Work Text:
Hugh não tira os olhos de Fiona desde que eles voltaram para o Recanto do Demônio. A guerra foi vencida, é o que comemoram as ruas e todos os peculiares que encontraram abrigo nessa fenda. Hugh sabe, ele esteve lá. Fiona deve saber, mas isso não significa que acabou para ela. Ele consegue ver o terror que ainda aflige ela em cada movimento dela.
Como ela se recusa a sair dos limites da casa da srta. Peregrine; como ela pouco tem usado a peculiaridade dela — mesmo para fazer coisas que ela gosta, como cuidar da horta; como ela evita ter contato visual com qualquer pessoa, ele incluso.
Fiona nunca foi uma pessoa extrovertida ou conversadeira, mas Hugh costumava conseguir lê-la, entender os sinais não-verbais dela. Ela não se aproxima, não o toca, não interage com praticamente ninguém além da srta. Peregrine e, em raras ocasiões, ele. Ela parece fechada em um abismo de lembranças do tempo que passou com Caul e os capangas dele. Hugh não sabe o que ela foi acometida nesse tempo, mas ele só consegue imaginar o pior.
No tempo em que ele ficou sem saber o paradeiro dela, ele continuou acreditando que ela estava viva, ele nunca perdeu a esperança de poder encontrá-la e poder trazê-la de volta para casa em segurança. Agora, ela voltou para casa, mas ainda, sim, ele não pode prometer segurança a ela, pois os males que ela enfrenta agora estão além do alcance dele ou de qualquer pessoa além dela.
Olive e Claire cederam o quarto delas para Fiona poder ficar. Ela raramente dorme ou relaxa, mas ter um quarto apenas para ela parece ter ajudado ela a se sentir mais confortável. A primeira coisa que Hugh faz todos os dias é ir até o quarto onde ela está para assegurar que Fiona está em casa com ele e os outros peculiares da srta. Peregrine. Apesar de haver o desejo dele de não respeitar os limites dela, porque ele está com saudades, ele respeita e lida com o tempo da mesma forma que ela.
Hugh continua tentando. Ele não desistiu dela antes, quando todos o tratavam como um esperançoso em luto, e não desistirá dela agora que a tem tão perto.
Por mais que Fiona esteja evitando usar sua peculiaridade, o local seguro dela continua sendo o jardim e a horta. Esses espaços não foram primorosamente cuidados enquanto ela estava desaparecida, mas Hugh fez o melhor que pôde. Fiona parece apreciar, e isso é o suficiente para ele.
As abelhas dele sempre chegam antes dele, geralmente porque ele não se importa, mas com Fiona, para avisar a presença dele sem precisar falar e acabar assustando ela. As abelhas voam até algumas flores no jardim e, sabendo que é Hugh quem se aproxima, Fiona ergue os olhos sem parecer alarmada. Mesmo sem sorrir, há ruguinhas no canto dos olhos que demonstram que ela está contente com a presença dele. Hugh sorri ao ser notado e acena com a mão direita, com a esquerda ele segura um prato.
Houve uma melhora significativa na saúde de Fiona desde que ela foi resgatada. Dentro do possível, ela tem se alimentado e descansado. Ao menos, é oferecido isso a ela diariamente, o que Hugh acredita que não era oferecido no tempo que ela passou com Caul. A pele negra dela não está tão pálida e sem vida, há um brilho que conforta o coração de Hugh. Ela não tem olheiras tão grandes, mas os olhos continuam avermelhados devido ao choro constante.
Hugh se pergunta se ela se sente segura, ou se ela algum dia voltará a se sentir em paz.
O rapaz se senta no banquinho alguns centímetros distante dela para deixá-la mais confortável. Ele percebe que a atenção dela está nas abelhas que estão polinizando as flores do jardim, e a atenção dele se volta para isso também. O silêncio toma conta do momento por longos minutos. Isso é algo que não mudou entre eles — eles sempre estiveram confortáveis na quietude compartilhada.
Hugh desvia o olhar para ela, observando o perfil de Fiona. O rosto dele rapidamente cora apenas com a visão. Ela continua sendo a pessoa mais bonita que ele conhece. Há um conforto em poder vê-la tão perto novamente depois de tantas noites mal dormidas pensando onde ela poderia estar, já que ele nunca acreditou que aquela fenda extinta havia sido o fim dela.
Ele abre a boca e fecha algumas vezes, hesitando em começar a falar. Percebendo isso, Fiona apenas balança a cabeça, permitindo que ele prossiga.
— Eu trouxe sanduíche para você. — Hugh quebra o silêncio, com a voz baixa. Ele empurra o prato para o lado dela do banco.
Fiona encara o sanduíche com as sobrancelhas levemente arqueadas, analisando a comida. Ela tem comido mais do que ela comia antes do sumiço, mas também tem tido mais seletividade com a comida. Hugh tem observado isso e anotado o que ela parece comer mais ou menos para poder indicar a Horace o que ele deve cozinhar.
Ela parece aprovar a aparência e pega o prato. Ao invés de agradecer verbalmente, Fiona ergue os olhos para o rosto de Hugh e segura o olhar dele por alguns segundos. Ele sabe que ela está grata pela ação dele. A garota começa a comer em mordidas contidas e Hugh se recosta no banco, encarando a hortinha à frente deles.
— Esse sanduíche se chama cubano. — Hugh quebra o silêncio mais uma vez. — É comum lá na Califórnia, onde o Jake mora! Ele levou a gente para sair algumas vezes e, você sabe, Horace queria experimentar a comida local, então acabamos indo em alguns restaurantes e lanchonetes… Ele ficou bem apaixonado nesse sanduíche. Tem toda uma preparação antes de montar.
Hugh divaga, enquanto Fiona continua comendo. Ela o encara de canto, mesmo que ele não perceba a atenção dela.
— Nós passamos um tempo lá quando você… — Hugh engasga com a própria frase, se impedindo de continuar.
Ele não sabe se deve falar sobre isso ou não. Ele não sabe se Fiona se sente confortável em conversar sobre ou mencionar com as pessoas mencionando isso. Hugh sabe que as ymbrynes a interrogaram sobre e ela não teve muita escolha a não ser falar — escrever, mas ele não quer que ela traga o assunto por ser persuadida. Ele quer que ela fale quando e se ela se sentir confortável com isso.
Fiona desvia o olhar para longe dele e continua comendo silenciosamente. Hugh acompanha o silêncio dela mais uma vez. Essa hesitação é algo novo na relação deles e Hugh não sabe ao certo como lidar com isso. Srta. Peregrine também não parece ter um conselho melhor do que lidar com a situação com paciência — e ele entende, porque duvida que a ymbryne que ele vê como uma figura materna, por mais sábia que ela seja, já tenha lidado com uma situação dessas.
Esteja ao lado dela, querido. É provável que ela rejeite sua companhia no começo, mas não a deixe sozinha, não agora. E seja paciente. Ele pode sentir as palavras da srta. Peregrine ecoando na cabeça dele, de uma conversa que eles tiveram assim que voltaram para o Recanto.
Hugh se arrasta um pouquinho para o lado, um pouquinho mais para perto de Fiona e ela não reage negativamente.
— Quando você quiser, Fee, a gente deveria ir para a Califórnia — ele comenta. — Lá é calor e ensolarado. Lá… é bonito. Me lembra muito você, Fee. Você vai gostar.
Fiona ergue os olhos para ele e segura o olhar dele. Há um brilho novo no olhar dela que lembra Hugh da antiga Fiona. É curiosidade. Os olhares acastanhados se encontram e se mantêm. As ruguinhas nos cantos dos olhos dela aparecem e Hugh sorri, sentindo os lábios tremendo.
Ela olha para a horta e Hugh olha também. Uma nova flor aparece ali. É um cravo branco. Hugh sente as lágrimas escorrerem e a mão dela encontra a mão dele.
