Actions

Work Header

Guess I should've known

Summary:

"Kojiro sente seu estômago se contorcer. Família. Fazia tempo que ele evitava associar essa palavra a qualquer coisa que tivesse relação ao Kaoru. E por mais que ele preferisse manter as coisas assim, ele não tinha como dizer não para as crianças.
“Bom, se até o Cherry concordou, eu não tenho motivos para não ir.” Ele sorri. E vendo o sorriso dos meninos, Kojiro sentiu que tudo ficaria bem.

Ele precisou de três segundos olhando diretamente para o cabelo rosa preso em uma trança frouxa para perceber que estava errado."

 

- Depois de 4 anos divorciados, Kojiro e Kaoru vão viajar com as crianças e precisam encarar seus sentimentos.

Notes:

Essa é a primeira fanfic que eu escrevi. Não é nada incrível, mas ela é especial pra mim.
Espero que gostem <3

Work Text:

Se alguém perguntasse como ele tinha parado no meio dessa viagem bizarra, Kojiro ia dizer que não sabia. É claro que ele sabia, mas era muito mais fácil se fazer de sonso ou então colocar a culpa nas crianças.

As crianças. Chega a ser ridículo que ele ainda pensasse neles como crianças sendo que Reki e Langa estavam entrando no último ano da faculdade. E, claro, Miya tinha acabado o ensino médio, o que era o grande motivo (ou a grande desculpa) para a tal viagem bizarra. Então é óbvio que Kojiro não tinha outra opção senão aceitar fazer parte da viagem.

“Todo mundo vai?” Kojiro havia perguntado quando os meninos apareceram do nada no restaurante para contar da viagem.

“Sim! Já tá tudo certo e as passagens-” Miya começa, mas Kojiro o interrompe.

“Todo mundo é só o Shadow? Não tem como o Kaoru concordar com uma viagem assim do nada.”

“Na verdade,” Reki diz. “A gente veio direto de lá, ele que pagou as passagens e alugou a casa, a gente tá falando disso já tem um tempo.”

Kojiro fica em choque por alguns segundos, sem conseguir responder. Ele jurava que nessa história de “pais do grupo”, ele era o favorito. Afinal, ele que era o cara legal e animado e jovial, não o Kaoru. Então não fazia sentido nenhum que as crianças tenham ido direto pra ele, a não ser que fosse…

“E o Adam?” Ele diz olhando diretamente pro Reki, sabendo que ele entenderia.

“Não, o Cherry nunca ia deixar ele viajar sabendo que eu e o Langa vamos, mesmo que esse idiota não ligue,” ele dá uma cotovelada leve na costela do mais alto. “eu nunca vou perdoar tudo que o Adam fez.”

“Mas tem uma chance dele ter bancado tudo.” Miya fala dando de ombros. “Eu não ligo de me aproveitar do dinheiro sujo dele para passar um tempo com a minha família.”

Kojiro sente seu estômago se contorcer. Família. Fazia tempo que ele evitava associar essa palavra a qualquer coisa que tivesse relação ao Kaoru. E por mais que ele preferisse manter as coisas assim, ele não tinha como dizer não para as crianças. 

“Bom, se até o Cherry concordou, eu não tenho motivos para não ir.” Ele sorri. E vendo o sorriso dos meninos, Kojiro sentiu que tudo ficaria bem.

Ele precisou de três segundos olhando diretamente para o cabelo rosa preso em uma trança frouxa para perceber que estava errado. Porque não existe nenhum universo em que ele conseguiria sobreviver a uma semana inteira em uma cabana nas montanhas, completamente cercado de neve, com o Kaoru. Não depois de quatro anos sem ter nenhum tipo de contato com ele. Não depois de saber que havia uma chance da viagem ter sido paga pelo Ainosuke. E com certeza não com as memórias da lua de mel, quando Kaoru o ensinara a andar de snowboard e tudo que Kojiro conseguia pensar era em como ele estava ansioso para passar o resto da sua vida do lado da pessoa por quem ele era apaixonado desde os 16 anos.

“Cherry! O Joe chegou!” A voz de Langa faz com que Kojiro consiga tirar os olhos do longo cabelo rosa de Kaoru a tempo do outro não perceber que estava sendo observado. 

“Podemos ir, então, já que estão todos aqui.” Kaoru fala sem nem ao menos dirigir o olhar a Kojiro. Mas não é como se isso ainda machucasse depois de 4 anos de silêncio total. Ou não deveria machucar.

“Mas e o Hiromi?” Kojiro questiona quando todos começam a caminhar na direção do portão.

“Ele vai precisar trabalhar.” Miya responde. “Mas ele deve ir depois que tudo estiver resolvido na floricultura!”

“Ah.” Kojiro não sabe se é algo da cabeça dele, mas tudo parece ficar mais tenso. “Então eu sou o atrasado.”

“Nós ainda estamos no horário.” Kaoru fala, andando à frente de todos. E isso, de tudo, é o que faz Kojiro sentir um aperto no peito. Porque seu Kaoru não perderia a oportunidade de dizer que não esperava que um primata soubesse ler as horas, sem veneno e com um sorriso que seria prontamente contribuído por Kojiro. Mas esse Kaoru obviamente não era mais dele.

 

A viagem de avião passa tranquilamente, todos eles em seus assentos chiques de primeira classe. Kojiro tenta ao máximo não pensar que foi tudo pago pela única pessoa que ele não queria que tivesse qualquer tipo de envolvimento em sua vida ou na dos meninos. Mas quando a aeromoça oferece diversos coquetéis que estavam inclusos no valor da passagem, ele não pode deixar de aceitar e se sentir grato por ao menos poder extorquir alguém que ele odeia.

Mas, na verdade, ele sabe que não odeia Ainosuke. Talvez ele odeie o que ele representa, mas o que ele mais odeia é o fato de ele não conseguir se comparar ao grande Adam. Não aos olhos de Kaoru, ao menos.

Depois de pousar, eles precisam decidir como vai ser a divisão dos assentos no carro. Kaoru vai dirigindo, Langa no banco do passageiro e Kojiro se espreme no banco de trás com os outros dois meninos. Melhor assim do que ter que encarar o silêncio de Kaoru durante a viagem inteira. O que Kojiro não esperava era se sentir feliz ao ouvir a voz de Carla dando as direções para Kaoru. Ele gostava de reclamar da namorada robô de seu ex-marido, mas depois de tanto tempo… ela era meio da família, não que Kojiro fosse admitir isso em voz alta. Carla provavelmente não responderia mais aos comandos dele, da mesma forma que Kaoru o havia bloqueado de qualquer tipo de sistema. Mas Kojiro não se importava mais.

A divisão dos quartos na cabana é feita de forma rápida. Reki e Langa ficam na suíte com lareira, já que eles são o único casal. Kaoru se oferece para ficar no quarto com Miya, e assim fica decidido que Kojiro dividiria o quarto com Hiromi quando ele chegasse. Por um momento, ele pensou ter sido sortudo por poder ter um quarto só pra si por alguns dias, mas ele logo lembrou que a maior reclamação de viagens passadas era o ronco de Hiromi e como ninguém queria dividir o quarto com ele.

Talvez seja patético, mas Kojiro não consegue evitar pensar que dessa forma talvez Kaoru realmente tivesse uma boa noite de sono, porque nem quatro anos de divórcio podiam fazer ele parar de se preocupar com a saúde do outro homem. Sim, definitivamente patético.

Eles acabam dormindo logo, a exaustão da viagem finalmente atingindo em cheio cada um deles.

Como sempre, Kojiro é o primeiro a acordar. Com a rotina de exercícios e o trabalho no restaurante, já era costume que seu corpo despertasse por volta da mesma hora todo dia. O que significa que, antes mesmo que alguém acorde, Kojiro já preparou diversas coisas para o café da manhã, e ele sinceramente está pronto para atender qualquer outro pedido feito pelas crianças. Ele gostaria de dizer que recusaria pedidos vindos de Kaoru, mas a verdade é que a primeira coisa que ele fez foi o mingau de arroz que Kaoru amava comer nos dias frios.

Os primeiros a aparecerem são, surpreendentemente, Reki e Langa.

"Bom dia, Joe!!" Reki fala animadamente, enquanto Langa apenas se arrasta com a cabeça apoiada nas costas do ruivo. "Nós temos ovos e bacon?".

Kojiro sorri. "Temos o que você quiser, é só pedir." Ele diz já pegando os ovos e o bacon e começando a preparar.

"Que cheiro horrível de se sentir de manhã." Kaoru fala em algum lugar atrás de Kojiro. Ele não precisa se virar pra imaginar a careta que o outro homem faz. "Eu vou preparar um-"

"O mingau de arroz está dentro do microondas, é só esquentar." Kojiro não tira os olhos dos ovos mexidos enquanto fala.

Kaoru não responde, mas vai até o microondas para aquecer o mingau. 

"Um agradecimento seria bom, ou você já esqueceu o que são bons modos?" Kojiro provoca. Ele ia negar com todas as forças se alguém perguntasse, mas ele estava desesperado por alguma reação, qualquer que fosse, de Kaoru.

"Fico surpreso de um primata entender o que são bons modos. Eu não pedi por nenhum favor."

"Hmm." Kojiro sorri consigo mesmo. "É bom saber que você ainda tem a mesma personalidade terrível de manhã, Kaoru."

Ele se vira e vai em direção a mesa com a comida dos meninos, que agora estão distraídos vendo manobras de snowboard no youtube. Porém, antes que ele consiga alcançá-los, Kaoru o segura pelo braço.

"Nós não somos amigos há muito tempo, Joe . Então pare de fingir que nada mudou." Ele diz antes de se dirigir até a outra ponta da mesa e se sentar.

"Cherry, então." Kojiro dá de ombros e volta para o fogão. 

Ele não fala com Kaoru durante todo o dia.

 

É na janta que o silêncio se quebra.

"Eu sei que vocês são nossos pais divorciados, mas essa história de nenhum dos dois olhar na cara um do outro já cansou." Miya solta de repente, sincero como sempre.

"Eu tentei, criança. O Cherry não quer falar comigo, então eu desisti."

Kaoru solta uma risada maldosa dentro de sua taça de vinho. "É bem a sua cara mesmo."

Kojiro sente seu sangue ferver. "E o que isso quer dizer, quatro olhos??"

"Muito complexo pro seu cérebro de amendoim?" 

"Eu acho que esqueci o quanto você é insuportável " Kojiro admite, relaxando em sua cadeira. Ele não tem motivos para brigar com Kaoru. No fim do dia, isso só vai estressar uma pessoa e com certeza não vai ser o homem que seguiu em frente em um ano mesmo depois de falar que seus sentimentos por Adam nunca iriam voltar depois do acidente. 

"Eu não vou nem reclamar, porque as brigas são sinceramente melhores que o silêncio." Miya revira os olhos, levantando-se para colocar o prato na pia. "Reki você lava a louça hoje?" Ele pergunta e se retira após receber uma confirmação.

"De verdade, a viagem toda é pra ele. Ele deixou de viajar com a turma pra viajar com a gente porque nós somos família." Reki sussurra assim que ouve a porta do quarto se fechando. "Eu sei que esse é o lance de vocês e meio que sempre foi, mas vocês podiam fazer um esforço pra toda refeição não ser totalmente insuportável."

Kojiro vê Kaoru abaixar a cabeça em vergonha. 

"Vocês têm razão e eu tenho orgulho de como vocês cresceram." Kojiro fala, se levantando para bagunçar o cabelo do menino. "Trégua?" Ele pergunta estendendo a mão para Kaoru.

"Pelo bem da viagem, sim. Mas saindo daqui eu não quero mais ter que ouvir sua voz."

Kojiro ignora o aperto em seu coração. "Como quiser, majestade." 

 

O dia seguinte começa bem, mas qualquer interação logo se desenvolve em ondas de pequenas brigas por motivos estúpidos.

Primeiro porque o mingau não estava bom o suficiente pro paladar apurado do senhor sabe tudo, depois porque um prato tinha sido guardado no lugar errado, depois porque Kaoru resolveu questionar a habilidade de Kojiro para dirigir o curto caminho até a área de esqui. Sinceramente, parecia a vida de quando eles ainda estavam casados e Kojiro continuava a ignorar os problemas como se não arranjar briga fosse resolver tudo. E dessa vez não ia ser diferente, mesmo que o motivo fosse não estragar a viagem dos meninos.

Mas a gota d'água foi a roupa que Kojiro esqueceu no banheiro depois de tomar banho. Ele estava tão concentrado em fazer a janta que tudo acabou confuso e a roupa suja ficou largada em cima da privada.

"Eu sei que você não tem um cérebro tão desenvolvido, mas não deixe sua sujeira pros outros limparem." Kaoru diz entrando na cozinha e largando a roupa suja no chão.

"Ah, eu esqueci, você podia ter-"

"Suas coisas são sua responsabilidade, você não pode ficar largando tudo pela casa."

"Eu só queria preparar a janta logo e acabei esquecendo." Kojiro tenta manter a calma.

"A janta pode esperar os 3 segundos que levaria pra você pegar a merda da sua roupa suja e tirar do banheiro. " Kaoru diz com ainda mais veneno na voz.

Kojiro respira fundo.

"Não é possível alguém ser tão inútil a ponto de simplesmente esquecer tudo assim."

Ele conta até dez.

"Eu acreditaria mais se você dissesse que olhou pra roupa e achou que não valia o esforço, seria muito mais condizente com as suas ações."

E talvez tenha sido porque foi o segundo comentário sobre desistência que Kaoru fazia. Ou talvez tenha sido porque a janta era macarrão carbonara, a pedido do Langa, mas que Kojiro ainda ia preparar do jeito que ele sabia que era o favorito de Kaoru. Talvez tenha sido o cansaço de tudo. Mas o fato é que Kojiro não conseguiu se acalmar.

"Eu cozinhei todas as refeições desde que a gente chegou, sem a ajuda de ninguém. Qualquer coisa que me pediram, eu me desdobrei pra fazer." Ele começa apontando um dedo na direção de Kaoru. "Leva uma hora pra chegar no mercado, e mesmo assim eu fui sozinho comprar as coisas pra preparar."

"Ninguém falou pra-"

"Eu caguei se alguém falou ou não, Kaoru. Eu tô fazendo de tudo desde o começo dessa merda de viagem para ser útil e alegrar todo mundo do jeito que fosse possível. Eu fiz de tudo pra não me sentir um lixo por ter me aproveitado da merda do dinheiro do seu namorado bosta."

"O Adam-"

"Dane-se o Adam!" Ele passa as mãos pelos cabelos verdes, tentando de alguma forma se controlar. "Eu não posso esquecer a porcaria da roupa. Eu só queria vir pra merda da cozinha e fazer a merda do seu prato favorito porque é a única coisa que eu posso fazer, mas não é suficiente porque nunca é suficiente pra você e eu simplesmente cansei de ficar quieto ouvindo você reclamar de cada coisinha errada que acontece."

"Kojiro…"

"Eu vou dormir " Kojiro fala com um suspiro, tirando o avental e o jogando em cima da bancada. 

Ele não espera Kaoru responder para se retirar pro quarto. 

Ele também tenta não pensar em como aquela foi a primeira vez em quatro anos que ele ouviu Kaoru o chamar pelo nome.

Assim que chega no quarto, Kojiro se joga na cama e afunda o rosto no travesseiro. 

Ele não tem noção nenhuma de quanto tempo se passou até o momento em que ouve alguém mexer na porta e entrar no quarto.

"A culpa é minha." Kojiro levanta a cabeça ao ouvir a voz de Miya. "Eu não devia ter falado pra gente fazer essa viagem."

Se fosse alguém que não o conhecesse, provavelmente iam achar que Miya estava normal e tranquilo apesar da situação. Mas Kojiro conhecia aquele tom de voz e aquele olhar. Ele o viu anos antes, na noite em que Miya fugiu de casa e apareceu no Sia la Luce falando que ele não tinha mais família porque seus pais estavam se divorciando.

"Ei, a culpa com certeza não é sua." Kojiro se sentou na cama, abrindo um espaço para Miya ocupar. "Nós somos adultos, não devia ser tão difícil se comportar civilizadamente por uma semana." Ele puxa o menino para um abraço. 

"Eu devia ter percebido que a família não existe mais daquele jeito, mas por algum motivo eu achei que ia ser diferente dos meus pais porque vocês são o Joe e o Cherry."

"Eu também achei que podia ser diferente, mas acho que nós dois sonhamos alto demais dessa vez, garoto." Kojiro bagunça o cabelo do menino. "Eu acho que vou pegar minhas coisas e voltar para casa amanhã. O Hiromi deve chegar logo e vocês aproveitam o resto da viagem. Eu prometo levar você e os meninos pra praia em outra situação."

O quarto fica em silêncio por um instante, então fica nítido o quão trêmula está a voz de Miya quando ele fala novamente. "Vocês nunca contaram o que aconteceu. Ninguém sabe o motivo do divórcio." 

"Foram muitas coisas. No fundo, nem eu sei direito, mas é óbvio que ele queria correr atrás do Adam, então eu deixei. Se tem uma coisa que eu nunca quis, foi ficar entre o Kaoru e a felicidade dele."

"Como se ele pudesse ser feliz com o Adam." 

"Eu também não imaginaria, mas aparentemente deu certo, então… não tem mais nada que eu possa fazer."

"Ele que pediu o divórcio, então? E você simplesmente aceitou."

"Foi."

"Você não se arrepende? De não ter tentado resolver?" 

"Todo santo dia, mas ele nunca quis conversar durante o processo. Então não ia funcionar de qualquer jeito."

Miya suspira e eles ficam abraçados em silêncio por um tempo. Kojiro pensa em como, da última vez, ele e Kaoru seguravam um menino que soluçava enquanto garantiam pra ele que essa segunda família não se despedaçaria, e agora o menino estava com 17 anos e parecia mais adulto do que ele próprio.

Quando o abraço se quebra, Miya senta na segunda cama. "Posso dormir aqui hoje? Eu meio que briguei com o Cherry e não tô com muita vontade de ir encarar ele agora."

Kojiro sorri tristemente. "Foi mal, garoto, mas eu não posso permitir. Se você não voltar pro quarto, o Cherry vai ficar acordado a noite inteira. Você não precisa falar nada se não quiser, mas vai ter que dormir lá pra ele saber que você não o odeia."

Miya revira os olhos. "Eu detesto quando você age como adulto responsável." Ele se levanta e caminha até a porta. "Por sinal, ele estragou completamente o macarrão e a gente acabou jantando torrada e ovo."

Kojiro ri alto e é como se um peso se levantasse dos seus ombros. 

 

Tudo meio que começou depois do retorno do Adam.

Kaoru ficou obcecado em desafiá-lo, e talvez Kojiro tenha ficado também, mas nunca era na mesma intensidade. Foi o coração de Cherry que ficou partido quando Adam foi embora. Foi o ego dele que ficou ferido ao ser chamado de entediante. E Kojiro não teve nem tempo de lamentar a perda de um amigo, porque ele estava ocupado demais juntando os pedaços e tratando as feridas. E foi assim que um dia Kaoru simplesmente o beijou, resultando no namoro e no casamento logo em seguida, então ninguém podia culpar Kojiro por se sentir como um substituto.

Obviamente o retorno de Ainosuke e da obsessão de Kaoru iriam causar que as velhas inseguranças voltassem. A princípio, não com força total, mas o suficiente para que uma voz constante falasse na cabeça de Kojiro que, em algum momento, Kaoru o deixaria para trás.

Mas aí Adam resolveu pegar um skate e bater na cara de Kaoru enquanto ele estava em alta velocidade. E Kojiro, de uma forma bizarra e que ele mesmo não gostava, se sentiu aliviado. Mandar alguém para o hospital não é uma boa forma de reconquistar aquela pessoa, e agora Kaoru seguiria em frente. Sem Adam.

E por um momento Kojiro realmente achou que fosse ficar tudo bem. 

Pensando em retrospecto, talvez tenha sido ele mesmo que tenha parado de falar. Mas o que importa é que o silêncio era constante e só começou a ser quebrado por pequenas provocações de Kaoru. Agora Kojiro percebe que talvez elas estivessem dentro do normal, mas na época elas pareciam mais alfinetadas miradas especificamente nas inseguranças mais bestas de Kojiro.

E elas foram aumentando, Kaoru parecia estar se irritando e Kojiro começou a passar mais e mais tempo no restaurante. 

Cherry Blossom fez seu retorno ao S em grande estilo e Joe não estava lá pra ver.

Adam aparentemente havia feito um pedido público de desculpas a Cherry, dizendo que ele realmente passou dos limites e estava arrependido. Cherry Blossom, aparentemente, havia feito pouco caso ao levantar um dedo do meio em direção a Adam. E Kojiro ouviu sobre essa história antes de ir dormir, com Kaoru o encarando e se levantando para ir dormir no sofá depois de receber um “Aham” como resposta.

E aí teve o dia em que Ainosuke apareceu na festa e Kaoru não o expulsou prontamente. E O momento em que Kojiro foi pegar mais carne para colocar na churrasqueira e acabou ouvindo uma conversa entre os dois. Adam se dizia feliz por Cherry, que ele tinha conseguido o amor que ele merecia e Adam seria incapaz de dar. E ele também escutou Kaoru respondendo que talvez as coisas não fossem como Ainosuke pensava. E aquilo foi como tirar a única pedrinha que sustentava um muro velho.

Kojiro tentou. De verdade.

Ele comprou os melhores vinhos. Pagou pelos melhores restaurantes. Acabou endividado tentando pagar por um colar de ouro branco.

Mas quando ele chegou em casa e encontrou Kaoru ainda de yukata, sentado no sofá com uma mala de viagem pequena ao lado dele, Kojiro já sabia o que iria acontecer.

E quando Kaoru falou que achava melhor que eles pedissem o divórcio, Kojiro só conseguiu dizer “tá bom”. Kaoru revirou os olhos e se levantou para sair, dizendo que ficaria em um hotel durante o tempo necessário para Kojiro se restabelecer em outro lugar.

Kojiro só conseguiu chorar quando seus documentos chegaram e ele era apenas Kojiro Nanjo novamente. Sem Sakurayashiki.

 

Na manhã seguinte, Kojiro acorda mais cedo que o normal e começa a preparar várias coisas. Na geladeira e no freezer ele deixa várias porções de comida que eles pudessem esquentar, inclusive o macarrão carbonara e mais mingau de arroz, porque aparentemente ele sempre vai ser escravo de seus sentimentos por Kaoru.

Depois de terminar na cozinha, ele arruma a mala e deixa tudo pronto na porta. Assim que todos acordassem, ele pediria para um dos meninos levá-lo ao aeroporto.

E seria exatamente isso que ele teria feito se uma nevasca forte não tivesse começado do nada, impossibilitando a locomoção nas estradas e, obviamente, acabando com a energia elétrica da casa, como no enredo de um filme ruim.

 

Para a surpresa de Kojiro, Langa é o primeiro a acordar. Ele está lavando a louça quando o menino se aproxima e senta na bancada ao lado da pia.

“Caiu da cama cedo hoje.” Ele comenta.

“Não consegui dormir direito.” Langa suspira. “É a primeira vez que eu ando de snowboard desde que meu pai morreu, mas eu tava bem, acho que ele ficaria feliz. Eu acho que o que aconteceu ontem me fez pensar que eu também posso perder tudo isso e talvez até o skate agora e… sei lá.”

Era raro que Langa falasse de seus sentimentos assim abertamente, Kojiro se sente como um pai orgulhoso vendo seu filho crescer.

“Se for pra viver pensando nisso, nós nunca vamos amar nada.”

“Foi por isso que você desistiu do Cherry?” Kojiro sente a pergunta como um tapa na cara, mas ele sabe que é uma pergunta inocente. Se fosse Reki ou Miya, ele até poderia duvidar. Mas Kojiro jurava que não existia nem 1% de maldade em Langa.

“Eu não desisti.”

“Mas nós não devemos lutar pelo que amamos? Você sempre disse isso.”

“E eu acredito nisso, em partes. Mas quando você percebe que a vida do seu marido é infeliz com você, fica parecendo um pensamento infantil. O Adam sempre foi o sonho do Kaoru, e agora eles são felizes, então tá tudo certo.”

“Hmm.” Langa olha para o teto. “Eu não acho que o Cherry seja mais feliz com o Adam, mas entendo o que você tá falando.”

“Eu achava que não era possível que ele fosse também, não depois de tudo o que aconteceu naquela corrida, pelo menos.” Kojiro fecha a torneira e se vira na direção de Langa enquanto enxuga as mãos. “Mudando de assunto, você me leva até o aeroporto depois que eu me despedir dos meninos?”

Langa apenas olha para ele por um tempo e Kojiro não sabe exatamente o que pensar, sempre foi bem difícil saber o que se passava na cabeça do menino. A não ser quando se tratava do Reki. Ou de comida.

“Claro.” Ele sorri enquanto pula da bancada. Ao mesmo tempo, Reki entra na cozinha fazendo barulho e palhaçadas como sempre, e o clima fica bem mais leve. Kojiro é extremamente grato por ter esses meninos em sua vida. 

Enquanto ele cozinha o que cada um deles pediu para o café da manhã, Kojiro não consegue evitar olhar pros dois e pensar nele e Kaoru quando eram mais novos. Talvez o grande erro de tudo tenha sido a pressa. Parecia quase um conselho pronto: case-se aos 22 e você estará divorciado aos 26. Mas isso não ia acontecer com Reki e Langa, porque o que esses dois tinham era completamente diferente do que Kojiro sempre teve com Kaoru, mesmo que Reki às vezes se sentisse inferior, assim como Kojiro se sentia até hoje. A diferença é que Langa nunca esfregaria defeitos na cara de Reki da mesma forma que Kaoru fazia, porque Langa realmente amava Reki, enquanto Kaoru passou a vida inteira obcecado por Adam.

Kojiro chacoalha a cabeça para espantar os pensamentos. Colocar a culpa diretamente nas mãos de Kaoru nunca pareceu certo. E não adiantava fazer uma super análise do relacionamento deles a essa altura. Principalmente quando ele já havia feito em quase todas as noites em que não conseguia dormir.

Quando Miya acorda e Kojiro está pronto para se despedir e tomar seu caminho, o menino pede para que ele vá mais uma vez às montanhas com eles, para aproveitar esse último dia.

“Eu não acho que é uma boa, Miya…” Ele fala, já preparando para se justificar, mas o menino o interrompe.

“O Cherry está com dor de cabeça, ele disse que não vai hoje. Por favor.”

A dor de cabeça provavelmente significa que Kaoru não dormiu direito. Por culpa de Kojiro. E ele não quer deixar os meninos irem sozinhos para as montanhas, por mais que dois deles já sejam legalmente adultos, porque algum acidente poderia acontecer e seria sua culpa também.

“Tá bom, mas assim que a gente voltar, eu vou embora.”

 

Ele está no meio do banho quando as luzes se apagam e a água fica gelada, fazendo com que ele solte um grito agudo. Kojiro logo desliga o chuveiro para não acabar congelando. Quando ele está se trocando, alguém bate na porta.

“Joe,” A voz de Reki chama. “Tá tendo uma nevasca muito forte, uma árvore provavelmente caiu na fiação ou algo do tipo.”

Kojiro termina de se vestir e abre a porta. “Existe alguma previsão de quando vão arrumar?”

“Eles só podem começar depois que a nevasca parar, então não.” Os dois começam a caminhar em direção à sala de estar, onde Langa e Miya tentavam acender a lareira e Kaoru caminhava de um lado a outro.

“Carla, faça um cálculo estimado para saber quando a nevasca deve parar.” Kaoru ajeita seus óculos e joga seu cabelo por cima do ombro direito.

“Certo, mestre. Iniciando cálculo.”

Kojiro se direciona até a lareira e eles logo conseguem acender o fogo para gerar algum tipo de calor, agora que os aquecedores da casa não estavam funcionando. O dia ainda estava claro, mas ao olhar pela janela só era possível ver uma imensidão de branco, nem as árvores mais próximas eram visíveis.

“A nevasca deve acabar por volta das 3 horas da manhã, mestre.” Carla fala e Kojiro vê Kaoru tirar seus óculos para passar a mão no rosto como ele sempre fazia quando estava frustrado. 

“Obrigado, Carla. Sua bateria duraria quantas horas usando o modo aquecedor?”

“Apenas duas, mestre Kaoru.”

Outro suspiro de frustração. “Não é uma opção, então.”

Olhando toda a cena, Kojiro acaba esquecendo por alguns segundos. Esquecendo que ele não era mais parte da vida de Kaoru. Então, sem perceber, ele pergunta. “Carla, a nevasca afetou todas as formas de voltar a Okinawa?”

Logo que as palavras deixam sua boca, Kojiro se prepara para o silêncio. Ele abre a boca para se desculpar, mas antes que ele possa falar qualquer coisa…

“Todos os voos foram cancelados, mestre Sakurayashiki. Outras formas não possuem previsão de funcionamento até que a nevasca diminua.”

Kojiro congela em seu lugar. Todos na sala ficam em silêncio, até Kaoru se levantar e andar em direção à cozinha sem dizer nada.

“Foi a minha imaginação ou a Carla….” Diz Langa.

“Nem eu sei.” Kojiro diz se jogando no sofá. Talvez ele esperasse uma resposta, mas o chamando de gorila ou, no máximo, Nanjo. O que ele não esperava era que, depois de quatro anos separados, Carla ainda estivesse na mesma configuração que Kojiro havia feito na lua de mel, quando ele ainda estava eufórico com o casamento. Na realidade, eles haviam combinado os sobrenomes, mas isso não impediu Kojiro de se orgulhar de ser um Sakurayashiki e com certeza não impediu Kaoru de gostar, a ponto de nunca mudar a configuração de Carla.

Mas já fazia tanto tempo e agora não fazia sentido que aquilo ainda não tivesse mudado. Apesar de ser algo fácil de cair no esquecimento, já que não havia razão alguma para Carla falar de Kojiro.

“Bom, parece que eu não vou embora hoje, então o que vocês vão querer jantar?”

 

Enquanto Kojiro prepara o ensopado que todos concordam ser a melhor opção no momento, a cozinha fica quente, então todos acabam se reunindo lá. A conversa flui normalmente entre as crianças e, em algum momento, Reki acaba puxando Kaoru para falar de design de skates e todos os cálculos que ele estava fazendo para ver se fazia algum sentido.

Kojiro não consegue segurar o sorriso idiota que aparece em seu rosto. A verdade é que, por mais que ninguém acreditasse, ele realmente se sente feliz de ver Kaoru feliz. Durante esses quatro anos, ele nunca chegou a sequer culpar o outro, porque como você culparia alguém por simplesmente querer algo diferente? 

Tá, ele teve uma fase de reclamar falando que ele sempre se dedicou mais no relacionamento, mas quais eram os parâmetros? Se fosse para medir tudo pelo que apenas ele pensava, seria completamente injusto.

E foram nesses quatro anos que Kojiro sentiu que ele realmente cresceu como pessoa, não mais culpando os outros, mas aceitando que ele havia cometido erros e que talvez as situações ruins não precisassem de culpados.

Claro que demorou, e no começo ele só conseguia se sentir péssimo, como se tudo o que ele fizesse nunca fosse ser o suficiente. Mas aí ele voltou a sair com outras pessoas depois de um ano, deixando claro que ele não queria nada sério, e essas pessoas ensinaram pra ele que, para alguns, ele iria ser o homem ideal, mas que nem todo mundo pensaria assim. E se Kaoru era uma dessas pessoas, tudo que ele tinha que fazer era aceitar.

Por todos esses motivos, ele tentou diversas vezes retomar o contato com Kaoru, mas, depois que Cherry Blossom apareceu no S ao lado de Adam, com as mãos dele em sua cintura, Kojiro percebeu que não tinha mais jeito. Então se o que Kaoru esperava dele agora era apenas espaço, era isso que ele iria dar. Porque não existe nada que ele não faria pela felicidade do seu melhor amigo. E Kaoru seria para sempre, antes de namorado, marido e ex-marido, o melhor amigo de Kojiro.

"Joe, quando a comida vai ficar pronta??" Seus pensamentos são cortados pela voz de Langa.

"Agora mesmo, não precisa apressar!" Ele ri.

Kojiro coloca as panelas no centro da mesa e o menino imediatamente se estica para se servir de ensopado e arroz.

"Talvez agora seja um bom momento para discutir como vamos dormir." Kaoru começa. "Só um quarto tem lareira e seria impossível dormir nos outros quartos sem o aquecedor."

"A gente pode colocar os colchões de vocês no quarto do Reki e do Langa." Kojiro sugere.

"De vocês?" Kaoru o olha com uma sobrancelha erguida.

"Você e Miya. Eu durmo na sala, minhas coisas já estão lá mesmo."

"Isso é estúpido, Joe. É só colocar mais um colchão e-"

"Na verdade…" Reki começa se sentindo sem graça de falar. "Eu acho que só deve caber um colchão no chão. E a cama não é grande o suficiente para três…"

"As crianças ficam com o quarto, então. E nós ficamos na sala. Resolvido." Cherry define, e não existe ninguém burro o suficiente para contrariar Kaoru Sakurayashiki quando ele usa esse tom de voz.

 

Eles colocam dois colchões no chão da sala, perto da lareira, mas com um espaço gigantesco entre eles, porque Kaoru estava, aparentemente, fazendo um grande esforço para materializar o espaço metafórico que ele queria entre os dois.

 Os cobertores foram quase todos levados pro quarto, já que a lareira lá era bem menor, deixando cada um dos mais velhos com apenas um cobertor grosso, mas que provavelmente seria o suficiente.

Isso é, seriam suficientes se Kaoru não fosse a pessoa mais friorenta do planeta.

Kojiro nunca entendeu porque Kaoru gostava tanto do frio se tudo o que ele conseguia fazer agora era tremer. E Kojiro não ia conseguir dormir com o som dos dentes batendo de frio.

"Kaoru, eu consigo te ouvir tremendo daqui."

"Não tem nada que eu possa fazer, gorila."

Kojiro se levanta e joga seu cobertor por cima do outro homem. "A lareira é suficiente pra mim, assim você se aquece."

"A lareira vai apagar no meio da noite e você vai congelar, idiota." Kaoru se senta e joga o cobertor na direção dele novamente.

"Então você poderia pelo menos parar de fingir que eu tenho alguma doença contagiosa e ficar mais próximo, aí a gente teria calor humano."

"Eu não tenho como saber se a sua burrice não vai ser transmitida pelo ar." Ele diz, mas se levanta para aproximar os colchões, encostando as laterais.

Ou, pelo menos, é o que Kojiro espera que ele faça.

Kojiro estava pronto para deitar e tentar dormir, olhando para qualquer lugar que não fosse a direção de Kaoru. A proximidade não era um problema, nessa situação era mais uma questão de sobrevivência, mas qualquer coisa além disso só iria bagunçar os sentimentos de Kojiro e só ele sabe o quanto ele lutou durante esses quatro anos para organizar tudo em uma caixinha rotulada “NÃO ABRA”.

Mas aí ele sente seu colchão afundado atrás de si e, no momento seguinte, Kaoru está puxando o cobertor dele e arrumando o seu próprio para que eles pudessem dividir. Kojiro solta um suspiro vacilante. Ele sinceramente queria ficar irritado e se afastar, mas obviamente querer não é poder, pelo menos quando se tratava de algo relacionado a Kaoru.

Kojiro se vira para observar a cena e percebe que Kaoru já está completamente deitado ao seu lado. A existência de um segundo colchão praticamente esquecida. É estranho, depois de tanto tempo.

Mas o clima entre eles parecia estar bom e Kojiro não conseguia resistir a tentação de provocar Kaoru. Não quando a cara de irritado que o outro homem fazia era pelo menos 3 das sete maravilhas do mundo, na opinião de Kojiro.

Então ele se deita olhando diretamente para Kaoru e fala: "Tem certeza que seu namorado não vai ter problema em saber que você dividiu um colchão com seu ex-marido bonitão?"

Kaoru o empurra pelas testa, mas Kojiro percebe o movimento que o outro faz para se aproximar ainda mais. "Você só fala merda." Ele faz uma pausa. "E eu não tenho namorado."

"Eu só estou constatando um f- peraí.” Ele fica genuinamente confuso quando liga os pontos do que acabou de ouvir. “Como assim não tem namorado? Não foi o Ainosuke que bancou essa viagem e só não veio te acompanhar porque o Reki e o Langa estão aqui?"

"O Adam pagou a viagem como um presente pro Miya e como uma forma de tentar recompensar todo mundo pelas merdas que ele fez. Ele não veio porque ele sabe que ninguém aqui quer qualquer tipo de proximidade com ele."

"Kaoru… me desculpa ter, sei lá, zombado assim… não deve ter sido fácil terminar um relacionamento de 3 anos com o Adam. Eu sei o quanto você sempre gostou dele e-"

"É por isso que eu sempre te falo que você só fala merda, Kojiro. Olha a quantidade de porcaria que saiu da sua boca agora mesmo,  não dá nem pra acreditar."

"Ei, eu tô tentando ser legal!"

"O lance com o Adam durou um total de três semanas, não três anos."

" O que??? Mas as crianças…"

"Quando você não fala uma coisa explicitamente, as pessoas começam a assumir sem você ter que mentir diretamente."

"Mas por que você iria precisar esconder isso? E fazer eles acreditarem que você estava com o cara que te mandou pro hospital! Merda, ele mandou o Reki pro hospital e só Deus sabe o que ele teria feito com o Langa se-" Kojiro começa a falar mais alto e só percebe quando Kaoru devolve no mesmo volume.

"Porque eu sabia que eles iriam te contar na primeira oportunidade e eu não queria te dar a satisfação de estar certo."

Kojiro apenas o olha sem entender.

"Eu precisava tentar alguma coisa com o Adam pra desistir dele de uma vez." Kaoru sussurra. "Eu lembro exatamente do que você falou… que eu iria correr atrás dele e perceber que ele nunca iria conseguir retribuir meus sentimentos. Na época eu achei que você só estava tentando me diminuir, como se eu não pudesse ser amado ou sei lá, mas hoje eu percebo que era só porque o Adam é incapaz de amar de um jeito convencional."

"Kaoru, isso foi…"

"Quando ele foi embora, quando a gente tinha 18 anos, quando eu pensei que ir até os Estados Unidos iria resolver tudo."

"Então isso não tem nada a ver com o agora, eu achei que você estava feliz com ele e eu até torci por vocês."

Kaoru se vira para deitar olhando pro teto. "Sabe o que mais me doeu em toda a história do divórcio?" Ele faz uma pausa, mas Kojiro sabe que não deve responder. "Você não tentou em nenhum momento me convencer de que eu estava errado. Tudo o que você fez foi ficar quieto e aceitar. Do mesmo jeito que você parou de discutir comigo depois do que aconteceu na corrida." A voz de Kaoru fica cada vez mais vacilante e Kojiro sabe que ele está fazendo de tudo pra não chorar. "Primeiro eu pensei que fosse só uma questão de você me achar frágil ou sei lá, como se qualquer coisa fosse me quebrar e me mandar para o hospital de novo.” Kaoru suspira. “Mas aí o tempo passou e eu estava bem, mas você continuava quieto e eu achei que era porque você achava que eu não valia a pena. Eu pensei que eu estivesse me tornando sem graça pra você também e não importava o quanto eu tentava,  você nunca tomava uma atitude."

"Kaoru…"

"Mas aí você falou ontem que você não era o suficiente e que nunca seria, e, sinceramente, tudo o que eu queria era voltar no tempo e apagar cada provocação porque eu percebi que talvez eu que estivesse errado esse tempo todo." Kaoru se vira de novo para olhar para ele e Kojiro vê uma lágrima solitária escorrer por sua bochecha até desaparecer no travesseiro. "Eu que tinha um marido perfeito mas não consegui dar valor porque eu sou um pé no saco perfeccionista que provavelmente vai morrer sozinho depois de afastar cada pessoa com quem ele se importa falando alguma merda que eu provavelmente nem acredito ser verdade."

Kojiro estende a mão a tempo de limpar mais uma lágrima que começava a cair do olho de Kaoru, aproveitando para tirar a mecha de cabelo rosa que estava em seu rosto.

"Posso falar agora?" Kaoru assente com a cabeça  e Kojiro se aproxima. "Você sempre vai ser a pessoa mais importante pra mim, não importa o que aconteça. Você é meu melhor amigo e não importa o quanto você tenha tentado me afastar nos últimos quatro anos, você ainda vai ser meu melhor amigo. E, como seu melhor amigo, quando eu te vir infeliz, eu vou tirar do caminho tudo o que esteja impedindo que você alcance a felicidade. Naquele momento, eu achei que o obstáculo era eu."

"Kojiro!" Kaoru chora e Kojiro o puxa ainda mais para perto, passando a mão por seus cabelos e apoiando-o em seu ombro.

"No fim do dia, nós só somos péssimos em nos comunicar." Kojiro ri sem graça. "Eu acho que as crianças perceberam tudo bem antes de nós, eu tive umas conversas interessantes com Miya e Langa. Agora eu consigo entender umas coisas que eles falaram."

Kaoru ri também, se afastando para poder olhar Kojiro novamente. "Eles provavelmente perceberam mesmo, os três já são bem mais inteligentes emocionalmente do que nós."

"Talvez esse seja o meu sinal para finalmente ir fazer terapia…"

"Eu precisei que o Tadashi me forçasse a ir. É recente, mas tem sido bom."

"Não me surpreende. Você sempre foi teimoso feito uma porta, Kaoru." Kojiro ri. "O que me surpreende mais é saber que o Tadashi falou com alguém que não é o Ainosuke."

"Ele é um cara legal, tem ajudado muito o Ainosuke a tentar ser um bom ser humano.  Ainda tem muito caminho pela frente, mas eu acredito no poder do Tadashi."

Kaoru sorri e seus olhos se fecham um pouco com o movimento. Kojiro fica encantado, hipnotizado, porque se a cara de irritado ocupava 3 lugares das 7 maravilhas do mundo, o sorriso genuíno de Kaoru eram os outros 4.

E o sorriso tinha ainda mais poder depois de quatro longos anos sem poder vê-lo.

"Kaoru." Kojiro se aproxima, colocando a mão no pescoço de Kaoru e apoiando suas testas uma na outra. "Eu vou te beijar agora. Se você não quiser, é melhor avisar."

"Você é lerdo demais, Gorila." E antes que Kojiro sequer perceba o que está acontecendo, suas bocas já estão uma na outra e um arrepio percorre todo seu corpo, parando no ponto exato em que a mão de Kaoru segura levemente o seu cabelo.

Ele não sabe como sobreviveu quatro longos anos sem isso, sem o contato e sem ser beijado por Kaoru. Ele também não sabe como sobreviveu a esse momento, com seu coração entrando em combustão espontânea. 

Kojiro se afasta, mas deixa suas testas ainda encostadas. "Se você continuar me beijando assim, vou ser obrigado a te chamar para um encontro…"

"Como se eu fosse aceitar menos que isso, idiota."

"Hmm, isso significa que eu posso voltar a te chamar de princesa?"

"Isso significa que é hora de ficar quieto." Kaoru fala antes de puxá-lo para mais um beijo.

Talvez isso fosse um sonho, e, mesmo que não fosse, eles ainda teriam um longo caminho pela frente. Mas, pela primeira vez em quatro anos, Joe se sentia inteiro e ele se recusava a voltar a ser um pedaço.

 

"MAS O QUE TÁ ACONTECENDO???" Alguém grita, fazendo com que Kojiro e Kaoru se levantem em um susto.

"Ah, é só você!" Kaoru fala ao ver Hiromi parado na porta. Em seguida ele se deita novamente e puxa Kojiro para a posição que eles estavam antes. "Eu quero dormir mais. Silêncio, por favor."

"M-mas vocês estão divorciados há quatro anos?? Porque vocês estão dormindo de conchinha?"

"Se depender de mim, vamos dormir assim todos os dias a partir de agora." Kojiro fala contra a nuca de Kaoru e ele jura que consegue ouvir o outro sorrindo.

"Se não fosse super fofo, seria insuportável." Hiromi fala, largando suas malas no canto da sala. "E as crianças?"

"Dormindo, Hiromi! Como eu deveria estar se estivesse silêncio!" Kaoru reclama.

"Você não vai me defender se eu pedir, né?" Hiromi pergunta olhando para Kojiro.

"Nunca."

"Aah, é justo. Vou acordar aqueles moleques para ver se alguém nessa casa pode demonstrar felicidade em me ver!" Hiromi se retira em direção ao quarto e Kojiro aproveita o momento para virar Kaoru.

"Bom dia." Ele sorri para o outro homem.

"Você está perto demais." Kaoru apoia a mão em seu peito, o afastando levemente. "Principalmente para quem ainda não escovou os dentes." 

"Hmm, que bom que você também não escovou ainda, princesa."

"Mas eu não tenho bafo de gorila."

Kojiro está pronto para puxar Kaoru para um beijos, quando os três adolescentes entram na sala se empurrando e interrompem o momento.

"É verdade??" Reki pergunta.

"Agora eu posso chamar vocês de pai e mãe de novo?" Dessa vez quem fala é Miya.

"Primeiro, você nunca pôde nos chamar assim." Kaoru começa. "E segundo: nós ainda temos muito o que conversar, mas vamos tentar." Assim que ele termina de falar, os meninos gritam. A princípio Kojiro acha que eles só estão animados, mas aí ele vê o rosto triste de Langa enquanto ele abre a carteira e entrega uma nota para cada um dos outros, Shadow fazendo o mesmo em seguida.

"Vocês apostaram no nosso relacionamento! Que insensível!" Kojiro finge reclamar. Todo mundo sabe que ele não liga de verdade.

"Só se algo aconteceria durante ou depois da viagem, sinceramente. Todo mundo tinha certeza que vocês iam pelo menos voltar a se falar." Reki explica enquanto conta seu dinheiro animadamente.

"Certo, agora que vocês já me acordaram mesmo." Kaoru se levanta rapidamente do colchão. "Eu vou tomar um banho quente e colocar a Carla pra carregar, e espero que o café esteja pronto quando eu voltar."

"É claro, majestade." Kojiro revira os olhos, mas sorri afetuosamente para as costas de Kaoru, que agora havia levantado um dedo do meio em sua direção.

Kojiro sabia exatamente o que ele estava fazendo: dando o tempo necessário para que todos eles perguntassem o quê, como, onde e quando, e a tarefa de Kojiro era responder sozinho, porque Kaoru sempre foi alérgico a situações em que ele precisaria falar de si mesmo e de seus sentimentos.

"Vocês ouviram, todo mundo pra cozinha!" Kojiro manda e os meninos vão rapidamente.

Hiromi fica para trás, dando um abraço em Kojiro quando ele passa por lá. "Eu tô muito feliz por vocês, mas espero que agora as flores do casamento sejam encomendadas comigo."

"Ei, vamos com calma!" Kojiro ri. "Mas, pensando bem, vou precisar de algumas flores para semana que vem."

 

É impressionante o quão rápido eles voltam a agir da forma que sempre foi normal para eles, brigando sem maldade. Kojiro consegue notar a diferença de quando Kaoru realmente começou a ficar irritado e agora ele sabe que isso tudo aconteceu depois que ele parou de responder. Então eles se provocam, Kojiro chama Kaoru de princesa, de delicado e todos os nomes que o outro finge detestar, e Kaoru continua o chamando de gorila e primata. Ele lembra de quando os nomes foram usados pela primeira vez e do quanto isso o tinha machucado, até ele perceber que Kaoru só o chama assim por ele gostar muito dos músculos exagerados de Kojiro, então eventualmente eles se tornaram nomes carinhosos.

Todos eles apostam corrida e fazem desafios, obviamente sem Langa participar porque seria injusto, e Hiromi também fica livre de fazer as penalidades já que aquele era seu primeiro dia com o snowboard.

Em um momento, Kojiro olha para Miya e vê o sorriso do garoto, um sorriso que ele não via há tempos. Aquele sorriso que transportava para a primeira noite em que ele os chamou de família e explicou que seus pais nunca foram tão presentes, o divórcio destruindo tudo completamente. O sorriso que contrastava com as lágrimas de quando a pequena e estranha família deles se dividiu por conta de outro divórcio. Mas agora tudo iria ficar bem de novo, se Kojiro tivesse qualquer poder para definir isso.

De noite, Reki e Langa oferecem o quarto de casal para os dois adultos, mas Kojiro recusa prontamente, fazendo com que Kaoru o olhe com uma careta.

“Não antes do primeiro encontro.” Kojiro pisca e se retira para preparar a janta.

E o resto da semana passa dessa mesma forma. Entre amigos. Em família.

 

É uma sexta-feira à noite. O restaurante Sia la Luce foi fechado antes do horário normal para um evento particular e Kaoru está parado na porta de entrada sem saber o que fazer ao certo.

Ele costumava visitar todas as noites para tomar vinho e comer de graça (apesar de não ser diferente de comer em casa), mas essa seria a primeira vez em quatro anos. Quando ele abrisse a porta, não encontraria mais seu marido Kojiro Nanjo-Sakurayashiki, mas sim seu ex-marido e novo namorado Kojiro Nanjo. Era frescura da parte dele, Kaoru sabia, mas ele não conseguia evitar se sentir ansioso naquela situação. Até porque ele queria muito que isso desse certo. Queria muito mesmo.

Quando ele finalmente abre a porta, que estava destrancada para ele como Kojiro sempre fez, mal reconhece o restaurante. Todas as mesas foram retiradas, deixando apenas uma mesa solitária com duas cadeiras no centro de tudo. A parede havia sido reformada, agora com uma pintura de uma cerejeira sobre o fundo verde. A mesa era iluminada por uma única lâmpada amarelada e o resto do restaurante era iluminado apenas pela luz que vinha da cozinha. Uma música suave tocava e Kaoru conseguia ouvir Kojiro cantando na cozinha.

“Eu esperava uma recepção mais atenciosa." Ele fala finalmente. O barulho de algo caindo é suficiente para informá-lo que Kojiro foi pego de surpresa.

“E eu esperava que alguém tão responsável chegasse no horário marcado.” Kojiro responde da cozinha, ainda sem aparecer.

“Nunca precisei de horário para entrar no Sia la Luce.” Kaoru dá de ombros, apoiando seu leque sobre a mesa.

“E nunca vai precisar, princ-” Kojiro começa e se cala assim que aparece na visão de Kaoru, que se sente diminuído sob o olhar do outro homem. Ele sabia que estava estranho, trocando as roupas tradicionais por um terno simples preto, sem gravata e com a camisa um pouco aberta  sem contar o cabelo preso e o delineado que eram reservados para Cherry Blossom. “Kaoru, você-”

“É meio estranho, né? Querer mudar aos 30 anos?”

“Nah.” Kojiro sorri e se aproxima, colocando a mão na sua cintura e o puxando para perto. “Ainda somos jovens.”

Kojiro coloca a mão no bolso e a música fica mais alta, fazendo com que o mais alto pegue a mão de Kaoru e o guie numa dança.

“Eu gostei da decoração, a cerejeira… Algum motivo especial?” Kaoru pergunta com um sorriso nos lábios.

“Hmm, tem um cara que me interessa.”

“Ele deve ser um cara e tanto se fez você contratar alguém para pintar isso na parede. Mas nem tanto, ou então você teria me contratado.”

“É por isso que a outra parede está livre para você fazer o que quiser, quatro-olhos.”

“Talvez eu faça uma pintura da Carla, então.” Kaoru provoca.

“Se ela continuar me chamando de mestre Sakurayashiki, você pode até instalar um sistema dela aqui.” As palavras são simples, mas Kaoru sente suas bochechas ficando quentes.

Kojiro o gira e se afasta, puxando a mão de Kaoru e depositando um beijo em seu dedo anelar, onde ele costumava usar a aliança.

“Permita-me servi-lo essa noite, senhor Sakurayashiki.” Ele o conduz até a cadeira, puxando-a para que Kaoru pudesse se sentar e indo em direção à cozinha.

Ele retorna com dois pratos e uma garrafa de vinho branco.

“Eu não conheço esse prato, é alguma especialidade italiana nova?” Kaoru pergunta assim que o prato é colocado à sua frente, uma mistura de espaguete com cogumelos, mas o cheiro lembra misô, estranhamente.

“Meu ex-marido sempre me disse para cozinhar comida tradicional, e eu sempre achei a maior estupidez, porque eu não passei 4 anos na Itália para cozinhar comida japonesa.”

“Seu ex-marido parece um homem de bom gosto.”

“Ele é.” Kojiro pausa sua fala para servir o vinho. “Por isso eu passei os últimos quatro anos tentando fazer um prato original de fusão entre culinária japonesa e italiana. Eu… espero que goste.”

Kaoru não provou a comida ainda. Ele nem conseguiu se mexer para pegar o garfo. Mas aquele já é seu prato favorito, carbonara já esquecida em sua mente. Porque esse prato é a prova única e concreta que Kojiro se importava, que Kojiro se esforça por ele. É a prova de que um não precisava estar errado para o outro estar certo. 

E a verdade é que Kaoru não entende agora como ele foi tão cego, porque, esse tempo todo, ele devia saber. Ele não entende como ele chegou a duvidar tanto, mas talvez fosse justo já que Kojiro também havia duvidado.

Mas ele deveria saber que só existia uma pessoa que, mesmo depois de quatro anos sendo ignorado, ainda levaria o que ele dizia em consideração. Só existia uma pessoa que abriria mão da própria felicidade para deixar Kaoru ser feliz. Da mesma forma que Kaoru também pensava estar ajudando ao deixar o caminho livre pras muitas pessoas que queriam uma chance com Kojiro.

Ele deveria ter percebido antes, mas pelo menos eles conseguiram uma segunda chance. Talvez tenha sido um pouco tarde, mas o timing deles estava todo errado desde o princípio. Agora eles têm a chance de fazer as coisas no tempo certo, e ir com calma e conversar .

É claro que isso não impede Kaoru de se lançar para cima de Kojiro depois da janta, puxando-o para um beijo. 

Também não impede que Cherry Blossom faça uma cena no dia seguinte, beijando Joe na frente de todos no S e anunciando para as fãs desesperadas que Kojiro estava feliz em um relacionamento, mesmo que nenhum dos dois tenha rotulado a coisa nova que eles tinham. Mesmo que Kaoru não houvesse anunciado um relacionamento nem quando eles estavam casados. Mas pelo sorriso idiota que Kojiro tinha no rosto, ele sabia que tinha feito a coisa certa dessa vez.