
— Na medida do possível, sim.
— Como vocês conversam?
— Bom, eles ainda trabalham muito, então tento não ocupar o tempo deles. E também eu... Eu não me sinto confortável de puxar assunto, falar da minha vida, das minhas metas. Ainda é estranho.
— Compartilha essas coisas com alguém?
— Minha namorada, amigos e com a Mei.
— E é confortável com a Mei?
— É ótimo!
— O que mais mudou em seus dias? – Voltou o caderno para o colo.
— Bom... Nada... Eu tenho novos amigos, então isso é diferente, certo? É, isso mudou, então.
— O que continua o mesmo?
— Eu... – Pensei, mas sem demorar muito para racionar, somente percebendo coisas que antes não estavam claras. – Bom, eu sempre saí com meus amigos, sempre me diverti. Isso continua igual. Sempre fiz gracinhas na escola e isso não mudou.
— Isso é bom? Te faz bem?
— Demais...
— Queria que tivesse mudado também? Talvez de outro jeito, o seu jeito, fosse melhor, não?
— Como assim, senhora Hwang?
— Moldar relações, coisas, etc. Faz parte do ser humano, certo? Nós sempre pensamos como algo poderia ser melhor, se fosse do nosso jeito. Talvez, você também tivesse uma imagem desse relacionamento com seus amigos, uma ideia de perfeição que ia de acordo com o que você acha melhor. Um aperfeiçoamento, entende?
— Como se eu criasse, na minha cabeça, uma rotina, personalidades, jeitos e situações bem melhores do que elas realmente são ou foram? – Assentiu. – Sim, já fiz isso.
— Consegue me dar um exemplo?
— Ah, esses dias eu briguei com minha namorada... – Contei-a sobre a pequena discussão que tive com Sana. – Eu não queria que ela tivesse agido com desconfiança, entendo que fazia sentido a reação, mas no meu mundo perfeito, nada teria ocorrido.
— Entendo... Se assim fosse, seria melhor?
— Sim. Evitaria estresse de ambas as partes, né? – Falei sem jeito. – Mas tudo bem também, já foi. – Dei de ombros e observei ela anotar mais coisa.
— Mais alguma diferença na sua vida do começo desse ano para agora?
— Eu acho que estou mais feliz. Curto mais pequenos momentos, vendo beleza em coisas que antes passavam batido. É mais leve viver agora.
— Você diria que está perfeito?
— Sim.
— Então, seguiu conforme você moldou na sua cabeça, imagino. – Comentou num sopro, sem dar continuidade a ideia, mas eu continuei pensando sobre. – O que te trouxe aqui, então?
— O carro. – Falei de uma vez, sem nem pensar. Fiquei com vergonha, mas ela riu sinceramente. – Eu ainda não estou perfeita.
— Alguém está? – Foi sua vez de brincar, riu de leve, mas eu acompanhei ainda pensativa. – Quais suas imperfeições, Dahyun?
— Meu sono, tudo que envolve ele. Minha mente ainda é barulhenta demais, ainda me distraio muito, quer ver? – Falava rapidamente. – Eu não paro de reparar no seu colar de ônix, doutora. – Apontei, ela olhou o objeto e também ficou pensativa. – Eu adoro essa pedra, preto é minha cor favorita talvez. Tenho uma pulseira com essa pedra, então associei. Preto combina com tudo, inclusive. É ausência de cores para alguns, mas prefiro dizer que é a junção de todas elas.
— A junção de todas as cores não seria branco? No aspecto da física, claro...
— Eu estou de recuperação em física por isso, então... – Respondi sem jeito. – Mas, no aspecto de massinha de modelar, juntando todas as cores de massinha, você vai ter um quase preto...
— Justo. – Ela assentiu. – O que mais está imperfeito em você?
— Hãm?
— Estávamos falando sobre sua mente que, de acordo com você, é a parte imperfeita da sua vida e de si própria... O que mais é imperfeito aí dentro?
— Bom, eu sou um tanto nervosa e impulsiva. Não sei como essas coisas podem andar juntas, já que ao mesmo tempo que temo, travo e penso demais, também penso de menos, ajo no impulso e finjo ser inabalável.
— Finge?
— É, eu não curto muito dizer para os outros que estou mal, entende? Ninguém tem nada a ver com meus problemas, não vão me curar e eu detesto ficar assim, então disfarço.
— Eles, seus amigos, acreditam no disfarce?
— Na maioria das vezes, sim.
— E você, acredita também?
— Não tem como eu acreditar, né? – Ri.
— Não? Isso se encaixa na imperfeição ou na perfeição desses meses de diferença?
— Eu sou desse jeito ainda, desde o começo do ano até agora, então não acho que encaixe em nenhuma.
— Pense sobre.
— Já estou pensando agora. – Assegurei desconfiada. – Onde a senhora comprou esse colar? Achei muito bonito mesmo...
— Foi presente. – Ela riu sem jeito. – Mas posso perguntar onde foi e te trago a resposta na próxima semana.
— Ficarei esperando... – Levantei-me após olhar o relógio. – Algum exercício para mim?
— Você quer um?
— É assim que vai funcionar? – Sentei-me novamente. Agora eu agia como se a consulta tivesse acabado, mas ela não. Eu perguntava e admirava tudo com muita curiosidade e honestidade. – A senhora vai me guiar conforme o que eu quiser fazer, senhora Hwang?
— Sim, sempre.
— Mas se eu não quiser, por exemplo, fazer algo que vai me curar?
— Eu não posso ajudar ninguém que não quer ajuda, querida. – Sorriu de canto, colocou o caderno de lado e me olhou com cuidado. – Você vai enfrentar momentos difíceis nas sessões, em alguns momentos pode até se recusar a dizer algo, a ouvir, a reproduzir alguma coisa, mas vamos adaptando tudo... Nada se resolve com imposição, entende? Não posso te obrigar a se tratar da forma que eu acho ser a certa, só você pode saber o melhor jeito...
— Legal. – Foi a única coisa que consegui dizer.
— Então, quer um exercício para que?
— Bom... Melhorar minha agitação.
— Vou recomendar um, você tenta e traz na próxima sessão um veredito. Podemos tentar mais e mais sempre que quiser, Dahyun. – Entregou-me um caderno pequeno, eu folheei e percebi que todas as folhas eram lisas e brancas.
— O que devo fazer com isso? Escrever meu dia, como num diário ou algo assim?
— Pode ser. Faça o que quiser, apenas se expresse quando se sentir agitada. Pode usar em momentos calmos também, sem problemas.
— Então não importa o que eu vou colocar nesse caderno? – Ela assentiu. – Como isso vai me ajudar?
— Não sabemos se vai, querida. Com o passar das sessões vamos descobrir.
— E se eu só desenhar aqui? Vai conseguir me ajudar?
— Você gosta de desenhar? – Eu assenti. – Faz muito isso?
— Só quando eu fico nervo... – Interrompi minhas próprias palavras. – Ah... entendi. – Guardei o caderno na mochila, levantei-me novamente e curvei-me. – Obrigada por hoje, senhora Hwang.
— Foi um prazer, Dahyun. – Ela sorriu e curvou-se também, acompanhando-me até a porta. – Nossa próxima consulta é somente semana que vem, mas você tem meu número, então pode me contatar se for preciso.
— Valeu! – Fiz um "legal" com a mão direita, terminei de colocar a mochila nas costas e finalmente atravessei a saída. – Até!
*
Semana 2.
— Como a senhora sabia que queria ser psicóloga? – Perguntei assim que me sentei no sofá. – Boa tarde, senhora Hwang. – Sorri timidamente.
— Boa tarde, Dahyun. – Arrastou a cadeira para perto de mim. – Eu li um livro.
— Só isso? A senhora leu um livro, do nada, e BOOM fez psicologia?
— O livro era de Freud. – Respondeu pacientemente. – Sabe quem foi Freud?
— Sim, nas aulas de filosofia o nome desse tio aparece bastante.
— Ao ler a obra, fui atrás de mais e mais, então percebi que eu queria me aprofundar ao máximo nos assuntos que envolvem a psique humana.
— Qual foi o livro?
— Perdão? – Ela disse confusa.
— O livro que a senhora leu sobre Freud, qual foi? Quero ler.
— "O Eu e o Id". Mas por que quer ler?
— Vai ver também descubro vocação e paixão pela psicologia... – Anotei o nome no braço. – Pode me recomendar mais, quem sabe é isso, esse é o meu destino...
— Desculpe-me, mas qual o motivo desse interesse?
— Eu não sei no que vou me formar, senhora Hwang... Estou desesperada, quero uma carreira, um sonho profissional, quero ser alguém!
— Não tem nada em mente?
— Não e nunca tive.
— Então está desesperadas por um Norte, imagino... – Assenti. – Bom, é bem improvável que encontre seu caminho se espelhando nos outros dessa forma.
— Devo apagar o nome do livro do meu braço, então? – Perguntei desconfiada e confusa.
— Não... – Riu. – Não precisa, garota. Pode ler, é muito interessante, até mesmo para quem não quer cursar psicologia. Por que esse assunto de faculdade? O que aconteceu essa semana?
— Eu terminei a recuperação.
— Ah... então terminou a escola completamente agora?
— Basicamente.
— Como se sente?
— Desesperada. Sozinha. Desempregada. E com fome. – Ela riu da última frase.
— Está agitada? – Assenti. – Fez o exercício com o caderno?
— Fiz... – Respondi sem jeito, peguei o objeto na mochila e a entreguei. – Por dois dias apenas, desculpa.
— Não tem problema. – Abriu o caderno, localizou os rabiscos e me olhou. – Um desenho num dia e um texto no outro. Por que não começa me dizendo o que o desenho significa?
— É um céu... 'Tá meio abstrato, eu sei, mas era pra ser um céu chuvoso, numa tempestade, entende? Por isso está escuro, cheio de riscos, com linhas tortas e sem ordem.
— E por que uma tempestade?
— Eu gosto da chuva.
— Quero dizer, por que desenhar uma tempestade?
— É isso mesmo, desenhei porque gosto dela. A senhora disse para eu fazer qualquer coisa nesses papéis quando me sentisse agitada, eu fiz algo que gosto.
— Aliviou sua agitação?
— Nem um pouco.
— O que causou sua agitação?
— Fiz esse desenho antes de ontem, quando fiz a prova de literatura... Estava nervosa e com medo de não acertar as questões, então pouco antes do professor entrar na sala, eu desenhei tudo isso aí.
— Como foi a prova?
— Recebi os resultados hoje de manhã, estou formada, eba! – Fingi animação.
— E o texto?
— Pode ler, se quiser.
— Certo...
"Eu gosto de Seul, gosto das pessoas daqui, até da minha rotina torta, mas quero sair mesmo assim. Não só do estado, da cidade, do bairro. Quero sair do país. Mas também não sei para onde ir, mas quero ir. Vários lugares, tudo ao mesmo tempo, viver coisas novas. Sei lá..."
— Quer me contar o contexto? – Ela perguntou após ler em voz alta.
— Para ser sincera, não lembro. – Respondi encarando o chão. – Mas sei que não fiz agitada ou nervosa. Estava de boa, mas escrevi isso mesmo assim.
— Ok. Pode me explicar o que significa, então?
— Seja mais específica na pergunta, por favor, senhora Hwang...
— Onde você queria estar quando escreveu isso?
— Não lembro.
— E agora, onde gostaria de estar?
— Na China.
— Sério? – Assenti. – Por quê?
— Foi o primeiro país que pensei, honestamente não estava desejando nada nesse exato momento...
— Vou reformular, então... Ainda pensa igual o que diz aqui nesse texto?
— Sim.
— Então ainda quer se mudar, viajar e coisas assim? – Assenti. – O que a impede?
— Nada.
— Deveria tentar, afinal novas experiências, se realizadas com responsabilidade, só trazem paz. – Pontuou olhando-me com atenção, mas eu sempre fugia dos seus olhos. – Quem sabe sua carreira profissional não é encontrada em alguma viagem?
— A SENHORA ACHA MESMO?! – Deixei-me empolgar demais. – Desculpa. É que estou perdendo o sono com isso... Não quero ficar ao léu, sabe? Quero um futuro garantido, como o da senhora depois de ler "Eu você e alguém lá"...
— "O Eu e o Id"... – Corrigiu. – Dahyun, eu nunca disse que depois de ler esse livro eu tinha na minha frente um caminho florido, claro e definido. Nem mesmo disse que era garantido.
— Mas está feliz com sua profissão, não está?
— Estou, sim. Mas sem sempre estive. Da mesma forma que poderia sempre ter estado ou, também, nunca ter estado.
— Isso é confuso.
— Não somos todos? Digo, a confusão é parte fundamental da resposta, certo?
— Acho que sim... Então vou encontrar a resposta depois dessa agonia?
— Talvez. A confusão faz parte da resposta, mas a incerteza faz parte da vida como um todo, então não sabemos até que realmente aconteça.
— Isso é um saco, então! – Falei indignada.
— É só aprender a lidar com a vida, com as coisas que fazem parte dela, e tudo se clareia.
— E como eu faço isso?
— Aos poucos, querida. – Virou-se, pegou um jogo de tabuleiro e colocou na mesinha de centro que ficava no nosso meio. – Quer jogar?
— Enquanto conversamos?
— Acho que vai ser proveitoso, quer tentar?
— É, pode ser... – Sentei-me, analisei a caixa e já entendi de que jogo se tratava. – Banco imobiliário? Sério?
— Não gosta?
— Nada contra, é só que... Ah, esquece. Vamos jogar!
[...]
— Não tem o que fazer, a senhora perdeu tudo! – Falei sorridente e orgulhosa de mim mesma. – Caiu na minha casa e não tem mais um centavo... Só propriedades...
— E poucas. – Completou penosa. – Ok, eu desisto, você ganhou.
— Obrigada, é um talento! – Recolhi suas propriedades e juntei na pilha das minhas. – Foi um bom jogo, senhora Hwang... – Continuei sorridente. – Mas nem conversamos direito.
— Conversamos, sim. Se ainda quiser dizer algo, pode dizer.
— Não penso em nada.
— Então falamos tudo, eu acho. – Guardou o jogo, fechou a caixa e virou-se. – Você se saiu muito bem, costumava jogar quando criança?
— Não muito, é muito longo, então eu tinha preguiça.
— Mas fomos até o final hoje e você nem se queixou.
— Hoje foi diferente, não sei por que, mas fluiu.
— Costumava ganhar quando criança?
— Nem lembro...
— Bom, mas hoje ganhou e ganhou de lavada. Nem demoramos muito jogando, então eu diria que é muito boa nisso.
— Obrigada.
— Viu algo além?
— Como assim, senhora Hwang?
— Acho que sua carreira profissional está definida, não? Ganhou no banco imobiliário facilmente, talvez devesse ser corretora de imóveis, você se saiu divinamente bem...
— Senhora Hwang? – Falei abismada. – Isso é um jogo, não pode definir minha carreira, não sei nem o que um corretor faz direito.
— "O Eu e o Id" também era só um livro.
— É diferente. – A cortei.
— A vida é um enorme jogo também, se olhar direitinho, somos as peças. Qualquer jogo se encaixa. Também podemos ser um livro, se assim observarmos, longo, fino, intenso ou sem graça. De vários volumes, reviravoltas e um fim.
— O que está tentando dizer?
— Não sei, o que acha que isso quer dizer?
— Como eu vou saber? A senhora que fez a analogia.
— Então não acha que pode ser corretora?
— Não, não acho.
— E por quê?
— Porque isso foi só um jogo, não tem como, em minutos, eu definir o resto da minha vida.
— Entendi...
Danada. A doutora agia sem eu perceber e me fazia, sem que eu me desse conta, também perceber as coisas tortas que dizia. Eu chegava a conclusões tão de repente, seu jeito sutil me dava um conforto ao encarar a realidade dos fatos, não temia quando encarava a verdade e, o melhor, refutava a mim mesma sem ressentimento.
Assim como não poderia escolher uma carreira por ter ganhado num jogo infantil, também não poderia lendo um livro, seguindo o roteiro de outro alguém. Não podia apressar. Não adiantava seguir o que eu não queria apenas pelo desespero de encontrar algo que nem sei o que é. E, caso encontrasse, talvez nem fosse o certo.
— Aqui, Dahyun. – Entregou-me um livro. – Dessa vez seu exercício é de pintura. No momento em que sentir que precisa ou apenas quando quiser, pinte qualquer uma dessas figuras.
— Mandalas? – Analisei as páginas em preto e branco com certo desdém. Pintar era mais a cara de Chaeyoung que a minha, nunca dei cores aos meus desenhos, eles combinavam mais sem elas. – Nunca pintei mandalas...
— Bom, então vai ser a primeira vez, se quiser. – Sorriu simpática.
— Eu quero, eu acho... – Guardei o livro na mochila, levantei-me e a olhei confusa. – No que isso pode me ajudar?
— De novo, ainda não sabemos.
— Mas tem que ter alternativas, possibilidades. E a senhora deve ter uma ideia, né?
— É... Bom, isso pode te acalmar. Pintar relaxa, exige foco e atenção, pode despertar coisas em você também, quem sabe uma paixão pelas cores...
— Entendi... – Caminhei até a porta. – Valeu, senhora Hwang, até a próxima.
*
Pov Sana
— Cheguei muito atrasada?! – Perguntei ofegante e preocupada. – Desculpem... Peguei trânsito depois da terapia, mas vim o mais rápido possível, já ensaiaram quais passos? – Comecei a me alongar.
— Nenhum, Sana. – Tzuyu respondeu com os olhos cerrados. – Cara, você é muito é doida... Se atrasou por dez minutos apenas.
— Então não fizeram nada esse tempo todo? – Perguntei.
— Não, eu disse para darmos um tempo até que aparecesse. – Momo respondeu. – Terminou o alongamento? – Dizia seriamente, eu assenti. – Ótimo, então vamos começar na ordem mesmo. Primeira música, break, depois segunda música e, por fim, a terceira com tudo que tem direito.
— De uma vez? – Nayeon perguntou assustada.
— Sim, tudo de uma vez, sem pausas. Por quê?
— Cara, é muito pesado...
— No dia vamos apresentar as três, certo? Mesmo com os intervalos dos jogos, ainda vamos ter que apresentar as três canções, então sem moleza! – Ordenou. – Vamos, nas posições.
— Que saudade da skin líder Hirai... – Falei sorridente, obedecendo às ordens e esperando a contagem.
— Ela é tão boa na dança que esquece que não somos como ela. – Jennie disse. – Eu tinha desacostumado com o treino pesado dela, socorro!
— De onde combinamos, Seungsik. – Mina falou para o rapaz que cuidava da música. Ele tinha um laptop no colo e muita atenção em tudo ali.
— Primeira música, do começo, "Magic – B.o.B". – O Kang falou, apontou e deu o play. A canção já estava programada para começar conforme a contagem da líder.
— E cinco, seis, sete e oito... – Momo disse e o ensaio começou.
Dançávamos numa sincronia invejável, tínhamos sorrisos largos nas faces e uma facilidade em executar os passos impressionante. Eram passos simples a princípio, mas que aumentaram a intensidade e dificuldade após o segundo refrão.
Ainda assim, fizemos com maestria. O centro da formação, para essa canção, foi um holofote divido entre Nayeon e Jennie. O encerramento foi simples, dado após uma pirueta de três, onde as duas coreanas e Tzuyu eram arremessadas para cima e paravam, novamente, em pé e em cima das mãos das outras, como no início.
— Segunda música, do começo, "Till the World Ends – Britney Spears"! – Seungsik disse, apontou e deu o play.
Momo fez a contagem e o instrumental iniciou. Essa não duraria mais da metade. Nossa apresentação nesse momento era apenas para um intervalo do jogo, deveria mostrar força, habilidades e, ao mesmo tempo, dar um gostinho de quero mais. Denunciaríamos, com a letra, que o dia do baile seria lembrado para sempre e daria a mesma sensação de "continuar dançando até o mundo acabar". O foco central foi em Mina e Tzuyu.
— Terceira e última, galera! – Ele disse eufórico. – "Only You – miss A"!
A nossa líder contou e nós agimos. Essa música seria como a primeira na duração, dançaríamos do início ao fim. Era finalmente a última de todas as apresentações, o encerramento daquele momento da festa e o início da comemoração com todos juntos ao mesmo tempo. Precisava ser grandiosa. O foco desta era, principalmente, eu e Momo.
Todas fizeram a coreografia, em conjunto, então a execução ficou como o processo criativo: perfeita. Fluiu, nós combinávamos demais juntas. A letra era linda, o instrumental combinava com o momento, emanava o sentimento de fim, mas sem drama. Era um novo começo. O encerramento da apresentação foi como o início, como a anterior, como todas que fizemos durantes anos: mágico.
— Eu vou ter uma morte rápida, assistam! – Nayeon falou ofegante. – 'Tô morta!
— Estamos todas, mas valeu muito a pena! – Momo comentou satisfeita. – Foi tão lindo, quero chorar, sério. – Fez bico e notei que seus olhos estavam realmente marejados.
— Foi surreal. – Mina disse sorrindo muito e enxugando as poucas lágrimas que escaparam dos olhos da namorada. – Vai ser mais lindo ainda no dia do baile, com a produção, figurino, música mais alta e o público vibrando pela gente...
— E chorando com a gente! – Tzuyu provocou, mas sorria orgulhosa igual. – Em três dias...
— Não acredito que só falta isso, caraca! – Jennie soltou temerosa. – Minhas carnes já começam a tremer, credo!
— Pessoal, vocês vão matar a plateia! – Seungsik chegou perto de nós, sentou-se no chão ao meu lado e sorriu largamente. – Foi sensacional, cara!
— Valeu... – Disse ofegante, mas um tanto emocionada também. – Inclusive, quando vamos fazer o último ensaio mesmo?
— Um dia antes da festa, até a noite. – Momo respondeu. – Os figurinos já estarão prontos, então vamos ensaiar usando-os, treinar a troca, a folga, etc...
— Quem ficou por conta dos figurinos? – O Kang perguntou.
— Um carinha amigo da Somi, ele é do segundo ano.
— Como ele é?
— Já vai dar em cima dele, Sik? – Tzuyu brincou.
— Não, sua besta, é que tinha um moleque querendo entrar aqui pouco antes de vocês começarem, mas eu dispensei sem dó.
— E o que tem?
— Ele estava com umas caixas do lado, mas não dei atenção a elas, só que agora...
— SERÁ QUE ERAM OS FIGURINOS? – Nayeon soltou eufórica.
— Não sei, mas pode ser. Como é esse amigo da Somi?
— Baixinho, olhos marcantes, cabelo bem preto... – Jennie respondeu. – Não adiante descrever, o nome dele é Lee Jihoon, mas o apelido é Woozi. Conhece?
— Não, mas pela descrição, era ele na porta.
— E VOCÊ DEIXOU ELE VAZAR? – Falei afoita.
— Ué, a Tzuyu disse que ninguém poderia entrar aqui, que eu deveria expulsar qualquer um e tal. – Respondeu agoniado. – Essa taiwanesa louca até fez tortura psicológica comigo para não falar nem as músicas que vocês usaram.
— Mas isso é o mínimo, né? A galera tem que ficar surpresa com tudo, saber a trilha sonora estragaria boa parte disso... – Mina disse.
— Eu sei! E não contaria para os outros, mas ela me fez jurar que nem para minha irmã eu poderia falar! – Disse afobado. – Enfim, vou atrás do Woozi, esperem aqui.
— Como sabe que ele ainda está aqui? – Perguntei.
— Não sei, mas sei que a Somi está. Veio comigo e Chaeyoung, então talvez ele tenha saído da porta e foi esperar conversando com a amiga.
— O que elas vieram fazer aqui? – Mina questionou desconfiada.
— Tchaaaau! – Seungsik fugiu do assunto e saiu rapidamente.
*
Pov Dahyun
Semana 3.
— Boa tarde, senhora Hwang! – Disse sorridente, passei pela porta e sentei-me no sofá de sempre. – Aqui está o livro de pinturas. – Entreguei o objeto, ela puxou a cadeira e sentou-se também no lugar de sempre, na distância e ângulo de sempre. O colar de ônix estava ali de novo.
— Obrigada. – Agradeceu o livro, mas não o abriu. – Boa tarde, Dahyun. – Sorriu. – Como está hoje?
— Bem.
— O que fez essa semana que ficamos sem nos falar? – Especificou antes que eu pedisse.
— Minha escola sempre dá uma festa no fim do ano, mas eu e minhas amigas demos um jeito de fazer essa ser uma celebração diferente de todas as outras. Está bem maior, mais impactante, mais trabalhosa e cheia de novidades. O que eu fiz foi ajudar na organização.
— Fez mais alguma coisa?
— Claro, mas a maior do tempo foi só isso mesmo. Antes que pergunte, eu gosto disso.
— Entendi... – Riu baixinho, anotou algo e finalmente abriu o livro. – Hm, você fez bastante dessa vez... Quatro desenhos completos e dois quase finalizados... Bacana.
— Vou ganhar um dez? – Brinquei e ela riu. – O que me diz sobre meus dotes com pintura?
— Não entendo muito de arte para julgar... – Brincou de volta. – Por que pintou a maioria deles com cores escuras? Dois dos quatro finalizados estão em tons de cinza apenas...
— Eu disse que gostava de preto.
— E por que parou a pintura desses outros dois?
— Foram os primeiros que tentei, fiz quando estava agoniada e parei porque fiquei melhor.
— Por conta da pintura?
— Não sei, mas me acalmei e fui fazer outra coisa.
— Que coisa?
— Qualquer coisa.
— Sobre o que quer falar hoje?
— Não sei se tenho algo para falar hoje...
— Nos dias que concluiu a pintura até o fim, foram dias em que não conseguiu se acalmar rapidamente?
— Na verdade, não. Quando pintei tudo, fiz em momentos aleatórios, de tédio. Coloquei uma música de fundo ou um podcast e pintei.
— Não fez apenas a pintura isoladamente? Foi sempre com algo de fundo? – Assenti, ela anotou. – Quer continuar com o livro?
— Acho que gostaria de outro método.
— Esse não serviu?
— Serviu, mas só usei duas vezes em momentos ansiosos, justamente pela impaciência de pintar num momento de ansiedade.
— Entendo. O que acha que funcionaria?
— As nossas conversas funcionam.
— Certo... – Anotou algo e me olhou fixamente depois. – Como está sua relação com seus pais?
— Do nada. – Pontuei espantada pelo assunto aleatório para mim, mas bem programado por ela. Assim que reagi, percebi Hwang anotar mais alguma coisa. – Está boa, eu acho... Digo, eles continuam na mesma que da última vez que comentei sobre. Trabalham em horários mais normais agora, mas nossas conversas seguem num ritmo lento, são todas vagas, nunca aprofundo nada e sempre corto quando eles tentam aprofundar.
— Por que você evita conversar mais afundo?
— Não sei, talvez eu não esteja pronta para isso ainda. Eles são dois estranhos para mim, afinal.
— Isso te machuca ou é indiferente?
— Não sei...
— O que você sente com isso?
— Seja específica, senhora Hwang, por favor...
— Você sente uma dor no peito ou pontadas? Como se seu coração apertasse?
— Sim.
— Está mais para emoção pela felicidade de um desejo antigo estar finalmente acontecendo ou mais próximo de culpa por não conseguir retribuir e aproveitar essas demonstrações?
— Mais para culpa, eu acho...
— E você se culpa por que exatamente?
— Eu não consigo agir normalmente, não esqueci o que eles fizeram comigo, amo mais a Mei, que era minha babá, do que amo meus próprios pais. Prefiro estar com qualquer pessoa, menos com eles. Sempre reclamei do tempo que passam trabalhando, mas agora que vivem em casa, me incomodo também, então saio mais, para ter menos contato.
— E o que sente quando tem esse contato? O que sente que te faz querer cortar de imediato?
— Sinto agonia, um desconforto estranho. Parece que não são eles ali, não estou acostumada com tanto paparico. É tudo muito novo, apesar de ser velho na cronologia das coisas, já que eu recebia tudo isso quando criança. E eu... eu não acho natural.
— Não acha que o que eles fazem agora por você seja natural?
— É.
— E por quê?
— Parece que a culpa deles fala mais alto que o sentimento verdadeiro. Parece que eles estão se forçando a demonstrar amor já que eu quase morri pela minha mãe e precisei ser salva pelo meu pai...
— Então se culpa por sentir tudo isso por eles, achar essas coisas e reagir dessa forma que descreveu? – Assenti. – Quer mudar?
— Queria não me sentir culpada. Melhor, queria ficar normal com eles, ter uma relação normal, algo que pareça natural, que me faça bem porque é bom de fato...
— O que acha que pode fazer para mudar isso?
— Não faço ideia.
— Acha que tem algo?
— Deve ter...
— Você quer fazer algo?
— Não sei, mas queria ficar em paz com isso. Sei lá, me livrar desse peso. Fazer alguma coisa para resolver tudo.
— E o que já está fazendo para mudar?
— Nada.
— Entendi... – Anotou, virou-se e foi atrás de algo no armário. Ela estava em completo silêncio.
— Não vai me dizer o que fazer? Eu quero saber... Preciso saber.
— Eu não posso ditar nada para você, Dahyun, já falamos sobre isso.
— A senhora disse que não podia ajudar quem não queria ajuda e eu quero! Então me ajude, por favor...
— Disse mesmo, mas esse caso não se trata disso. – Pegou uma caixa, colocou em seu birô e começou a mexer nela em busca de algo.
— E do que se trata?
— O problema é seu, mas envolve outras duas pessoas, você não pode resolver sozinha algo que é sobre três pessoas juntas, não dessa forma.
— Mas é um sentimento só meu, então é um problema só meu.
— Como sabe que eles também não se sentem mal igual?
— Não sei, mas isso não é um problema meu. O meu problema é o que eu sinto e isso eu quero resolver, mas não sei como. Quero a ajuda da senhora para isso.
— Oh, querida, você já entendeu tudo...
— Hã?
— Repita a primeira frase. – Tirou uma caixinha menor e guardou a maior de volta no armário.
— "Não sei, mas isso não é problema meu." O que isso tem a ver?
— Não sei, diga-me você. – Sentou-se novamente, mas eu continuei confusa e denunciava isso pelo meu cenho franzido e postura rígida. – Certo, não consegue perceber ainda, né? Tudo bem, as coisas têm o próprio tempo.
— Não pode me explicar?
— Não. Não funciona assim.
— E como funciona?
— Você só vai conseguir entender, acreditar e seguir alguma coisa referente a si, suas relações e, principalmente, ao seu tratamento quando for você mesma a descobrir essa coisa. Eu não posso ditar, o tempo é importante justamente por isso.
— Não aceito isso, mas ok... – Dei de ombros aborrecida. – Eu só queria, então, que a senhora me dissesse ao menos uma coisa para eu fazer para tentar ficar bem comigo mesma em relação a essa situação com meus pais.
— O que você já está fazendo sobre?
— Nada.
— Dahyun, às vezes fazer nada já é fazer alguma coisa.
Aquilo foi como um choque... A doutora Hwang sempre bateu na tecla do "tempo", que cada um tem o seu, a sua forma de lidar e reagir, que as horas fazem diferença e cada ação conta. Foi aí que eu entendi que o meu "fazer nada" já era eu mesma tomando meu próprio tempo para entender que agora meus pais agem do jeito que pedi e precisei durante minha adolescência inteira.
Eu faço nada em relação a isso justamente porque é o que me resta. Minha adolescência está acabando, meus problemas maiores sendo tratados, meus traumas sumindo e eu crescendo. Não tem nada que nenhum de nós três possa fazer porque o tempo não volta, ele só passa.
— O que é essa caixinha aí? – Perguntei depois de um momento em silêncio.
— É seu exercício da semana. Tente. – Entregou-me a caixinha e eu imaginei ser um jogo. – Tem exatamente sete imagens diferentes, uma para cada dia da semana, mas pode fazer mais de um por dia, se quiser.
— O que é isso?
— Um quebra-cabeça. Um não, sete.
— Vou perguntar mesmo sabendo que a resposta da senhora não vai ser tão direta quanto suas perguntas... – Levantei-me após guardar a caixinha. – No que montar quebra-cabeças vai me ajudar?
— É um jogo que impulsiona a memória, a concentração e te faz pensar. Experimente fazer, dessa vez, sem nenhum som em volta.
— Ok, isso vai ser difícil, então.
— Apenas tente. – Abriu a porta. – Vejo você semana que vem, Dahyun!
— Obrigada. Até depois, doutora. – Passei e acenei já um tanto distante dela.
— Boa festa, inclusive... Não vamos nos ver mais antes dela, então... Divirta-se! – Gritou de leve para que eu ouvisse já perto da saída. Agradeci no mesmo tom, bati a porta e sumi.
*
"Às vezes, você pode derramar lágrimas quando está chateado
Talvez haja alguma coisa lá no final
Uma vida especial, uma vida normal, cada uma do seu próprio jeito
Nem sempre vai sair do jeito que você planejou
Todos lidam com momentos inconvenientes
As constantes situações dramáticas tornam a vida cansativa
Se você não tem, você quer ter; se você tem, você não quer mais
Sua normalidade
É o meu extraordinário"
Notes:
então... só mais dois capítulos até o fim da fic
Chapter 45: Lust For Life.
Chapter Text
Lust For Life – Lana Del Rey
"Porque somos os donos do nosso próprio destino
Somos os capitães de nossas almas
Não há como fugirmos disso
Porque, baby, somos de ouro"
*
Pov Dahyun
Dia do baile
Já era noite, eu já estava devidamente arrumada e já estava a disposição para levar Sana comigo ao baile. Dirigindo devagar ao me aproximar da casa da minha namorada, noto a mesma van de outro dia, mas diferentemente daquela ocasião, quem se despede do rapaz baixinho é meu sogro.
Quando a van finalmente sai da frente da casa, meu carro ocupa o lugar, eu desço e já estampo um sorriso solícito para cumprimentar o homem:
— Boa noite, senhor Minatozaki. – Falo depois de me curvar brevemente. – Como está?
— Oi, Dahyun. Estou bem e você? – Sorri de volta, posiciona a cadeira de rodas para mais perto da porta, mas não tira os olhos de mim. – Veio buscar a Sana para o baile?
— Estou bem, obrigada. Sim, ela já está pronta?
— Acho que não... Passei por ela há pouco e a vi usando roupas casuais demais, bem diferentes das suas. Aliás, não está cedo demais para irem a tal festa? O sol acabou de se pôr...
— Sim, está, mas o senhor sabe a filha que tem, né? – Rimos juntos de forma descontraída. – E ela precisa se aquecer com as outras líderes para a apresentação, entende?
— Oh, sim... – Virou a cadeira com as próprias mãos e encarou o interior da casa. – SANA-YAH! – Berrou tentando fazer o chamado chegar aos ouvidos da japonesa. – Sua namorada está aqui, seja rápida! – Berrou não tão alto, mas o suficiente para que ela ouvisse e eu, como esperado, queimasse de vergonha.
— Oi! – Sana aparece em nossa frente com rapidez, ofegante e vestindo as mesmas roupas que o Shitara descreveu. – Vamos?
— Vamos! – Foi só o que consegui dizer. Viramos de costas, prontas para entrarmos no meu carro, mas algo interrompeu nossos passos já bastante apressados.
— Dahyun? – A voz masculina me paralisa, eu olho e respondo com o olhar apenas. – Cuide da minha filha, hm? – Tentou fingir rigidez, mas seu sorriso simpático tirava a tensão da frase. Eu sorri de volta, assenti e adentrei o carro de vez, sentindo, mais uma vez, minhas bochechas queimarem de vergonha. O sorriso maroto do homem tirava a tensão da frase, mas não de mim. – Divirtam-se!
— Valeu, pai. Se cuida aqui, beleza? – Sana diz antes de levantar seu vidro. Eu aceno, buzino e dou partida finalmente. – Você está linda, meu bem.
— Obrigada. – A encaro brevemente, sorrindo com os olhos.
Eu estava usando uma espécie de terno, mas não era tão formal quanto. Era uma calça social preta, uma blusa branca, também social, de botões e lisa, mas era bem mais curta que uma comum. Nos pés, um salto simples, delicado e de cor preta se faz presente. Os acessórios que uso são os mesmos pratas de sempre, enfeitando meu pescoço com colares diversos, orelhas com brincos finos, dedos com anéis alternados e, por fim, os pulsos com uma pulseira em cada.
— Seu pai sabe... Ele sabe da gente? – Perguntei finalmente, ela riu brincalhona antes de me responder.
— Sim, sabe. Pelo menos é o que parece, né? – Riu de novo, mas eu continuei séria. – Nunca falei nada, mas só por falta de oportunidade mesmo, ele não tem, nem nunca teve, problema algum com essa questão.
— Então estamos abençoadas? – Brinquei em alívio e ela assentiu. – Que bom... Ei, por que não está pronta?
— Eu até ia colocar a roupa de líder logo, mas decidi me vestir lá mesmo, quero que você se surpreenda até com o figurino! – Sorriu sapeca, como quem bolava um plano maléfico. – O que vai fazer nesse tempo todo de espera? Digo, vai demorar até que a festa comece de fato...
— Sei lá, andar por aí... Não tem problema, fico no celular ou conversando com algum funcionário, não importa. – Menti atuando da melhor forma possível e disfarçando divinamente bem o sorriso sapeca que queria escapar.
*
— E aí, tudo pronto? – Perguntei chegando no lugar secreto combinado.
— Sim! – Seungsik responde chegando atrás de mim, animado e sorrindo muito. – Mais cedo, deixei os equipamentos para a Kiss Cam com os carinhas que fazem informática e acabei de receber uma mensagem dizendo que está tudo pronto!
— Essa ideia da Miyeon foi fantástica! – Jeongyeon diz animadamente. – Mas estou curiosa pela tal pegadinha de fato... Diz, Dubu, o que você pretende?
— Lembram da fofoca que a Nayeon nos contou no último dia de aula? Sobre o provável romance do diretor Wang com a professora de artes? – Eles assentiram. – Perguntei a Yuna sobre isso e ela me confirmou, então, para ajudar os pombinhos e fazer o Wang lembrar de mim para todo sempre, a Kiss Cam vai focar nos dois em algum momento da festa!
— Oh putaria! – Chaeyoung soltou rindo. – Ele vai ficar morto de vergonha, tadinho!
— Não importa, estamos fazendo um favor... – Jihyo comentou. – A professora de artes é uma figura, totalmente desinibida, tenho certeza que vai voar no pescoço do diretor e dar um beijão de cinema.
— Que visão dos infernos! – Seulgi disse tampando os ouvidos, fechando os olhos e fazendo barulho de vômito. – Os carinhas de informática vão focar em mais alguém ou só neles?
— Eu já deixei avisado que quero aleatoriedade! – O Kang respondeu. – Obviamente que vão focar nos casais, mas os solteiros vão ser surpreendidos.
— Você pediu para focarem em você com algum carinha, né? – Perguntei implicando.
— Sim... – Respondeu desconfiado.
— Enfim, se está tudo pronto, podemos dispersar e começar a festa? – Miyeon perguntou animada.
— E devemos! – Jeongyeon respondeu, empurrando Jihyo, que empurrou o Kang, que empurrou a irmã e que empurrou a Cho, por fim, formando um trenzinho e saindo dali.
— Bro, e a última de todas, você conseguiu ajustar?
— Claro! – Respondi sorridente e piscando apenas um dos olhos de forma orgulhosa.
Após a breve comunicação, nós saímos da salinha secreta, logo nos separando por completo ao encarar a pequena multidão que se formava no salão.
A festa já estava acontecendo, a música já era alta, animada e do gosto de todos. Os jovens dançavam, bebiam, cantavam e curtiam da forma mais honesta possível. Eu não fui diferente e deixei-me levar pela música e pelo momento longe da minha namorada e dos meus amigos que não duraria muito.
Depois de alguns minutos apenas, a voz do diretor é ouvida ao microfone, a atenção é dele e a euforia é nossa. O anúncio dos jogos é feito, nós nos organizamos no ginásio grande, outra música começa e as líderes adentram o campo, tomando o centro do mesmo e tendo todo os holofotes da festa.
A primeira música inicia, eu encaro Sana imediatamente. Ela está linda. Sua roupa é branca, com detalhes em dourado, é personalizada para esse momento, costurada sob medida, não frouxa, mas também não tão apertada. Estava perfeita. Ela é perfeita.
"Eu tenho a magia em mim
Sempre que eu toco aquela musica, vira ouro
Todos sabem que eu tenho a magia em mim
Agora todos querem um pouco de magia"
As piruetas são ousadas, impressionantes e sincronizadas. Combinam com o momento, com a música, com o sentimento. Gritos da plateia são ouvidos, palmas depois e mais berros. A primeira apresentação se encerra, uma amostra dos jogos ocorre, nós assistimos e sentimos.
Sentimos o que sempre sentimos. A adrenalina corre em nossas veias, o sangue ferve, o coração acelera. Uma competição é sempre instigante, é sempre estimulante. Uma competição é sempre uma competição, mesmo que curta, sem nenhum prêmio ou como uma despedida. É dopamina pura, agita, entrete.
E se encerra. A segunda música vem, as líderes vêm, Sana vem. A roupa é a mesma, mas as expressões não. Os passos muito menos. Ainda intensos, hipnotizantes e impressionantes, só aumentam a dificuldade, o estímulo na plateia em gritar, a euforia geral.
Olho Sana, que mesmo distante demais de mim, encontra meu olhar e penetra a ele sem dificuldade. Não tira de mim a íris marrom, a pupila dilatada, emocionada e orgulhosa de si. Ela é tão incrível, tão perfeita. E está tão linda, impecável e fora da curva.
Sana é isso. Não é previsível, não está dentro de um enredo já finalizado, não é tangível. E eu gosto disso. Gosto de amá-la da forma mais improvisada possível, da forma de quem é certinha, mas gosta de aprontar, de sair do correto, que gosta de pecar.
Esse é o sentimento. Pecaminoso.
Sana é jogada para cima pelas companheiras, mexe, remexe, encara o público e continua intacta na pureza da beleza e do imprevisível. Ela é tão forte, seu jeito é tão intenso que me faz querer pecar, errar, faz-me viciar numa droga inominável, sentir que é bom viver na incerteza, na curva sinuosa, derrapar na estrada. Ela é boa demais, não é tão certinha como parece e por isso é um pecado. Ela me dá vontade de pecar, de lutar contra, mas perder.
"Veja a luz do Sol, não estamos parando
Continue dançando até o mundo acabar
Se você sente isso, deixe rolar
Continue dançando até o mundo acabar"
Um outro jogo inicia e eu curto até o último segundo, deixando minha mente divagar da minha namorada por alguns minutos. Vibro junto da galera, grito, brigo mentalmente, fico nostálgica e grata. É o fim, mas é bom.
A última dança de todas agora. As líderes entram em cena mais uma vez, com as mesmas roupas, mesma força, mesmas habilidades, mas uma música diferente, olhar diferente, coreografia diferente.
Elas brilham. Movimentam-se como plumas, penas delicadas. Momo tem um olhar sério, concentrado e rígido. Executa os passos sem sentir, faz porque sabe, porque faz parte dela ser assim, dançarina. Mina olha a todos com frieza, dança como uma profissional, leve, solta, livre. Nayeon sorri, um sorriso largo, acompanhado de um olhar firme, duvidoso, mas intenso. Ela dança e encanta.
Tzuyu é como uma boneca, mexe-se de forma não real, ela é surreal no centro. Tem olhares demais em si, mas não se acanha com nenhum deles. Domina, controla, desenrola. Jennie é diferente quando se apresenta, muda sua personalidade mais meiga. Com holofotes, a Kim não brinca. É séria sorrindo, hipnotiza, seduz.
E então eu vejo Sana. Minha Sana. O cabelo é brilhoso, o rosto é reluzente, os olhos estão marejados. Ela é a dona dos holofotes. Dona de tantas coisas, de tanta fortuna. Ela é um pecado, todos eles. Causa todos eles também. Os sete pecados capitais são Sana, insana no palco, no centro, no mundo.
Sua sedução, o olhar de luxúria, a forma doce que ela pode ser salgada, o jeito frio que na verdade é quente e a forma calma que é, de fato, intensa. É Sana. Causando minha ira, minha gula. Arranca inveja, soberba, mas a preguiça é aliada, já que nada a derruba. É bom olhá-la de longe, notar o quão grande ela é. Desejá-la e tê-la, vê-la e enxergá-la. Tocar e sentir, amar e viver. Comigo, pra mim, para ela.
Como disse, tem fortuna. É mais cara que a moeda mais valorizada, o dinheiro não a compra, ela é o dinheiro. Cifrão é seu sobrenome, avareza sou eu, que a tenho, que a quero, que logo menos irá parar de apenas olhá-la de longe.
*
Pov Sana
— CONSEGUIMOS! – Nayeon berra satisfeita ao adentrarmos o vestiário. – Foi lindo, né? Eu achei que foi, não erramos nada...
— E aqueles gritos? – Tzuyu começou ainda eufórica. – A galera vibrava conosco, eles enlouqueceram junto, foi mágico.
— Dissemos que seria mágico desde a primeira música. – Jennie completou. – Foi perfeito... Certo, líder?
— Foi, sim. – Momo falou após fechar a porta atrás de si. – Eu estou em choque ainda... Não erramos, levamos o público ao delírio, foi impecável, gente... Estou orgulhosa de nós.
— E tem toda razão em ficar. – Falei. – Encerramos com chave de ouro, nós fizemos história nesse colégio, acabamos o ensino médio bem demais!
— Vamos fazer a última rodinha? – Mina sugeriu, aproximou a gente e nós começamos a colocar uma mão em cima da outra. – Eu amo vocês, amo a gente, nosso time... Amo tudo isso.
— A gente sempre vai ser um time, Minari. – Tzuyu disse. – A escola acabou, mas nós não. Como a segunda música, nós vamos continuar dançando, talvez só diminua a intensidade. O mundo é grande, mas a gente, juntas, é bem maior.
— Amo vocês. – Falei com os olhos mais marejados ainda. – Obrigada por tudo isso, foi tão lindo. Eu vou sentir saudades.
— Pensa que é só o fim desse capítulo. É o começo de outra etapa, uma nova temporada das nossas vidas. – Nayeon disse já chorando de leve. – Eu também amo tudo aqui, todas vocês.
— Não acabou mesmo. – A Kim falou. – A gente não tem fim. Amo demais vocês...
— Adorei ser a líder de vocês, brigar com vocês, dançar com vocês, tudo... Mas, principalmente, amei estar com vocês, amei amar vocês, conviver com vocês... Isso nunca vai acabar mesmo. – Momo disse chorando e colocando a sua mão em cima do resto, que era última que faltava. – UM... DOIS...
— TRÊS! – Berramos ao mesmo tempo, gritamos o slogan, mexemos as mãos e levantamos, por fim, com tudo. Com toda a intensidade, emoção e felicidade que aquilo pedia.
[...]
— Adivinha quem é! – Falei perto do ouvido de Dahyun, tampando seus olhos por trás.
— Hm... – Atuou boba, como sempre. – É O SENHOR WANG? – Berrou fingindo surpresa e riu alto ao fim, junto de mim. – Sana! – Falou quando fiquei de frente para ela, já vestida para a festa.
— E aí? Curtiu muito sem mim aqui?
— Na verdade, eu só chorei... – Fez bico. – Sem você não tem graça! Não dancei, não curti, não ri... Que vida cruel!
— Você não sabe nem mentir... – Entrei na brincadeira, ri de leve e tomei o copo que ela segurava na mão esquerda. – Não fez nada, exceto beber, né?
— Bom, eu tinha que me hidratar, né? Compensar as lágrimas que derramei de saudade com a sua ausência... – Tomou o copo de volta quando eu bebi um pouco.
— Você é tão besta! – Ri alto e logo senti minha cintura ser agarrada por ela, que juntou nossos corpos, encarou meus olhos profundamente e aproximou nossos rostos devagar. – Gostou da apresentação?
— Eu amei tudo, vocês foram fodas demais! Fiquei de boca aberta a cada momento que jogavam uma de vocês para cima. – Sorria largamente ao falar. – Você era a mais linda, dominou tudo ali... Como sempre...
— Achou mesmo, loirinha? – Não pude evitar de ruborizar com aquilo e o sorriso em meus olhos denunciava a felicidade com tais palavras. – Qual foi sua parte favorita?
— No final, quando a música do Miss A estava na metade. Você parecia um anjo, uma figura de outro mundo, foi surreal.
— Como assim, Dahyun?
— Não sei, mas estava diferente, com um brilho diferente nos olhos, na roupa, em tudo. Você parecia tão feliz e orgulhosa, parecia que seu eu adolescente estava se despedindo de tudo que cultivou durante todos esses anos, foi realmente um encerramento.
— Uau... Nem percebi que estava tão entregue a performance.
— Não foi só a performance, Sana. Tudo isso que falei vai desde a preparação até a execução final. Você se entregou por completo, se despediu de um jeito que vai deixar uma saudade boa, uma dor que não dói para machucar, sabe?
— Você deveria ser poetisa.
— Boba... – Desviou o olhar. – Ah, por falar nisso, deu certo expor a dança de vocês na exposição de artes?
— Ainda não foi até lá ver? – Negou. – O Yuta assegurou que a televisão passando em loop nossa dança estaria lá, eu acredito que esteja tudo certo.
— E ESTÁ! – Chaeyoung aparece, interrompendo nossa conversa e sorrindo de orelha a orelha. – VÃO VER LOGO ISSO!
— Calma, bro. – Dahyun disse, soltando-me devagar. – Você já viu tudo?
— Mais de três vezes.
— Os diretores de faculdades e a imprensa já chegaram? – Somi perguntou chegando perto de nós.
— A imprensa chegou faz tempo, desde o início estão aqui. – Tzuyu respondeu. – Mas não vi diretor algum.
— É, não chegou nenhum ainda... – A Son respondeu. – Por isso olhei tudo aquilo mais de três vezes. Estou esperando que algum me pare e diga: "Você é a incrível Chaeyoung, autora dessa tela magnífica? Queremos você na nossa universidade amanhã!" – Usou uma voz mais grave e atuou de maneira engraçada.
— Você é tão besta! – Jihyo disse rindo e se aconchegando nos braços da minha melhor amiga. – Vamos ver essa exposição logo, quero ver as obras de vocês.
— Bora! – Nayeon berrou após virar um copo com líquido duvidoso e se aproximou de nós, tomando a frente da quase caravana que formávamos todos juntos.
*
Pov Narrador
Não estava nem na metade do baile e os jovens pareciam saber disso, já que não se via ninguém alterado demais, perdendo a curtição por embriaguez, preguiça ou algo do tipo.
Não era diferente nos grupos de Sana e Dahyun. Apesar de beberem constantemente, os adolescentes alternavam com água e refrigerante, para equilibrar o álcool no organismo e não perder o controle. Eles riam de si mesmos, dançavam no caminho e conversavam como sempre.
A exposição de artes contava com inúmeros objetos, diversas formas de arte, variadas técnicas, expressões. Era a beleza do misturado, da diversidade, das interpretações. Pinturas, esculturas, danças, poemas, desenhos, fotografias, etc. Tinha de tudo "um muito", era belo pela própria existência.
Chaeyoung pintou uma tela grande, do seu tamanho e da forma de seu corpo. Era como um ser humano feito de pano para pintura. Ela usou diversas cores e tipos de tinta, pintou várias paisagens, momentos, retratou sentimentos, visões, impressões, tudo. Era exatamente como ela, por isso o título da obra era "Eu".
Sua explicação abaixo do título era tão simples quanto: "O que eu vejo, o que eu sinto, o que eu expresso. O meu mundo. O mundo e eu. O mundo em mim."
— Cadê os diretores das faculdades, porra? – Dahyun disse afoita, fingindo buscar cada um deles. – Cadê as câmeras? Precisam ver isso aqui agora! – Acenou para um fotógrafo que estava próximo.
— DAHYUN! – Chaeyoung tentou repreender por timidez, mas assim que viu os olhares encantados em cima de sua peça, deixou a vergonha sumir.
Depois das fotos tiradas, os amigos seguiram adiante para ver o que o resto tinha exposto. Seungsik tinha um álbum de fotografias à mostra. Diversas fotos de diversas coisas. Imagens com alta exposição, saturadas demais ou de menos, ele brincou com a edição mostrando que arte é de cada um. As repetidas fotos, todas iguais em perspectiva, tinham pelo menos um diferencial nas cores, brilhos e detalhes.
— Como a gente não sabia desse seu talento de fotógrafo, Sik? – Somi perguntou impressionada. – Ficou tudo lindo!
— Nunca viram meu feed no instagram, não? Sou do babado, cara! – O Kang respondeu convencido.
Mais adiante a exposição de Seulgi foi vista. Era uma cesta de frutas. As com boa aparência, eram falsas e as verdadeiras estavam todas podres. Usando alguns produtos químicos para sustentar a aparência e disfarçar o cheiro, Seulgi explicou para os amigos, e no pequeno texto abaixo da arte, o que aquilo queria dizer. Era sobre autoimagem, autoestima, autocuidado. Dizia muito sobre o que a Kang passou durante anos por conta de sua doença que está sendo, finalmente, tratada.
A interpretação vai de cada um, mas era inegável que, para todos, aquilo queria dizer que a aparência não preenche, não é a verdade absoluta, não tem conteúdo por si só, como as frutas falsas. O tempo leva algumas coisas, destrói outras, se assim você deixar, exatamente como as frutas podres.
— Não 'tô acreditando que chorei... – Jihyo falou com um bico emocionado nos lábios, logo abraçando a melhor amiga com um orgulho aparente no gesto. – Ficou incrível, ok?
— Obrigada! – Seulgi respondeu, sorrindo junto e abraçando a Park de volta. – E eu consegui superar o meu problema, buscando ajuda e tendo todo o apoio, graças a vocês... Obrigada demais por isso também.
Seguiram, após um breve momento emocionante, para a outra expressão artística. Ela estava num televisor mediano, com brilho forte e alta resolução. Era a prática das líderes. Nayeon, Momo, Sana, Mina, Tzuyu e Jennie estampavam a tela. Lindas, sincronizadas e talentosas, a arte delas é a dança e foi muito expressa tanto agora, quanto mais cedo, na abertura do baile e despedida dos times.
A próxima, muito aguardada, era de Jeongyeon, Jihyo e Dahyun. Formaram um trio para produzir um CD. Alguns exemplares ocupavam o espaço da bancada destinado às três. As vozes das músicas eram de Jihyo e Jeongyeon, as letras da Park e o arranjo da Yoo. Já toda a parte visual, desde o conceito, até as ilustrações, fontes, etc. Ficaram para a Kim produzir. Aquilo era um trabalho de profissionais.
— E essa parada de música, hein? – Nayeon falou curiosa, esperando sua vez de usar o fone de ouvido que estava, no momento, nos ouvidos de Somi. – Quando que começaram a compor? Nunca soube...
— Nem nós... Compartilhamos esse "segredo" quando estávamos pensando sobre o que expor, aí percebemos que funcionava bem melhor se juntássemos os talentos. – Jihyo explicou com cuidado. – Jeongyeon sabia compor melodias e eu letras, nós duas sabemos cantar e então pensamos em fazer música.
— E onde a Dubu entra nessa história? – Jennie questionou.
— Eu estava junto delas quando falaram, aí disse que seria interessante se elas fizessem um CD, mesmo que curto, e colocassem aqui. – Dahyun respondeu.
— Mas eu falei que CD sem conceito não funciona. – Jeongyeon completou. – E a Kim danada disse que faria essa parte.
— E não é que funcionou? – Somi tirou o fone e falou. – Está incrível!
Continuaram olhando a exposição, encontrando talentos de gente inusitada e ficando reflexivos com algumas outras obras. Era uma mistura de pensamentos, sensações, comentários, reações, de tudo. Como sempre.
Mais minutos se foram, mais dança, mais música, mais bebida, mais de tudo. Juntos, separados, misturados. Juntos e costurados. Separados e unidos, misturados e individuais. Era uma festa sem hora para acabar e com um único propósito: aproveitar ao máximo, se despedir da melhor forma.
Era a metade do baile, a voz do Wang é ouvida novamente ao microfone, a música abaixa, a atenção é dele e a euforia é do resto. Era hora do anúncio de Reis e Rainhas.
— EU TENHO QUE SER UMA DAS RAINHAS! – Nayeon falou exigente. – E a Jeongyeon o meu rei!
— Sua rainha. – A Yoo corrigiu, segurando a mais velha pela cintura. – Pode admitir logo, vai...
— Jamais! Só se chamarem nosso nome ali na frente... Aí sim, se isso acontecer, eu admito que est- – Interrompeu a si mesma ao notar que ia falar demais.
— O primeiro casal a ser coroado nesta noite é... – Wang falou ao microfone, lendo mentalmente os nomes no envelope. – Yuta Nakamoto e Cho Miyeon! – Palmas foram ouvidas e os anunciados seguiram até o palco para receberem a coroa, tirarem a foto e agradecer brevemente.
— Ok, eu estou chocada. – Mina disse boquiaberta. – Eles estão juntos de novo?
— Pela cara do japonês, não. – Momo respondeu apontando. – Eles dois parecem tão chocados quanto nós...
— Mas não parecem insatisfeitos... hmm... – Dahyun pontuou desconfiada. – Sei lá, vai que isso vira um bom presente.
— Você acha que eles se gostam? – Nayeon perguntou curiosa.
— Não acho nada, mas espero que se eles se gostam, que fiquem juntos. – A Kim mais nova respondeu bebendo mais um pouco de sua bebida favorita. – Todo mundo merece ficar com quem gosta, né?
— É... e eu acho que é o caso daqueles dois sim. – Sana completou. – Mas essa votação incluía votar separadamente? Digo, você podia colocar nomes aleatórios, mesmo que não sejam um casal de verdade?
— Não que eu saiba. – Somi respondeu. – Pela explicação que tivemos e pela folha de votação, somente casais de verdade estavam concorrendo... Estranha essa vitória aí.
— Mas não é estranho quem está comemorando esse acontecimento. – Seungsik apontou para o lado, um tanto distante deles, mostrando Yuna, que sorria largamente, sem fazer questão de disfarçar.
— Acham mesmo que ela tem algo a ver com isso? – Seulgi perguntou. – Digo, ela não mudou?
— Mudou mesmo, mas não quer dizer que ela não tenha feito uma corrupção básica para juntar esses dois... Ela usou o passe livre dela para o bem, quem sabe. – Chaeyoung respondeu.
— O próximo casal a ser coroado esta noite é... – Leu o nome, sorriu timidamente e voltou a voz para o microfone. – As rainhas da noite, Park Jihyo e Chou Tzuyu, venham ao palco!
Palmas foram ouvidas novamente, gritos animados e brincalhões dos amigos também e logo as namoradas estavam sendo coroadas na frente de todos. As duas ficaram felizes, tímidas e surpresas. Era fofo. Depois delas, mais um casal foi anunciado, um rapaz e uma garota foram ao palco, tiraram a foto e falaram meia dúzia de palavras bonitas.
— Ok, só mais um casal restante... – Sana brincou, fingindo nervosismo, apenas para mexer com a Im, que não parava quieta.
— Vocês votaram na Nayeon? – Tzuyu começou encrenqueira. – Porque eu não, ela não pagou, então não votei.
— A corrupção, meu pai... – Jihyo disse rindo. – O voto de cabresto, caras...
— Voto secreto por aqui! – Seulgi fingiu passar um zíper na própria boca.
— Odeio vocês! – Nayeon falou nervosa. – Silêncio, ele vai falar o último casal!
— E por fim, mas não menos importante, o último casal da noite... – Leu o papel, sorriu e voltou ao microfone como todas as vezes. – As rainhas da vez são... Im Nayeon e Yoo Jeongyeon! Venham!
— AEEEE!!! – Mina berrou batendo palmas! – A compra de votos funcionou! – Cutucou brincalhona.
— Vai, Nayeon, sobe lá, pode se sentir! – Momo disse empurrando a amiga de leve. – E quando descer, vai ter que assumir aquilo lá...
— Eu assumo agora! – A mais velha disse sorrindo largamente após agarrar a mão da Yoo. – Vou receber a coroa ao lado da minha namorada!
— DIZ, DIZ, DIZ! – Dahyun atiçou empolgada. – BORA!
— ESTOU APAIXONADA! PRONTO! – Nayeon berrou já de longe.
— NÓS ESTAMOS! – Jeongyeon berrou igual, corrigindo.
*
Pov Dahyun
— Se liga! – Falei empolgada, desacelerando a dança com Sana e virando o rosto dela para o grande telão do palco, atrás da banda da vez. – É AGORA!
A câmera do beijo funcionou, mirou no casal que escolhemos brincar e ajudar também. Era uma mãozinha. Uma mãozinha brincalhona, claro, mas ainda assim uma mãozinha ajudante.
Wang e a professora de artes aparecerem na tela enorme e têm todos os olhares para si através da câmera do beijo. A palavra "kiss" estava em destaque em vermelho e todos sabiam o que ela significava. O sorriso amarelo do diretor era hilário e o de empolgação da professora era a cereja do bolo.
Como esperado, a mulher puxou o chinês para um beijo exagerado, mas nada obsceno. Era um beijo da terceira idade, engraçado, mas que ninguém aguenta ou quer olhar por muito tempo. Ao fim do mesmo, a palavra "kiss" na tela não era mais a única coisa vermelha, já que as bochechas do Wang quase queimavam de timidez.
Risos altos e sinceros foram ouvidos, mas que cessaram logo, quando a câmera do beijo variou o foco. Agora, os jovens curtiam como antes, mais alegres e atiçados. Usavam o momento breve no telão para ter iniciativa com alguém ou mostrar para a festa inteira todo seu amor pelo parceiro. Era divertido.
— Foram vocês que fizeram isso, né? – Sana perguntou quando retomou o braço em meu ombro para mais uma dança. – Está sorrindo sem parar desde então e eu conheço esse sorriso danado.
— É, fomos nós... – Comprimi os olhos em mais um sorriso, só que dessa vez era tímido. – Gostou?
— Sim... – Revirou os olhos, brincando de volta. – Essa foi sua despedida? Sua última pegadinha na escola?
— Não... Mas disso só a Chaeyoung sabe. Ah, e agora você também.
— MAIS UMA? – Berrou com os olhos arregalados, eu assenti convencida e recebi um empurrãozinho como represália. – Você não vale nada, Kim Dahyun...
— Qual foi, japa? – Ri sem jeito, mas ainda sapeca. – Você vai gostar, todos vão.
— Vou, é? – Levantou apenas uma das sobrancelhas, afastando o corpo do meu e obedecendo ao ritmo da música, que pedia por uma dança maluca e não grudada. – Acho bom, hein?
A música pedia separação, mas eu não. Como se os deuses me ouvissem, ou os rapazes de informática que controlam a kiss cam, o foco da câmera veio em nós. Em mim e Sana, que sorríamos timidamente a princípio, mas que logo mudamos a postura. Puxei minha namorada com tudo pela mão, como um passo de tango.
Ela, devolvendo a sintonia e a coreografia imaginária que criamos em segundos, encaixou-se nos meus braços, nos meus lábios, em mim por completo. A beijei, ela me beijou de volta. Lentamente, intimamente e sem vergonha alguma do público que observava o ato. Era bom gritar para o mundo que éramos namoradas, uma da outra, que nos dávamos bem em tudo, que cabíamos uma na outra com facilidade.
Mesmo que a kiss cam não fosse um grito, que a plateia dessa festa não fosse o mundo, a metáfora ainda serve. É o momento, afinal. O agora é assim. Agora, o mundo é o público do baile, o grito é o telão com a gente estampada. E todo mundo, no agora, sabia da gente, do nosso amor. Da nossa forma de amar e de ser.
— SEPARAAAAAAAAAAAAAAA! – Seulgi berrou chegando perto de nós. – O foco já mudou, está em outro casal, suas canalhas! – Riu brincalhona.
— Em quem? – Sana perguntou timidamente.
— Ora, nas rainhas... – Apontou para Nayeon e Jeongyeon, que se entregavam como nós, segundos atrás.
— Quero animação nessa porra! – Somi berrou. – AGORA SIM! – Comemorou o início de uma música festeira e que condizia com seu pedido.
"Counting Stars – OneRepublic" começa e nossos corpos respondem. E eu também respondo, não somente a canção, mas a uma mensagem de texto também. Digito rapidamente para Chaeyoung, que vê, entende e realiza.
Como se tudo funcionasse igual uma máquina, como se o mundo fosse um robô e nossos planos acionados por um botão, a Son abaixa uma alavanca, que segurava acima de nós inúmeros confetes, balões diversos e coloridos, com iniciais estampadas em cada um, e os deixa cair sobre o público.
"J.J.S.S.D.C" estampava cada papelzinho, cada bexiga que caía no público animado com o pequeno show. Nossas iniciais, do grupinho da bagunça, dos garotos problemas do Colégio Integral de Seul ou apenas dos melhores amigos para as piores coisas... Dessa vez, sim, era a última pegadinha, era o encerramento.
— Ei, onde você vai? – Sana perguntou para mim, segurando meu pulso quando me apressei para sair dali. – Mais alguma coisa?
— Faz parte. Agora deixa eu finalizar. – Dei um selinho breve em sua boca, afastei-me mais depressa ainda e logo estava em cima do palco. – OUU, LICENÇA! – Falei ao microfone depois de desenrolar com o DJ. – O patrocínio dessa última gracinha vai para a Yuna, palmas para a Shin! – Dei uma pausa na voz justamente para que as palmas fossem ouvidas. – Com muito prazer anuncio que... AS PISCINAS ESTÃO LIBERADAS! BORA MERGULHAR, GALERA!
— Você é doida! – Chaeyoung falou quando desci do palco e me encontrei com o restante da turma. – Não me falou sobre esse detalhe.
— Era um segredinho meu e da Yuna, foi ideia dela... Ela queria experimentar fazer uma gracinha, já que sempre denunciou e tal.
— Então vamos curtir, né? – Momo falou eufórica.
— E vai caber tudo isso de gente nas piscinas? – Sana questionou.
— Claro que vai! – Respondi. – Nem todo mundo vai mergulhar, as piscinas são várias e enormes, 'tá tudo certo! – Comecei a desabotoar a camisa, que já contava com um biquíni por baixo. – BORA?
— Eu não trouxe roupa de banho... – Mina disse.
— E precisa? – Nayeon falou. – Mona, vai de roupa mesmo, sei lá. Só curte, é o último dia!
— BORA LOGO! – Seungsik berrou, começando a correr até o local das piscinas.
*
Como o ambiente era grande, precisávamos improvisar para levar o som até o local da piscina e assim fizemos. Após uma breve lábia jogada no DJ e no diretor, eles toparam e ajustaram todo o equipamento para que a música atingisse até os cantos mais distantes.
As bandas já tinham encerrados os shows, os DJs tomaram de conta do restante da festa, o baile já passava da metade, a madrugada se fazia presente, a embriaguez de alguns já existia, a saída de outros aconteceu, a exposição encerrou, as apresentações e as pegadinhas também chegaram ao fim. Estava tudo terminando aos poucos.
Mas não era triste. As etapas foram passando, os minutos correndo, o ano acabando, a escola foi junto, mas não era triste. Encerrávamos esse momento com muita música, sorrisos, cantoria, improviso e juventude. Era um grande banquete, uma mistura de várias comidas. Um tempero único, essencial e indispensável existia em cada prato. Era a juventude.
Não importa a refeição, a comemoração, o momento, se não tem a honestidade, a pureza e leveza de um jovem, desanda, não funciona, não é tão mágico como poderia ser. Coloca-se juventude em tudo que já é velho, em tudo que se encerra. Coloca-se juventude na vida toda, afinal ela corre, passa rápido, envelhece. Coloca-se juventude nos hábitos, na vida por completo, se não quiser envelhecer junto, correr rápido demais, perder detalhes. Ser jovem é escolha, é dever, é importante e é bom, muito bom.
— Vamo' vazar? – Jihyo pergunta. – Podemos encerrar com uma dose em conjunto lá na Double Nine, como sempre.
— Eu topo! – Nayeon fala com certa dificuldade. – Aproveitamos e esquentamos o corpo na caminhada.
— Show! – Falo empolgada, catando a bolsa. – Ninguém 'tá podendo dirigir mesmo...
— Então vamos!
*
Pov Sana
A caminhada foi silenciosa, ironicamente para meus amigos, e o momento na boate foi, em maioria, do mesmo jeito. Estávamos cansados de tanto festejar, já era quase manhã, já tínhamos bebido muito, então era normal que as conversas paralelas diminuíssem bastante o ritmo e a altura.
— É, eu sei que 'tá muito bacana, mas o sono apertou agora... – Momo falou depois de ajudar Mina a levantar. – Tchau, até outro dia! – Acenou para nós, que devolvemos sem demora.
— E vão como? – Jihyo perguntou solícita. – Posso ver se meu tio está disponível.
— Não precisa, nós pedimos um taxi, relaxa. – Mina respondeu prontamente, já se afastando também. – Até depois, galera.
Mesmo quietos, nós dizíamos muito. Não precisávamos sempre de comunicação verbal já que, por exemplo, a maneira despojada de agir, de se calar, de ficar bêbado e passar vergonha, dizia muito mais sobre como temos intimidade e nos sentimos confortáveis uns com os outros do que as próprias palavras poderiam expressar. Era bom fazer parte desse grupo, pertencer a vida dessas pessoas tão diferentes de mim, mas que me compreendem tão facilmente.
É como ouvi mais cedo das líderes: isso não acabou, a gente não tem fim. A escola encerrou, os caminhos serão diferentes e a constância dos nossos encontros talvez diminua, mas nossa facilidade em conviver jamais mudará. Realmente não tem fim, foi uma relação muito bem construída e que vai além de uma sala de aula. Vai além da cidade, do país. Nós realmente não temos fim.
— Vamos nessa, pessoal. – Jeongyeon falou. – Nayeon pediu para o motorista vir nos buscar, alguém quer carona?
— Me levem! – Jennie levantou-se. – Tchau aí!
— Valeu, falou! – A Im despediu-se e sumiu em seguida.
Mais silêncio e conforto. O sol já raiava lá fora, eu sentia cansaço, mas não o sono propriamente dito e via que não era a única desse jeito. Olhei em volta e encarei Dahyun exatamente como eu.
— Vamos também? – Perguntei ao pé de seu ouvido.
— Já vão? – Somi questionou acordando do breve cochilo que tirara no ombro da namorada. – Vão pedir taxi?
— Sim. – Dahyun respondeu. – Quer ir conosco?
— Sim, adoraria. – Disse enquanto mexia no corpo também sonolento da Son. – Vamos?
— Beleza, então já que geral 'tá vazando, vou pedir ao motorista que nos busque também. – Seungsik disse. – Se quiser, Somi, ele deixa vocês duas em casa.
— Opa, aí sim! – Chaeyoung respondeu sorrindo com dificuldade. – Vou dispensar o taxi, Dubu.
— De boa. – Minha namorada falou, deu um soquinho como cumprimento na melhor amiga, e se afastou. – A gente já vai...
— Foi ótimo, gente, boa noite aí! – Falei me apoiando no braço da Kim. – Bom dia, no caso...
— Vazem logo, então. – Ouvi Tzuyu dizer com tom sapeca. – Aí fico sozinha com meu docinho...
— Já vamos... – Seulgi fingiu nojo e se afastou depois. Eu acenei uma última vez antes de virar para frente totalmente.
— Hoje foi bom, né? – Dahyun perguntou quando adentramos o taxi. – Eu amei cada pedacinho.
— Eu também amei... – Deitei a cabeça em seu ombro. – Pedi para a viagem ser lá para casa, tudo bem?
— Eu até prefiro. – Ouvi um sorriso na voz dela. – Desde que tirei a atadura do acidente, meus pais não param de me perguntar se voltou a sangrar, se ainda dói e coisa e tal... Um saco!
— Amor, mas eles só estão preocupados... – Ri fraquinho do seu jeito emburrado.
— Quando falei que ia tirar a tipoia para ir ao baile, eles quase caíram para trás de tanto drama...
— Deixa eles que agora quem vai te atormentar sou eu.
— Oh coisa boa... – Alongou a frase, agindo de maneira sapeca. – Sério, vou tirar o maior ronco na sua cama em alguns minutos, Sana.
— Eu também!
— Você sempre ronca muito! – Implicou e eu lhe dei um puxão de orelha como represália. – Ai!
— A gente vai dormir, mas antes tenho um presentinho para você.
— Sério?! – Mexeu-se tão bruscamente pela empolgação que fui obrigada a levantar a cabeça. – O que é?
— Uma surpresa.
— Diz....
— Não posso, vai deixar de ser surpresa.
— Só dá uma dica!
— Não! – Fingi passar um zíper nos meus lábios e ela ficou emburrada de novo. – Mas posso dizer que combinamos na mesma época.
— Como assim?
— Quando você fez aquela surpresa para mim no último dia de aula sobre uma apresentação das líderes, as meninas me disseram que vocês se encontraram para planejar...
— Sim, verdade.
— Foi no mesmo dia que eu me encontrei com o resto da galera, sua galera, para planejar uma surpresa para você também.
— SÉRIO?!
— Sim, a gente tem muita coligação, é impressionante! – Sorri largamente ao falar e ela me acompanhou. – Enfim, elas em ajudaram a planejar e a executar também, então hoje, finalmente, vou te entregar a surpresa.
— Moço, já está perto? – Ela esticou o corpo para perto do motorista, que se espantou de leve com aquilo e eu ri assistindo tudo, mas logo puxando a Kim de volta ao assento.
— Estamos, sim. – Senti o desacelerar do motor e constatei que era a minha rua. – Só mais alguns segundos e... – Alongou o som, andou mais um pouco e estacionou. – Chegamos!
— Obrigada, tio! – Dahyun disse, entregou o dinheiro e pulou fora do carro com pressa. – Vamos, Sana, abre a porta logo! EU QUERO SABER A MINHA SURPRESA!
— Calma, sua doida! – Falei virando a chave na fechadura. – Entra em silêncio, meu pai deve estar dormindo. – Alertei abrindo a porta e dando passagem. A Kim acatou, fez silêncio e se movia com cuidado, mas sua expressão animada não mudou.
— Sana... Cadê? – Sussurrou inquieta.
— Vou pegar, fica aí. – Apontei para o sofá, ela sentou e eu saí em busca do presente. Entrei no meu quarto, peguei o bichano e o levei até a sala. – Fecha os olhos. – Ordenei e só prossegui quando notei que ela acatou.
— Já posso abrir? – Perguntou ansiosa.
— Sim, pode. – Segurava a gatinha em meus braços com cuidado, afinal ela ainda era filhote, mas de um jeito que minha namorada pudesse encarar perfeitamente o animal. – Abre!
— QUE ISSO? – Berrou sorridente, mas logo tratou de tampar a própria boca quando percebeu a altura da voz. Ela levantou-se rapidamente, caminhou até mim, beijou minha boca num selinho breve e acariciou o bicho. – É para mim? – Abaixou a visão, ficou alguns minutos encarando o presente, depois subiu os olhos para os meus, estampando um bico emocionado nos lábios.
— Sim, é. Você gostou?
— Eu amei... – Pegou a gatinha dos meus braços, a olhou por inteira, cada detalhe e focou, ao final, na coleira. – Isso é sua cara... A gatinha toda preta, olhos não claros, mas só a coleira colorida. – Rimos juntas. – Eu amei muito, meu dengo, obrigada! – Deu mais um selinho em minha boca.
— Eu ainda não dei um nome, então pode batizá-la agora mesmo.
— Oh, é uma fêmea?
— Sim! Achei que seria interessante você criar uma fêmea, já que seu cachorro era macho. Um bom contraste, né?
— Você pensa em tudo... – De novo o bico emocionado, mas dessa vez acompanhado de olhos brilhantes demais em gratidão. – Obrigada de novo.
— Não precisa mais agradecer, meu bem... Agora batiza essa gatinha logo!
— Não quer me sugerir algo?
— Eu pensei em "Ari", o que acha? – Falei deixando a empolgação transparecer, já que é um nome que penso há muito tempo.
— Eu adorei! – Levantou a gatinha, olhou para ela em silêncio, de todos os ângulos possíveis. – Você gostou de Ari, gatinha? – Falou com o animal com uma voz fofa. – Ari combina com ela?
— Eu acho que sim, e você?
— Vamos ver... – Afastou a gatinha de novo, colocando-a no chão. – Ari, venha aqui! Pspspsps, Ariii... – Ela olhou curiosa para minha namorada após o chamado. Dahyun sentou-se no chão, ao lado do bichano e repetiu o som, mas estalando os dedos junto. – Ari, ei... – A gata deu um pulinho animado, querendo brincar conosco depois do estalar de dedos. – Sim, combina. E eu acho que ela gostou.
— Essa coleira tem um pingente de coração, percebeu? – Ela assentiu. – É para gravar o nome dela, vamos fazer isso juntas, hm?
— Claro! – Fez carinho na gatinha de novo, depois se levantou, ficando rente comigo. Ela colou nossos corpos sem usar as mãos, foi involuntário, instantâneo. Dahyun me encarou com carinho, gratidão clara e uma paixão compartilhada, afinal era recíproco tal olhar e sentimento. – Obrigada, Sana... Eu amei tanto. – Falou com a voz suave, num tom baixo e tímido. Foi lindo, foi amor. Nós somos amor.
— Eu te amo, meu dengo. – Beijei a boca dela finalmente. Suave e lentamente deixei que o beijo acontecesse de maneira intensa, completa e perfeita. Sempre era perfeito, por gratidão como agora, por qualquer motivo ou motivo nenhum. É perfeito por ser com ela, por ser conosco.
— Eu também te amo.
*
"Eles dizem que só os bons morrem jovens
Isso não está certo
Porque estamos nos divertindo muito essa noite
E uma paixão pela vida
Nos mantém vivos
Até ficarmos sem fôlego, temos que dançar até morrer
Não há mais noite, céus azuis para sempre
Porque somos os donos do nosso próprio destino"
Chapter 46: Love.
Chapter Text
Love – Lana Del Rey
"Olhe só pra vocês, crianças, vocês sabem que são os mais legais
O mundo é de vocês e vocês não podem recusá-lo
Viram tanta coisa que poderiam se sentir tristes
Mas isso não significa que vocês devem abusar"
*
Semana seguinte...
Pov Dahyun
— Oi, senhora Hwang. – Falei assim que a mulher abriu a porta do consultório. – Antes que me pergunte, estou bem e fiz os quebra-cabeças que me deu. – Sentei-me no sofá de sempre.
— Uau... – Ela riu fraquinho, fechou a porta e puxou a cadeira para perto de mim, também como sempre. Curiosamente seus passos eram mais lentos que o normal. Ou eu que estava mais acelerada que o comum. – Que tal começar me contando sobre o que montar os quebra-cabeças em momentos turbulentos resultou?
— Em nada. – Falei sem demora, como quem queria dizer tudo em apenas segundos. – Desculpe, senhora Hwang, mas essa é a verdade. Eu não senti efeito nenhum, continuei estressada ou ansiosa, entende?
— Entendo e não precisa pedir desculpa. – Ela anotou algo. – E em relação a sua concentração? Montar esses brinquedos ajudou?
— Bom, nisso acho que sim.
— Fez como eu pedi? Sem ouvir música, sem assistir a algo?
— Fiz e demorei bem mais que o usual.
— Compreendo. – Colocou o caderno de lado e me olhou profundamente. – Dahyun, você está bem? Parece agitada.
— E estou. Depois dessa consulta, terei um jantar na minha casa. Meus pais chamaram a minha namorada e o meu sogro. Todos juntos na mesma sala, comendo a mesma comida, sentados juntos. Isso é agoniante. – Falei sem pausas.
— Por que é agoniante?
— Por tantos motivos... – Suspirei pesadamente, deixei meu corpo amolecer e me aconcheguei mais profundamente no sofá, sem ligar para má postura. – Bem, a começar que são os meus pais, MEUS PAIS. A senhora já os conhece pelo que contei, então isso, por si só, já é motivo de nervosismo, né? – Brinquei, ela anotou algo. – Somando meus pais a um jantar com minha namorada e sogro, a coisa triplica na intensidade...
— Oh, Dahyun... – Riu fraquinho do meu jeito desesperado. – Esse jantar pode ser tranquilo, já pensou nisso?
— É tudo que eu quero.
— É só isso que está te deixando inquieta? Digo, você está aérea hoje, com pressa nas falas e atitudes...
— Não é só isso, mas não sei como começar.
— Que tal pelo começo? – Sorriu simpática e me olhou com paciência. – Você quer que eu te faça perguntas?
— Quero.
— Como anda seu relacionamento com Sana? Há algo que queira compartilhar?
— Está ótimo, nada precisa ser dito, não.
— E com seus amigos, tudo certo?
— Sim.
— Com seus pais?
— Por incrível que pareça, sim, está tudo bem.
— E consigo mesma? Você está bem com você, Dahyun?
— Acho que sim, é...
— Tem certeza?
— Não... – Falei desconfiada. – Olha, eu estou feliz, as coisas estão dando certo na minha vida e eu tenho planos para o futuro pela primeira vez na minha existência. Não bebo mais com frequência e não perco o controle quando o faço, parei com a erva e os choros não ocorrem há um tempo.
— Onde está o "erro", então? – Fez aspas com as mãos.
— Aí que 'tá! Eu simplesmente não faço ideia.
— Ok... Vou continuar com as perguntas. – Voltou os olhos ao caderno e depois mirou em mim. – Há algo de errado com sua medicação?
— Não. Sigo ótima com cada remédio.
— E sua saúde, num geral, está boa?
— Sim.
— Seu sono, como está? Voltou a ter pesadelos?
— Pesadelos? Não.
— Nem aqueles sonhos disfarçados de lembrança?
— Ah... – Suspirei pesadamente. – Tive um desses essa noite.
— Com quem?
— Minha mãe. Já havia sonhado este sonho antes, mas sem tantos detalhes... É sobre eu ter criado uma persona para minha mãe, imaginando ter uma psicóloga chamada Kwon e não ela comigo.
— Vejamos... – Levantou-se, foi até o armário, pegou um cubo mágico e trouxe até mim. – Eu tive uma ideia, mas só faremos se você quiser.
— O que é?
— Eu quero que revisite seu passado, Dahyun. Que relembre detalhadamente o que já passou, mas que talvez esteja esquecido aí dentro da sua cabecinha. – Entregou-me o objeto e sentou-se em seu lugar. – Você topa?
— Pode ser. – Segurei-o e logo comecei a tentar montar.
— Comece me dizendo como foi esse sonho mais detalhado. Pode ser específica, contar da forma que preferir.
— Ok...
"— Mei, eu tenho um trabalho da escola para fazer... Mas preciso fazer com o papai também... E agora?
— Por que tem que ser com ele?
— É para ser feito em família, entende?
— Pequena, mas ele está viajando para cuidar da saúde, lembra-se? – A chinesa me pegou no colo e sentou-me na cadeira da mesa de jantar. – Sua mãe e eu te ajudamos, pode ser assim?
— Mas não foi isso que foi passado para nós, Mei! – Disse incisiva, sentindo uma vontade de chorar de raiva. Eu não sabia muito bem porquê eu estava sentindo raiva, mas parecia plausível no momento. – Eu quero fazer com o papai e a mamãe!
— Ei, calma... – Disse baixinho, enxugando a primeira lágrima que caiu. – Nós vamos dar um jeito, ok? Numa outra oportunidade seu pai ajuda.
— Por que ele saiu? Faz tempo que não o vejo! E minha mãe também. Nem um trabalho da escola eu posso fazer direito por culpa deles! – Berrei insatisfeita e Mei se aproximou de mim, mas num reflexo enraivado e infantil, como a idade denunciava, eu empurrei o corpo da chinesa, machucando seu braço com o choque.
— Que gritaria é essa aqui? – Minha aparece na porta, recém-chegada do escritório, e nos encara em confusão. – O que houve, Mei?
— NÃO CONTA, MEI! – Berrei novamente, mas não fui obedecida.
— Um desentendimento bobo apenas. A Tofu precisa da sua ajuda e da ajuda do pai para um trabalho escolar, mas se irritou quando eu expliquei que o senhor Kim não poderá ajudá-la dessa vez.
— MEI, PARA! – Gritei mais uma vez, mas parecia não estar sendo ouvida. Elas nem me olhavam e aquilo me irritava mais.
Depois de toda a confusão, minha mãe conversou comigo e me deu um tempo, como sempre fazia. Eu sempre explodia, sempre chorava do nada e de forma escandalosa. Apesar de ter um tempo para me recuperar, eram pouca as vezes que eu voltava ao normal.
Essa vez foi uma das raras.
Usei o tempo que me deram para adiantar o meu trabalho. Eu já tinha cansado de chorar, de culpar os outros e só queria terminar o meu dever. Então, como se nada de ruim tivesse acontecido, como se eu nunca tivesse feito questão da presença do meu pai no processo, peguei os materiais e comecei.
Minha mãe, no meio da construção, adentrou meu quartinho e me viu focada. Agiu em silêncio e apenas falou para pedir permissão para sentar, que quando eu concedi, o barulho cessou novamente. Eu não estava nem na metade, então não achei ruim a "invasão" da mulher. Ela me ajudou e rapidamente tínhamos finalizado tudo.
— Você gostou de como ficou, pequena? – Ela perguntou.
— Sim. – Analisei mais uma vez com cuidado, estiquei o corpo e peguei uma caneta. – Pronto, agora terminamos.
— O que escreveu aí?
— "Feito por papai, mamãe e Dahyun".
— Não está mais chateada que seu pai não pôde nos ajudar?
— Não. Você me ajudou, mamãe. – Sorri satisfeita, ela retribuiu e me puxou para um abraço."
— E foi isso. – Falei. Eu ainda mexia no cubo, mas agora não estava sentada no sofá e sim deitada. Ao passo que falava do passado com tanta memória e detalhe, fui ficando mole, relaxando e afundando no assento de forma imperceptível e involuntária.
— Então esse trabalho foi sim feito por você e sua mãe? – Assenti. – Antes, você pensava que tinha feito sozinha e estava refazendo com a sua psicóloga Kwon?
— Isso.
— Entendo. Só para confirmar, essas duas mulheres são a mesma pessoa, certo? As duas são a sua mãe, né?
— Sim, são. Ela mesma confirmou isso, só eu tinha feito a confusão de criar uma Kwon, que na realidade nunca existiu.
— Sua mãe mudou muito com você durante sua vida, não foi? – Assenti. – Mudou tanto que parecem duas pessoas diferentes, certo?
— Exatamente.
— E seu pai? Ele mudou também?
— Mudou, sim. É como eu disse para a senhora em todas as outras sessões, meus pais mudaram comigo depois do acidente, estão carinhosos, atenciosos, babões... O tipo de coisa que eu sempre quis, mas nunca tive quando implorava por isso.
— É, eu sei, mas me refiro a mudanças como as da sua mãe. Para ficar mais claro, vamos imaginar uma tabela... – Mais um vez ela fechou o caderno, e depois disso começou a desenhar no ar. – Imagine que, em uma lacuna, tem as mudanças da sua mãe. Concorda que foram três mudanças significativas? Primeiro: cuidava de você e era como uma psicóloga. Segundo: ficou distante e arredia, não parecia uma mãe, muito menos a sua. Terceiro: Voltou a ser uma mãe, sua mãe, uma boa mãe. Três mudanças, certo?
— Sim, concordo.
— Agora me responda: quantas mudanças, partindo desse parâmetro que criei, seu pai teve com você?
— Duas – Respondi sem pensar muito. Estava tudo ficando claro na minha mente aos poucos.
— Como foram essas mudanças?
— Primeiro, ele cuidava de mim, mas de forma distante. Ao mesmo tempo que era bruto, tinha momentos de cuidado. Jamais era excessivo nesses cuidados, mas se exaltava nos períodos de estresse. – Suspirei pesadamente ao lembrar. Aquilo me machucava realmente, mas não uma dor de filha magoada. Era uma dor de empatia. – A segunda e última mudança foi após o incidente. Ele ficou carinhoso, preocupado, até me pediu perdão. Houve conexão entre nós dois, coisa que nunca tinha experimentado antes da tragédia.
— Então, encurtando o que me disse, seu pai sempre foi o mesmo. Nunca carinhoso demais, apenas um cuidado bruto aqui, outro ali. E também não era mal direto, mas quando era, fazia doer. É isso?
— É.
— Então seu pai não parece, aos seus olhos, pessoas diferentes, parece?
— Não, não parece.
— Há algo mais a dizer?
— Eu queria saber o motivo de ter confundido minha mãe... Criado uma outra pessoa para substituí-la... Não faz sentido.
— Faz, sim.
— Pode me explicar?
— Eu posso explicar o motivo do evento, a razão pela qual coisas assim são criadas na mente humana, apenas isso.
— Não pode me dizer porque eu fiz essa confusão?
— Não, Dahyun. Você tem que descobrir sozinha. Eu, como psicóloga, não posso impor uma ideia, fazer pensar em algo, induzir um sentimento, não. Tem que vir de você, sempre.
— Ok... – Revirei os olhos involuntariamente. – Então me explica porque esses eventos acontecem com a cabeça da galera.
— Primeiro é importante que você saiba que todo mundo tem traumas. A maioria deles resultam em bloqueios, receios, etc. Podem ser criados, contraídos ou descobertos em qualquer fase da vida, mas principalmente na infância. Qualquer coisa pode virar trauma, não há controle sobre isso, mas pode-se aprender a lidar com ele, a ressignificar e a se desprender das limitações que um trauma causa.
— Então eu tenho trauma? – Assentiu rapidamente e ia continuar a falar, mas eu fui mais rápida. – Eu criei uma pessoa chamada Kwon porque eu tenho trauma?
— Calma... – Pediu sorridente. – Sim, você tem trauma. Eu tenho, todos têm. E se o motivo de você ter criado a Kwon for trauma, só o tempo e você dirão.
— Eu não entendo isso... A senhora disse que ia me falar o motivo desses eventos acontecerem com a mente humana, fala de trauma, diz que todos têm isso, mas não sabe me responder se foi justamente um trauma que me fez confundir a minha mãe.
— Eu disse que explicaria e expliquei, mas a conclusão sempre tem que ser sua, Dahyun. – Anotou mais alguma coisa quando me viu soltar o cubo mágico. – Ainda não terminei de falar, inclusive.
— Que bom, porque ainda estou cheia de dúvida, senhora Hwang...
— Serei mais clara dessa vez, então. – Suspirou antes de prosseguir, eu a encarei sem desviar e sem distrações. – Sim, o motivo de você ter confundido sua mãe foi um trauma, mas qual ainda não sabemos. Tudo pode virar trauma, então com paciência e tempo vamos descobrir o que fato causou isso.
— Ok, com essa parte eu estou conformada. – Falei num tom brincalhão e ela riu.
— Além do mais, traumas nem sempre são coisas ruins, então não fique matutando a ideia da sua cabeça após a sessão. Traumas são eventos com uma carga emocional forte, que deturpam nossa percepção de sentimento. São tantos estímulos ao mesmo tempo, que fica impossível controlar, principalmente se você for uma criança.
— E uma criança com tantos problemas como eu era... – Falei baixinho entendendo as coisas finalmente. – Tive uma conversa assim com Mei uma vez, sobre nem tudo que é trauma é ruim. Sabe, na época da Kwon, eu era feliz, não tinha tantos problemas e tinha total atenção dos meus pais.
— E o que você está pensando em relação a isso?
— Só que eu nunca tive memórias com a Kwon enquanto eu tinha aquela idade. As memórias com essa psicóloga inexistente começaram a aparecer depois que eu cresci, que meus pais ficaram distantes e que eu comecei a ir em profissionais variados.
— É um bom ponto, Dahyun. Continue assim, lembrando de detalhes como esse e logo vamos desvendar esse mistério. Mas não se pressione, deixe vir naturalmente.
— É, essa parte de não apressar os passos eu já saquei.
— Que bom. O que mais tem a dizer?
— A nossa sessão acabou?
— Só se você quiser.
— Acho que acabou, então. – Dei de ombros e me sentei. – Algo para levar para casa?
— Não dessa vez, mas sim, você terá exercícios. – Fechou o caderno e o colocou no birô. – Essa é a nossa última consulta do ano, já que vou entrar em recesso por conta das festividades, mas não quero que paremos com o tratamento ou as conversas.
— Como assim? – Franzi o cenho e sorri esperançosa sem me importar de demonstrar isso. – Sou sua paciente favorita e vou ter sessões mesmo durante suas férias? – Levantei as sobrancelhas e sorri sapeca, arrancando uma gargalhada honesta da mulher a minha frente.
— Não... – Riu fraquinho. – Uma vez você me disse que as nossas conversas te ajudavam demais, mais até que qualquer outro método que tenha tentado ou imaginado tentar.
— É verdade.
— Então não vamos parar com elas. A qualquer hora e em qualquer dia, pode me mandar mensagem, se quiser. E mesmo que não queira falar diretamente comigo, peço que use seu gravador de voz ou bloco de notas do celular e escreva, ou fale, o que sente, pensa, etc. Desabafe consigo mesma, pensando nas nossas sessões e me mande, se preferir.
— A senhora vai ouvir as gravações quando as sessões normais voltarem?
— Se você deixar, sim. Mas faça sem pensar sobre isso, ok?
— Ok! – Levantei-me pronta para sair, mas pensando em dizer duas coisas antes. – Posso voltar a fazer minhas coisas ouvindo música ou assistindo a algo? – Perguntei desconfiada e ela sorriu simpática.
— Pode, sim, Dahyun, faça como preferir.
— E posso perguntar mais uma coisa?
— Claro.
— Já sabe onde comprou esse colar de ônix?
— Sei desde o dia que me perguntou pela primeira vez. Ao chegar em casa, fui atrás e tinha a resposta.
— E por que não me contou na sessão seguinte?
— De novo, era um interesse seu, você tinha que me perguntar mais uma vez.
— Achei que a consulta tinha acabado e eu estava falando com a senhora Hwang amiga, não a psicóloga.
— Sou sempre sua psicóloga, Dahyun. – Riu mais uma vez, acompanhando-me até a porta. – Mas fico feliz que lembrou antes do natal. – Foi até seu armário e pegou uma sacola de papel simples com apenas a estampa da marca na frente. – Eu comprei um igualzinho para você. Feliz natal, Kim Dahyun.
— SÉRIO?! – Segurei a sacola e analisei a marca, respondendo a minha própria pergunta ao perceber que era uma marca de joias. – Meu deus, senhora Hwang... Eu não preparei nada para a senhora, me desculpe.
— Não tem problema, querida. Espero que goste do presente.
— Eu amei! Muito obrigada. – Apertei a mão da mulher com cuidado, não queria me exceder no contato profissional e paciente. Depois disso, guardei a sacola na mochila e procurei por algo, rezando mentalmente para achar, e quando encontrei, tratei de entregar. – Aqui! – Estiquei a folha preenchida e bem dobrada para ela. – Feliz natal, senhora Hwang!
— Então você preparou um presente para mim também, hm? – Falava enquanto abria e sorriu largamente quando viu o desenho que fiz no papel.
Era ela com o caderninho na mão e dizendo umas das palavras que mais a ouço falar: "Tempo, Dahyun..." estava flutuando no balão de fala que desenhei acima de sua cabeça. Registrei exatamente o que vi na sessão passada, as mesmas roupas, postura e expressão.
— Está lindo, querida, muito obrigada! – Sorriu mais ainda e curvou-se em agradecimento. Eu ainda temia pedir um abraço, então não o fiz, apenas retribuí o gesto. – E bom jantar para vocês, Dahyun.
— Obrigada, senhora Hwang. – Passei pela porta. – Até ano que vem! – Acenei e parti.
Entrei no meu carro com um sentimento diferente de quando saí dele para começar a sessão. Agora, eu estava leve mentalmente. O medo do jantar tinha praticamente sumido e o peso da dúvida não era mais tão assustador. Em contrapartida, meu corpo era tenso pelos mesmos motivos que minha mente relaxava.
Eu dirigia em alerta porque logo menos o jantar em família aconteceria. Nenhuma tragédia passava pela minha cabeça, mas a ansiedade de um evento bom estar acontecendo me causava arrepios ainda assim.
A dúvida sobre meus traumas e o que eles causaram ainda me atordoava, mas não tinha a culpa, o medo, nem nada ruim envolvido. Era curiosidade pura. Claro, ainda me travava, tomava boa parte dos meus pensamentos diários, mas não me maltratava mais. Há tempos eu não me maltrato mais. As sessões com a psicóloga estão me ajudando muito e juntamente de boas relações, não tinha como não me sentir feliz.
A tensão que sinto no meu corpo, a curiosidade grande que me consome e ansiedade para o jantar, são apenas detalhes. Todo mundo sente uma coisa ruim um dia, boa no outro, ou tudo ao mesmo tempo no mesmo dia. É normal. Isso é ser normal. Normal é sentir. Sentir o que tem que sentir, o que vem na hora. Sentimentos e sensações ruins fazem parte da vida. É bom se sentir encaixada numa vida que faz sentido, numa vida normal. Anormal é não sentir.
*
Pov Sana
— Tudo certo aí, pai? – Perguntei quando adentrei o banco da frente após ter colocado meu pai no bando de trás.
— Está ótimo. – Respondeu colocando o cinto. – Pode acelerar aí! – Brincou.
— Com emoção ou sem emoção, senhor Minatozaki? – Dahyun perguntou dando partida.
— Com emoção, sempre!
— Deixem de graça, vocês dois. – Falei. – Como foi na terapia, meu bem? – Perguntei para minha namorada.
— Foi incrível, como sempre, mas dessa vez não estou conseguindo me desligar de alguns assuntos que tratei lá dentro.
— Isso é bom ou ruim?
— Sei lá... – Deu de ombros. – E na sua terapia, foi tudo bem?
— Foi ótimo. Chorei horrores, estou renovada. – Sorri satisfeita ao lembrar. – Já falou com a Chaeyoung hoje?
— Não peguei no celular desde que entrei na sala da psicóloga.
— Cara, assim que você estacionar na sua casa, antes do jantar, liga para a Chae.
— Por que? Aconteceu algo? É grave? – Perguntei nervosamente.
— Não... Calma! É coisa boa, muito boa.
— Que bom que já estamos chegando... – Falou já animada para saber a novidade. – Alguns segunditos e.... – Alongou o som o "e" e foi diminuindo a velocidade ao passo que sua casa se aproximava. – Chegamos! – Estacionou e pulou do carro o mais rápido possível.
— Você é tão curiosa que me preocupa, Dahyun. – Falei ajudando-a a tirar meu pai do automóvel. – Vai, liga logo, nós vamos entrando, relaxa.
— ALÔ? – Escutei minha namorada falar no segundo em que fechei a boca, constatando que ela já estava telefonando para a Son enquanto me ajudava com o meu pai. – FALA A NOVIDADE, AINDA NÃO SEI DE NADA. – Continuou berrando e eu não pude conter a risada.
— Fala baixo, sua doida! – Alertei, mas não obtive resultado. Desisti de entrar sozinha quando relembrei que hoje era um jantar em família e senti a timidez bater fortemente.
— VOCÊ FOI CHAMADA PELA FACULDADE? – Berrou de novo, mas eu não tentava mais contê-la. Era uma ótima notícia sobre a melhor amiga dela, não tinha motivo para cortar a felicidade genuína. – CARACA, CHAE, QUE FODA! – Pulou algumas vezes e estampava, a todo momento, um sorriso largo de orgulho. – Porra, parabéns! Você merece tanto, estou muito feliz, sério!
— Fala para ela que temos que comemorar isso! – Disse para Dahyun repassar o recado.
— Vamos marcar para comemorar essa ótima notícia, bro. – Falou. – Parabéns para mim? – Riu sem entender. – Ok, sua doida, obrigada!
— Ei, o que fazem aqui fora? – Minha sogra aparece na calçada. – Ouvi a voz de Dahyun e vim checar... Por que não entraram ainda?
— Ela está parabenizando a Chaeyoung pela aprovação na faculdade. – A mulher ouviu aquilo e sorriu casto, não aparentando surpresa ou euforia. – Sabe aquela exposição na festa de formatura? Tinham olheiros de faculdade, um deles chamou a Chae.
— Que ótimo! – Ela disse rapidamente. – Boa noite, Shitara. – Curvou-se e meu pai correspondeu. – Dahyun, vamos entrar... – Pediu delicadamente. – Depois você continua essa conversa, hm?
— Certo. – Minha namorada assentiu, despediu-se da amiga e adentrou a casa junto de nós em seguida.
[...]
— Já podemos anunciar a surpresa? – Meu pai perguntou empolgado e imediatamente meu sogro levantou-se e foi até uma estante.
— Devemos! – Ele disse ao retornar, com dois envelopes brancos nas mãos. – Eu, Hyemi, Shitara e Mei preparamos uma surpresa para vocês duas.
— Medo... – Dahyun disse e levou um olhar sério da chinesa como represália, mas a mais nova apenas riu.
— O que é? – Perguntei curiosa.
— Sabemos que queriam viajar durante um ano inteiro, então começamos a pensar sobre isso e chegamos a conclusão que vamos patrocinar esse ano sabático de vocês. – O homem disse sorridente.
— O QUE?! – Eu e minha namorada berramos pelo choque e felicidade misturados.
— É isso mesmo. – Meu pai começou. – Apesar de serem emancipadas, a Sana já adulta e dona da empresa, ainda não tem a maturidade que vem junto da experiência, então decidimos que patrocinar isso seria melhor e mais saudável que deixar tudo nas mãos de vocês jovens.
— Tinha que ter o leve sermão, né, senhor Minatozaki? – Brinquei e ele fez um legal com a mão.
— Eu tomei a liberdade de escolher o primeiro destino de vocês duas, espero que gostem dele. – Mei falou com um sorriso que não cabia no rosto. – Eu quis que o primeiro país a ser visitado por vocês fosse um local já muito conhecido por mim, então sugeri a China e seus pais aceitaram de bom grado.
— NÃO BRINCA! – Dahyun berrou sem aviso.
— Vocês gostaram? – A Kim mais velha perguntou e nós assentimos com pressa. – Que bom! Mas existem condições, claro.
— Lá vem... – Dahyun murmurou implicante, mas não era sério.
— Só pedimos que se comuniquem conosco com frequência e que, se precisaram de dinheiro ou qualquer coisa, nos liguem imediatamente. – Meu sogro falou seriamente. – Aqui estão as duas passagens com destino a Pequim. – Entregou os envelopes e nós abrimos sem demora.
— Muito obrigada! – Falei sem acreditar que aquilo era verdade. – E podem deixar, vamos avisar tudo, sempre atender os telefonemas, mandar fotos, nos cuidar... Enfim, vai dar tudo certo.
— A gente vai curtir pra caralho! – Dahyun disse sem filtros e os olhares adultos queimaram sobre si no mesmo instante. – Pra caramba! – Riu de nervoso, corrigindo. – Valeu, gente. Nós amamos!
[...]
O jantar seguia normalmente, sem nada de ruim acontecer, mas ainda causando um nervosismo aparente em mim e em Dahyun. Nós não falávamos muito, apenas quando nos perguntavam algo, ou citavam nosso nome. O papo foi, em maioria, entre os adultos, que falavam sobre negócios, notícias do jornal, etc. Coisa chatas, em resumo.
Não era um momento ruim, pelo contrário. Apesar de causar certa ansiedade, também causava felicidade e emoção. Eu sabia que Dahyun se sentia da mesma forma que eu. Sentia que esse jantar era um abraço, um carinho não literal. Era algo bom, de toda forma, era um pedido desculpas, uma tentativa de reconciliação, era tranquilidade. Pela primeira vez, em anos da minha vida, eu sinto que estou completa, satisfeita, sinto que estou totalmente bem.
— Sana, pode me ajudar a pegar a sobremesa? – A senhora Kim diz já se levantando. Eu respondo num balançar de cabeça e me levanto também.
— Eu faço isso, senhora Kim, não se preocupe. – Mei diz apressadamente.
— Não, Mei. – Minha sogra rebate. – Fique, converse, aproveite. Você é da família como todo mundo aqui. Eu só quero um papinho com a minha nora, entende? – Sorriu simpática e eu quase travei ali mesmo.
— O que houve, senhora Kim? – Perguntei quando adentramos a cozinha. – Há algo de errado?
— Não, querida. – Apontou para o armário baixo. – Pegue as taças aí dentro, por favor.
— Ok... – Assim o fiz. – Sobre o que quer falar comigo?
— Vou ser direta. – Aproximou-se de mim e começou a falar baixo. – A faculdade que deu vaga a Chaeyoung, também deu vaga a Dahyun. Ela ainda não sabe, ligaram para nós, os pais, e não avisamos porque já tínhamos planejado as viagens do ano sabático de vocês duas...
— A Dahyun passou?! – Falei em choque, mas muito feliz. – Caramba, que coisa boa! – Senti meus olhos marejarem de orgulho, mas me contive. – Isso quer dizer que... Que vamos ter que cancelar as viagens? Se for, não tem problema, o estudo em primeiro lugar, senhora Kim, fique despreocupada.
— Não é nada disso. Não falamos nada porque eu quis tentar resolver as coisas, adequá-las para o momento que estão vivendo, então fui até a faculdade, falei com o diretor e ele concedeu o meu pedido.
— Que foi...?
— A vaga de Dahyun estará disponível até o fim do ano sabático de vocês. Ela passou numa faculdade difícil, renomada e eu não quero que essa oportunidade seja perdida, porque eu sei que minha filha escolheria viajar... – Riu fraco. – Se não quiserem ficar por um ano viajando, podem voltar antes e a vaga estará à espera dela.
— A senhora que conseguiu isso? – Assentiu. – Uau... Isso foi... Foi muito bacana da sua parte, senhora Kim.
— Não fiz mais do que deveria. – Sorriu simples, compartilhando da mesma emoção que eu. – Nós amamos a nossa filha, Sana, e nos arrependemos dos erros, acredite. Sei que é devagar que uma relação é consertada, então estamos sendo pacientes... Por isso preciso da sua ajuda e é por isso que te chamei aqui.
— Não entendi.
— Eu não quero dar essa notícia a Dahyun e nem o pai dela quer. Nós não sabemos falar direito, de uma forma que desarme a Kim, então peço que faça isso por nós. Tente convencê-la a tentar a faculdade depois dessas viagens...
— Claro! Eu falo, sim, mas acho que deveriam levar os créditos, senhora. O que fizeram foi muito lindo e a Dahyun com certeza reconheceria isso, além de ficar muito feliz...
— Pode dizer o que fizemos, nós só queremos que tente convencê-la a fazer a faculdade. Penso que se eu ou o pai dela falarmos sobre, vai soar como uma ordem ou chantagem, já que fizemos por merecer esse pensamento. – Soltou tristemente. – Pode fazer isso por nós?
— Com certeza!
[...]
— Dorme aqui hoje? – Perguntei quando tornei a calçada após levar meu pai para dentro de casa.
— Não... Hoje quero ficar lá em casa mesmo, com os meus pais, sabe? Ainda preciso matutar umas ideias na minha cabeça e tal...
— Entendo. – Abri a porta de seu carro. – Podemos conversar antes de você ir?
— Claro, japa. O que foi?
— Não gosto de suspense e nem sei como fazer isso, então vou ser direta. – Tomei fôlego antes de prosseguir e o olhar arregalado e faminto da Kim já me encarava. – Sabe a faculdade que a Chae passou? – Assentiu. – O diretor ofereceu duas vagas para alunos da exposição, um dos escolhidos você já sabe que foi a Son, mas o segundo ainda não tem ideia, né?
— Não. Você sabe quem foi?
— Sim... – Tentei fazer o suspense que disse não saber e não gostar. – Você foi a segunda, Dahyun. Eles viram seus desenhos no CD e o conceito que criou e ficaram maravilhados. A Son já sabia disso, por isso te deu parabéns na ligação e a gente ficou sem entender o motivo.
— Como é? – Falou pausadamente. Ela estava em choque. – Pode repetir? Tudo ficou como um zumbido de repente.
— Você foi chamada para uma ótima faculdade, Dahyun. Por conta da sua arte. Parabéns, meu amor! – Sorri largamente, deixando a emoção finalmente tomar conta de mim, como a notícia pedia. Abracei seu corpo sem pedir permissão e ela devolveu o gesto, mas de forma lenta e robótica.
— C-como você soube? Eu... Eu não consigo acreditar nisso, cara! – Suspirou tensa, ela queria chorar, mas estava segurando. – Quem te contou? Como foi isso?
— Sua mãe me contou. Ligaram para os seus pais.
— Então é real mesmo? – Assenti empolgada. – Meu deus... – Olhava para o nada, ainda incrédula, mas deixando a felicidade aparecer aos poucos. – CARACA! EU PASSEI NUMA FACULDADE!
— SIM! PASSOU!
— SANA, EU CONSEGUI! – Berrou de novo. Tinha o rosto molhado de lágrimas de emoção, um sorriso torto querendo se desfazer num choro, mas uma felicidade que lutava contra isso. – Eu não acredito... – Puxou meu corpo para um abraço forte e acolhedor. Ali ela chorou de verdade, com felicidade, emoção, gratidão e choque. Só Dahyun não sabia de seu potencial, de seu talento, só ela não acreditava nela.
— Você conseguiu, meu dengo, parabéns! – Falei também emocionada. – Eu estou muito orgulhosa de você... – Disse, senti o abraço se desfazer devagar e, quando finalmente nos separamos, notei o sorriso da coreana sumir, dando lugar a uma expressão confusa e preocupada. – O que foi?
— A nossa viagem... A gente... Sana, eu não vou adiar isso. Eu quero viajar. Eu vou viajar. Eu preciso, entende? – Dizia quase desesperada e eu ri de leve com a cena.
— Calma, você não precisa abrir mão de nenhuma das duas coisas. – Seu cenho franziu mais ainda e eu logo tratei de explicar. – Seus pais falaram com o diretor e garantiram sua vaga até o fim do nosso ano sabático. Você tem como fazer as duas coisas graças aos seus pais, Dahyun.
— Meu deus... – Encarou o nada e ficou em choque novamente. – S-sério isso? – Agora, sem que pudesse conter, as lágrimas escaparam mais uma vez. Forte e intensamente Dahyun chorava no meu ombro. Eu não interrompi esse momento, deixei que ela se lavasse por completo e percebesse todas as mudanças que estavam acontecendo. Era preciso e era natural.
*
Pov Narrador
Janeiro.
— Boa viagem, bro! – Chaeyoung disse para Dahyun quando o abraço das duas cessou. – E pode encher a gente de foto no grupo, viu?
— Só foto dos lugares, de vocês duas de viadagem, eu dispenso! – Seungsik brincou.
— Vou mandar foto de tudo! – Dahyun disse sorrindo.
— Tragam presentinhos para nós de cada lugar, ouviram? – Nayeon falou.
— De preferência, comidas típicas! – Momo complementou.
— Como elas vão trazer isso tudo de comida sem estragar, sua anta? – Jeongyeon provocou.
— Sei lá, elas que se virem! – Hirai respondeu rapidamente.
— Se divirtam, minhas divas! Aproveitem cada pedacinho do mundo! – Mina falou.
— A minha sugestão é visitar museus! – Seulgi falou. – Muito rolê de gente chique, 'tá ligado? Finjam que são importantes, pô! – Gargalhou.
— Nós vamos fazer de tudo, caras! – Sana falou animadamente.
— Boa viagem, suas gays! – Jihyo disse depois de um breve abraço com Dahyun.
— Vou sentir saudades, que saco! – Jennie comentou com um bico nos lábios.
— Deixa de se fazer, bocó! – Nayeon provocou brincalhona. – Eu vou sentir mais!
— Vocês não descansam nem numa despedida, né? – Somi disse rindo. – Sana e Dahyun, boa viagem! – Sorriu largamente.
— Obrigada! – As namoradas agradeceram ao mesmo tempo.
— Ei... – Sana falou baixinho se aproximando de Tzuyu. – Por que você está calada?
— Não gosto de despedidas, você sabe. – Respondeu rapidamente, revirando os olhos e evitando encarar a melhor amiga. – Não gosto de melação também...
— Aham, sei... – A Minatozaki respondeu desconfiada, já aproximando o corpo da Chou para um último abraço. – Pelo menos me deseje boa viagem, poxa...
— Boa viagem, Sana. – Falou abraçando-a de volta e com o tom da voz entre os dentes. Ela estava segurando o choro.
— Vou sentir muitas saudades, mas um ano passa rápido, né? – Falou quando o abraço cessou, agora encarando os olhos marejados da taiwanesa. – Qualquer coisa que precisar, me liga. Eu volto correndo, se for o caso, você sabe.
— Não vai precisar.
— Mas, se precisar, promete que liga.
— Prometo. – Seguraram as mãos e se olharam emocionadas mais uma vez. – Divirta-se, Sana-yah! Eu te amo!
— Eu também te amo, irmã. – A puxou para mais um abraço.
— Gente, o avião não pode esperar... – Hyemi diz interrompendo o momento dos amigos. – Já se despediram?
— Sim. – Dahyun respondeu. – Sem chororô por aqui, quero deixar saudade mesmo! – Brincou e fez todos rirem. – Vamos, Sana? – Entregou a mão para sua namorada que, sem demora, segurou firme. – Tchau, linduchos! – Mandou beijinhos no ar.
— Tchau! – Sana disse num tom mais elevado e turvo, pela emoção. – Até mais!
Sana e Dahyun seguiram acompanhadas da Kim mais velha para as entranhas do aeroporto, onde os pais das duas já as aguardavam juntamente de Mei. Quando os encontraram, mais uma despedida emocionante aconteceu. Alguns choros ocorreram, mas que logo foram substituídos por piadinhas bobas.
— Filhota, você está bem, né? Sei que não é muito fã de altura... – Shitara falou preocupado.
— Eu não tenho mais medo de altura como quando era criança, pai. – Respondeu timidamente.
— Certo, certo. – Abraçou a filha rapidamente. – Eu vou visitar vocês em algum desses países, ok? Não vou aguentar de saudade.
— Pai! – Repreendeu o japonês, com vergonha. – Eu vou sentir muita saudade também...
— Amo você! – O mais velho diz e mais um abraço acontece.
— Eu também, pai!
— Oh, Tofuzinha... – Mei disse após abraçar Dahyun. – Cuide-se, ok? Não faça nada perigoso, mas aproveite a viagem. E me mande fotos, me ligue... Eu vou sentir saudades.
— Eu também vou sentir, Mei. Muita saudade, inclusive. – Respondeu a Kim menor. – Obrigada por ajudar nisso aqui, ok? Vou curtir Pequim da maneira que você curtiria, da forma que imaginou para mim essa viagem... – Beijou a mão da mulher uma última vez e seguiu para falar com seu pai.
— Ei... – O Kim falou. – Toma cuidado lá, ok? Você não fala todos os idiomas do mundo, então pode vir a passar alguma dificuldade.
— Pai, existem tradutores on-line... – Respondeu desconfiada.
— Se quiser, eu mando um guia para cada lugar que visitar, um poliglota, alguém preparado. É só pedir, Dahyun.
— Não precisa, pai, sério mesmo. A gente se vira.
— Olha... Cuidado, viu? – Puxou a menor para um abraço, que teve curta duração, mas significou muito. – Divirta-se, amo você.
— Também! – Respondeu com um sorriso sem jeito. – Obrigada!
— Está levando os documentos, né? – Hyemi perguntou, Dahyun assentiu. – E a passagem? A bombinha de asma? Os seus remédios? Colocou tudo na bolsa?
— Sim, mãe, está tudo na bolsa...
— E seu ombro? Será que tem problema você viajar com ele desse jeito? Não seria melhor esperar?
— Mãe, já faz muito tempo que o incidente aconteceu, eu estou ótima.
— Ainda tenho medo mesmo assim...
— Não posso tirá-lo para viajar e colocá-lo de volta quando voltar, né? – Brinquei, mas ela permaneceu séria. – Olha, relaxa... Tudo vai ficar bem e eu ligo qualquer coisa. Pode ser assim?
— Por favor...
— Eu prometo.
— Ok, então tudo bem. – Suspirou profundamente antes de continuar. – Você está bem? Está feliz e segura?
— Sim. Como nunca antes estive.
— Que bom, filha. – Sorriu timidamente, deixando os olhos marejarem sem vergonha. – Boa viagem e se cuida.
— Pode deixar. – Aproximou o corpo da maior e a abraçou com força, numa duração um pouco maior que o abraço com o pai. Neste, as duas deixaram-se emocionar durante o ato. Era, talvez, o perdão. – Obrigada pela viagem e pelo lance da faculdade.
— De nada. Eu fico feliz que agradei.
— Obrigada por tentar ajeitar as coisas, cuidar de mim novamente. Por ter tentado lá atrás também. Ou melhor, ter conseguido lá atrás também... – Falou sem freios e a mãe da menor ficou visivelmente emocionada e surpresa. – Me perdoa pelos meus erros.
— Para com isso.
— Eu sei que eles existiram. E não medindo com os seus, eles ainda são erros. Então, por isso, eu peço perdão.
— Está perdoada, minha filha. – Puxou-a para mais um abraço firme. – Quando puder e se quiser, perdoe-me também.
— Eu acho que já perdoei, mãe. – Soltou em meio ao abraço, de forma abafada, nervosa e chorosa. Era verdade. – Eu te amo, mãe.
— Eu também te amo, minha filha...
*
Pov Sana
Pequim – China
Faz exatamente dois dias que chegamos no país, mas parece que faz bem mais. Estamos nos sentindo em casa, o clima frio é gostoso demais para pensar em estresse e a paisagem é além de maravilhosa.
As pessoas aqui são mais simpáticas que em Seul, o que é algo surpreendente, confesso. Eu e Dahyun só levamos o tempo em comer comidas típicas, andar pelas ruas sem um rumo concreto e conversar, no pior mandarim possível, com os nativos.
— Está pronta? – Dahyun pergunta após sair do banheiro toda arrumada e cheirosa.
— Sim.
— Vamos, então? – Ameaça abrir a porta e eu logo me levanto da cama.
Era noite e era hora de sair de novo.
*
Cancún – México
O Sol quente e brilhante bate em nossa pele praticamente nua e machucaria nossos olhos, se não estivéssemos devidamente protegidas. A praia é linda, lotada, barulhenta de sons naturais e muito surreal.
Dahyun tem a pele avermelhada pela sensibilidade aos raios solares e, mesmo que brigue com ela, a Kim insiste em entrar no mar e demorar para sair dele. Eu, exausta de tanto implicar, acabo cedendo algumas vezes e adentro o oceano junto da menina.
Nós nadamos, mergulhamos e pegamos ondas como se fôssemos as pranchas, deixamos a água nos levar de volta para areia, bagunçar nossos cabelos e refrescar as nossas peles. Aproveitamos cada segundo, cada lugar, detalhe, pedacinho. Tudo é lindo, tudo é viagem. E tudo é bom demais com Dahyun.
*
Genebra – Suíça
— Terminou sua consulta? – Perguntei para Dahyun quando notei o computador desligar.
— Sim. – Levantou-se da cadeira e espreguiçou o corpo fortemente, dando um leve grito ao final. – Você parou mesmo de fazer terapia?
— Só por um tempinho, enquanto viajamos ou enquanto eu achar que devo.
— Onde vamos hoje?
— Quero jantar contigo naquele restaurante de dá vista para o lago. 'Tá um frio tão gostoso hoje... Isso pede por um vinho, concorda? – A olhei sorridente e já empolgada.
— Você ouviu isso, Ari? – Falou com uma voz fina e fofa enquanto alisava a cabecinha da gata deitada no sofá. – Sua mãe está com segundas intenções para cima de mim, você viu?
— Deixa de falar essas coisas para a gata, pô! – Repreendi. – Ela vai pensar o quê? Que sou uma tarada!
— Se ela entender o que eu disse, então sim, ela vai pensar isso mesmo.
— Então não fale!
— É a verdade, não é? – Perguntou aproximando o corpo do meu enquanto segurava Ari nas mãos. Ameacei falar um palavrão, mas ela arregalou os olhos antes. – Olha o que vai dizer! Tem criança na sala... – Brincou e eu empurrei seu corpo de leve, rindo junto.
— Você quer fazer o que propus ou não?
— Quero, sim! – Soltou a gata e me encarou ao ficar ereta. – Espera só eu me arrumar, beleza?
— Também preciso me arrumar.
— Ótimo, então toma banho comigo.
— Dahyun! – Minha vez de arregalar os olhos para ela. – Você brigou comigo nesse instante porque eu ia xingar na frente da Ari e agora vem com safadeza.
— Quem está toda tarada é você, Minatozaki. Eu quero tomar banho contigo, apenas isso... – Provocou. – Quero que esfregue as minhas costas, ora!
— Idiota...
*
Pov Dahyun
Tanzânia – África
Eu não conseguia acreditar no que estava vendo. A paisagem desértica, com uma paleta de cores quentes, quase invariáveis, era surreal, hipnotizante, alucinante e mais uma penca de adjetivos do gênero.
Quase não piscava, não queria perder um segundo do safari, dos animais que, mesmo ao longe, me impressionavam. Era louco presenciar tudo isso, toda essa natureza, toda essa vida que antes eu só via em documentários, filmes e livros. Animais tão rápidos e grandes, barulhentos ou sorrateiros, espertos e curiosos ficaram registrados na minha memória.
Sana tirava foto de tudo, filmava quase todo o trajeto. Fazia perguntas ao guia com um inglês enferrujado, mas eficaz, e tinha as reações mais sonoras possíveis. Diferentemente de mim. Eu fiquei em silêncio a maior parte do tempo, que é o que a viagem pede, estava boquiaberta e estática, não me mexia nem para tirar fotos. Não queria perder nada.
Já tínhamos visto elefantes, zebras, girafas, pássaros grandes, médios e pequenos, já tínhamos visto onças correndo atrás de presas e depois conseguindo-as. Tínhamos visto bastante, muitos retratos ao vivo, lindos, surreais, perfeitos.
Ouvimos coisas também. Muitas coisas. As risadas das hienas chegaram aos nossos ouvidos, mas as ditas cujas não foram vistas por nós até então. Ouvimos o rugir dos leões, mas também não os vimos. Barulhos de ossos, brigas, galopes, etc. Foram os mais comuns, mas também eram incríveis.
— DAHYUN! – Sana berrou e me cutucou com pressa. – Uma hiena, olha!
— Não fala alto, não podemos incomodar os animais. – Falei após um "Shh" do motorista. – Caraca... Que bicho feio! – Disse ao analisar a hiena.
— E são assustadoras, né? – Disse com a voz trêmula. – São corcundas, feias e ficam dando risada, uma risada medonha dessa!
— Coitadas... – Falei rindo. – Mas não precisa ficar com medo, vimos animais piores no caminho.
— Percebi agora que tenho medo de hienas, Dahyun. – Falou com um bico triste nos lábios e olhar assustado. – Moço, anda rápido com esse carro, não quero ficar aqui.
— Ele não fala seu idioma, Sana! – Alertei ainda rindo de seu jeito medroso.
— Para de rir, Kim! – Disse rígida e eu segurei o riso de imediato, mas ele ainda queria escapar. – Sir, drive faster, please. – Pediu a mesma coisa que antes, mas com um inglês desesperado dessa vez. – Dahyun, você vai continuar rindo?
— Desculpa, amor, mas é mais forte do que eu! É só uma risada feia de um bicho feio, nós estamos seguras.
— Você não tem medo? – Neguei. – Não teve medo de nenhum bicho que vimos?
— Teria medo de ser atacada por eles, mas de ver e ouvir, não. De nenhum até agora, pelo menos.
— E teria? De algum que não vimos ainda, você teria medo?
— Do leão, eu acho. Não vimos nenhum e eu confesso que não estou chateada por isso. – Ri fraquinho de nervoso.
— Eu estou, era o que mais queria ver...
— Credo, vira essa boca pra lá! – Disse apressada.
— Ah, rir de mim é bom, né? – Provocou.
— Demais! – Devolvi.
— UM LEÃO! – Berrou e apontou para trás de mim, levando mais uma represália do motorista.
— Muito engraçado, Minatozaki. – Falei sarcástica. – Não adianta, não vai me assustar.
— Eu estou falando sério, sua besta. – Pegou meu rosto e virou-o para trás. – Olha! – Apontou mais uma vez e eu finalmente vi aquilo. O rei da savana, o personagem principal daquele filme famoso e o bicho mais assustador do mundo todo. Puta que pariu.
— Meu deus. – Quebrei o breve silêncio. – C-caraca! Ele 'tá correndo pra cá, não 'tá? – Perguntei afoita.
— Não está, deixa de loucura.
— Está, sim, Sana! – Apontei e realmente ele estava correndo atrás de nós. Era uma distância segura, claro, mas que ainda me deixou pálida e fria de tanto medo. – Sir, drive faster, please! – Pedi como Sana minutos atrás, sentindo o mesmo que ela também.
— Eu queria rir da sua situação agora, como vingança, mas não dá. – Ela falou ofegante enquanto o carro acelerava e o felino nos encarava. – Eu estou com tanto medo quanto você!
— Caralho, se a gente sair viva dessa, eu juro que te peço em casamento de verdade! – Falei a primeira coisa que passou pela minha cabeça.
— Você já fez isso, bobona! – Rebateu nervosamente. – Fala outra coisa, senão a gente morre!
— Ok, então eu prometo, caso a gente saia viva daqui, que vamos realmente casar!
*
Santorini – Grécia
Era fim de tarde, hora que o sono bate, que preguiça quer tomar conta do corpo, mas também um dos horários mais lindos das vinte e quatro horas e foram um dia. Era quase noite, o Sol não ardia mais e tinha cor alaranjada. Tomava para si o protagonismo do céu e todos os olhares pairavam nele.
Após um longo dia de mar, belezas naturais e paisagens surreais, era hora de mais uma: o pôr do Sol em Santorini.
Estar na Grécia me faz sentir dentro de um livro de história, ao ver o céu lindo e coberto de tantas cores, em me sinto num livro de fantasia, mas ao olhar para o lado, entender a realidade que vivo, ver Sana comigo e sentir toda a paixão que ela me causa, aí então, eu me sinto também num livro, mas um livro de romance.
— Já tirou foto dessa belezura? – Perguntei quando a esfera estava quase sumindo.
— E muitas! – Respondeu me olhando brevemente. – Deixa eu tirar uma sua! – Apontou a câmera para mim. – Essa luz laranja te deixou linda demais... Preciso registrar. – E assim o fez.
— Minha vez, então. – Tomei o celular, ela fez pose e eu apertei o botão para a foto. – Ficou show!
— Estava pensando... – Falou num suspirou após se aconchegar nos meus braços para nos despedirmos do Sol. – A vida é muito louca, né?
— Demais. – Ri fraquinho. – Mas por que está dizendo isso?
— Pensando aqui sobre como as coisas mudam, as pessoas mudam... Mudam tanto que não parecem as mesmas.
— Como assim?
— Nós duas, por exemplo, mudamos muito. Agora já somos adultas, eu e você, já não somos como na época de escola, lembra?
— É, para mim você era uma patricinha xereta e para você, e o resto do colégio, eu era a aluna problema...
— Pois é! E hoje não somos nada disso, não passamos nem perto. Faz mais de seis meses que tudo isso passou, porém parece que faz mais, né? Sei lá...
— Sim. Ao mesmo tempo que sinto que foi ontem, também tenho a sensação que faz séculos... É estranho.
— Acho que sentimos isso por conta das mudanças mesmo... Tanto nossas, quanto de quem nos cerca, aí tudo vira uma memória distante, mas afetiva, tão afetiva que traz pra perto algo que está longe...
— Deve ser isso sim.
— A Yuna era conhecida por vocês como "pé no saco", né?
— Sim... – Gargalhei ao lembrar. – Hoje ela está totalmente diferente disso, nem parece a mesma Shin Yuna. Você tem notícias dela?
— Não... Sei que está cursando pedagogia em Seul. Ah, e ela comentou na nossa foto do instragam dia desses...
— É isso... – Falei baixinho para mim mesma ao passo que meus pensamentos finalmente chegavam a uma conclusão. – É isso! – Falei mais alto e mais segura.
— O que? – Sana perguntou me olhando confusa. – O que foi, Dahyun?
— Eu preciso ligar para a senhora Hwang, Sana. – Peguei o celular e iniciei a chamada rapidamente. – Alô? Senhora Hwang, é a Dahyun!
— Oi, Dahyun... Como você está? O que houve para me ligar a essa hora? – Perguntou com a voz assustada e sonolenta.
— Oh, desculpe-me! Eu não me atentei para o horário, perdão! Eu ligo depois, mil perdões, senhora Hwang!
— Não, Dahyun, pode falar. Eu não estava dormindo, estava lendo. Diga-me, o que houve?
— Eu entendi tudo, senhora Hwang, tudinho mesmo! – Falei sorridente. – Sobre ter inventado uma senhora Kwon, eu entendi finalmente!
— Que bom, Dahyun! Quer me contar o que entendeu?
— Minha mãe mudou, mudou tanto que não parecia a mesma pessoa. Eu, quando criança, fui cuidada por uma mulher fantástica, que me entendia e me ajudava com as crises, pessoa totalmente diferente da que eu enfrentei na pré-adolescência. Mulher que não me compreendia, me reprimia e ignorava os meus problemas... Então, por conta da diferença enorme, eu não conseguia assimilar uma a outra.
— E por isso inventou a Kwon?
— É! Como minha mãe, da minha pré-adolescência em diante, não parecia entender nada das minhas crises, então não tinha como a mesma pessoa ter cuidado de mim de forma quase profissional, isso só podia ter sido feito por uma psicóloga de verdade!
— Faz muito sentido, Dahyun! – Disse num tom alegre.
— E foi por isso que o lance do trabalho de geografia ficou confuso na minha mente. Antes, eu pensava que tinha feito tudo sozinha e refeito com a psicóloga Kwon pela ausência dos meus dois pais, mas não. Só meu pai esteve ausente, minha mãe estava lá comigo. E isso, mesmo sendo algo bom, se tornou um trauma, já que eu era criança e eu não compreendia tão bem as coisas por conta da idade e do meu problema psicológico também. – Disse sem pausas.
— Uau... Você pensou em tudo! Como chegou a essa conclusão?
— Foi do nada, sem me esforçar para pensar, como a senhora disse que seria. Eu não forcei, apenas entendi, depois de tantos meses eu finalmente entendi!
— Eu fico muito feliz, Kim! E como você está?
— Eu estou ótima! Muito obrigada por me ajudar, senhora Hwang! – Falei ainda ofegante pela euforia. – Depois nos falamos, pode voltar para sua leitura, beijo, tchau!
— Tchau, Dahyun... – Ouvi seu risinho fraco ao fundo e logo desliguei.
Desde que soube que a senhora Kwon nunca existiu, a dúvida me consumiu, a falta de memória me deixava sempre com medo, mas agora, não mais. Agora eu sei que é realmente o tempo, já que acabei de ter a prova. O tempo veio, veio sem eu sentir, meses se passaram e eu finalmente entendi.
Agora sei que a senhora Kwon existiu, mas com outro nome. E que bom que foi dessa forma. Que bom que minha mãe, antes de ser má comigo, foi boa, foi mãe de verdade. Do mesmo jeito que tenta ser hoje em dia.
Que bom...
*
Las Vegas – Estados Unidos
— Pronta para casar comigo, senhorita Kim? – Sana pergunta assim que o taxi estaciona.
— Mais que pronta! – Pago o motorista e saio também.
Ao pisar o pé na calçada, analiso minha namorada, que me analisa ao mesmo tempo, e ao fim da análise, nós gargalhamos até chorar.
Rimos porque estamos usando roupas engraçadas, exageradas e antigas. Eu estou vestida com um roqueiro dos anos setenta, cheio de cores chamativas e estampas psicodélicas na minha roupa e um cabelo armado, cheio de laquê para se manter em pé. Eu estou ridícula.
Sana, como eu, também está exagera. Vestida como uma moça de filmes dos anos sessenta, tem até uma pinta falsa no canto da boca e esta, por sua vez, é enfeitada por um batom muito vermelho. Seus cabelos também estão duros de produto químico e sua roupa é de cor sólida, mas muito armada. Ela está, no mínimo, cômica.
— Vamos nessa, então? – Falo dando meu braço para ela entrelaçar.
— É hora de cumprir sua promessa, Kim Dahyun, já que saímos vivas daquele safari!
*
Pov Narrador
A mini igreja está toda enfeitada para o casamento de Sana e Dahyun. Os convidados já estão presentes no recinto e devidamente sentados em seus assentos, mesmo que não conheçam as noivas, eles sorriem alegremente como se fossem da família.
As namoradas sabem que a plateia que as assiste e sorri junto, está dessa forma porque a cidade contribui. Cassinos, álcool e drogas se veem aos montes em Las Vegas, então não era anormal o comportamento dos desconhecidos. Apesar desse defeito na cidade, o motivo da viagem das duas para lá é romântico: o casamento.
Adentram a igreja juntas, caminhando devagar como manda o costume, mas com uma trilha sonora diferenciada. Toca, no piano do local, uma música animada, que ambas reconhecem ser de Rap, e riem conforme caminham.
Ao chegar no altar, o Elvis, homem fantasiado do cantor que realiza a cerimônia, começa a falar palavras bonitas com uma entonação engraçada. Engraçada porque além de ser uma imitação, as noivas não fazem ideia do que está sendo dito.
— Você, Kim Dahyun, aceita se casar com Minatozaki Sana por livre e espontânea vontade? – Perguntou devagar para que elas pudessem compreender.
— Sim. Aceito. – Dahyun responde sorridente.
— E você, Minatozaki Sana, aceita se casar com Kim Dahyun por livre e espontânea vontade?
— Sim, eu aceito!
— Troquem as alianças. – Assim o fizeram, colocando nos dedos anéis de plástico oferecidos pelo local. – Muito bem... Então, agora, podem beijar, oh yeah, rock and roll, baby! – Imitou o cantor mais uma vez e as noivas, após uma gargalhada, beijaram.
— Eu te amo para sempre, japa. – Dahyun diz quando o beijo cessa.
— Eu também te amo para sempre, loirinha. – Piscou um dos olhos e a puxou para mais um beijo.
*
"Olhe só pra vocês, crianças, com suas músicas vintage
Vindas por meio de satélites enquanto viajam
Vocês fazem parte do passado, mas agora são o futuro
Você se arruma, se veste todo
Para ir a nenhum lugar em especial
Isso não importa, porque já é o bastante
Ser jovem e apaixonado"
[FIM]
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