Chapter 1: chuva.
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A chuva caía tão forte lá fora que fazia seu eco ressoar por todo escritório no qual Cellbit estava sentado, e como de costume, sozinho. Aquele dia não havia começado igual a todos os outros, porque na Ilha de Quesadilha todos os seus dias eram iguais, assim como uma rotina imposta. A única diferença fora o céu cinzento que se estendia por toda ilha, os ventos fortes anunciavam o óbvio: uma tempestade.
Nas televisões, A Federação havia avisado para os moradores permanecerem em suas casas e evitarem saídas, não importava o motivo que fosse. E todos obedeceram, como sempre. Cellbit havia deixado Richarlyson com Forever, Mike e Pac. Os três estavam ajudando na construção do Create e outras loucuras que só o Forever entendia. Por conta disso, Cellbit havia ficado sozinho na Favela. Sua cabeça vagava para longe enquanto seus olhos permaneciam presos nos papéis escritos ao contrário — aquele era um método idiota, mas bastante útil para manter aquele urso longe do conhecimento dos planos da Ordo.
Cellbit não queria admitir para si mesmo, mas se sentia sozinho naquele escritório empoeirado. É claro que ele sempre deixou bem claro para todos que deixá-lo só era algo bom, que estar sozinho era algo rotineiro seu, mas o seu desejo vergonhoso de estar junto rastejava por sua nuca e tampava sua boca, sufocando seu peito lentamente. Um suspiro pesado e quase que aliviado escapou de seus lábios quando ele notou que seu sufocamento era apenas hipotético, não real. O loiro puxou a gola de sua camisa para o lado, retirou os suspensórios e seus óculos.
— Eu preciso de um café — sua voz ecoou no vazio e foi logo esquecida. Cellbit levantou da cadeira, pegou sua xícara e se aproximou da cafeteira vazia, um outro suspiro pesado escapou de seu nariz quando ele lembrou que deveria ter feito café há 1 hora atrás.
Sua mente estava tão distante que nem das coisas básicas ele lembrava de fazer, e estas se referiam a refeições. Forever era o único que parecia genuinamente se importar, Mike e Pac eram distantes, então não perguntavam por não terem um vínculo afetivo forte. E estava tudo bem.
O louro caminhou até sua casa de fachada e fechou os olhos para se acostumar com a claridade lá fora. Ele olhou para os seus baús e começou a procurar por algumas sementes de café. Seu dia só seria bom se ele tomasse, no mínimo, três garrafas de café. Seus olhos passaram por todo o baú, mas não havia um rastro sequer de café. Ele, então, foi para outro baú e tentou continuar com sua procura obsessiva.
Tentou. Porque as batidas ríspidas em sua porta fizeram sua espinha arrepiar. Diversas variáveis passaram por seu cérebro tão rápido que ele mal teve tempo de raciocinar qual poderia estar correta. Seu corpo não saiu do lugar, e as batidas continuaram.
Quem poderia ser? O aviso de mais cedo foi lógico: permaneçam em suas casas, não arrisquem a vida de seus ovos por mero capricho. E ninguém na ilha teria coragem de ir contra aquelas regras.
Cucurucho foi a primeira palavra que estourou em sua mente. A ideia de ter aquele urso maldito batendo em sua porta durante um temporal foi aterrorizante. Tão aterrorizante que as cicatrizes do último encontro macabro que ambos tiveram voltaram a arder. Cellbit deu tempo ao tempo, e por cinco segundos as batidas pararam e deram espaços a chutes.
— Quem está aí? — Ele gritou enquanto se aproximava da porta, do seu bolso puxou uma mini faca enquanto se culpava por ter deixado suas outras armas fora de alcance.
Ninguém respondeu à pergunta feita. E a chuva continuou a cair.
Trêmulo, ele encostou no trinco da porta e engoliu em seco. Se fosse Cucurucho, ele não bateria na porta, apenas entraria sem ser convidado como sempre faz, mas Cellbit não queria ter que confiar na dúvida e acabar sendo pego de surpresa por aquele maníaco filho da puta. Ele trocou a faca de mão e abriu a porta pronto para desviar de qualquer golpe surpresa.
Ele esperava pela presença daquele urso filho da puta, mas suas dúvidas caíram por terra quando ele viu Bobby, molhado e ofegante. Ele carregava uma espada maior que seu corpo em suas costas e uma cara de medo.
— Bobby? — sua voz saiu confusa e esganiçada.
— ¡Ayuda a mi papá! — ele disse e Cellbit franziu seu cenho e tentou enxergar algo naquele nevoeiro gélido. Seus olhos procuraram por Roier, que vinha correndo. O louro pensou em correr em direção ao outro, mas acabou tomando outro susto quando olhou para Bobby novamente e viu a perna de seu macacão suja de sangue.
— Bobby! — Roier gritou exausto e a chuva fez o bom trabalho de abafar sua voz.
O que fazer?
Cellbit tentou mover seu corpo em direção a Roier, mas não conseguiu sair do lugar. Seus olhos se voltaram a Bobby, e então ele congelou de medo.
— Bobby, ¡pendejo! — Roier apareceu na porta encharcado. Sua respiração estava descompassada e suas roupas sujas.
— Mas o quê...? — Cellbit tentou dizer, mas Bobby o empurrou para o lado e entrou na casa em um silêncio assustador. Ele sentou na rampa e respirou fundo, como se estivesse segurando o seu choro para não se envergonhar. — O que ‘cês tão fazendo aqui?! Vocês não viram o anúncio, não?
Roier deu um sorriso exausto e entrou na casa para checar Bobby. Cellbit fechou a porta e sentiu que não tinha controle algum sobre quem entrava ou saía de sua própria casa.
— Ele tá bem? — fora a única pergunta lógica que ele conseguira fazer naquele momento.
— Sí, Sí. Ele só caiu e machucou o joelho — respondeu.
Uma sequência de palavras em espanhol fora dita, e Bobby negou com a cabeça. Cellbit não entendeu nada do que era dito, mas pensou ser uma pergunta relacionada ao joelho.
— Er, Cellbit... — Roier levantou do chão e olhou e olhou para suas próprias roupas molhadas. — Você teria um guarda-chuva para me emprestar?
Cellbit sabia que não tinha um guarda-chuva em suas coisas, porque simplesmente não chovia naquela bosta daquela Ilha. Mas ele moveu seus ombros e caminhou até seu escritório como se tivesse um em seus baús. Roier disse algo para Bobby e também caminhou escritório adentro.
— Aonde está Richarlyson? — ele perguntou.
— Com os outros pais dele — respondeu. — Forever passou mais cedo para pegar ele, acho que não é muito legal pra uma criança ficar o dia todo sentada, vendo o pai dela mexer com papéis mofados.
— Oh, sí, sí — murmurou. — E por que você não está com eles?
Cellbit franziu seu cenho. Por que aquela pergunta? O que significa?
— Por que você saiu na chuva? — como ele não tinha uma resposta pronta, decidiu retrucar.
Roier riu envergonhado.
— Bobby és un pendejo.
Aquilo não respondeu à pergunta de Cellbit, então Cellbit se sentiu no direito de não responder à pergunta de Roier. “Bobby é um idiota” parecia uma desculpa esfarrapada para esconder algo maior. Mas o que era?
Ele não sabia, mas também não queria perguntar e soar tão paranoico. Pelo menos não na frente de Roier. O silêncio caiu na base não mais secreta, dando espaço ao som distante da chuva. Roier avisou que iria ao banheiro, e Cellbit continuou andando até chegar na sala de baús. Ele definitivamente sabia que não tinha um guarda-chuva em suas coisas, mas abriu os baús um por um. Mesmo sabendo que definitivamente não tinha um guarda-chuva em seus baús, ele prestou atenção em cada item, em cada bugiganga esquisita que pegava com os outros moradores da ilha ou em viagens.
Mesmo sabendo que não tinha um guarda-chuva em seus baús, ele demorou tempo o suficiente para a chegada de Roier na sala escura.
— Encontrastes, gatinho? — ele perguntou.
Cellbit sentiu um frio percorrer seu corpo ao ouvir aquele apelido. Seus lábios se retorceram em um sorriso tímido, mas ele tentou se manter sério. Os apelidos de Roier lhe deixavam desestabilizados.
— Não, eu não vou ter — ele respondeu rapidamente. — Mas você pode voltar pra casa com a estátua que tem ali encima no morro, acho que é mais seguro do que voltar a pé.
— Ah, tem razão.
— Mas o que ‘cê tava fazendo fora de casa? Você não ouviu a transmissão? — Cellbit voltou a perguntar. Tinha uma criança meio velha, meio dragão e meio capeta machucada na sala de sua casa e um mexicano completamente molhado em seu escritório. Ele definitivamente queria saber o que tinha acontecido para trazer aqueles dois a sua casa durante um temporal.
— Eu estava muito longe de casa — Roier deu de ombros e tirou a faixa de sua testa, seu cabelo curto castanho escuro caiu sobre sua testa e ele os penteou para trás, mas alguns fios rebeldes retornaram à posição original.
Cellbit desviou seu olhar e passou pelo moreno tão depressa que quase escorregou na água. A presença de Roier era sufocante e nauseante, Cellbit sentia-se constantemente lutando contra sua vergonha quando estava próximo a Roier, talvez fosse por conta das cantadas repentinas, dos elogios doces e dos toques leves que sempre criavam um clima vergonhoso entre ambos. Ou talvez fosse por conta de que Cellbit estava apaixonado. Na verdade, essa era a pior das hipóteses que haviam levantado. E o pior disso era que aquela hipótese havia sido levantada por Richarlyson durante um jantar em família.
Ele lembra muito bem de quando seu filho falou “Papai Cellbit não gosta só de enigmas, ele também gosta do Tio Roier!” e todos os outros pais pareceram surpresos e gargalharam por vinte e cinco minutos seguidos. Foi uma noite traumatizante.
— ¿Que pasa, gatinho? Por que está vermelho?
Cellbit piscou seus olhos e viu Roier se aproximar lentamente, como um verdadeiro predador sedento por sua presa. O escritório era minúsculo, empoeirado e agora molhado. A presença sufocante de Roier fez com que a sala diminuísse.
— Estou com calor — ele deu uma resposta evasiva e tentou se mover, mas seu corpo não reagiu, e Roier continuou se aproximando.
Sua mão gélida tocou no rosto de Cellbit, que teve um sobressalto com a temperatura baixa em sua pele quente. Ele suspirou e novamente engoliu em seco. Seu rosto queimava enquanto o seu coração acelerava. Os lábios de Roier estavam minimamente entreabertos, enquanto seus olhos castanhos estavam baixos, fixos em outro lugar.
Cellbit deu um passo para trás, e teve outro sobressalto ao notar que ele já estava encostado em sua mesa, derrubando os montes de papéis inúteis que naquele momento não significavam nada.
— Guapito — Cellbit sussurrou, e os olhos intensos de Roier cruzaram com os seus.
— ¡Cabrón! — Bobby gritou da porta e os dois homens se afastaram. Roier virou-se para trás tão rápido que o cérebro de Cellbit mal conseguiu acompanhar.
E em um intervalo de dez segundos, xingamentos e gritos em outra língua preencheram o ambiente antes silencioso. Cellbit os observou brigar por longos segundos, e então lhe voltou a mente que Bobby tinha se machucado.
— Bobby — ele disse rapidamente e os dois outros o olharam. — Sua perna. Ela está doendo?
Bobby fez bico e virou o rosto como uma verdadeira criança birrenta, coisa que ele já era.
— Bobby, diga sí, cabrón! — Roier mandou.
O garoto respondeu em inglês que sua perna doía, e Cellbit se apressou em correr de volta para o seu estoque de baús e pegar Merthiolate e ataduras limpas. Richarlyson sempre estava se machucando e precisando de novos curativos, então cada um dos pais possuía um estoque de ataduras e outros medicamentos em casa para casos assim. Cellbit voltou para seu escritório e viu Roier em um completo silêncio, o que era um pouco esquisito quando se tratava de Roier.
Cellbit via Roier como a personificação do caos, uma vez que ele sempre estava gritando, rindo alto e fazendo coisas com um teor estúpido, e em contrapartida havia o próprio Cellbit, que lutava contra o caos que derramava de sua mente e afetava todo o seu redor. Richarlyson havia dito uma vez que a tempestade precisava da calmaria e a calmaria da tempestade, Cellbit não havia entendido aquela colocação, mas agora conseguia compreender ao que ele estava se referindo.
— Posso sua ver sua perna, Bobby? — perguntou.
Bobby olhou para Roier em silêncio, como se estivesse pedindo permissão para fazer o que lhe fora perguntado, e em questão de segundos ele levantou sua calça jardineiro até a altura dos joelhos, onde estava ralado.
— Roier — Cellbit chamou. — Pode pegar soro no baú da sala para mim?
Roier deu um aceno com sua cabeça e saiu do escritório.
— Como você se machucou, Bobby? — o louro tentou puxar assunto com aquela criança meio capeta meio dragão. Embora ele odiasse Bobby, sentia que precisava fingir gostar dele para não arrumar brigas desnecessárias na Ilha.
— Caí.
— Doeu muito?
— Não. Sou forte.
Cellbit deu uma risadinha e pôs uma mecha de cabelo atrás de sua orelha, ele viu Bobby inflar suas bochechas e fazer bico, ele olhou para o outro lado emburrado e franziu seu cenho.
— Achei só um resto — Roier voltou para o escritório e entregou a garrafa. Cellbit a pegou e derramou na ferida de Bobby, logo em seguida ele mostrou o remédio para o menino.
— Vai arder um pouco, ok?
— Bobby es muy fuerte! verdad, Bobby? — Roier bagunçou o cabelo castanho de seu filho, que ficou com as bochechas vermelhas, mas assentiu. Cellbit confiou naquele posicionamento e passou o remédio na ferida de Bobby, que suspirou surpreso e fez todos rirem.
Ele enfaixou o joelho e tirou um adesivo do Homem-Aranha de seu bolso, assim colando na atadura. Roier soltou uma risada nasal ao ver aquilo e ficou claramente constrangido, pois naquele momento usava uma camisa do Homem-Aranha com um casaco preto por cima de seus ombros.
— Novinho em folha, hein? — Cellbit falou enquanto se levantava.
— Gracias. — Bobby também levantou da cadeira e olhou para seu joelho.
Às vezes era difícil associar Bobby a uma criança, embora sua altura, fisionomia e voz fossem de uma criança. A filha da putagem que habitava naquele menino o fazia passar a impressão de ter cinquenta anos.
— Gatinho, no que está trabalhando? — Roier perguntou em português, o que fez com que Cellbit tomasse um susto duplo, primeiro pelo apelido e segundo por ser uma pergunta diretamente em português. Ele mal havia notado que estava conversando em inglês todo esse tempo.
— Er...
— Continua trabalhando no enigma? — Roier trocou para o inglês e caminhou até a mesa para dar uma olhada no monte de papéis. Cellbit sentiu-se envergonhado com aquilo, não era como se ali no meio das pilhas de papéis houvesse uma carta de amor para Roier ou algo do tipo, mas aqueles papéis eram como se fossem janelas que revelassem todo o interior do louro.
— Sim, na verdade, eu dei uma pausa para respirar — respondeu. — Às vezes é bom tirar um tempo para espairecer, você sabe, só assim as ideias podem fluir melhor.
— Se você quiser você pode me visitar a qualquer hora do dia para esfriar a cabeça — Roier sorriu.
— Claro, claro. Eu posso levar o Richas pra brincar com o Bobby-
— Meu pai está te chamando pra um encontro, cabrón. — Bobby foi direto.
— Bobby, maldito pendejo! Cala-te, Bobby!
Cellbit riu surpreso com aquilo. As bochechas de Roier ganharam uma coloração avermelhada e ele rapidamente deu um croque na cabeça de seu filho, que retribuiu com um murro em sua barriga. Novamente a sala se encheu de xingamentos em espanhóis e gritos.
— Já chega, já chega — Roier rosnou e empurrou seu filho para fora do escritório. — Vamos embora logo.
— Não! — Bobby gritou. — Es la verdad! Diga! Diga qué estás enamorado por Cellbit!
Roier se desesperou e Cellbit gargalhou envergonhado. Assim que Roier estava prestes a ir embora, a mente de Cellbit se iluminou como uma luz no fim do túnel.
— Ah, Guapito! — o louro chamou. — Eu acho que tenho algo para você, venha.
— Oh, sí...
— Y um beso?! — Bobby perguntou com uma falsa esperança. Roier apenas o ignorou.
Cellbit desceu para sua segunda base — não mais secreta — e foi seguido unicamente por Roier. Ele entrou em várias salas até que finalmente encontrou um único baú que havia sido usado por Richarlyson quando ele e Pac foram explorar. Suas mãos retiraram todos os papéis, e então ele finalmente achou aquilo que tanto procurava.
Duas capas de chuvas.
— Não é um guarda-chuva? — Roier perguntou um pouco decepcionado.
— Não tenho um guarda-chuva, Guapito — respondeu. — Isso pode ajudar. Eu acho.
— Obrigado, gatinho.
— Cuidado para não virar um guapito molhadinho.
Roier lhe deu um sorriso claramente confuso, então Cellbit se viu obrigado a repetir a sentença em inglês.
— Oh, húmedo! — ele riu. — Não se preocupa, mi amor!
Cellbit não estava nenhum pouco preocupado com o que Roier fazia ou deixava de fazer, ele já tinha muitos problemas para resolver e muitas coisas para se preocupar.
— Roier, o que o Bobby disse...
— Bobby é idiota. Ele é uma criança. Não liga pra ele.
Cellbit não estava preocupado e muito menos ligando para o que aqueles dois faziam ou achavam.
— É que... eu acho que seria divertido se saíssemos. Da última vez foi divertido, não foi?
— Sí! Claro! — Roier se apressou em dizer. Naquele momento, Cellbit sentia-se vulnerável e completamente constrangido. Sua vida sempre fora uma montanha russa de emoções. Sair de um assassino a sangue frio para uma pessoa que se vê facilmente intimidada por um mexicano engraçadinho era vergonhoso.
Os dois homens trocaram olhares tímidos por alguns segundos, e então Roier deu o primeiro passo, e o coração de Cellbit errou uma batida. Seja o que fosse que Roier iria fazer, Cellbit estava disposto a aceitar.
O que quer que fosse que iria acontecer, eles estavam dispostos a esconder.
Cellbit viu o pomo de Adão de Roier subir e descer, e isso o deixou mais nervoso ainda. Constrangido e definitivamente nervoso, ele deu um passo à frente e ficou perto o suficiente de Roier. Perto o suficiente para que sua mão gélida afastasse uma mecha do cabelo loiro do rosto de Cellbit, e perto o suficiente para que a mesma deslizasse por sua barba mal feita e parasse no queixo. Eles se olharam, tímidos e sedentos.
Cellbit fingia não estar preocupado com o que Bobby e Roier achavam ou deixavam de fazer.
Lentamente os rostos se inclinaram e então se aproximaram. Cellbit sempre ouviu falar do fenômeno “borboletas no estômago”, porém nunca pôde o presenciar por sempre distanciar relacionamentos. Mas agora ele entendia bem ao que se referia esse fenômeno. Seu corpo vibrava e sua barriga parecia estar fria, suas mãos tímidas não tinha ideia de onde ficarem. O que ele deveria fazer? Como ele deveria agir?
Os lábios se tocaram timidamente e se encaixaram perfeitamente. Roier estava gelado, enquanto Cellbit sentia-se em chamas. Foi um beijo rápido e sereno, eles se separaram mais rápidos do que se juntaram. Cellbit sentiu a mão do outro saindo de seu queixo e indo parar no espaço entre seu maxilar e orelha, os dedos de Roier suavemente apertaram os fios da nuca do loiro enquanto seu dedão acariciava o resto do rosto.
Cellbit não quis esperar por aquilo. Ele trouxe Roier para mais perto de si com um puxão leve em sua cintura e envolveu ambas as bocas em um beijo quase que agressivo e desesperado. Roier soltou as capas no chão e com sua mão livre tocou no pescoço do loiro, assim aprofundando o selar. Se antes Cellbit se sentia em chamas, agora ele estava derretendo. Seu corpo estava quente e tudo o que sua mente queria era Roier, Roier e Roier. Apenas isso. Naquele dia era somente aquilo. Os homens precisaram forçar uma separação para conseguirem recuperar o ar perdido. Cellbit olhou no fundo daqueles olhos castanhos e pensou em como já estava completamente envolto e perdido na confusão que era Roier.
Um trovão ressoou a distância e o moreno se afastou com um sorrisinho. Cellbit o puxou de volta e não disse nada, mas através de suas ações ficou bastante óbvio o que ele queria.
— Gatinho manhosinho. — Ele disse com um sorriso envergonhado. — Preciso levar Bobby ou ele vai descer aqui.
Com um suspiro pesado, o louro respondeu por impulso:
— Por que você só não vem sozinho?
Roier umedeceu seu lábio inferior e o mordeu enquanto tentava conter um sorrisinho. Cell se sentiu envergonhado e indefeso diante daquilo.
— Eu não posso — Roier sussurrou e passou seu dedão pelo lábio do outro, assim o beijando mais uma vez.
— Pa? — a voz de Bobby ecoou em outro cômodo, e os dois homens trocaram olhares tímidos. Cellbit foi o primeiro a romper o contato e arrumar seu cabelo loiro. Ele pigarreou e tentou acalmar seu corpo, que ainda sofria do toque fantasma de Roier.
— ¡Bobby, cabrón! — Roier limpou sua voz e pegou as capas de chuvas. Bobby apareceu correndo e acertou vários socos na coxa de seu pai, que riu e bagunçou os cabelos do menor.
Os dois trocaram algumas palavras em espanhol, mas Cellbit não entendeu muito bem o que elas queriam dizer.
— Bobby está bem?
— Sí. Ele disse que está com sono — explicou. — Vou levar esse gordinho pra dormir.
— ¿Qué? — Bobby pareceu surpreso com aquela colocação, e conhecendo crianças, Cellbit poderia dizer que aquele comentário fora totalmente inadequado. — Gordita es la puta de tú madre!
Na verdade, era melhor deixar pra lá os sentimentos de Bobby.
— Vamos subir — Cellbit empurrou os dois para fora do subterrâneo e os guiou novamente para o escritório. Bobby havia enxugado as poças de água que estavam espalhadas pelo corredor, e curiosamente havia sementes de café sobre a mesinha de vidro. — Onde você conseguiu isso? As sementes?
— Ele deve ter pegado na vila — Roier respondeu.
— Antes de vocês chegarem eu estava procurando por isso nos baús. Como você sabia que eu queria isso, Bobby? Quero dizer, não é a primeira vez que você me dá algo assim.
— Oh? És verdad, Bobby? — Roier pareceu surpreso com aquilo, e então, de uma hora pra outra ele voltou com seu tom de implicância. — Te gustas a Cellbit, eh?
Bobby ficou emburrado. Que criança ranzinza.
— Estou brincando — ele tentou amenizar. — Estamos indo embora, adeus gatinho!
— Tchau, guapito — Cellbit tentou dar um sorriso casual, que não refletisse toda a sua ansiedade e timidez.
Os três caminharam em direção a sala de estar da casa, ainda chovia torrencialmente e a tempestade parecia longe de ter um fim. Roier vestiu a capa de chuva em Bobby, e então vestiu a si mesmo. Cellbit se moveu para ajudar Roier a se vestir, mas parou no meio do caminho.
— If a rainbow appears in the sky it's because of you two. — Bobby resmungou e abriu a porta. Uma rajada de vento frio passou pela fresta aberta e congelou todo o corpo do loiro.
(Se aparecer um arco-íris no céu vai ser por causa de vocês dois)
— Tem certeza que quer ir? — Cellbit perguntou. — Você pode, hã, ficar se quiser...
Roier e Bobby trocaram olhares, e quando eles estavam próximos de darem uma resposta, a porta do escritório se abriu. Cellbit olhou para trás e Bobby puxou sua espada e se pôs na frente do loiro, que se assustou.
Forever saiu da porta juntamente a Richarlyson, que pareceu surpreso ao ver Bobby ali.
— Papai! Tio Roier! — o menino falou animado. — Pai, posso brincar com o Bobby?
— O Tio Roier e o Bobby já estão indo embora, filhão — Cellbit disse rapidamente e Roier confirmou com a cabeça.
— É, é — ele riu. — Depois nós voltamos para vocês brincarem!
Bobby repetiu a última palavra baixinho e fez aspas com suas mãos. Forever viu aquilo e arqueou uma sobrancelha, como quem soubesse o que estava acontecendo ali.
— Estoy yendo! Adíos, my gatinho brasileño! — Roier se despediu com pressa e empurrou Bobby em direção à saída. Cellbit se aproximou da porta e os viu ir embora na chuva. Sem perceber, ele tocou no seu lábio e sorriu minimamente.
— Cara, não quero ser enxerido, mas já sendo... A gente atrapalhou alguma coisa? Tipo, o que o Roier tava fazendo aqui? — Forever perguntou interessado.
— Só resolvendo umas coisas da Ordo — Cellbit mentiu, pois não tinha ideia de como falar que Roier apenas apareceu em sua porta e o beijou repentinamente. Ele definitivamente não saberia explicar para os outros como ele e Roier haviam acontecido. Na verdade, tinha como explicar aquilo de uma forma lógica?
— Aham — Forever riu irônico. — Tá vendo, Richas? Seu pai Cellbo tá descobrindo que a vida é muito mais que códigos e enigmas sem graça.
Richarlyson riu enquanto tirava sua armadura e jogava na cama.
— E-ei! Para de falar essas coisas pro Richarlyson! Eu e Roier não temos nada — Cellbit passou rapidamente por Forever e Richarlyson, assim voltando para sua sala e pegando as sementes de café que Bobby havia deixado. — Ele só veio aqui por causa da Ordo. E só.
— Papai, tá tudo bem se tu gostar do Tio Roier! — Richarlyson foi atrás enquanto amarrava seu longo cabelo cacheado em um rabo de cavalo.
— É, papai Cellbo. Tá tudo bem gostar de pobre esmole. Pra você eu passo pano, sua mente tá afetada por conta dos enigmas e tals.
Cellbit não respondeu as provocações, ele apenas focou em fazer o café que estava desejando desde mais cedo. Não era possível que ele fosse tão óbvio assim. Não era possível que ele iria ser o novo alvo das brincadeirinhas do Forever assim, de graça. Com um suspiro pesado ele voltou sua atenção aos outros dois que bagunçavam sua sala. Um pensamento vergonhoso rastejou por sua mente e trouxe consigo a única pergunta que estava flutuando em sua mente há semanas.
Realmente estava tudo bem gostar de Roier? Ele realmente estava gostando de Roier ou apenas confundindo seus sentimentos?
Todas aquelas perguntas deveriam terem sido respondidas com o beijo de mais cedo, mas aquele ato singelo abriu espaço para mais questionamentos e medos. Não ter controle sobre aquela relação era assustadora.
Cellbit não sabia o que pensar sobre aquilo tudo, mas por algum motivo pensou em Roier. E por algum motivo pensou no encontro deles. E por algum motivo sentiu vontade de dizer a Roier para vir encontrá-lo à meia-noite.
E por algum motivo ele pensou em um novo motivo para encontrar seu guapito no dia seguinte.
Chapter 2: cartas.
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Cellbit não encontrou Roier no dia seguinte, e nem na semana seguinte. As coisas depois daquela chuva ficaram tão complicadas que ele se viu obrigado a ficar preso dentro de seu escritório junto a Max, que embora não fosse com quem ele quisesse estar, ainda era uma boa companhia.
Essa rotina de isolamento se deu por conta de um visitante misterioso que entregou um livro repleto de códigos e sumiu. Desvendar aquilo ocupou todo o seu tempo e mente, o que fora um problema.
Três semanas após a chuva, Richarlyson chegou em casa sem seu dente de leite e uma carta mal feita de Roier. Era um convite para um encontro. Um convite. Um encontro. Cellbit era um ex presidiário, estava preparado para qualquer situação, menos para aquela.
— Pai, eu já fiz a mochila — Richarlyson lhe recobrou a memória, e o loiro tentou ficar no que estava acontecendo agora.
Philza, BadBoyHalo e Foolish haviam organizado uma festinha do pijama para as crianças e seus respectivos cuidadores, seria um encontro casual e divertido, apenas para acalmar os ânimos. Richarlyson queria ir, mas Cellbit não poderia ficar lá porque ambos os encontros, por coincidência do destino, caíam no mesmo dia e na mesma hora.
— Okay. Deixa só o pai arrumar o cabelo — Cellbit havia passado sua noite toda escolhendo uma roupa decente e se preparando para aquele encontro. Ele tentou colocar na cabeça de que era um encontro com Roier, e nada de diferente aconteceria, mas todas as vezes que ele colocava "encontro" e "Roier" na mesma sentença a sua barriga ficava engraçada e seus lábios se retorciam em um sorriso.
— Pai, pra onde o senhor vai tão arrumado assim? O senhor nem banho toma.
— Eu vou pra uma reunião da Ordo, e para de dizer isso, eu não sou seu pai Pac — Cellbit respondeu levemente contrariado e passou a mão por seu cabelo loiro escuro. Ele se olhou no espelho uma última vez e tentou gostar de sua aparência, as semanas sem dormir lhe trouxeram uma marca feia: as olheiras.
— "Reunião da Ordo" — Richarlyson repetiu ironicamente enquanto fazia aspas com seus dedos. Cellbit riu e bagunçou os cachos de seu filho, que também riu. — Quem vai ficar comigo na casa do tio Philza?
— O pai Forever está lá. Agora vai pegar suas coisinhas pra gente ir.
Richarlyson deu um sorriso banguela e correu para o quarto pra pegar suas coisas. Cellbit pegou a mochila pesada e jogou pelo seu ombro, então ele pegou Richarlyson no braço e saiu de casa. Estava uma noite monótona lá fora, poucas luzes da favela estavam acesas. A lua cheia parecia estar tão perto da terra que trazia uma sensação estranha para o peito do loiro, que tentou dizer a si mesmo que era somente uma ansiedade boba e não um sintoma de suas noites sem dormir.
Os dois homens foram até a casa de Philza em um silêncio confortável. Richarlyson mantinha sua mão entrelaçada no cabelo loiro de Cellbit e os olhos bem atentos ao que acontecia ao seu redor, às vezes Richarlyson agia como um adulto, e Cellbit não achava isso muito saudável, porém entendia que nas circunstâncias atuais, todas as crianças da ilha precisavam assumir uma postura madura para se manterem vivos. Ver Richarlyson tendo atitudes infantis como fazer xixi na cama por conta de um pesadelo, dormir com a luz acesa ou com o Pulgão, era bastante reconfortante para ele.
Ao chegarem na casa, foram recebidos por Foolish e Bad, que discutiam sobre alguma coisa não interessante. Vegetta estava com seu braço ao redor do pescoço de Foolish e observava seu parceiro implicar com Bad.
— Cellbit, tell'em! — Bad virou-se para o loiro com uma expressão tão macabra quanto sua roupa de demônio. — Diga a eles que não vou repetir mais nenhuma palavra! Não quero falar palavrão!
Vegetta riu e puxou Foolish para mais perto de si. Cellbit nunca tinha reparado em como aqueles dois eram um dos casais menos problemáticos e mais amorosos que tinha na ilha.
— Foolish — Cellbit o chamou e levantou Richarlyson um pouco mais. — Você só não usa a banana na mão quando o Vegetta está perto. Você só usa ela pra matar a saudade dele?
Foolish ficou tão vermelho quanto as rosas recém-plantadas no jardim de Philza. Bad gargalhou alto e começou a implicar com Foolish e Vegetta, Cellbit escapou de fininho para a casa de Philza.
— Pai, o que o senhor quis dizer com isso?
— Nada não, filhão! Foi só besteira do papai, ok? — o loiro rapidamente disse e bateu na porta de madeira. — Olha, o pai não vai poder ficar, mas ele promete que volta pra te buscar, ok?
Richarlyson fez que sim veemente e foi pro chão. Cellbit entregou a bolsa para o seu filho e se agachou na frente dele.
— Pai te ama, Richas — ele disse e depositou um beijo longo na têmpora do menino. — Divirta-se e cuidado, ok?
— Também te amo pai — Richarlyson respondeu, e por um segundo ele pensou em dizer algo a mais, mas foi atrapalhado com o barulho da porta sendo aberta.
Cellbit ergueu seus olhos para encarar Philza, mas seu coração errou uma batida quando seus olhos exaustos se encontraram com os olhos brilhosos de Roier, que pareceu bastante surpreso ao vê-lo ali.
— Hola, Tio Roier! — Richarlyson o cumprimentou rapidamente e deu tempo para que Cellbit se organizasse e levantasse do chão.
Cellbit achava que seus sentimentos por Roier haviam se ajustado em seu peito, que batidas desregulares, mãos suadas e borboletas no estômago não iriam mais acontecer. Só que seu próprio sistema o havia traído, e agora ele estava ali, completamente estático e envergonhado por ter encontrado Roier depois de ter acidentalmente o evitado por semanas.
O que ele deveria fazer em uma situação constrangedora como aquelas? O que ele teria feito no passado? Talvez nada. É isso, o Cellbit do passado teria virado suas costas e ido embora sem se importar o suficiente com a presença do outro, mas ele não podia fazer isso. Não ali, e não naquelas circunstâncias.
Philza (Deus abençoe esse homem!) Se aproximou com um largo sorriso e deu boas-vindas a Richarlyson, que se despediu com um tchau rápido e correu na direção de Dapper e Tallulah. Cellbit tentou focar em seu filho, e então nas palavras inglesas que saíam da boca de Phil, mas seus olhos pareciam se arrastarem e focarem na face de Roier, em seu sorriso e em seu olhar bonito e carismático. Tudo naquela observação abalou o interior do loiro. Sua calça social marrom escura foi puxada bruscamente, e seus olhos tomaram um novo rumo.
Bobby estava com suas bochechas infladas e a bandana de seu pai na testa. Sua mão estava fechada e ele parecia estar segurando algo. Cellbit estendeu sua mão e ganhou quatro balinhas de café.
— Gracias, Bobby! — sua resposta surpresa chamou a atenção dos dois outros homens que estavam parados na porta. Bobby não quis ficar ali para receber elogios, ele correu para dentro de casa e se misturou com as crianças.
— Vocês vão ficar? — Philza perguntou em inglês, e ao fundo se ouviu a gargalhada de Forever.
— Eu estou indo verificar umas coisas — seu olhar se encontrou com os de Roier. — Sozinho. Mas eu vou voltar pra buscar o Richarlyson.
— Não vou poder ficar, estarei na terapia! — Roier blefou.
Phil apenas arqueou suas sobrancelhas e deixou um sorriso morno transparecer. Cellbit não quis prolongar aquela conversa e se despediu nervosamente, ele mal esperou por Roier. Seu corpo se movimentou até à saída da casa e quase trombou em Bad, que continuava em uma discussão interminável, mas dessa vez com Vegetta. Ele saiu sem se despedir e passou a mão na gola de sua blusa branca social, tentando a afrouxar para conseguir respirar. Seus passos o levaram a lugar nenhum, e quando ele menos notou, estava parado em lugar nenhum juntamente a Roier.
— Gatinho, é bom te ver!
Cellbit abriu um sorriso envergonhada e pôs uma mecha de seu cabelo atrás da orelha.
— Oi, Guapito.
— O que estava fazendo, cara? Você sumiu!
— As coisas ficaram um pouco complicadas e corridas, acho que essa é a primeira vez em três semanas que saio de casa — Cellbit bocejou e piscou seus olhos. Ele havia tomado quase duas garrafas de café antes de sair de casa, como ele ainda podia estar com sono?
— Três semanas em casa? No, no, no! — Roier pareceu tão perplexo que até mesmo sua expressão mudou. — Gatinho precisa dormir! Descansar!
— Eu estou bem.
Ele não estava nada bem.
— Pra onde vamos, guapito? — Ele perguntou numa tentativa de desviar do assunto, mas Roier não parecia o tipo de pessoa que esquecia facilmente sobre o que lhe era dito.
— Para onde você quiser, gatinho.
Pra qualquer lugar que não seja perto de uma cama. Cellbit pensou consigo mesmo e coçou seus olhos. Roier o observou em desaprovação.
— Você já jantou? — ele perguntou em inglês e Cellbit pensou um pouco e então assentiu com sua cabeça. — Podemos só caminhar, então. Não tem um lugar em específico para irmos aqui.
Cellbit apenas riu soprado e passou a mão por seus olhos, que se forçavam a estarem abertos. Se privar de dormir era engraçado, os primeiros sintomas são apenas cansaço, irritabilidade e uma leve semelhança a estar bêbado, mas depois de dias o seu cérebro começa a alucinar, distorcer a realidade em sua volta por não conseguir se organizar. O louro sentia-se exatamente assim. Alucinando. E talvez ele estivesse alucinando aquele encontro. Talvez estivesse alucinando a voz de Roier, o som de sua risada, o toque dos dedos furtivos que se entrelaçaram com os seus.
Talvez tudo fosse uma mera alucinação.
Ele apertou a mão de Roier.
Nenhum dos dois falou por longos minutos, apenas caminharam no escuro por entre às árvores. O silêncio entre ambos era confortável, o que surpreendeu o próprio loiro. Não era sempre que ele conseguia ficar em um silêncio não constrangedor com alguém.
— O que você ficou fazendo por três semanas preso em casa? — Roier se atreveu a perguntar, e Cellbit se atreveu a responder.
— Bad, Max e eu estávamos investigando e debatendo. Foram debates muito chatos, você sabe — bocejou. — Conversamos sobre algumas pistas, algumas teorias e projetos futuros. Quando eu voltar pra casa vou organizar uma pilha de papéis.
— Bad e Max te visitam quase todos os dias, heh? — Roier evidenciou aquele ponto e Cellbit piscou seus olhos lentamente.
— Não fique com ciúmes, honey — ele tentou brincar com a situação, mas aquele simples apelido fez com que Roier virasse o rosto e não comentasse mais sobre o assunto. — Bad e Max são ótimos, eles têm me ajudado bastante com tudo o que estou fazendo.
— É? Eu também poderia te ajudar se você quisesse — Roier levantou as mãos que estavam entrelaçadas e as beijou carinhosamente. — Mas eu sei que você não me quer lá, não, tudo bem, tudo bem! Estou sendo expulso da sua casa! Ok!
Cellbit gargalhou com todo aquele drama repentino.
— Guapito, você não gostaria de passar horas me ouvindo falar sobre o que eu penso-
— É claro que eu gostaria! Eu sempre ouço você, gatinho! Mesmo quando você está murmurando aquelas coisas sem sentidos ou coloca aquelas músicas para pensar melhor — a exposição repentina fez com que o loiro ficasse completamente envergonhado de seus traços incomuns. — Eu acho fofo, cara.
— Hoje eu não quero falar sobre o meu trabalho — Cellbit suspirou. Dizer aquilo em voz alta era esquisito. Como assim o detetive da ilha, o mestre dos enigmas, o terror do Cucurucho não queria falar sobre suas teorias? Como ele ia passar aquela oportunidade de falar mal da Federação? — Você é fã do Homem-Aranha, não é? Me conta quais são seus detalhes favoritos dos filmes.
Cellbit se arrependeu amargamente de ter feito aquela pergunta. Não era porque ele não gostava de ouvir os outros falarem sobre o que gostavam, mas era porque Roier passou trinta minutos inteiros detalhando suas cenas favoritas, adicionando contexto, imitando vozes, falando de cenas pós-créditos. E essa conversa foi tão longa que Cellbit simplesmente sentiu seu cérebro apagar por alguns momentos e recobrar a consciência quando eles — de alguma forma — já estavam na casa de Roier, na cozinha, conversando (ou tendo um monólogo) sobre filmes.
— É por isso que eu amo esses filmes! — Roier pareceu finalmente ter encerrado o assunto. Cellbit piscou seus olhos como quem tivesse acabado de acordar ou voltar de uma viagem mental. — Nós deveríamos assistir juntos!
— Claro — ele respondeu sem ter ideia do com o que tinha acabado de concordar. — Você é realmente muito fã, Guapito. Uau. Agora eu sei como você se sente me escutando falar sobre códigos e tudo mais.
— A diferença é que eu gosto de te escutar falar, pendejo.
— Ei! Eu também gosto de te ouvir falar! — Cellbit rebateu. — Por isso eu fico olhando pra sua boca.
Talvez aquilo tenha soado um pouco nojento e bastante humilhante, uma vez que Roier arqueou suas sobrancelhas e gargalhou alto.
— Que eso, Gatinho? Don't talk to me like this!
(Que isso, gatinho? Não fala assim comigo!)
Cellbit riu soprado e se encostou no balcão de quartzo branco. Estava quente naquela cozinha, mas ele não fez questão de mover suas mangas para cima. Roier parou de rir e aproximou-se lentamente, Cellbit o pegou pela cintura e o beijou lentamente. E dessa vez sem medo de ser pego no flagra por alguma criança ou adulto. Os lábios de Roier eram quentes e macios, seu toque explícito deslizou para dentro da camisa do loiro, que sutilmente tirou a mão dali e colocou no canto de seu pescoço.
Em um movimento rápido ele girou Roier e o deixou preso contra o mesmo balcão de quartzo. Os braços de Roier passaram por seu pescoço e o puxaram para mais perto durante o beijo.
Em três semanas Cellbit não se sentiu tão acordado quanto estava se sentindo agora. Ele sentia todos os seus poros expelirem puro desejo, tudo o que ele queria era Roier, Roier e Roier. Todo o seu desejo de vê-lo que se acumulara por três semanas seguidas, agora havia achado uma brecha para finalmente sair como uma avalanche.
Cellbit estava se sentindo como uma represa furada, jorrando água para todos os lados.
Roier separou o beijo para respirar e piscou seus olhos, suas bochechas estavam vermelhas e uma expressão de surpresa estava estampada em sua face.
— Desculpa — Cellbit deixou com que aquelas palavras pulassem de sua boca. — Eu-
Roier o beijou. E Cellbit também o beijou. O beijou até que suas mãos estivessem firmes na cintura do outro, o beijou até que seus lábios doessem, o beijou até que o ar faltasse.
Cellbit beijou Roier até que ele não conseguisse mais.
Se alguém houvesse o dito há dez anos atrás que seu eu do futuro estaria beijando um mexicano tarado, ele simplesmente não acreditaria, ou melhor, ele atiraria na pessoa por estar zoando com a sua cara com essa história de futuro. Para o seu eu de dez anos atrás, não havia um futuro bonito.
Cellbit parou de beijá-lo quando sentiu estar indo muito longe. Ele se afastou rapidamente e puxou a gola de sua camisa pro lado, numa tentativa falha de recuperar o ar perdido. Tudo em seu corpo estava quente, desde sua cabeça aos pés. Tudo em seu corpo sentia-se vivo. Estranhamente vivo.
Os dois homens se olharam, envergonhados demais para fazerem um outro movimento e nervosos demais para iniciarem um outro beijo. E o silêncio antes confortável se tornou constrangedor.
— Er — o louro tentou dizer, mas pela primeira vez em muito tempo a sua mente ficou vazia. — Eu acho que seria uma boa a gente assistir ao filme.
— Cellbo! — Roier riu envergonhado e tampou seu rosto. — Eu estou com vergonha, cara.
Cellbit também tampou seu rosto e sussurrou uma sequência de palavrões. O que ele havia acabado de fazer?
— Só ignora, ok? Eu tô sem dormir há dias — explicou. — Eu posso até estar alucinando!
— Você acha que eu sou uma alucinação, Gatinho? — Roier perguntou baixinho.
E Cellbit não soube o que achar. Certas vezes ele achava que tudo aquilo que estava acontecendo era um sonho, uma alucinação proporcionada de um experimento da cadeia. E às vezes ele achava que estava na cadeia, que poderia ter sido gravemente espancado e agora poderia estar em coma. Ele pensava em muitas coisas. Mas nunca pensou em nada do que estava acontecendo agora. Alguns outros fatores lhe faziam acreditar fielmente que nada daquilo era real. E alguns diversos fatores lhe faziam querer acreditar que aquilo era real.
— Talvez.
— Hm, por quê? Me diga, me diga.
— É... Levando em consideração tudo o que aconteceu ultimamente e tem acontecido, parece muito irreal a ideia de que-
Roier o beijou, e Cellbit se calou.
— Eu acho que sou bem real, Gatinho — Roier falou lentamente e cuidadosamente afastou uma mecha do rosto do loiro. Cellbit se segurou para não beijá-lo novamente.
— Está tão quente aqui dentro — ele disse rapidamente e escapou de Roier, que esboçou um sorrisinho. — Vamos lá pra fora! Eu tô morrendo de calor!
— Cellbo, Cellbo... — ele chamou em um tom irônico. Obviamente ele não estava insinuando algo com um duplo sentido, mas estava se sentindo absurdamente quente. — Eu não sei o que fazer com você.
— Me beijar poderia ser uma ótima opção — respondeu. — Se você quiser, é claro.
Um sorrisinho escapou dos lábios do moreno, ele mantinha um olhar tão derretido e sereno. Um olhar que só é visto em filmes perfeitamente encenados de romance.
— Gatito safadinho! — aquela resposta fez com que Cellbit risse. Ele já foi chamado de muitas coisas durante toda sua vida, menos de um gatinho safado.
A física de Roier estava afetado tudo em Cellbit. O seu modo de pensar, agir e principalmente sentir. Novamente ele retorna ao pensamento, era isso o que seu futuro lhe guardava? Um romance com um mexicano fã do Homem-Aranha?
Que engraçado.
Cellbit passou a mão por seu cabelo e tomou um susto quando ouviu um trovão ressoar lá fora. Seus olhos se encontraram com os de Roier, e ficou óbvio que os dois tiveram o mesmo pensamento.
Antes que ele pudesse se mover, um aviso geral de Forever piscou. "Ovos seguros." E logo em seguida: "Binário filho da puta pau mole da porra tomar no cu", exatamente nessa sequência.
O barulho da chuva ecoou no castelo, e Roier pareceu levemente satisfeito.
— Isso é bom — ele disse.
— O quê? Os ovos estarem seguros?
— Também — riu. — Mas você estar aqui comigo.
— Por que sempre que nos beijamos começa a chover? — A pergunta de Cellbit pareceu idiota quando dita em voz alta, entretanto, uma meia verdade aparecia. Cellbit e Roier eram a causa das tempestades, e consequentemente as tempestades eram a causa dos seus beijos mais calorosos.
— Sabe o que eu acho? — Roier se apoiou no balcão. — Que o Cucurucho está criando um clima para nós...
Cellbit gargalhou alto com aquele comentário inesperado. Cucurucho era muitas coisas, menos uma entidade que se preocuparia com o que Cellbit (logo Cellbit) estava fazendo.
— Gatinho! — Roier também riu. — O que foi, cara? Eu estou falando a verdade! Cucurucho, man! If you are here, give us a signal!
(Mano, Cucurucho! Se você estiver aqui, nos dê um sinal!)
— Ei, para! Eu não quero esse arrombado atrapalhando nosso encontro! — Cellbit gesticulou rapidamente.
— Encontro — Roier repetiu e deu uma risadinha envergonhada. — Aw, vou fazer isso virar um encontro de verdade. ¿Mí gatinho bebe vino?
(Meu gatinho bebe vinho?)
Cellbit fez que sim.
— Eu fiquei bastante surpreso na verdade, Guapito — o loiro comentou e mexeu em suas mangas. Seu corpo implorava por um pouco de ar, mas ele não iria sair dali. — Você me convidou pra um encontro e eu fiquei muito chocado!
Roier o olhou com um sorriso pequeno e uma feição confusa.
— ¿De qué estás hablando, Gatinho? — ele perguntou. — Foi você quem me convidou pra um encontro!
— Quê? Não! Não! Eu não convidei coisa nenhuma. Foi você quem mandou uma carta pra mim!
— Não, eu não mandei. Bobby me entregou uma carta sua onde estava escrito que você estava me convidando pra um encontro — Roier voltou a insistir.
Aquilo não poderia ser verdade por que Richarlyson tinha feito a mesma coisa.
— Você tem certeza de que você não me enviou nada? — Cellbit perguntou lentamente e viu o outro assentir. — Eu também não te enviei nada, então...
— Alguém tentou nos juntar e conseguiu.
Eles trocaram olhares incertos e definitivamente assustados. Quem havia feito aquilo? Richarlyson era muito criança para pensar em algo assim e principalmente escrever algo daquele tipo e entregar na maior cara de pau (embora ele fosse filho do Forever e do Quackity). Também havia o fator de que ninguém sabia que Roier e Cellbit compartilhavam momentos íntimos como esses, apenas pensavam que era piada.
Cellbit estava preocupado. Será que Bobby havia contado para mais alguém sobre o ocorrido da tempestade? Será que alguém estava os observando? Ou será que tudo aquilo não passava de uma piada sem graça feita por alguém que só queria instaurar o caos. Talvez Vegetta fosse a pessoa por trás daquilo se levássemos em consideração o seu histórico com minas, alarmes e outras coisinhas.
— Não se procure com isso, Gatinho — Roier suspirou e se moveu pela cozinha. — Quem quer que fez isso queria nos juntar.
Quem quer que fez isso queria me matar de ansiedade. Cellbit pensou consigo mesmo e sentou-se na cadeira, Roier entregou uma taça para ele e encheu com vinho, logo após pôs uma pizza quente na mesa. Um encontro casual perfeito: vinho, pizza, chuva e um clima de mistério. Todas as coisas que Cellbit gostava estavam reunidas em um único lugar.
Os dois homens conversaram enquanto comiam, Roier voltou a falar sobre seus filmes favoritos e então mudou o foco para contar sobre as expedições incríveis que tivera com Bobby e Jaiden, ele narrou os lugares bonitos em que passara e assegurou levar Cellbit aos mesmos para que eles pudessem apreciá-los juntos — embora Cellbit duvidasse que aquilo acontecesse. Roier parecia feliz, radiante, extremamente beijável. Quando a conversa se encaminhou para um final, o loiro comentou sobre algumas expedições que queria fazer para conseguir sementes de café, e logo em seguida agradeceu pelas balas que Bobby lhe dera mais cedo.
— Isso é engraçado — Roier comentou enquanto bebericava o vinho. — Jaiden e Bobby não gostam de café, eu só tomo raramente. Bobby nunca me deu balinhas ou disse ter.
O loiro franziu seu cenho ao ouvir aquilo. Bobby havia conseguido aquelas balinhas unicamente para entregá-las a Cellbit?
— Acho que o Bobby gosta de você — o moreno disse por fim.
Aquele simplesmente achismo mudou toda percepção que ele havia construído entorno de Bobby. Aquela criança capeta estava tentando parecer boazinha apenas para ganhar o amor de Cellbit? Inacreditável. Simplesmente inacreditável.
Eles continuaram conversando sobre possíveis encontros e explorações, e marcaram de usarem a Base Guapita como ponto de encontro para fugir dos outros. E é claro que Cellbit sugeriu que eles criassem uma nova base, uma base unicamente para eles poderem trocar beijos sem precisar se esconderem. Aquela ideia pareceu esconder um duplo sentido, mas Cellbit não se importou o suficiente para explicar.
Quando a chuva diminuiu, eles decidiram caminhar pelo castelo. Cellbit quis ter a coragem de entrelaçar as mãos, mas não fez nada além de mexer seus dedos timidamente, numa tentativa de fazer Roier prestar atenção nele. E então eles caminharam em silêncio, observando o céu arrastar aquelas nuvens carregadas e esconder as estrelas. Era um noite linda.
Sair à noite não era algo rotineiro para Cellbit, mas sair à noite após a chuva trouxe uma sensação nova e curiosa. O vento frio com cheiro de terra molhada passava por seu corpo, balançava seu cabelo e enchia seus pulmões, as árvores pareciam vivas e as plantas mais coloridas. O mundo sempre foi tão colorido daquela forma ou só estava daquela forma por conta de Roier? Ele não soube dizer, e muito menos o que pensar.
Pela primeira vez na vida, Cellbit não teve respostas para seu questionamento.
— Como você acha que é a vida lá fora? Quero dizer, a gente sabe que tem civilização, mais pessoas e tudo mais. Mas como você acha que seria depois que pudéssemos ir embora daqui? — Roier questionou baixinho. Em sua voz não havia conspiração, apenas um sentimento de falta, de ânsia.
Como seria a vida lá fora pós Ilha Quesadilha? Como seria acordar e não se encontrar com as mesmas vinte pessoas, com as mesmas crianças, com as mesmas casas, mesmos caminhos? Como seria acordar e não ter Richarlyson? Cellbit queria sair da ilha, ali não era sua casa, embora Richarlyson também fosse sua casa.
Cellbit não soube o que pensar, e muito menos soube o que responder. Sua mente estava tão acomodada com a Ilha que a ideia de viver em um outro lugar o aterrorizou.
— Eu não sei, Guapito — confessou. — Eu odeio pensar no futuro porque ele nunca é como desejamos. É uma variável, um resultado de suas ações recentes e até mesmo passadas.
— Eu sei o que eu quero no meu futuro. — Roier falou sem olhá-lo, e então o silêncio recaiu sobre eles por alguns minutos. Eles ficaram ali, no escuro, observando as árvores molhadas.
Quando se tornou cansativo, eles andaram para fora do castelo e se encontraram com Foolish e Vegetta.
— ¡Hola! — Vegetta os cumprimentou, Roier começou uma conversa acelerada em espanhol com o outro e Cellbit se viu obrigado a falar com o sonolento Foolish.
— O que vocês estão fazendo aqui? Pensei que cês tavam na festa do Philza.
— Ah! Vegetta me trouxe para passear! Ele disse que precisava me dar uma coisa! — Foolish respondeu e deu uma risada envergonhada.
— Ah, sim, sim... É bom vocês poderem respirar um pouco, né? Terem um momento a sós sem Leo — Cellbit comentou e o viu assentir. Pelo menos o sentimento de precisar de um tempo longe dos filhos era mútuo.
— ¡Foolish, mi amor!— Vegetta chamou. — Mostre pra eles!
Foolish demorou alguns segundos para compreender aquele comando, mas então abriu um sorriso corado e mostrou sua mão, onde um anel de diamante brilhava em seu anelar, com os ombros ele fez uma dancinha tímida. Cellbit ficou surpreso e feliz por aqueles dois.
— Oh! Que hermoso! ¿Quieres uno de esos, Gatinho? — Roier perguntou e o loiro teve um sobressalto.
(Que bonito! Você quer um desses, gatinho?)
— Quê?! Não, não, calma lá-
— Oh, são namorados? — Vegetta perguntou surpreso e Foolish gritou que sim e Cellbit que não. — São ou não são?
— A gente não é um casal-
— Como?! — Roier franziu o cenho. — Cellbo, me rechazaste, man?!
(Cellbo, me rejeitasse, cara?)
Todos começaram a rir daquela situação tão repentina. Roier voltou o foco da conversa pra o relacionamento entre Vegetta e Foolish, permitindo assim que os flertes caíssem em um rápido esquecimento. O outro casal parecia tão feliz e confortável com a presença um do outro que chegava a ser esquisito. Será que aqueles dois era a personificação do mito "almas gêmeas"?
Bem, Cellbit não soube e não teve tempo o suficiente para descobrir, uma vez que Roier saiu puxando seu pulso para longe.
— Tenho inveja deles — Roier disse após alcançar uma distância considerável.
— Por quê?
— Eles podem se beijar na frente dos outros e agirem como casal, cara. Isso é irritante! Eles são muito perfeitos um pro outro, isso me irrita, cara!
— Ué, mas cê pode beijar os outros em público também. Ninguém vai ligar, quero dizer, alguns vão né — Cellbit tentou explicar do melhor modo, ele sabia o que Roier queria, mas precisava tirar seu rabinho da reta. — Se você beijar a Jaiden ninguém vai ligar, tipo, vocês são os pais do Bobby.
Roier não respondeu, apenas murmurou um "hum" e continuou andando em silêncio. Aquela conversa era difícil quando você colocava em retrospectiva os acontecimentos de horas atrás. Por que Cellbit estava falando de beijar outros para a pessoa que ele mais queria beijar em toda aquela maldita ilha? Que situação.
Eles retornaram a casa de Phil e encontraram as crianças brincando no jardim. Richarlyson pareceu radiante ao ver o louro e veio correndo para ele.
— Pai, pai! Olha o que a Pomme fez! — o menino virou-se e mostrou a trança embutida que a francesa havia feito em seu cabelo.
— Uau! Que lindo, filho! — Cellbit deu um sorrisinho contente e Pomme se aproximou, ela timidamente agarrou o braço de Richarlyson que mudou para falar com ela em inglês.
Pomme era mais nova que Richarlyson e parecia gostar muito dele.
— Pinché — Cellbit ouviu a voz de Bobby, o menino veio correndo entregar duas flores vermelhas e foi embora.
Roier riu daquilo, surpreso e certamente envergonhado da atitude de seu filho.
— Pai, vamos pra casa? Eu quero dormir e minha perna tá doendo — Richarlyson bocejou e Pomme sussurrou algo no ouvido dele. — Tá. Pai eu posso ir brincar com a Pomme amanhã?
— Claro! Pomme, fala pra os seus pais irem buscar o Richarlyson amanhã na favela, ok? — Cellbit disse em inglês pra menina, que assentiu e saiu do lado de Richarlyson. — Filho, vai buscar suas coisinhas pra gente ir.
Richas deu um aceno com sua cabeça e foi para dentro da casa, Cellbit se aproximou dos outros pais que jogavam conversa fora e riam das besteiras que Roier lhes dizia. Bobby estava no colo de Jaiden e chupava seu dedo. Philza comentou que BadBoyHalo estava preparando um jantar em sua casa e todos estavam convidados, Kameto comentou que gostaria de poder ir em uma festa chique porque todos ali eram chiques, e então começou uma nova discussão sobre qual deveria ser o tema da festa de Bad.
Richarlyson retornou sonolento e Cellbit pegou as coisas de seu filho. Quando ele foi colocar o menino do braço, notou o mesmo se afastar.
— Vamos logo, pai — Richarlyson disse.
— É, gente... — Cellbit chamou a atenção de todos e sorriu. — To levando o Richas pra casa. O que vocês decidirem da festa do Bad me digam, valeu? Acho que eu tenho uma roupa perfeita pra essa ocasião.
— Perfeita pro Roier tirar depois, né Cellbo? — Forever se intrometeu na conversa e todo mundo começou a gritar e rir.
— Que isso seu maluco! Tem crianças ouvindo, caralho! — Cellbit se desesperou com aquilo e Forever riu enquanto se desculpava.
— Qué dices, Forever?! — Roier perguntou enquanto exibia uma face vermelha de vergonha.
— Tio Roier e Tio Cellbit estão namorando! — Dapper começou a cantar e Cellbit sentiu vontade de morrer. Seus olhos se encontraram com os de Roier, ambos compartilhavam do mesmo sentimento de vergonha e humilhação.
Bad tentou calar o seu filho, que se escondeu.
— Eu to indo embora — Cellbit anunciou corado. — Vejo vocês depois. Vem filho, vamo pra casa.
Richarlyson, confuso com toda aquela gritaria, o seguiu sem questionar. Quando longes o suficiente dos outros, Richas finalmente quis ir pro colo. Cellbit suspirou e usou o teleporte para conseguir chegar em casa rápido. Forever era o inimigo da timidez, ele conseguia se expressar de uma maneira vergonhosa e ainda envergonhar quem estava com ele. Isso deveria ser um dom.
O loiro chegou em casa exausto e levou Richarlyson para o quarto que tinha no escritório. Ele colocou o menino na cama e tirou a prótese de perna. Richarlyson bocejou e se esticou para pegar o Pulgão.
— Qual história você quer ouvir hoje, filho? — Cell perguntou enquanto observava os livros infantis que havia pego em umas das bibliotecas de uma das vilas na qual explorou.
— Pai, eu quero ouvir sobre o encontro seu e do tio Roier.
— Não foi um encontro, filho. Nós ficamos fazendo coisas chatas de adultos.
— Vocês se beijaram? — Richarlyson perguntou baixinho, e Cellbit viu que não teria como mentir para aquele menino, afinal, ele era o seu filho. — Pai, o senhor gosta do Tio Roier?
— Calma, filho. Uma pergunta de cada vez — ele pensou em como se organizaria para contar sobre seus sentimentos para o seu filho. Como você conversa com uma criança sobre aquilo? Cellbit não queria falar deliberadamente sobre o que sentia, dar esperanças para Richarlyson e logo após acabar o iludindo com uma situação que não aconteceu.
O que pais comuns fariam em uma situação apertada como aquela? Na verdade, pais comuns não deixariam tão óbvio para seus filhos o seu relacionamento amoroso com outras pessoas. Se bem que Richarlyson já estava acostumado com tudo aquilo.
— Eu saí com o Tio Roier hoje, nós conversamos, comemos...
— Vocês se beijaram?
— Sim, Richas. Eu beijei o Roier.
Richarlyson deu um sorrisinho e abraçou o Pulgão mais forte.
— Você tá apaixonado pelo Tio Roier, pai?
Cellbit pensou um pouco antes de finalmente conseguir aquela pergunta. Ele sabia que gostava de Roier, e sabia que esse sentimento não era amizade porque todo o seu corpo colapsava quando Roier sutilmente o tocava, mas qual era a linha entre gostar e estar apaixonado? O que diferenciava esses dois sentimentos? Será que gostar era um sentimento menos forte do que o da paixão? Ele não sabia, definitivamente não sabia.
— Eu não sei, filho. Eu gosto do Roier, gosto de sair em aventuras com ele e principalmente estar com ele. Ele é uma boa companhia pra mim, sabe? Eu não sei se ele vai se tornar um dos seus papais e também não sei se o que ele sente por mim é o mesmo que eu sinto — ele respondeu e afastou um cacho do rosto de seu filho. — Mas o pai gosta dele. Muito.
— Mais do que gosta de resolver enigmas?
Cellbit abriu um sorrisinho.
— Sim. Eu gosto do Roier mais do que gosto de resolver enigmas.
Eles permaneceram ali, em um silêncio confortável. Cellbit estava sentindo-se estranhamente leve após aquela conversa. Falar sobre o que estava lhe incomodando realmente causava um sentimento de leveza. A chuva lá fora voltou a cair, e Cellbit suspirou.
— Eu também gosto de você mais do que gosto de resolver enigmas, Richarlyson. O pai ama você com todo o coração dele, com toda a alma — ele disse baixinho e se inclinou para depositar um beijo na têmpora do menino. — Boa noite, filho. Te amo.
— Também te amo, pai — Richas respondeu baixinho e Cellbit o enrolou e ligou o abajur. Com passos lentos ele saiu do quarto e voltou para sua casa normal, seus olhos se encontraram com o relógio na parede que marcava quase meia noite, lá fora a chuva torrencial caía de novo.
Havia muitas coisas que Cellbit gostaria de saber, havia muitas coisas que ele não compreendia, e Roier era uma dessas coisas. Tudo sobre ele era um grande "por quê?" Por que ele gostava de Cellbit? Por que ele não podia ser totalmente honesto com o que queria? E por que Cellbit? Por que ele confiava tão cegamente no loiro?
Uma sombra se projetou para debaixo da porta e então uma carta passou pela frecha e parou no meio da sala escura. Cellbit olhou aquilo em um completo choque, rapidamente ele espiou pela janela e não conseguiu ver ninguém ali.
Ele observou o papel no chão e fez sua última pergunta:
Por que havia uma pessoa mandando cartas para ele e Roier sem que eles soubessem?
Chapter 3: breu.
Chapter Text
— Teu love tava aqui ontem. — Foi o que Cellbit ouviu sair da boca de Forever durante o almoço na ChumeLabs.
— Ah, é! — Pac confirmou rapidamente e serviu um prato para Richarlyson, que estava todo sujo de tinta por estar brincando com Pomme e Bobby. — Ele veio justo na hora que eu tava te dando comida, nossa, fiquei com medo real dele me ver te dando comida na boquinha e me bater.
— Eu não lembro disso — o loiro franziu seu cenho com aquelas informações. Em que momento ele havia recebido a visita de Roier? E o pior, por que ele não lembrava?
— Você não lembra de nada depois do encontro com o Tio Roier, papai? — Richarlyson perguntou confuso, e obviamente o seu pai fez que não.
— Você dormiu por quase dois dias inteiros e quase tentou matar o Pac quando ele foi te acordar — Forever comentou. — Você ficou fazendo um negócio estranho com a língua também, ô coisa nojenta. A gente achou que você estava ficando maluco.
Mike tampou os ouvidos de Richarlyson e olhou para o loiro.
— Você precisa conciliar esse seu outro lado pra não respingar no nosso filho. Eu não ligo se você ainda não superou o que aconteceu, eu só não quero que você surte e machuque o Richarlyson — Mike falou em um tom tão sombrio que um sentimento ruim se instalou na mesa.
Cellbit tinha um lado sombrio. Isso não era segredo para nenhum dos brasileiros da Ilha, mas para os outros sim. É claro que todos ali carregavam um histórico problemático, uma história da qual não se orgulhavam, e Cellbit não era muito diferente. O caso é que vícios antigos não desapareciam por completo, a sua essência carregava vestígios de sua vida passada, de suas manias antigas, e estas manias apareciam justamente quando o corpo se encontrava fora de controle, quando a mente, exausta, não conseguia mais barrar os comportamentos de sobrevivência.
Por muito tempo ele tentou procurar uma maneira de impedir que esses tiques aparecessem, pois temia machucar alguém de novo — e foi por isso que ele buscou se viciar em café, embora também fosse um vício danoso para o seu organismo. Combater vício com outro vício era patético e desesperador.
— O que o Roier queria? — Cellbit tentou desconversar. Falar sobre seu passado era algo extremamente perigoso. — Ele disse algo?
— Não — Pactw respondeu.
— Sim! Eu fui brincar com o Bobby e o Tio Roier disse que queria explorar, mas tu tava dormindo aí ele foi com a Jaiden — Richarlyson explicou.
— Ô Richas, bora tomar um banho mais tarde? — Forever questionou, e o menino fez que não e se interessou na comida. — Ah, é. Cellbo, como tu ficou morto por dias seguidos, o Bad adiou a festa e deixou pra hoje. Você tá legal de ir ou não?
— Eu estou. Nossa, eu tenho tanta coisa pra fazer hoje — Cellbit penteou seu cabelo para trás enquanto suspirava exausto. Ele não conseguia ter um único dia de paz naquela ilha, todos os seus dias eram repletos de coisas para se fazer, e quando ele tentava relaxar, algo acontecia. Não era atoa que seu cabelo estava ficando grisalho mais rápido do que o esperado. — Eu tenho que falar com o Roier, fazer uma faxina no escritório, ler a carta que deixaram-
— Que carta, moço? — Pactw perguntou.
E Cellbit franziu o cenho. Não por que ele desconfiava de Pac, mas porque ele também não fazia ideia sobre o que era a carta que havia recebido na noite do ataque dos códigos. Ele tem a memória clara de pegá-la, mas não se recorda de tê-la lido. Quando sua mente recordou da ausência de uma pessoa, um frio subiu por sua espinha.
Quem estava o enviando cartas? E com que intuito? Na verdade, o intuito era claro, mas não fazia sentido algum. Apenas não fazia. Será que era um plano arquitetado dos ovos? Só eles poderiam saber sobre o caso amoroso que Cellbit mantinha com Roier. Que estranho.
— Mano, é que eu tô recebendo umas cartas aleatórias, e eu não sei se é uma brincadeira dos ovos ou se é algo maior.
— Deve ser do Cucurucho, mano. — Forever falou distraído e todos que estavam presentes na mesa retornaram seu olhar a ele.
Roier havia dito a mesma coisa da última vez em que eles se viram, mas aquela teoria caía por terra quando eles relembravam que Cucurucho odiava Cellbit e Cellbit odiava a Cucurucho, e não havia motivos para que eles dois se dessem bem. Ou fizesse algo bom um para o outro. Então quem era o indivíduo por trás daquelas cartas sentimentais?
Cellbit não sabia, e com certeza não sairia pedindo para todos da ilha escreverem coisas aleatórias em um pedaço de papel apenas para checar a escrita e enfim descobrir quem seria o "anônimo romântico". Aquilo seria absurdamente cansativo e suspeito. Já o achavam louco, pedindo por assinaturas então, o que achariam dele? Que ele estaria fazendo um ritual satânico?
— Vocês receberam cartas ou algo assim esses últimos dias? — a pergunta não soou como ele queria. Quando dita em voz alta ela soou insegura. E ele entendeu o motivo delas soarem assim quando os outros pais negaram e falaram não terem recebido nada nos últimos dias. — Mano, então só eu estou recebendo essas cartas? Que bizarro.
— Eu vou ver o Bad mais tarde, quer que eu pergunte a ele sobre isso, Cellbinho? — Forever perguntou.
E Pactw rapidamente se pronunciou:
— Eu vou ir numa aventura com o Etoiles mais tarde, se você quiser eu também falo com ele sobre isso e já vejo logo se os franceses receberam algo estranho.
Antes que Cellbit pudesse dizer algo, Forever e Mike se juntaram em um coral de zoação. Os dois outros pais riram e zoaram o fato de que Pactw estava saindo com o francês. Aparentemente a piada era que aquele dois foram amor à primeira vista por ambos usarem a mesma roupa de PacMan. Cellbit achou bom em não ser o único pai a estar enrolando com alguém de outro país.
Ele se juntou a zoação e ignorou por hora o assunto das cartas amorosas.
Após o almoço ao ar livre, eles foram para a Favela e decidiram tomar um banho de mar, pois Mike havia sugerido que aquele dia deveria ser exclusivo para que os pais ficassem juntos — Richarlyson tinha seis pais, não precisava passar pela experiência de ter pais ausentes ou que não demonstravam se amar. E pela primeira vez na vida Cellbit pegou uma corzinha.
Richarlyson ficou nadando com o Pactw e travando uma guerra de água com Forever, que quando estava relaxado se tornava uma criança hiperativa e competitiva. A dinâmica problemática daquela família era impressionante. Como poderia existir cinco pessoas com um passado difícil mas que conseguiam se dar bem e criar um filho gentil como Richarlyson? Não existia algo mais latino do que aquilo. Toda família problemática resultava em uma criança sentimental e empática.
Os franceses (Baghera e Etóiles) tardiamente se juntaram aos brasileiros no dia de família, e Cellbit se viu obrigado a ficar no fundo do mar para esconder as marcas de ferimentos causados pelo Cucurucho e pelos presos. Isso também evitaria os olhares curiosos e futuras perguntas sobre algo que ele claramente não queria conversar e muito menos relembrar. Aqueles foram longos minutos, mas os franceses foram embora e deixaram Pomme, que se mostrou bastante animada para brincar com Forever, Pactw, Richarlyson e ganhar comida de Mike.
Quando as nuvens começaram a ganhar uma tonalidade voltada para o pastel, eles saíram da praia e caminharam juntos em direção à Favela. Richarlyson estava meio acordado e sendo carregado por Forever, que também carregava a Pomme enquanto conversava sobre suas construções com o Tazercraft. Naquele momento, Cellbit sentiu saudades de Felps. Seu melhor amigo havia sido forçado a ir em uma viagem com Quackity e desde então não tinha voltado, o que era um problema já que ele era o único a quem Richarlyson deixava dar banho.
— Gatinho! — Cellbit ouviu alguém o chamar, e no mesmo instante um frio percorreu sua espinha. Ele olhou para trás e avistou Roier correndo em sua direção e Bobby logo atrás. A primeira reação do loiro foi sorrir, e então se esconder atrás de Mike, e então surtar por não estar usando uma camisa. — Hola, gatinho!
— Hey, guapito! — ele sorriu um pouco preocupado e tentou se manter legal diante daquela situação.
Roier se aproximou mais um pouco e suas sobrancelhas se arquearam em surpresa, seus olhos correram pela parte do corpo que Cellbit mais odiava mostrar. O moreno teve tempo para jogar uma piada com segundas intenções, mas não houve nada. Nenhuma piadinha veio, nenhuma cantada. E aquele momento foi estranhamente vergonhoso. A ausência de uma piada abriu espaço para o mal estar.
— V-você vai ir à festa do Bad hoje, gatinho? — Roier perguntou rapidamente.
— Sim! Você vai?
Roier fez que sim com a cabeça.
— Eu posso passar pra te pegar? A gente pode ir juntos — ele falou enquanto passava a mão por sua faixa azul. Cellbit deu um aceno e esboçou um sorriso envergonhado e certamente vergonhoso.
A presença de Roier era sufocante. Se sentir puxado pela presença de alguém era normal em um relacionamento? Ele não sabia. Afinal, Roier era o seu primeiro amor.
— Aww, que fofinhos! Meu casal! — Forever riu enquanto juntava suas mãos e levantava uma perna, aquilo foi tão vergonhoso que acabou tirando uma risada até do próprio Bobby, que estava corado. — My couple! My couple!
— Qué pasa, man?! — Roier murmurou corado.
(O que foi, cara?)
Havia um detalhe sobre Roier que Cellbit amava, e este era a sua vergonha. Quando Roier ficava envergonhado ou tímido, suas bochechas ganhavam uma coloração avermelhada e seus olhos fugiam, iam de um lado para o outro, procurando um outro lugar para focar. Era um detalhe fofo, que fazia Cellbit sorrir. Era engraçado ver uma pessoa fazer uma piada sexual e logo em seguida ficar vermelha com a própria piada.
— Vocês vão assumir esse namoro quando? — Pac perguntou, mas antes que um dos dois pudesse responder, ele continuou: — Assumir não, né? Todo mundo já sabe que vocês dois estão namorando.
— Mi papá és tímido! — Bobby respondeu a Pactw. — My dad is very shy.
(Meu pai é muito tímido)
— Nós não estamos namorando — Roier falou em inglês e Cellbit arqueou uma sobrancelha, embora soubesse que eles realmente não estavam namorando. Era complicado dizer que tipo de relação era aquela uma vez que o termo "ficante" poderia não existir em outras culturas.
Então, qual era a definição daquela relação? Eles tinham uma amizade colorida?
— Não tão namorando porque são besta — Mike disparou. — Vocês se gostam e ficam nisso de achar que ninguém notou, sô. Vamo' assumir, né?
— Para! Não força eles! Deixa acontecer naturalmente, Craft — Forever falou preocupado e começou a cantar.
Roier apenas ria daquela situação, talvez por que ele não houvesse entendido exatamente o que estavam falando.
— Eu e o Roier somos só amigos — Cellbit falou em inglês.
Richarlyson, que até então estava dormindo no ombro de Mike, começou a rir. O que levou todos os outros pais a rirem também.
Cellbit havia ido para aquela ilha apenas para ser humilhado de novo? Não era justo.
— Ok, ok — Roier finalmente se pronunciou. — Se gatinho quiser ser algo a mais, nós podemos sair. Se estiver tudo bem, é claro.
— É...
— Aceita, Cellbo! — Forever tentou sussurrar, mas é claro que sua voz sempre iria sair alto em momentos assim.
— Nós podemos conversar melhor sobre isso depois — Cellbit deu um sorrisinho corado, ele tocou nos ombros de Mike e o pressionou para baixo, como um aviso claro de que ele não deveria se mexer. — Está tudo bem para você, guapito?
— Sí! See you at the party, then! — Roier também sorriu, mas não se moveu.
(Vejo você na festa, então!)
— Ah, Roier — Mike começou a dizer em português. Era engraçado como ele sempre estava pouco se fodendo para quem não entendia português, se eles estavam em uma ilha internacional não deveriam falar somente a língua inglesa. — A gente teve um dia de família. Você deveria ter vindo.
— Eh?
— É, quando você casar com o Cellbo, vem pra os dias de família com a gente. Até a Baghera e o Etóiles tavam aqui.
Cellbit sentiu seu coração acelerar com a palavra "casar". Ele nunca havia parado pra pensar em estar em um relacionamento sério desse tipo, tudo o que ele fazia com Roier era um tipo de amizade colorida (o que acontecia com frequência naquela ilha).
— Cellbit, tu não convidou teu boy pra o dia de família? — Forever questionou.
— Pô, mancada! — Pactw fez um estalo com a língua e se inclinou pra frente, assim como fazia quando queria falar com crianças. — Mas saiba que você tá convidado, viu?
— Eu não sabia que ele queria vir, né caralho! — Cellbit rosnou as palavras para fora de sua boca e ouviu Roier rir enquanto repetia a palavra "caralho."
— Ok, ok — ele passou a mão por dentro do seu cabelo. — Eu estou indo pra casa levar o Bobby pra tomar um banho.
Bobby fez que não várias vezes.
— Nos vemos mais tarde, Guapito — Cellbit tentou encerrar a conversa o mais rápido que pôde. Tudo o que ele mais queria era que Roier fosse para casa e esquecesse de vê-lo sem camisa, com o cabelo bagunçado e o rosto vermelho do sol.
— Bye, gatinho — Roier deu um passo para trás, mas antes que ele pudesse teleportar pra casa, Bobby correu até Cellbit e colocou sua mochila no chão.
Todos os homens prestaram atenção naquela cena de Bobby procurando por algo em sua mochila enquanto Cellbit saía da sombra de Mike.
— Bobby, qué haces? — Roier se aproximou do filho para olhar o que tinha em sua mochila.
(O que você fazendo?)
Bobby tirou uma torrada molhada dali de dentro e a entregou para Cellbit, que franziu o cenho enquanto dava um sorrisinho confuso.
— Está molhada — Bobby falou desapontado.
— Bobby, cabrón! — Roier fez um estalo com sua língua e coçou sua cabeça, como se estivesse pensando no que deveria fazer. — A gente convida o Cellbit pra comer torradas lá no castelo, ok? Não precisa ficar triste.
— Cala te! — Bobby disparou e fechou a mochila. Cellbit se abaixou para ficar na altura do menino, e então afagou os cabelos dele enquanto exibia um sorriso simples, mas feliz.
— O que você acha de depois irmos pra base guapita e preparamos torradas pra compensar essa?
Bobby pensou um pouco e então deu um aceno positivo.
— Então você marca o dia e nos vamos fazer, ok? — Cellbit deu um sorriso.
— Agora vamos, Bobby — Roier o empurrou. — See you later, gatinho!
— See ya, guapito.
Cellbit os observou se afastarem, e então sumirem em meio a partículas roxas. E novamente ele ficou sozinho com os outros pais, que esperaram tempo o suficiente para começarem com a zoação.
Em meio aquela história, Cellbit sentiu pena de Pomme, que estava tentando dormir mas sempre tinha um espasmo ao ouvir a gargalhada estridente de Forever. Será que um dia ela se acostumaria com a sua família metade brasileira?
— O Cellbit vai mamar o Roier tal qual mamou o Cucurucho — Forever deu outra gargalhada ao entrar na casa de Cellbit, Pac e Mike haviam subido para as outras casas para descansarem, uma vez que estavam exaustos para voltarem pra Chume Labs.
— Caralho, não fala putaria na frente das crianças, seu maluco! — Cell rosnou. — E eu não vou mamar ninguém. Eu não gosto de sexo e você sabe muito bem disso.
— É claro que eu sei, eu fui casado com você, bobão — Forever deitou as duas crianças na cama e esticou os seus braços. — Eu gosto de pegar no seu pé.
— O Roier me deixa nervoso. Eu não queria que ele tivesse me visto assim.
— "Assim" como?
Cellbit apontou para o seu peitoral desnudo. Aquela havia sido uma ótima resposta.
— Você não deve ter vergonha do seu passado, Cellbo.
— Eu não tenho, mas também não quero que ele tenha uma impressão errada minha!
Forever deu um sorrisinho, mostrando suas presinhas. Aquele sorriso tinha muitos significados, e Cellbit não gostava de nenhum deles.
— Você pode dizer pra o Roier que a gente saiu na mão 45 vezes e é por isso que você tem essas cicatrizes.
— Forever... — Cellbit pensou em dar uma resposta inteligente, mas decidiu guardar suas palavras para si mesmo. Elas não funcionariam em Forever. — Eu só quero passar uma boa impressão. Eu gosto do Roier, sabe? Não quero que ele se afastasse de mim por conta do meu passado. Eu não sou mais aquela pessoa.
— Se ele se afastar de você vai ser muita babaquice, de verdade.
— Eu acho que vou vomitar de tanta ansiedade
Forever deu um sorriso de lado e gentilmente tocou no ombro de Cellbit e o levou para fora da casa, em silêncio eles caminharam ao redor da favela e observaram o pôr do sol. Eles, quando casal, tinham o costume de caminharem juntos até conseguirem controlar a ansiedade. Era engraçado como ambos eram iguais mas ao mesmo tempo diferentes. E Cellbit achava que Forever era a sua outra metade, uma vez que almas gêmeas não precisam estarem em um contexto romântico para existirem. Dois ansiosos, gays, que embora possuíssem hiperfocos diferentes, conseguiam se completar.
Quando eles voltaram para casa já estava de noite, então Forever ficou encarregado de levar Pomme para casa enquanto Cellbit ficou encarregado de tentar dar um banho em Richarlyson.
— Eu quero o pai Felps! — Richarlyson gritou novamente quando a ideia de tomar um banho não pareceu tão remota assim. — Eu quero o pai Felps! Eu quero o pai Felps! Eu quero o pai Felps!
— Filho, o pai Felps não tá aqui... E a gente precisa se arrumar...
— Não! — o menino gritou e bateu o pé no chão.
Cellbit não era bom crianças, o seu passado realista o tirou a convivência com crianças, então ele nunca sabia o fazer quando as birras de Richarlyson começavam a surgir.
— Filho-
— Não vou tomar banho, você não sabe arrumar o meu cabelo! Você puxa! — ele fungou, e então cruzou seus braços, e então Cellbit não soube o que fazer.
Usar a lógica com crianças não era muito sábio, principalmente quando elas estavam amadurecendo. Crianças não queriam uma fórmula pronta, quando tudo dava errado, elas choravam, e então esqueciam.
— Richarlyson... — ele pensou um pouco antes de falar. — Ok, vamos fazer assim. Você toma banho com o pai na banheira, nós não molhamos o cabelo e então o pai faz um coque pra você, o que cê acha? Um coque bem bonitão. Eu costumava a fazer no cabelo do pai Forever.
O menino ponderou, e então assentiu. Com um suspiro aliviado eles foram tomar um banho, e Cellbit fez questão de esfregar bem o seu filho e não encostar em seu cabelo, ele contou uma história a Richas, que ouviu atentamente enquanto brincava com as bolhas de sabão. Minutos após ele foi arrumar o seu filho, que mais parecia um cachorro desconfiado, cada vez que Cellbit passava a mão perto dos cachos, Richarlyson se encolhia. Após a escolha da roupa ele cumpriu sua promessa e fez um coque bastante delicado no cabelo do menino, que puxou dois cachos para ficarem suspensos em cada lado de seu rosto.
Novamente ele pensou em como não crescer em um ambiente saudável havia destruído sua capacidade de lidar com crianças. Ele realmente estava aprendendo sobre paternidade na marra.
Quando Richarlyson finalmente ficou pronto, Cellbit começou a ficar ansioso. Ele procurou por ternos em seu guarda-roupas e quase teve um surto ao não saber o que usar. Ele deveria manter seu cabelo solto? Amarrado? Deveria chamar Forever para mais uma vez fazer uma trança na lateral? Ele não sabia.
E sua indecisão o levou a demorar bons minutos para começar a se arrumar.
— Cellbo! Cellbo! — ele ouviu Roier no andar de cima e sentiu seu coração errar uma batida. E não foi da boa maneira.
— Richas, fala que eu não posso ir agora! — ele pediu ao menino que assentiu e saiu correndo para fora do quarto.
Cellbit passou a mão por seu cabelo e começou a se vestir o mais rápido que conseguia. Suas mãos abotoavam e fechavam zíperes tão rápido que chegavam a machucar a ponta de seus dedos. Ele parou para pentear seu cabelo e ouviu Roier dizer "¿Qué quieres decir con "nu", it means "desnudo"?" No andar de cima, e aquilo foi o suficiente para deixá-lo ainda mais ansioso. O que Richarlyson estava dizendo para Roier? Ele não sabia se queria saber.
(O que você quis dizer com "nu", isso significa "desnudo/nu"?)
Suas mãos trêmulas bagunçaram todo o guarda-roupas perfeitamente ajeitado, ele passou um perfume doce, ajeitou sua gravata borboleta e calçou seus sapatos. Ele ainda conseguia ouvir seu amado falando com Richarlyson no andar de cima. Às pressas e às cegas ele saiu do quarto, se olhou mais uma vez no espelho do banheiro e foi para o andar de cima.
— Pai! — Richarlyson abriu um sorriso para possivelmente esconder as travessuras que havia dito a Roier.
— Gatinho! — o moreno deu um sorriso feliz ao vê-lo. — Qué hermoso! Tu esta hermoso!
(Que lindo! Você está lindo!)
— Gracias, guapito.
— Vamos? — Richas apontou pra porta de saída e os dois homens caminharam timidamente até ela.
Bobby não estava com eles, o que fez com que Cellbit pensasse que o menino pudesse estar com Jaiden na festa. Era incrível como os dois sempre pareciam estar rodeados de crianças ou pessoas. Se a ilha é perfeita, por que ela não oferece privacidade para um casal trocar beijinhos?
Eles tiveram que caminhar — porque Cellbit descobriu não ter o waypoint que levava até à casa de Bad — em meio as árvores e atravessar pontes iluminadas por vagalumes. Richarlyson parecia estar se divertindo naquilo tudo, enquanto Cellbit queimava por dentro cada vez que Roier estendia sua mão para ajudá-lo a subir em algo. Ele queria poder entrelaçar as mãos furtivamente com a desculpa de que não gostava do escuro, mas aquela mentira não iria colar. Nunca colou. E então ele precisou aguentar as suas próprias vontades bobas.
Roier parecia se divertir com a presença de Richarlyson, que andava saltitando como um verdadeiro coelho e fazia os dois homens rirem.
— Bobby não gosta de sair à noite — Roier comentou distraído, ele atravessou uma moita e abriu um sorrisinho. — Ele é um idiota, mas ainda é uma criança. Acho que Bobby não gosta do escuro.
— Richarlyson não consegue dormir no escuro — Cellbit comentou rapidamente e recebeu um olhar mortal de seu filho, que sumiu com seu sorriso simpático em questão de segundos. — Eles são bem fodões, mas ainda são crianças, né? Eu acho importante que eles tenham manias infantis assim.
Com um aceno de cabeça, Roier começou a contar sobre sua especialização em psicologia e em seu entendimento sobre a mentalidade das crianças, seus estudos sobre o desenvolvimento psicomotor e as consequências de um trauma na vida adulta. Cellbit gostou de ouvi-lo falar sobre a sua área. Ouvir Roier falando sobre estudos internacionais era diferente de o ouvir falar sobre a história completa do Homem-Aranha, era uma sensação diferente. Cellbit sempre esquecia que todos ali carregavam consigo histórias passadas, que eles possuíam gostos distintos e áreas de especialização distintas, e era confuso associar a figura de Roier a figura de um psicólogo.
A conversa sobre antigos pesquisadores importantes se prolongou até que eles finalmente chegaram na casa de Bad, que era repleta de flores e mais parecia um jardim botânico do que uma casa real. Dapper veio recebê-los com um sorriso em seu rosto, ou melhor, em meio ao que se dizia respeito ao seu rosto. O menino os guiou até um salão, localizado em meio a diversas árvores cor-de-rosa.
Richarlyson saiu correndo para encontrar Pomme, que sorriu ao vê-lo. Cellbit entrou no salão que já estava lotado, Max parecia estar tocando a música enquanto os outros se serviam e riam. Era interessante ver a dinâmica daqueles grupos, eles misturavam o inglês com sua língua materna e meio que criavam um idioma próprio.
Quando ele encontrou os brasileiros, foi se juntar aos mesmos para não se sentir tão só.
— E aí, Cellbin! — Pac sorriu, e por algum motivo ele estava com Ramon dormindo em seus braços.
— Cellbo, tu não sabe! — Forever, que já parecia um pouco alterado pelo vinho, abriu um sorriso imenso. A garrafa estava vazia e agora parecia uma decoração de mesa. — Adivinha quem chamou o Pac pra sair?
— Quem?
— O Etóiles! — ele respondeu rapidamente e Pactw fez um estalo com a língua enquanto reclamava que eles não deveriam retomar àquele assunto. — Mano, o cara chegou aqui na maior cara de pau e disse com aquele sotaque frânces "Pac, você gostaria de sair para dar uns beijinhos?"
— Forever, não foi assim! — Pactw se defendeu rapidamente e Mike riu, dizendo que realmente havia acontecido daquela forma. Cellbit sabia que os dois estavam mentindo. — O Etóiles só perguntou se eu queria ir na França mais tarde pra ele me mostrar as coleções de armadura dele, moço. Não teve nada de beijo, não!
— É que o beijo vai acontecer na base dele, né moço! — Forever riu enquanto se debruçava na cadeira.
Cellbit escutou os outros três homens discutirem sobre Etóiles e seu suposto interesse em Pactw. Seus olhos se rolaram pelo salão e ele observou Roier ir até mesa de bebidas e pedir por algo para beber, rapidamente ele levantou e se aproximou da mesa. O bartender da vez era Philza, que olhou para os dois um sorrisinho que só bartenders eram permitidos a exibirem.
Ele pediu por vinho e se encostou no balcão. Roier lhe olhou de relance e não comentou nada até que a bebida chegasse.
— A próxima festinha vai ser no meu castelo — sua voz soou baixa devido ao som. — E você deve estar lá, gatinho.
— Devo? Vou precisar um terno?
— Vai ser um baile de máscaras, é mais sexy — ele respondeu com um sorrisinho em seus lábios e bebericou o drinque.
Cellbit ficou envergonhado ao ouvir aquilo, mas resolveu a responder à altura.
— Se você já é sexy sem usar uma máscara, eu imagino quando você for usar.
— Gatinho, eu acho que você deveria ir pra minha casa no final da noite para eu te mostrar como sou sexy usando uma máscara.
— E qual é a máscara que você vai me mostrar, Guapito?
Roier se inclinou para frente e abriu um sorriso terno, mas provocativo.
— A do Homem-Aranha.
Philza começou a rir alto, e Cellbit fez o mesmo. Ele sabia que escutaria aquela resposta, então não sabia o motivo de estar achando tanta graça naquele trocadilho. Roier e ele nunca flertariam assim em público sem ser uma piada. Philza continuou rindo até ficar sem ar, e Roier o xingou em espanhol.
— Pai! — Richarlyson gritou, e então seus olhos desviaram para um outro foco. — Pa Quack! Pai Felps!
— Mí hijo! — a voz estridente de Quackity se sobressaiu na música, Richarlyson correu para abraçar o mexicano
Cellbit olhou para aquela dupla dinâmica que havia acabado de voltar de uma aventura. Felps abraçou Richarlyson e Roier se empenhou em discutir com Quackity.
— Felps, caralho! A gente pensou que cê tinha morrido, porra.
— Morrer? Por quê?
— Você simplesmente sumiu há dias! — Cellbit cruzou seus braços. Richarlyson puxou a camisa de Quackity para que ele o pegasse no braço. — Cês dois sempre somem e não dão notícias.
— Ah, é que a gente tava viajando, né? Acontece... — Felps riu. — Mas, e aí? Como cê tá? Que que aconteceu?
Cellbit olhou de relance para Roier, e então pensou em como explicar o seu relacionamento colorido com o mexicano para Felps. Antes que ele pudesse organizar os seus pensamentos e escolher as suas palavras, Forever se aproximou com um sorriso de orelha a orelha.
— Oi Felpo! — ele disse e rapidamente completou: — Mano, o Étoiles saiu com o Pac, bora seguir?!
Embora ele não quisesse dizer, precisou pensar em como espiar seus amigos em momentos privados como aquele era desrespeitoso. Eles não deveriam seguir Pactw.
— Bora! — Cellbit rapidamente falou, e então virou-se para Quackity. — Cuida do Richas, a gente volta já!
Quackity franziu o cenho e só aceitou sem questionar.
— Para onde vocês vão? — Richarlyson perguntou desconfiado.
— A gente vai ver o pai Pac beijar na boca, filhão. Voltamo' já já! — Felpo explicou e saiu andando em meio a multidão. — Quackity, você quer vir com a gente?
Por algum motivo, os olhos pretos de Quackity ganharam um brilho meigo. Embora estivesse escuro no salão, ficou perceptível a sua mudança de expressão, ele pareceu desacreditado ao ouvir Felps convidá-lo para espionar Pactw.
Os quatro, e mais tarde cinco, pais do Richarlyson saíram da festa e se esgueiraram por entre às árvores, evitando fazer barulhos e rindo baixinho para não serem notados. Eles espiaram Pac conversar com Etóiles, que parecia, de certa forma, suplicante. Ele estava se confessando ou apenas agindo normal? Alguns minutos depois Pac o roubou um beijo, e todos os cinco pais comemoram silenciosamente, até mesmo Richarlyson comemorou.
Eles ficaram observando o casal por mais alguns minutos, até que finalmente foram notados e precisaram fingir que não viram nada. Pac ficou tão vermelho que nem mesmo o breu conseguiu esconder sua vermelhidão.
Quando estavam prestes a retornar para o salão, Cellbit foi puxado de lado por Roier e levado com um sorriso fácil até os jardins de Bad, era longe o suficiente para eles não serem vistos e plano o suficiente para curiosos não ouvirem.
— Gatinho, posso te perguntar algo?
Cellbit sentiu seu coração acelerar, mas não do bom jeito.
— Claro.
Roier demorou uns segundos para finalmente conseguir falar o que estava em sua mente. E aqueles segundos foram absurdamente torturantes.
— O que são as suas cicatrizes?
Aquela pergunta trouxe consigo uma bagagem com lembranças dolorosas, com épocas obscuras. Deixar Roier saber de seu passado era um passado para a intimidade, mas como ele reagiria ao saber de todas as atrocidades que Cellbit fez? Ao saber de quantas vidas ele já tirou friamente? E como ele reagiria ao saber que, em alguns momentos, Cellbit gostou de matar?
— Eu... Posso te confiar um segredo?
— Claro, claro. ¡Te estoy escuchando!
(Eu to escutando)
Cellbit se encostou na cerca de madeira e permaneceu ao lado de Roier, olhando para a grama engolindo os seus sapatos e esperando que uma distração o salvasse daquela conversa. Ele odiava quando tinha sua privacidade quebrada, mas naquele momento queria que Forever, ou Quackity ou qualquer pessoa os visse e os atrapalhasse. Mas ninguém veio.
— Eu já fui uma pessoa muito ruim, Guapito. No meu passado... Eu era um assassino. Eu estava preso, e eu fugi. Eu matei muita gente, eu fiz muitas coisas por sobrevivência, coisas das quais eu me arrependo.
Roier permaneceu em silêncio. E que doloroso foi.
— Eu não queria... — Cellbit sentiu sua garganta fechar. Abrir a porta do passado era perigoso, principalmente quando você não tinha o superado totalmente. — Eu não queria que você me visse daquele jeito, e eu não queria falar sobre isso agora. Os brasileiros sabem o que eu passei, então eu me sinto confortável em mostrar as cicatrizes para eles, mas eu não queria que você visse. É uma parte de mim que eu não gosto.
— Você matava pessoas. — Roier repetiu com uma seriedade assustadora. Naquele momento ele não estava usando sua personalidade de psicólogo ou de bobo, mas uma personalidade fria. — Você ainda pensa em matar?
— Eu não sei.
— Por que não sabe?
Porque eu nunca sei quando algo vai me fazer ativar o instinto de sobrevivência. Foi o que Cellbit pensou em responder, mas as palavras não saíram de sua boca. Nenhuma palavra saiu de sua boca, até que Roier precisou refazer a pergunta.
— Eu nunca machucaria alguém, mas não sei como reagiria caso alguém me machucasse ou machucasse aqueles que amo — disse. — Eu nunca mataria sem um motivo.
— Cellbit...
— As minhas cicatrizes são provas do que eu vivi, Roier. São um lembrete claro para que eu nunca esqueça do monstro que eu sou e de quantas vidas eu já tirei. Eu não sou mais o mesmo, e eu não tenho sede por sangue.
— Você me mataria?
— Não.
— E se eu tentasse machucar Richarlyson? Ou Forever?
Cellbit levantou o olhar e observou Roier, um sorriso pequeno e triste surgiu em seus lábios. Onde Roier queria chegar com aquilo tudo?
— Eu não te mataria, mas eu não recomendaria você a fazer isso, afinal, eu não fui o único a fugir da prisão e vir parar nessa ilha.
Chapter 4: expurgação.
Chapter Text
Cellbit não teve a intenção de fazer com que suas palavras soassem grosseiras ou assustadoras daquela forma, mas sentiu-se na obrigação de afastar quaisquer ideias suspeitas que pudessem usar para testar sua lealdade à sanidade. Ele queria que ficasse bem claro que ele não era o único ali que caso pressionado o suficiente, poderia pender para o lado homicida.
Que estivesse claro que os brasileiros eram uma família problemática, mas que iriam até o fim do mundo para salvar e defender uns aos outros.
- Isso é uma ameaça? - Roier perguntou cautelosamente, agora com a voz de psicólogo.
Cellbit arqueou sua sobrancelha ao perceber aquela mudança, ele havia ido em muitos psicólogos na prisão para conseguir ficar atento aos tons usados, embora estivesse apaixonado por Roier, não cederia aos truques que ele, enquanto profissional, poderia usar.
- Roier, onde você está querendo chegar com esse assunto? Eu gosto de você, e isso é um fato, mas eu não posso mentir sobre o meu passado ou sobre os meus gatilhos. Eu já disse, eu não sou mais o assassino de antigamente, eu mudei - Cellbit se desprendeu da cerca e ficou de frente ao mexicano, mantendo um contato fixo com ele. Embora uma parte dele quisesse mentir apenas para aliviar aquela situação, uma outra queria se manter na honestidade, no realismo. Ele queria ser honesto com e sobre o seu passado. - Se você não quiser nada comigo...
- Isso é difícil, Cellbit - Roier passou a mão por dentro de seu cabelo enquanto suspirava exausto. - Talvez eu precise de um tempo para conseguir digerir isso tudo.
Um tempo.
- Ok.
Um tempo.
- Eu vou voltar pra festa e esfriar a cabeça, quando eu chegar em uma decisão, eu falo com você.
Um tempo.
Cellbit o observou, sem dizer nada ele deixou com que Roier fosse embora e aos poucos sumisse na penumbra da noite. Aquela reação já era esperada, foi dolorida, mas esperada. O medo e a hesitação era compreensível, qualquer um daria um passo atrás ao descobrir que a pessoa mais próxima de você era uma assassino e ainda tem impulsos assim. Esse era um fardo que Cellbit teria que carregar durante toda a sua vida, seria uma história que ele teria que recontar todas as vezes que alguém visse as marcas em seu corpo, ou todas as vezes que um gatilho ativasse seu modo de sobrevivência. Aquela era uma marca explícita da guerra que ele viveu quando mais novo.
E ele definitivamente entendia Roier, ele era comum. Então para ele, o tempo seria suficiente. Era só um tempo.
Roier voltaria, não é?
Um suspiro pesado saiu do fundo de seus pulmões, e ele se sentiu leve em conseguir confessar seu pior segredo para a pessoa que mais amava, agora era só esperar para saber como ela lidaria com aquela informação. Cellbit começou a andar em direção à festa, ainda pensativo sobre como lidou com a situação de mais cedo. Ele estava certo em ficar na defensiva ou foi uma hora errada para mostrar o seu lado mais frio?
Ele queria saber o que se passava na cabeça de Roier, e pela primeira vez ele se contrariou, pois mais do que nunca quis ter o superpoder de ler mentes e acabar com aquela demora logo.
Quando ele estava se aproximando do salão, um arrepio subiu por sua espinha e eriçou os pelos de sua nuca. Era uma sensação parecida com a que ele tinha quando estava na cadeia e outros presos se aproximavam por trás, uma sensação que fugia do abstrato. Ele parou de andar e esperou para que a sensação sumissem, mas não sumiu. Ele virou-se para trás rapidamente e se deparou com uma uma figura negra, um espectro que parecia dançar em rodopios com a brisa da noite e engolir as cores do que estava ao seu redor. Era uma escuridão densa, com apenas dois buracos que brilhavam no lugar dos olhos como uma luz que está tentando escapar de um buraco negro.
- Ah, oi Bad! - Cellbit sorriu aliviado ao ver o homem ali.
- Oi, Cellbit!
- O que você está fazendo aqui?
- O que você está fazendo aqui? - ele retorquiu, e então se inclinou para frente. Os fluídos pretos que haviam em seu corpo fizeram mini redemoinhos, e seus olhos brilhantes se fixaram nos de Cellbit. - Você estava chorando?
- Quê? Não, não!
- Ah, Cellbit...
- Eu sou alérgico a... - ele olhou em volta, para as flores além da cerca. - Orquídeas. Eu comecei a espirrar, por isso.
- Huh, okay... Você viu o Forever?
Cellbit pensou em dizer que não, mas piscou seus olhos e olhou em volta. Era estranho que Forever não estivesse ali o observando conversar com Roier.
- Eu não vi. Se você achar ele, pode falar que eu estou indo pra Favela? Esqueci uma coisa lá e vou buscar.
BadBoy meneou com sua cabeça e se despediu, seu corpo flutuou de volta para a festa, e Cellbit voltou para a Favela, segurando as lágrimas que não pôde derramar quando ouviu Roier falar sobre precisar de um tempo. Ele não queria ter que encarar Roier por agora, pois sentia que era melhor também tomar um tempo para si e fazer o que fazia de melhor quando um relacionamento dava errado. Nada.
Ele saiu da base de waypoint, sentou nos degraus e ficou observando a noite refletir no mar de Copacabana à distância e consequentemente esconder sua tristeza. Era uma noite bonita, límpida, apaixonante, mas de nada servia para um coração semi partido.
- Cellbo, Cellbo! - ele ouviu a voz de Forever surgir em meio ao silêncio e olhou para trás, Quackity vinha junto, então eles mudaram o idioma para inglês. - O que aconteceu? Você tá bem?
Os dois homens sentaram no chão, um em cada lado, como os pais casados faziam com seus filhos.
- Roier me pediu um tempo.
- Qué? Maldito perro! - Quackity disparou.
- Do nada?
- Sim. Eu estava conversando com ele sobre aquilo, e então ele disse que precisava de um tempo para pensar no que fazer - Cellbit se ajeitou no chão para conseguir encostar sua cabeça na curva do pescoço de Quackity, que brincou com seus polegares timidamente com aquela ação repentina. - Eu não deveria me sentir mal, mas eu não esperava que ele fosse reagir assim.
- Roier é um pendejo. - Quackity disparou.
- Mano o Roier é um babaca, eu vou ir na casa dele agora e dizer que ele é um babacão, um moleque! - Forever disparou, todos os outros dois pais sabiam que ele não faria aquilo, pelo menos não agora.
- Eu entendo o lado dele, Forever. O máximo que posso fazer é esperar pela resposta dele, sabe? Se a gente forçar, ele não vai me querer.
- Se não acontecer naturalmente, vocês vão acordar com a casa dele explodindo - o loiro fez um estalo com a língua, e Quackity também se empolgou com a ideia de explodir a casa de alguém.
- Eu só estou triste com isso tudo, de verdade - Cellbit suspirou, cansado daquele tópico e das ideias malucas que estavam saindo da boca dos outros dois homens.
Aquela noite estava programada para ser uma noite divertida, livre de preocupações e consequentemente cheia de casais, mas você não conseguia fazer uma comemoração sem deixar um outrem triste. E era algo normal. Depois ele deveria se desculpar com Bad pela ausência repentina. Por algum motivo, Quackity se virou e o beijou na testa, mas não com uma intenção ruim, mas com uma intenção genuína. E Cellbit franziu seus lábios, deixando assim com que as vozes estridentes dos outros afastassem seus pensamentos distorcidos.
Quando a lua tomou uma coloração avermelhada e enfim começou a se pôr, eles foram pra sacada e fizeram churrasco enquanto jogavam jogos de tabuleiro, e mais tarde os outros brasileiros se juntaram a eles, e então Bad apareceu, e timidamente ficou os vendo jogar enquanto deixava com que Forever tentasse botar Dapper para dormir.
No final de contas, foi uma noite boa. E Cellbit notou que não estava tão sozinho como costumava a pensar.
-
Pássaros pipilando não era tão prazeroso quanto se escreviam em livros.
Um assíduo leitor saberia disso se vivesse a vida com passarinhos o acordando todos os dias, mas não sabiam, por isso continuavam espalhando mentiras sobre o cantar dos pássaros. E naquela manhã Cellbit estava certo de que odiava algo a mais do que o cantar dos pássaros, e esse era Forever em sua pura essência. Um arquiteto em sua forma mais pura. Admirando suas construções e derrubando uma parede de tijolos às quatro da manhã para fazer o trabalho dos pedreiruchos (como ele havia nomeado os cucuruchos pedreiros).
A manhã havia começado caótica, e se tornou mais caótica quando Bobby, sem a presença de Roier ou Jaiden, apareceu nas Favelas. Ele entregou uma carta para Cellbit e correu de volta para o waypoint.
- O que que ele te deu, pai? - Richas perguntou.
Cellbit observou a carta com um certo receio. Não era igual as outras cartas que ele tinha recebido misteriosamente, a cor do papel era diferente, tão branco e áspero, não tinha um nome endereçado. Era uma A4 comum. Bobby não era quem estava entregando as cartas misteriosas, então.
Com um certo pavor ele abriu a carta, a desdobrou e leu uma única frase em inglês:
"Meet me in the woods at midnight."
Chapter Text
Quando Cellbit leu aquela carta, só conseguiu pensar em como houve uma falha na comunicação. Onde ele deveria encontrar o destinatário nas árvores se eles estavam em uma ilha? Aquilo fazia parte de um jogo?
Ele ficou receoso em seguir o que fora pedido na carta e se deparar com Cucurucho, o esperando para mais uma longa sessão de punição por ter quebrado as regras mais uma vez.
— Mas, tu quer que a gente vá com você, Cellbo? — Forever perguntou distraído com o bolinha antiestresse que Pactw havia feito para conseguir moderar a ansiedade.
— Não, eu vou sozinho e qualquer coisa eu aviso.
— Toma cuidado, moço. Pode ser uma armadilha do Cucurucho — Pac bateu suas mãos na calça e colocou um prato de salada na mesa.
Naquela tarde eles haviam marcado de comer na vila do Chaves, e surpreendentemente todos os pais de Richarlyson estavam lá na vila. Quackity, Mike e Felps brincavam de pular corda mais atrás, enquanto os outros três homens conversavam sobre a carta misteriosa.
Havia algo naquela história que não parecia se encaixar, uma lacuna. Um mau pressentimento. Roier não parecia ser o tipo de homem que facilmente o perdoaria por algo tão pesado assim, afinal, eles não estavam falando sobre algo banal, mas sim sobre mortes. Sobre assassinato, homicídio a sangue frio. Sobre mentiras, quebras de lei. E isso deveria ser tratado de uma forma mais crítica. Bem, Cellbit esperava que isso fosse tratado de uma forma crítica e sensata.
Sobre o que será que eles conversariam naquela noite?
— Se for, tu manda aviso pra gente que eu te puxo com a enderpearl — Forever respondeu rapidamente.
— Cucurucho não tem mais nada comigo — Cellbit respondeu e suspirou.
Os outros pais se juntaram à mesa e começaram a conversar sobre a festa de BadBoyHalo, o que eles souberam após a saída dramática de Cellbit. Aparentemente, Maxo havia bebido ao extremo e chorado por Forever ter ido embora mais cedo do que o planejado, e paralelamente a isso teve os franceses falando sobre Pactw e Etóiles.
Forever havia contado que os franceses não apoiam muito a ideia de terem um par romântico, que não procuravam por isso, mas também não podiam mandar nos sentimentos dos outros, e isso entristeceu parcialmente Pac. A conversa se desenrolou durante todo o almoço, e era engraçado como eles usavam das três línguas (Inglês, Português e Espanhol) para se comunicar quando Quackity estava por perto. Cellbit ouviu as conversas e tentou acrescentar com algumas piadas sem graça e detalhes inúteis. Ele gostava de como aqueles cinco o fazia se sentir confortável o suficiente para "desativar" sua inteligência e mostrar a sua versão mais boba.
Então aquilo era o significado de família?
Cellbit tinha para si que família só podia ser considerada família por conta do vínculo sanguíneo, pois essa era a única coisa que unia as pessoas, que as faziam ficar. Mas olhando para aquela mesa farta, com tantas pessoas sorridentes, diferentes e de outros lugares, ele havia descoberto o real sentido daquela palavra.
Famílias podiam nascer por conta de um laço sanguíneo, mas também podiam nascer de um laço sentimental. Cellbit aprendeu a confiar e amar todos aqueles estranhos que de uma hora pra outra estavam presos com ele. Aprendeu a amar Richarlyson e aceitar a paternidade. Ele aprendeu que família é quem ama e defende. E todos ali se amavam e se defendiam ao extremo.
Cellbit, lá no fundo, queria que Roier fizesse parte da sua família também.
O período entre a tarde e a noite foi, definitivamente, o mais torturante de todos. De todos aqueles dias na ilha, aquele foi o mais difícil e ansioso que ele pôde viver. Sua tarde se resumiu a ser babá, ele ficou em casa, ajudando Tallulah e Chayanne com a atividade da escolinha enquanto Philza estava fora com Fit. Na parte da noite, enquanto ele voltava da casa de Philza, acabou seguindo Forever e descobrindo que ele tinha um encontro com Maxo — o que foi bastante surpreende uma vez que ele pensava que seu melhor amigo nutria sentimentos por Bad, mas aparente era um pensamento errado.
Quando o jantar chegou, Forever chegou com a maior cara de pau, na maior naturalidade possível. Cellbit ficou curioso com aquela relação entre seu ex marido e Maxo, quando que eles dois começaram a sair juntos? Bad era só um disfarce para esconder o maior casal? Bem, ele definitivamente estava perdendo algo ali.
— A gente devia convidar o Etóiles pra vir jantar com a gente — Richarlyson sugeriu, e Pactw suspirou e tampou o seu rosto, como quem estivesse exausto daquela conversa repetida. — Ele podia trazer a Pomme.
— Eu vou me matar se vocês continuarem falando sobre o Etóiles — Pac rosnou, e Quackity começou a rir, embora estivesse com a boca cheia de comida para realmente emitir um som de risada.
— Ih, ele te deu um fora, moço? — Forever perguntou, e então mudou para o Inglês, para que Quackity pudesse entendê-lo. — Ah não, a gente é muito azarado mesmo! O Quackity gosta de um cara que ninguém nunca viu na vida, o Cellbit tomou um fora do Roier, o Felps e o Mike são encalhados, o Pac tomou um fora do francês. Porra, que azar.
— Qué dices?! Willbur is fucking real, pendejo — Quackity rebateu rapidamente, e todos na mesa riram.
(Que que você disse? O Willbur existe sim, caralho)
— O cara se apaixonou por um personagem de anime, por um daqueles NPCs que a gente vê em sonho, tá ligado? — Mike riu.
Quackity se apressou em dizer que Willbur existia, mas todos mudaram o foco e começaram a falar sobre aquele relacionamento fantasioso. Quando eles pareceram bastante entretidos, Cellbit afastou o seu prato e falou:
— A gente deveria convidar o Maximus, ele está mais perto de ser alguém da família do que o Willbur e Etóiles.
— Por que o mano do sexto sentido seria da família? — Mike perguntou confuso.¹
Cellbit ficou confuso com a confusão de Mike.
— O Quackity é da família — Forever respondeu rapidamente, com uma certeza que calou todas as dúvidas que os outros poderiam ter.
— Eu sou? — Quackity perguntou em português, de todos ali, ele era o que parecia mais chocado. Forever concordou, e então todos da mesa começaram a entrar em um consenso sobre coisas que Quackity havia feito que o tornava parte da família, como o 1% de paternidade, seus ensinamentos a Richarlyson, sua ajuda e companhia em algumas outras coisas.
Cellbit quis adicionar algumas outras coisas, mas deixou com que outros falassem por ele.
— Você é mais parte da família do que metade dos nossos namoradinhos, Quackity — Forever explicou, e Quackity apenas pediu licença e saiu da mesa sem dizer mais nada. — Ué mano, o que foi?
— Eu vou atrás dele, moços — Pac levantou da mesa e saiu também, e logo após Richarlyson. Cellbit tinha uma suposição sobre o que aquilo se tratava, mas preferiu manter seus pensamentos para si mesmo e também ir atrás de Quackity.
Ele encontrou os brasileiros fora da Vila do Chaves, tentando entender o motivo pelo qual alguém choraria por ser considerado parte de uma família. Cellbit, o tido como o mais inteligente dali, deixou com que descobrissem sozinhos o sentimento acolhedor que aquelas palavras poderiam causar em alguém que sempre estava perdendo tudo, pois suas explicações detalhadas não conseguiriam, de fato, definir aquela sensação. Forever, no meio de todo aquele chororô e palavrões em espanhol, puxou Cellbit para a outra ponta da Vila do Chaves.
— Você tá legal?
— Sim, por quê?
— Sobre o Roier. Você tá legal em ver ele daqui a pouco? São nove horas. Tu não tá se sentindo ansioso, não?
Cellbit deu um sorrisinho grato pela preocupação, mas sabia que aquela pergunta não era diretamente para ele.
— Quer ir pra Copacabana?
Forever deu um aceno, e juntos eles fugiram daquela bagunça e caminharam pelos becos escuros da Favela, correndo as escadas e deixando com que risadas baixas repletas de sentimentos escapassem de suas bocas, o ar quente da respiração deles subiam e se misturavam conforme eles corriam. Juntos, eles correram pela praia e sentaram na areia, olhado assim as ondas do mar que iam e viam preguiçosamente. A lua estava coberta pelas nuvens pesadas que se arrastavam como uma tinta avermelhada em uma pintura azul escuro.
Nenhum dos dois falou por longos minutos, apenas compassaram suas respirações e admiraram o mar escuro. Cellbit não gostava de oceanos, tinha uma certa fobia, mas conseguia tolerar sua ansiedade o arranhando lentamente apenas para fazer Forever se sentir confortável para contar o que estava em seu peito.
E demorou para que ele pudesse começar a contar o que o afligia. Forever não conseguia ser direto, então precisava contar coisas nada a ver com o tópico para, por fim, poder chegar no que queria tanto dizer. E naquela noite ele falou sobre Maxo, sobre como se sentia em relação a Bad e sobre como não sabia para onde ir, como se sentia perdido. E Cellbit o escutou da mesma forma como Forever o escutava.
Ele ouviu as angústias amorosas de alguém que costumava a amar e que agora sentia que não conseguia ser amado de volta. Ele apenas ficou ali, pois no fundo sentia que Forever não precisava de conselhos, mas sim de alguém para ouvi-lo. Quando suas incertezas parecem sumir, Cellbit perguntou:
— O que você pretende fazer em relação à isso tudo?
E Forever chorou.
Cellbit o abraçou de lado e deixou com que o loiro tomasse todo o resto de sua noite, deixou com que todos os sentimentos furiosos fossem jogados para fora, cuspidos no mar e levados pela correnteza. Ele observou a lua surgir em meio as nuvens e iluminá-los com sua luz fria. Era uma lua nova, tão fina que parecia desafiar sumir a qualquer momento. Após longos minutos, Forever se acalmou e foi para casa, e Cellbit foi se arrumar para o seu possível encontro com Roier.
Ele pensou no que usar naquele possível primeiro encontro, ele deveria ir muito arrumado? Mas e se Roier o rejeitasse? Mas e se ele o aceitasse? Havia uma forma dele usar uma roupa não muito feia para não parecer desleixado e nem muito arrumada para não parecer desesperado? Na cadeia ele aprendeu de tudo, menos a como combinar roupas que o dessem uma neutralidade. Diante daquilo ele vestiu um dos casacos de Forever, que tinha um bom gosto para roupas, e uma calça. Enquanto andava de um lado para o outro em seu quarto minúsculo ele avistou a carta que havia pegado no dia em que os códigos o atacaram. Desde aquele dia ele não tinha a lido, apenas adiado para depois conforme outras situações surgiam.
A sua mente parecia nunca ter descanso, tudo o distraía, tudo o puxava o foco, não era uma surpresa que ele tinha esquecido de ler aquela carta.
Com as mãos trêmulas ele abriu a carta e observou o padrão. Aquela carta não era do mesmo estilo que a de Bobby, sua cor era mais amarelada, sua bordas bem dobradas. E nessa em específico dizia:
"We are watching you."
Um arrepio subiu por sua espinha e ele sentiu-se observado, claustrofóbico. Como se alguém estivesse apertando o seu pescoço lentamente, numa tentativa de sufocá-lo.
"Nós estamos te observando", era essa a tradução da carta. Quem estava o observando? E por quê? Será que tudo aquilo era um joguinho de alguma pessoa da ilha? Uma brincadeira sem graça como as músicas de monstros e minas? Mas que tipo de pessoa faria aquilo? E com que motivo?
Ele não soube em quem pensar e no que pensar. É claro que ele não deveria se assustar com algo que poderia ser uma brincadeira, mas a probabilidade daquelas cartas não serem uma brincadeira era de 50%. Porra.
— Pai! — ele ouviu a voz de Richarlyson no andar de cima e teve um sobressalto. Suas mãos agiram rapidamente e enfiaram a carta no bolso do moletom. — Pai?
— Tô aqui, filho — Cellbit respirou com dificuldade e puxou a gola do casaco pro lado. Ele ouviu os passos pesados do menino se aproximarem em uma pressa considerável, e então o menino apareceu no quarto, com uma blusa nova. — Você trocou de roupa?
— O Pai Felps trouxe pra mim da viagem, ele disse que negociou com os comerciantes lá na vila — Richas explicou e mostrou sua nova roupa, era uma blusa branca com estrelas bordadas verde. O cabelo do menino estava repartido na nuca, a parte de cima estava amarrada em um coque enquanto a outra estava solta. Richarlyson havia puxado dois cachos para ficarem suspensos em cada lado de seu rosto. Aparentemente Felps havia conseguido dar um banho e arrumar o cabelo de Richarlyson. — Ô pai, me bota pra dormir, eu to com sono.
Cellbit deu um sorriso e pegou seu filho no braço, ele levou Richarlyson até seu quarto e fez o ritual que todos os pais faziam todas as noites. E como já esperado, ele inventou uma história sobre como seria seu encontro com Roier naquela noite.
Richarlyson ficou satisfeito ao ouvir aquela versão fantasiosa sobre o encontro e dormiu feliz.
O loiro saiu do quarto e olhou para o relógio, já estava perto da meia noite. Seus passos lentos e hesitantes o levaram até a porta da casa, onde ele viu uma Warp plate no lado de fora. Curioso e arisco, ele saiu da casa e pisou na Warp. Pequenas moléculas saíram do teletransporte e tamparam sua visão. Quando ele voltou a enxergar, notou estar em um tipo de estufa, ou melhor, gazebo.
Era uma estrutura de vidro enorme, e um gazebo de vidro estava localizada no meio dessa estrutura. Árvores com flores brancas estavam espalhadas por toda aquela área de vidro, e conforme a brisa noturna passava, as flores caíam e eram levadas pelo vento. Havia uma pequena mesa sofisticada de madeira bétula, um pano branco de seda a cobria e ali haviam duas garrafas de vinho, uma vela dentro de um copo e algumas flores. Cellbit olhou em volta, surpreso e sem ar.
Quem havia construído aquilo era o mesmo que o enviava cartas? Ele começou a olhar em volta, numa tentativa de achar algum vestígio sobre quem fizera aquilo.
— Cellbit? — ele ouviu a voz de Roier juntamente com o barulho de TP, seus olhos se encontraram com os do mexicano, que pareciam confusos com aquilo tudo. — Que haces aquí?
— Eu vim porque você me chamou — Cellbit franziu seu cenho com aquela pergunta.
— Eu vim porque você me chamou — Roier retrucou.
Eles se olharam por alguns segundos. Roier deu um passo na Warp plate mas não teleportou. Ele tentou novamente e nada aconteceu. Eles estavam presos.
Bobby havia os prendido ali?
— Cellbit, isso não tem graça. — O mexicano falou como se a ideia de quebrar a warp, construir um gazebo longe das casas e convidá-lo para ficar preso fosse do próprio Cellbit.
E aquilo foi o cúmulo, ele poderia aguentar as pessoas se afastando dele por conta de seu passado perturbador, mas não aguentaria ser taxado de mentiroso. Ele tentou explicar que não tinha nada a ver com a construção daquilo tudo e muito menos com o convite, que quem o havia entregue a carta fora Bobby, e Roier disse que Jaiden a entregou a dele. Então eles finalmente tinham alguém que estava por detrás daquilo tudo.
Era óbvio. Jaiden deveria saber sobre o relacionamento deles dois, Bobby deveria ter a dito, ou até mesmo Roier, como ele não tinha pensado nisso antes?
— Roier, você está com a sua carta? — ele perguntou. — A que supostamente foi entregue por mim à você?
O mexicano vasculhou seus bolsos e tirou um papel branco e amassado. Cellbit o pegou e foi até a vela que estava na mesa, assim observando os detalhes. Era da mesma folha da carta que ele havia recebido, a mesma letra, as mesma dobraduras. Era da mesma pessoa. Eram cartas escritas por Jaiden. Mas por que todas as outras cartas que ele havia recebido misteriosamente eram diferentes?
— Isso não faz sentido — ele deixou aquele sussurro escapar de seus lábios e se forçou a procurar alguma palavra escondida naquela carta. Ele a pôs contra a luz do fogo e analisou com calma, as mãos de Roier o auxiliaram segurando o seu cabelo que sempre caía em frente a vela e parecia estar fazendo um afronte as chamas. — Não tem nada aqui.
— Como assim? Do que você está falando?
Cellbit deixou a carta na mesa, puxou uma cadeira e sentou-se, furioso consigo mesmo por não estar conseguindo pensar direito sobre aquela maldita situação. Ele sentiu vontade de tomar café, mas haviam planejado um encontro para Cellbit e Roier, não uma noite casual de resolução de mistérios. Ele suspirou e decidiu tomar um gole de vinho.
— Sabe o nosso primeiro encontro que foi no castelo? Lembra que recebemos cartas achando que nós tínhamos enviado um pro outro?
Roier puxou uma cadeira e fez que sim com a cabeça. Cellbit tomou mais um gole de vinho e se inclinou para frente, assim baixando o tom de sua voz:
— Você recebeu alguma outra carta naquela noite?
Ele pensou um pouco antes de responder aquela pergunta, e Cell rogou para que a resposta fosse Sim. O que estavam fazendo com eles deveria ser uma piada de mau gosto.
— Não, não recebi.
Um outro suspiro saiu do nariz do loiro, que deixou a taça na mesa e tampou o rosto com suas duas mãos. O que aquilo queria dizer? O que estavam tentando lhe dizer? Quem era a pessoa por trás daquilo tudo? Jaiden também era a autora daquelas cartas?
— Cellbit, o que está acontecendo? — Roier perguntou em um tom macabro, Cellbit apenas tirou a carta de seu bolso e a entregou. — We are watching you, estamos observando você. O que é isso?
— No dia que eu voltei da sua casa eu encontrei essa carta. Eu não sei quem deixou ela, e eu pensei que era coisa sua, ou do Bobby ou da Jaiden, eles fizeram isso tudo pra gente se acertar, né?
Roier deu um aceno curto, novamente ele olhou pra carta e comparou com a outra.
— Quem você acha que está por trás disso?
— Eu não sei, eu não consigo pensar em nada, é como se o meu cérebro estivesse vazio.
— Você está com muita coisa na cabeça, cara. Precisa relaxar — Roier cruzou seus braços e pôs as cartas de volta na mesa. — Eu também estou com muita coisa na cabeça, mas vim aqui achando que poderíamos conversar melhor sobre ontem.
Cellbit retirou as mãos de seu rosto e sentiu um aperto em seu coração. Então realmente aquilo era um encontro com o intuito de fazê-los conversar sobre a mini briga e o tempo. E definitivamente ele achou que o "tempo" seria equivalente a dois dias, uma semana, e não vinte e quatro horas. Como que alguém conseguia pensar tão rápido assim sobre um assunto tão obscuro?
— Na primeira vez que eu te vi, você disse que mataria alguém nessa ilha — ele começou a falar. — Eu achei que era brincadeira, uma frase de efeito, mas você sempre esteve falando a verdade, né?
Antes que Cellbit pudesse dizer algo, ele continuou falando:
— Eu confio em você, Cellbit. Eu realmente confio, eu estou chocado sim sobre o seu passado, mas eu, como um profissional da saúde, não posso imaginar o que aconteceu com você para te levar a tirar vidas pessoas sem remorso algum. Eu perdoo fácil, e eu sei que você não vai voltar a fazer isso.
— Você me perdoa?
— Eu perdoo, mas não me faça ficar arrependido depois, Cellbit.
— Ah, Roier — Cellbit abriu um sorriso fraco e brincou com os seus dedos. — É difícil não te deixar arrependido quando eu faço tudo errado quando estou perto de você.
Aquilo arrancou uma risada de Roier, que se acomodou na cadeira e cruzou os braços. Eles ficaram em silêncio por um breve momento, ouvindo apenas o farfalhar dos ipês brancos e o crepitar das tochas e velas. Cellbit deveria estar feliz por ter sido perdoado tão rápido, mas isso não o trouxe um sentimento de felicidade, apenas de alívio.
— Eu posso te perguntar sobre o que aconteceu no seu passado? Você me contaria?
Ele deu um aceno positivo e então começou a contar sobre seu passado conturbado, sobre a negligência familiar, sobre ir parar na cadeia e ter que fazer coisas horríveis pra sobreviver, sobre conhecer Pactw e Mike e sobre como foi traído por eles. Ele contou coisas que julgava serem assustadoras para serem ditas, ele contou coisas que o corroíam por dentro. Ele contou sobre como sempre estava tentando amenizar os danos e prender os seus traumas para que eles não ficassem visíveis, e ele falou sobre como machucou Pac. Ele contou tudo o que Roier queria saber, sem esconder nenhum centímetro.
Naquele momento, ele sentiu-se nu, totalmente desprovido de roupas. Se abrir para alguém era vergonhoso, era bastante íntimo. Da última vez que ele contou sobre o seu passado, foi quando ele tinha transado pela primeira vez com Forever, e foi quando eles combinaram de nunca mais fazerem aquilo de novo. Ele não transaria com Roier, mas faria algo mais íntimo: contaria sobre o seu passado sempre que ele o perguntasse.
Quando a lua começou a se pôr, eles prometeram nunca mais tocar naquele assunto. A deixar o passado no passado, e Cellbit prometeu que nunca mais mataria ninguém sem remorso.
Mas Roier não sabia que durante o juramente ele havia cruzado os dedos.
— O Mike passou na minha casa mais cedo — Roier começou a contar. — Ele parou para falar comigo e me chamou de vagabundo safado.
Cellbit arqueou suas sobrancelhas e riu ao ouvir aquilo. Será que Mike sabia sobre a briga dos dois ou só havia dito aquilo casualmente? Como sempre fazia quando alguém o pegava em um momento ruim?
Eles conversaram sobre os moradores da ilha, sobre os relacionamentos e sobre qualquer futilidade que pudesse fazer o tempo passar rápido. E Cellbit, lá no fundo, queria que Roier apenas calasse a boca e o beijasse logo. Ele estava ansiando por um beijo há dias mas não conseguia verbalizar aquilo. Ele não tinha coragem de dizer em voz alta que estava sedento para ser beijado, para poder andar de mãos dadas ou fazer todas as coisas que Foolish e Vegetta faziam em público.
Cellbit estava sedento para ser assumido, mas estava com medo de estar indo muito rápido e acabar se iludindo com seus sentimentos intensos. Ele observou Roier levantar e ir até os vidros.
— Você quer sair daqui, gatinho?
Eles quebraram os vidros usando as cadeiras e pegaram tochas para caminharem em meio a escuridão. As árvores brancas balançavam acima deles e as corujas piavam, o vento uivava como um lobo em noite de lua cheia. Roier estendeu a mão para Cellbit, que a pegou e entrelaçou os dedos. Eles sorriram um para o outro e andaram em meio as árvores, desviando de qualquer ameaça, buscando uma forma de voltarem para casa ou de conseguirem fazer um pó de TP.
Mas eles não fizeram, não por falta de recursos, mas porque Roier falou que aquela noite seria uma das únicas em que eles poderiam ficar juntos sem estarem preocupados em alguém os encontrá-los e descobrirem sobre o relacionamento. Então precisavam aproveitar que tinham se perdido sem estarem realmente perdidos.
Eles continuaram caminhando e observando os enormes carvalhos, as folhas e as flores. E logo em seguida, eles subiram em uma montanha, sentando em seu pico e observando o mar de árvores brancas que se estendia mais abaixo deles, alguns pássaros começavam a piar e voar, fugindo da escuridão e claramente avisando a chegada do amanhecer.
O casal permaneceu em silêncio enquanto assistiam o amanhecer. As nuvens escuras que antes pareciam tenebrosas agora se arrastavam para longe e davam espaço para que cores mais claras ocupassem o céu. Cellbit sentiu sua mão ser apertada e abriu um sorrisinho envergonhado. A sensação de ver o sol nascer em meio as árvores e lentamente banhar a natureza com uma cor dourada era de tirar o fôlego.
— Roier, eu gosto de você — o loiro disse casualmente, seus olhos ainda estavam fixos no amanhecer, em como os pássaros voavam em bandos e em como tudo o que antes parecia sombrio agora estava claro. — Eu gosto de você e eu não posso ignorar mais isso, não posso fingir que não temos nada. Você gosta de mim? Você quer ficar comigo mesmo depois de tudo o que eu te falei?
Roier o olhou enquanto tombava sua cabeça de lado lentamente, igual os cachorros faziam quando tinham dúvidas ou queriam ouvir melhor. A luz dourada do sol acertou o rosto do homem e banhou metade do seu rosto, clareando os cílios e os olhos. Seus lábios rosados entreabertos se moveram para mostrar um sorriso fácil, aliviado. Cellbit o admirou em segredo.
— Eu também gosto de você, Cellbit — ele levantou as mãos que estavam dadas e beijou o nó dos dedos entrelaçados. — Eu gosto de você mesmo depois de tudo o que você me falou. E eu adoraria ficar com você.
— Então... estamos juntos? — sua pergunta saiu bastante baixa e insegura. Roier apenas deu um sorrisinho, se aproximou e depositou um selinho em seus lábios, e então respondeu no mesmo tom:
— Estamos.
Cellbit abriu um sorriso tão brilhoso quanto os raios do sol. Ele sentiu todo o seu interior se iluminar e todo o seu corpo vibrar. Roier se aproximou e eles se beijaram. Se beijaram até perderem o ar, se beijaram até ficarem cansados e começarem a rir. Se beijaram até esquecer das cartas secretas e dos problemas que sempre os rodeavam. Cellbit beijou Roier, puxando seu rosto para perto com as duas mãos, como costumava a fazer quando estava insatisfeito com um beijo curto. Ele o beijou até provar para si mesmo que aquilo não era um sonho.
Ele mal podia esperar para voltar para casa e beijar seu namorado na frente de todos da Ilha.
Notes:
[1] Ele se refere ao Willbur como sexto sentido por conta do filme "Sexto sentido", onde vêem espíritos, mas também como uma forma de dizer "aquele que não existe" "que só um vê".
Chapter Text
Cellbit acordou com dois braços o enlaçando e uma dor de cabeça terrível. Seus olhos estavam fixos em uma parede cinza e o calor parecia surreal. Roier dormia atrás dele, com o rosto enfiado em seu pescoço e respirando pesado em sua nuca. O ar quente fez com que o loiro sentisse cócegas.
De alguma forma eles haviam encontrado a base guapita em meio a todas aquelas trilhas estranhas e dormido juntos. Cellbit realmente não lembrava como chegou ali, mas naquele momento não importava lembrar. Ele se desprendeu de Roier e levantou, sua barriga roncava e todo o seu corpo doía, talvez esse fosse o preço a se pagar por ter ficado a noite inteira caminhando, pulando pedras, subindo montanhas...
Ele procurou por algo para comer nos baús e não achou nada, nem mesmo grãos de café.
— Cellbit? — a voz sonolenta de Roier cortou o silêncio, e Cellbit o olhou e abriu um sorriso.
Ele estava sem a sua bandana, havia tirado antes de encontrarem a base, e seus cabelos estavam bagunçados. Aquela visão tão íntima e desconcertada de Roier deixou Cellbit bastante satisfeito e um pouco preocupado com sua própria aparência, então ele teve que, sutilmente, passar a mão em seu cabelo para tentá-lo arrumar.
— Por que tá tão quente aqui? — Roier murmurou derrotado e levantou-se da cama, ele retirou seu moletom e ficou apenas com uma regata branca. — Esses últimos dias foram frios e esse está quente, what the fuck.
— Talvez chova mais tarde, quando fica muito quente é um sinal claro de que vai chover — Cellbit explicou e observou Roier se aproximar e o abraçar por trás, dando um leve beijinho no canto do seu pescoço. E aquele ato deixou o loiro sem fôlego e com as pernas bambas, mesmo estando apoiado em um balcão ele sentiu como se fosse cair. — Estou com calor.
— Tire o seu moletom, gatinho.
Cellbit não respondeu, e a falta de uma resposta serviu como uma resposta clara para Roier, que riu soprado e o abraçou com mais força.
— Your scars are pretty. I think it's very sexy.
(Suas cicatrizes são bonitas. Eu acho que elas são bem sexy.)
— Vamos descer pra vila? Não tem nada para comermos aqui e eu estou com fome — Ele trocou de assunto e ganhou um beijo no canto da boca. Roier o pegou pela mão e mostrou um sorrisinho.
Eles saíram da base e desceram pela trilha da floresta, colhendo pequenas frutas para comerem depois. Roier perguntou como Cellbit sabia quais frutas eram comestíveis ou não, e Cellbit apenas deu um sorriso, deixando a resposta no ar.
Aquela resposta não tinha nada relacionado com prisão ou a fuga, mas ele sabia quais frutas eram comestíveis porque havia ido em uma trilha com Forever e passado quase duas horas vendo uma palestra sobre como sobreviver na floresta, pois temia se perder e nunca mais achar o caminho de volta. Mas é claro que ele não contaria sobre aquilo para Roier, ninguém falava do ex para o atual.
A vila pareceu um pouco deserta pela manhã, mas eles foram bem recepcionados e pegaram alguns mantimentos enquanto prometiam voltar depois para consertarem algumas construções e máquina. De alguma forma, Roier conseguiu achar uma regata verde escura e a entregou para Cellbit. Eles saíram da vila com diversos pães, trigos, leite e entre outras coisas, mas não foram diretamente para a base, naquela manhã eles decidiram acampar em frente a um córrego e comerem. Eles conversaram sobre o tempo e sobre a noite passada. Cellbit queria retomar ao assunto de mais cedo, ele queria saber se a conversa que eles tiveram durante o amanhecer fora algo real ou apenas influenciado pelo momento.
Ele queria saber se aqueles sentimentos ainda existiriam amanhã ou eram apenas momentâneos.
Ele queria saber, mas não perguntou. Haviam muitas coisas que Cellbit queria fazer com Roier, mas sua vergonha o impedia, sua insegurança e sensação de estar o obrigando a retribuir sentimentos sempre o impediam.
Quando eles terminaram de comer e de conversar, Roier levantou, tirou a camisa, sapatos, calça e pulou na água. Cellbit ficou estático, envergonhado. Ele viu Roier nadar e logo após ser acertado por uma rajada de vento quente, que balançou as árvores amarelas e derrubou várias flores da mesma cor. Foi uma cena linda: Roier com metade do seu peito pra baixo submerso, seu cabelo castanho molhado estava bagunçado, um sorriso fácil escapava de seus lábios enquanto flores amareladas caíam ao seu redor.
Ah, Cellbit realmente estava apaixonado.
— Eu me sinto bem melhor agora — ele nadou até o loiro e apoiou seus braços na grama. — Você deveria entrar, gatinho. A água está boa.
Ele pensou um pouco antes de responder. Em algum momento ele teria que confiar em Roier. Em algum momento ele teria que deixar Roier vê-lo de verdade. Com um suspiro pesado ele levantou e puxou um pouco da borda do moletom para cima, seus olhos se encontraram com os de Roier, que estavam vidrados como no dia em que eles brigaram. Cellbit limpou sua garganta e Roier fez um estalo com língua enquanto se virava.
Cellbit se despiu e entrou na água, finalmente Roier o olhou e abriu um sorriso. Por algum motivo, ambos começaram a travar uma guerra de água, e então Cellbit foi pego desprevenido quando Roier o pegou pela cintura, o levantou e o jogou na água. Aquela rivalidade durou por minutos, mas acabou em selinhos amorosos e carinhosos, em carinhos na cintura, em beijos no pescoço e risadas tímidas.
Aquelas bobagens só reforçavam a ideia de que Cell estava vivendo um amor adolescente tardío. Ele estava descobrindo como era amar alguém de novo e passando pelo processo de confiança. O que em partes era bom. Ele queria que aquilo desse certo, tinha que dar certo.
Quando o frio da água ficou insuportável, eles subiram pra grama e ficaram deitados, olhando o céu enquanto esperavam magicamente ficarem secos. Daquela vez, Roier falou sobre sua infância, visto que na noite anterior Cellbit havia contado sobre a sua também. Ele contou sobre os seus pais, amigos, escola, todas as coisas que parecessem interessantes. E Cellbit se interessou.
Roier contou sobre a sua descoberta sexual, que ele sempre havia se forçado a pensar em garotas e que pensava que todos os homens faziam aquilo, que era comum eles se forçarem a acharem mulheres atraentes porque são mulheres. Mas que no ensino médio descobriu não gostar, e aquela descoberta causou um caos em sua cabeça e em sua vida. Com aquela conversa, Cellbit pensou sobre a prisão e os anos borrados que vieram antes dela. Ele não lembra de pensar em outra coisa a não ser sobreviver, sua visão sobre pessoas era bastante limitada, bastante pragmática. Ele as rotulava como "útil" e "inútil", não como "atraente" ou "não atraente".
Útil e inútil porquê elas poderiam ter algo que Cell queria, informações. E informações eram absurdamente úteis quando você vivia fugindo. Na verdade, as pessoas eram irrelevantes quando você estava lutando contra o mundo. Na prisão, ele não pensou em nada além de sobreviver e fugir, após a traição de Mike Pac ele pensou em vingança, mas mais pra frente ele pensou em como estava quebrado e precisava de ajuda.
Em nenhum momento a ideia de gostar de mulheres ou de homens cruzou a sua mente, e aquela troca de experiência foi tão estranha. De um lado havia alguém privilegiado, que foi pra faculdade, tinha um bom emprego e uma casa, e do outro uma pessoa que sempre teve e sempre teria um alvo nas costas, não importasse onde estivesse. Aquele choque de realidade foi doloroso.
Cellbit contou a ele sobre a sua experiência em se apaixonar. Ele contou que conheceu seu primeiro namorado em uma pista de patinação de gelo, que ambos se esbarraram e caíram, e não conseguiram levantar por conta própria. E que aquilo aconteceu na semana seguinte, e na seguinte, e na seguinte. Até que eles começaram a sair. E ele não contou que seu primeiro namorado era Forever. Roier também contou sobre o seu primeiro namorado e sobre como foi difícil se assumir.
Quando a conversa pareceu declinar para o depressivo, e então eles se beijaram carinhosamente. Antes de voltarem para a base eles deram mais um mergulho e mais alguns beijinhos, e Roier o fez prometer que eles voltariam ali mais uma vez.
— Vamos voltar pra casa? Devem estar preocupados com a gente — Roier falou enquanto andava de um lado para o outro, mexendo no baú e guardando as comidas. Cellbit se encostou no balcão e tombou sua cabeça para trás.
— Se estivessem, teriam enviado mensagem, não? Eles sabem que estamos juntos, guapito.
— Eu sei que você me quer só pra você, gatinho — Roier riu. — Mas eu sinto falta do Bobby.
Cellbit o olhou de soslaio e sorriu. Roier caminhou até ele e o beijou enquanto o prendia contra o balcão, e Cellbit lembrou-se do primeiro encontro deles no castelo, onde tinha feito a mesma coisa.
Roier o pegou pela cintura e o puxou para mais perto, ele aprofundou o beijo e o loiro se deixou levar por todas aquelas carícias. Timidamente ele usou sua mão livre para segurar o pescoço do moreno, e então apertou lentamente. Roier se afastou ao sentir aquilo e deu um sorriso, ele se inclinou para fazer uma sequência de beijos no pescoço de Cellbit, que naquele ponto sentia-se queimando em chamas e vergonha. Roier o puxou para mais perto de si, colando ambos os corpos. Cellbit arfou, e então se afastou.
— Guapito, guapito — ele chamou baixinho. — Não vamos ir tão longe.
Roier o beijou no canto da boca e o soltou.
— E-eu não gosto de sexo — Cellbit anunciou rapidamente. — Isso é um problema pra você?
O outro franziu o cenho, um sorriso confuso invadiu seu rosto e ele riu. Isso era um bom sinal ou um péssimo sinal?
— Por que seria um problema? Se você não gosta, ok! Eu não vou te forçar e nem nada, cara. But, can we still, you know, kissing?
(Mas ainda podemos continuar, você sabe, nos beijando?)
— Por favor — ele suplicou.
Roier não veio o beijar, o que foi uma total quebra de expectativa. Ele continuou arrumando a base guapita enquanto Cellbit ficou na varanda, tomando sol e esperando o seu cabelo secar. Era engraçado como aquele dia estava sendo o mais diferente que ele já pôde presenciar em toda sua vida.
Ele quis que Richarlyson estivesse ali, mas achava que seu filho estaria mais feliz fazendo construções do que presenciando o seu pai ser um gay vulnerável sedento por beijos.
— Vamos voltar? — Roier apareceu na porta da varanda, ele se encostou no batente e cruzou seus braços. — Tu eres hermoso. Bonito.
— Você também.
Cellbit foi até ele e o beijou.
— Gatinho manhossinho.
A contragosto eles retornaram pra Favela, mas isso aconteceu depois de uma quinta, talvez décima rodada de beijos carinhosos e carinhos tímidos.
Por algum motivo, a Favela estava lotada e eles receberam olhares curiosos ao aparecerem no spawn.
— Pa! — Bobby chamou e Roier foi de encontro ao seu filho.
Todos os outros voltaram a conversar em suas respectivas línguas e debater sobre algo que Cellbit não queria saber, pelo menos não por agora. Ele desceu às escadas e entrou em sua casa, onde esbarrou em Quackity que saía com seus pulsos presos por Chayanne e Tallulah, eles pareciam estarem brincando. Em sua sala de espera, ele encontrou Pac, Mike e Forever.
— Olha só quem apareceu — Mike falou. — Como foi a noite, boi?
— Eu falo com vocês daqui a pouco, minha cueca está molhada — Cellbit resmungou e Pac gritou horrorizado com aquilo.
Como sua casa estava cheia, o que era típico de uma família latina, ele encontrou Felps arrumando o cabelo de Richarlyson enquanto ambos reproduziam sons estranhos com a boca. Cellbit passou por eles, entrou em seu próprio quarto e finalmente vestiu roupas limpas e secas. Sem pressa alguma ele retornou ao seu escritório e encarou os três homens.
— O que tá acontecendo e por que tem tanta gente aqui?
— Enquanto o Sr. Namorado do Roier estava fora, nós fomos debater sobre o ataque do código e o que podemos fazer para assustar eles — Forever explicou. — Ninguém tem ideia do que fazer, a gente só decidiu ficar mais cauteloso.
Cellbit massageou sua têmpora e tentou pensar em algo que não fosse Roier, ou os beijos de Roier ou a falta que ele estava de Roier.
— Tio Cellbit? — ele ouviu a voz de Bobby, e então o barulho do elevador.
O menino apareceu no escritório e o entregou quatro balinhas de café.
— Bobby, eu posso falar um minutinho com você? — Cellbit perguntou e o menino fez que sim. Eles saíram do escritório e foram para o campinho de futebol. — Bobby, a carta que você me entregou ontem, foi a sua mamãe que fez?
Ele fez que não.
— Quem fez a carta?
— O Tio Bad.
Cellbit sentiu um choque passar por seu corpo e uma chave girar em seu cérebro. Bad construiria um gazebo e faria aquilo tudo, é a cara dele. Mas como ele soube que Roier e Cellbit estavam brigados?
— Você sabe se o Bad fez outras cartas?
Bobby pensou um pouco antes de responder aquela pergunta, e Cellbit teve certeza de que havia descoberto de quem eram aquelas cartas intimidadoras. E fazia sentido. Simplesmente fazia sentido. Quando Bobby foi responder, Roier apareceu em meio as canas.
— Bobby! Bobby, pendejo. Que haces con Cellbo?
— Nós estávamos só... Conversando — Cellbit rapidamente falou. — Sobre as cartas.
— Eh?
— Bad mandou as cartas, aparentemente. Era ele. O tempo todo.
Roier o observou com cuidado, ele cruzou seus braços e então pôs sua mente a trabalhar.
— Você vai falar com ele?
Cellbit deu um aceno, e então lembrou que as cartas foram deixadas no gazebo. Que idiota.
— Porra, eu esqueci de pegar as cartas lá no gazebo. Roier, você pegou? — Roier negou lentamente. — Eu preciso ir lá buscar. Vocês podem dizer ao Bad que quero conversar com ele depois? Estou indo agora buscar as cartas.
Cellbit se apressou em passar por Roier, ele subiu as escadas e foi seguido pelos dois outros homens. Se Bobby estivesse certo, eles já tinham um suspeito e um possível autor das cartas. Ele definitivamente não podia deixar essa pista passar batido. Roier o seguiu com pressa, chamando o seu nome e tentando entender o que estava acontecendo ali. Cellbit tentou dar uma explicação rápida sobre o que se passava por sua mente, mas não conseguia verbalizar exatamente onde estava querendo chegar com aquela correria.
Ele entrou em seu escritório, pegou suas coisas e novamente saiu. Roier estava lá fora, de braços cruzados e uma cara de tacho.
— Ô pai, pra onde tu tá indo agora? — Richarlyson o perguntou assim que ele alcançou a porta de saída.
— Eu tô... Filho, quer ir em uma aventura com o pai? — Cellbit perguntou rapidamente e Richarlyson deu um aceno com sua cabeça, embora não fizesse ideia de pra onde estivesse indo. — Vai arrumar suas coisas pra ir com o pai.
O menino voltou para dentro de casa e Cellbit voltou a ficar a sós com Bobby e Roier. Os dois conversavam em espanhol e pareciam terem entrado em um tópico relativamente sério, levando em consideração o tom de voz que eles estavam usando. Quando os dois notaram o olhar confuso de Cellbit, mudaram para o inglês.
— Bobby disse que o Bad entregou a carta e pediu segredo, mas você tem certeza de que quer ir falar com ele, gatinho? Eu acho que isso não passou de uma brincadeira boba — Roier resumiu aquela conversa. — You know, it's just Bad being a silly guy again.
(Você sabe, é apenas o Bad sendo um bobo de novo).
— Eu só quero ter certeza, Guapito. Você confia em mim, não é?
— Com todo o meu coração.
Cellbit exibiu um sorrisinho pequeno e bastante acanhado, Bobby olhou para os dois e revirou seus olhos, como se estivesse vendo a coisa mais entediante que já pôde presenciar em toda a sua vida infantil. E Cellbit não o julgava, pois na idade dele, também reagiria daquele mesmo jeito.
— Eu só vou confirmar uma coisa, ok? Eu prometo que não é nada demais.
— Bora, pai! — Richarlyson chamou.
— Vamos. Tchau, Bobby! Tchau, Roier! — o loiro rapidamente falou e às costas.
— Suerte, gatinho!
— Ah! Eu quase esqueço. — Antes de ir embora, Cellbit caminhou até Roier e rapidamente depositou um selinho em seus lábios. — Vejo você depois, guapito.
Roier sorriu envergonhado e apenas assentiu.
— See ya later, pendejo.
Às pressas, ele começou a caminhar junto a Richarlyson em direção à base guapita, pois tinha certeza de que o lugar que Bad havia escolhido ficava relativamente perto da base, levando em consideração que eles conseguiram encontrar a base logo após andarem pra caralho. Não seria difícil encontrar uma imensa estufa no meio da floresta, e ficaria mais fácil se eles achassem as árvores brancas.
Richarlyson ficou perguntando sobre o que tinha acontecido na noite passada e sobre o sumiço durante a manhã e a tarde, e Cellbit se viu obrigado a contar sobre sua vida amorosa para o seu filho, que não sabia se ficava feliz ou tímido com todas aquelas informações. É claro que grande parte daquele relacionamento só foi pra frente por conta de Richarlyson, que mais parecia estar procurando namorado pro seus pais.
Mas ele deixou de fora todas as partes onde eles se beijavam loucamente e quase ultrapassavam o limite permitido. E as partes onde Cellbit confessava matar pessoas. Mas de resto, ele contou.
E metade da aventura se resumiu em fofocas entre pai e filho. Em Richarlyson contando sobre como havia seguido Forever para ver no que se desenrolaria o encontro dele com Maxo, mas se arrependeu pois os dois apenas falaram sobre suas teorias a respeito dos códigos e dos eventos presenciados nos últimos dias. Aparentemente, conseguir fazer alguém beijar Forever estava sendo mais difícil do que fazer Cellbit não sentir vontade de beijar Roier.
E era engraçado como os brasileiros, embora não procurassem exclusivamente por namorados, sempre acabavam sendo puxados para um drama envolvendo relacionamentos amorosos. Talvez fosse da natureza latina acabar se envolvendo em dramas apenas para movimentar a vida monótona.
Ele riu daquele seu pensamento e continuou procurando o caminho em meio as árvores que o levariam de volta para a estufa. Richarlyson contou também sobre os seus desenhos, e aquele tópico foi bastante interessante, pois o menino quase nunca contava o que pensava sobre sua própria arte, era sempre o que os outros achavam, mas nunca o que ele achava. De longe, Richarlyson foi o filho mais talentoso que Cellbit já viu alguém ter. Ele conseguia fazer tudo, o que era surpreendente vindo de uma criança.
Cellbit, pela primeira vez, contou sobre a sua infância para o seu filho. Sobre os poucos bons momentos que ele teve e sobre como era a vida há anos atrás. Richarlyson pareceu interessado em toda aquela conversa. Cellbit já havia esgotado sua cota de histórias, ele nunca mais falaria sobre o que aconteceu em seu passado para mais ninguém.
Richas fez perguntas do tipo "isso existia no seu tempo?", e Cellbit disse que sim, embora não soubesse se realmente existia pois havia passado metade da sua adolescência na cadeia, então seu conhecimento sobre o mundo exterior se perdeu. Aquela conversa continuou até que eles finalmente encontraram um lugar que Cellbit lembrava ter passado ontem de madrugada. Aquela faísca de esperança o motivou a continuar andando, mesmo que a noite já começassem a aparecer e trazer diversos monstros.
Nenhum dos dois sentiu medo, eles permaneceram ali, cortando arbustos e pulando grossas raízes de árvores. Cellbit não havia notado como naquele lugar haviam muitos vagalumes. E fazia tempo que ele não os via. Richarlyson ficou maravilhado com aquela cena e correu atrás de alguns vagalumes, tentando prendê-los com uma garrafa de poção vazia e falhando.
— Ô pai! — o menino chamou de algum lugar das árvores e Cellbit o procurou com o olhar. — Pai?
— Filho, onde cê tá?
— Eu achei, pai. Eu achei o negócio.
Cellbit suspirou aliviado e procurou por seu filho, que estava mais pra direita, parado, completamente inerte e maravilhado pela construção de vidro que se estendia entre às árvores. Era engraçado como aquela construção parecia tão natural levando em consideração o lugar onde ela fora feita. Parecia que ela havia sido feita pelas mãos da mãe natureza, e não pelas mãos de um espectro. Eles procuraram pela parte quebrada e então finalmente entraram na estufa. A vela havia se apagado e as cartas estavam no chão. Richarlyson as pegou e colocou na mochila.
— Ô pai, bora levar um presente pro Tio Roier?
— Vamos, o que você quer levar?
— Tem uma flor azul que brilha no escuro, mas ela só desabrocha à noite. Eu vi no mapa que é um pouquinho longe daqui, mas se o senhor quiser a gente pode ir.
— Vamos, filho.
E aquela aventura fez com que os dois se arrependessem amargamente de terem concordado em ir atrás da bendita flor. Cellbit não havia dormido na madrugada passada, e agora estava tendo que passar toda a sua noite caminhando em direção a um lugar que nem ele mesmo sabia existir. Ou melhor, que ele duvidava existir. Durante a madrugada eles pararam em uma vila para comerem e descansarem, e algumas horas depois retornaram a busca da tal flor azul. Eles dirigiram o barco por longas horas, andaram por longas horas, até que finalmente encontraram.
Eles finalmente encontraram uma floresta de árvores azuis, que brilhavam em um tom gélido, e de certa forma, triste. As folhas balançavam de um modo tão... Taciturno. O azul sempre teve uma relação com o frio, com a tristeza, e era isso que Cellbit sentia naquela floresta, uma exposição de suas dores. Eles andaram por mais alguns metros e encontraram plantações de uvas azuis.
— Filho, você sabia que as uvas tem muitas cores? Desde branco, dourado, verde, roxo e até mesmo preto? — Cellbit comentou.
— As uvas são gay igual você, pai.
Aquilo o arrancou uma risada genuína.
Eles continuaram andando. Tudo ali tinha um ar místico, era como se a qualquer momento eles pudessem encontrar fadas ou seres fantasiosos caminhando por aí, e isso seria bastante interessante. Mais a frente, eles se depararam com uma colina de flores azuis, que pareciam retribuir a luz do luar e transformar o monte em uma réplica de mar, que parecia ter vida própria. Cellbit ficou sem ar, e desejou que Roier e Bobby estivessem ali para ver aquela cena também.
Ele pediu para que Richarlyson se aproximasse das flores, e então bateu uma sequência de fotos. Eles pegaram uma flor, guardaram em uma garrafa de vidro e deixaram um waypoint ali com o nome "flor do pa Roier."
Os dois voltaram no amanhecer para a Favela, e por pura sorte encontraram todos os outros pais dormindo. Cellbit pôs Richarlyson para dormir, e então se moveu até a sala de reuniões da Ordo, onde finalmente pôde investigar melhor as cartas que recebera de Bad. Ele usou todos os meios de criptografia que conhecia, mas não tinha nada nelas além de ameaças passivas-agressivas.
Quando ele pareceu estar em um beco sem saída, ele deixou aquele assunto de lado e pegou todos os outros papéis que tinha para ler, livros com informações que Forever e os outros haviam escrito durante sua ausência. Ele leu todas aquelas páginas e teorias enquanto perdia a noção do tempo. Pois sempre era assim, o seu cérebro focava tanto em algo que sempre ignorava o que estava ao seu redor ou até mesmo as suas necessidades fisiológicas. E não era a toa que todos os outros pais precisavam vir checá-lo e relembrá-lo de fazer coisas básicas.
— Cellbit, você vai vir tomar café da manhã com a gente? — a voz de Mike ecoou dentro da sala, detrás da porta, e o loiro tomou um susto pois não tinha reparado que alguém tinha se aproximado. — Cellbit?
— Oi? Eu só vou terminar umas coisas e já já subo. Que horas são?
— Quase dez horas, moço. Cê tá bem?
— Tô sim. Eu subo já já.
Mike murmurou um "ok" desconfiado e subiu pro escritório. Cellbit guardou suas coisas e minutos após também subiu pra o escritório, e então para a laje de sua casa, onde todos comiam e riam. O loiro se juntou lentamente à mesa na esperança de que não fosse questionado sobre os eventos do dia passado, mas ele vivia em uma família fofoqueira, é claro que todos ali o fizeram perguntas sobre o seu relacionamento com Roier e sobre o que eles eram agora.
E Cellbit os contou. Contou sobre eles estarem namorando e terem finalmente expostos os seus sentimentos, e ele contou que não precisavam explodir a casa de Roier ou o xingarem, pois tudo já estava resolvido.
E os outros pais pareceram satisfeitos com o reatar do relacionamento, não com a parte de não precisarem mais explodir ou xingar alguém. Após aquele café da manhã caótico, Cellbit informou que sairia e visitaria Bad, mas Quackity quis ir junto pois fazia tempo que não saía para visitar os outros moradores da ilha. E os dois foram juntos até à casa de Bad, jogando piadas, destruindo coisas e rindo descontroladamente. Quackity estava de bom humor, um bom humor verdadeiro, e não fingido. Cellbit se perguntou se aquilo era fruto das últimas interações com os brasileiros ou se ele estava superando o seu luto em relação à Tílin e ao tal Willbur (o namorado imaginário).
Ele não queria soar grosseiro e muito menos cético, mas tinha uma teoria de que Willbur não passava de uma criação de Quackity. Uma forma dele lidar com seu luto e a solidão. A mente tende a criar memórias falsas e esconder situações como uma forma de se auto proteger de gatilhos, e aquela poderia ser a situação de Quackity no momento. Ele poderia ter um transtorno que se agravou com o luto e com a reclusão, por isso que o tópico de família o deixou triste. E talvez isso fosse a resposta para a sua ausência na vida de Richarlyson. Ele era ausente pois não sabia como lidar com uma família, com um novo filho. Talvez ainda levasse um tempo para que ele pudesse se acostumar com tudo aquilo, como estava acontecendo com Cellbit.
E era triste pensar que embora tivessem passados diferentes, ambos compartilhavam dos mesmos gatilhos, dos mesmos sentimentos. Antes de irem parar na ilha, a avó de Forever, antes de pedir para morrer, havia dito que as pessoas tinham raízes diferentes, criações diferentes e até mesmo podiam morar em lugares diferentes, mas que elas sempre possuíam um vínculo de ligação através de seus sentimentos e experiências. Embora não se conhecessem, compartilhavam muito em comum por conta desses dois fatores, e era aí que Cellbit que Quackity se encontravam. Embora falassem línguas diferentes e viessem de contextos diferentes, eles se encontravam no sentimento de tristeza, de solidão. Se encontravam na tentativa falha de tentarem fazer com que as coisas dessem certo para eles.
Bad não estava em casa, ele quase nunca parecia estar em casa, levando em consideração que ele passava mais tempo na casa alheia do que em sua própria residência. Os dois tiveram que voltar pra muralha, onde foram de casa em casa em busca de Bad, mas continuaram não o achando. Quackity falou que ficaria em Philza para brincar com as crianças, e Cellbit se viu sozinho, enviando mensagem para Bad e o pedindo para encontrar.
E como uma piada sem graça, Bad respondeu "eu estou em casa, pode vir aqui."
Cellbit teve que ir a pé pra casa de BadBoyHalo de novo, não por que ele gostava de andar a pé, mas porque ele tinha esquecido de pegar o waypoint de novo. Tudo o que ele não andou antes de ir parar na ilha estava sendo obrigado a andar agora.
— H-yellow!¹ — ele ouviu a voz de Bad atrás dele, e então se virou para ver o homem, que diminuiu o seu tamanho para não parecer tão intimidador.
— Oi, Bad. A gente pode conversar? — Cellbit foi direto. Ele olhou para Dapper, que ajeitou o seu chapéu e sorriu. — Oi Dapper.
— Oi, tio Cellbit!
— Claro, me siga.
Dapper correu e Bad o guiou em meio as plantações, desativando todas as flechas e outras armadilhas ali. Nenhum dos dois comentou sobre o que era aquela conversa, e o loiro sentiu como se o outro já soubesse exatamente o tópico que seria abordado ali, o que reforçou a sua teoria de que ele realmente havia enviado as cartas.
Cellbit foi levado até uma sala decorada com diversas plantinhas e janelas de vidro, que realmente passava uma sensação de estarem em uma estufa. Eles sentaram, cada um em cadeira de madeira escura e se olharam. Dapper também colocou uma cadeira perto da mesa e sentou-se. Cellbit olhou para aquele menino e pensou em como ele era igual a um personagem de Sam and Cat².
— Então...
— Bad, eu quero que você seja honesto comigo — o loiro falou lentamente, para que todas as palavras soassem perfeitas. — Você tem me enviado cartinhas?
Dapper, que até então estava ignorando toda aquela conversa, passou a prestar mais atenção enquanto franzia o cenho. Bad deu uma risada sem graça e o seu corpo diminuiu de tamanho, como se ele realmente estivesse acanhado demais para conseguir manter sua forma grande.
— Ah, isso... Olha, Cellbit...
— Foi você?
— Era pra ser tudo uma brincadeira, você sabe? Eu não sabia que vocês tinham algo. Realmente tinham algo. Eu só fiz aquilo tudo pra incentivar vocês a ficarem juntos.
— Então você enviou mais de uma carta?
Aquela pergunta causou uma confusão em Bad, que "franziu" o seu cenho. Obviamente não foi possível identificar se ele realmente tinha ficado confuso, mas pelo jeito que seus olhos diminuíram foi uma pista bastante clara.
— Eu enviei as cartas para você e o Roier falando pra se encontrarem, não enviei nada além disso — ele respondeu confuso.
Cellbit não acreditou totalmente naquela resposta. Bad e Foolish eram sempre os mais bobos da ilha, os mais inocentes. E se havia uma coisa que Cell tinha aprendido em sua estadia na prisão era em não confiar em pessoas ingênuas, pois elas eram as piores e as mais traiçoeiras.
Se Bad não havia enviado as outras cartas, quem foi, então?
— Tá tudo bem, Cellbit?
— Sim, sim. Eu só quis saber quem era a pessoa por trás da carta e daquela estufa — blefou. — Mas como você sabia que eu e o Roier tínhamos algo?
— Oh. Eu pensei que vocês formavam um casal fofo, mas percebi que você estava triste, então achei que talvez houvesse acontecido algo entre vocês dois — ele respondeu lentamente. — Achei que aquilo ajudaria vocês dois a ficarem juntos de novo.
Cellbit arqueou sua sobrancelha e deu um sorrisinho falso, mas que ressoaria como verdadeiro e agradecido. Ele não queria deixar explícito que estava achando aquela história mal contada, mas também não queria criar uma inimizade. Talvez uma outra hora ele pudesse pôr BadBoyHalo contra a parede e questioná-lo sem hesitação.
— Sim, nós nos resolvemos. Obrigado por explicar sobre a carta e a estufa.
— Você não precisa agradecer. Eu fico feliz em ter ver feliz, Cellbit — Bad se inclinou para frente. — E como está a investigação? Você achou algo novo?
Cellbit deu um breve aceno com a cabeça e se dispôs a contar sobre as últimas teorias que havia pensado enquanto lia os relatórios. Uma parte dele suplicava para que ele fosse embora, enquanto a outra estava sendo bem clara e o pedindo para ficar, pois não podia levantar suspeitas em relação ao último tópico conversado.
Bad também contou sobre as suas teorias em relação aos códigos e outras pistas que havia achado na ilha. Cellbit o escutou com toda atenção e mal notou o tempo passar, sua percepção do tempo só voltou quando Dapper levantou para abrir a porta e revelar a figura de Richarlyson, que estava completamente molhado.
Um trovão ressoou a distância e as crianças se encolheram, cada um procurou o seu respectivo cuidador e ficou escondido. Estava chovendo de novo.
— Que estranho, esses últimos dias tem chovido bastante — Bad levantou-se para observar a janela. Os pingos grossos de chuva soavam tão intimidadores que mais pareciam uma ameaça do que uma manifestação comum da natureza. — Isso pode está ligado aos códigos ou ao Cucurucho?
— Eu acho que é só uma tempestade, Pai. Estamos numa ilha, então faz sentido chover bastante — Dapper respondeu, mas aquela resposta não convenceu a BadBoyHalo.
Cellbit tinha certeza de que todas essas chuvas tinham relação a ele e Roier, pois desde que eles se beijaram não parou de chover. Talvez fosse uma forma do universo dizer "finalmente você se apaixonou de novo! Agora podemos destruir o mundo com água."
— Vamos pra casa, Richas? Não acho que vai estiar tão cedo.
— O Pai Ro- — Richarlyson parou de falar e deu um sorrisinho, ele então reformulou sua frase e voltou a dizer: — O Tio Roier disse pra o senhor passar lá depois.
— Ok, vamos pra Favela.
— Espera, O Richarlyson ia chamar o Roier de "pai"? — Bad questionou surpreso. Cellbit tirou sua warp da mochila e negou lentamente com sua cabeça. — What the fudge, Cellbit.
— Você está escutando errado, Bad. Recomendo a ir em um médico — o loiro falou com um sorrisinho claramente mentiroso e pediu para que Richarlyson fosse pra casa, e antes que Bad pudesse dizer outra coisa, Cellbit teleportou pra casa.
Os dois homens se entreolharam e riram daquilo. Richarlyson pediu colo, e Cellbit o pegou, assim descendo as escadas de pedra correndo e tentando não escorregar na lama. Por um milagre divino, ninguém estava em sua casa naquele período do meio dia, o que queria dizer que estavam preparado o almoço em algum outro lugar da ilha.
E a chuva não parou, e nem mesmo os trovões, que caíam na terra e balançavam todas as estruturas. Um aviso da Federação ressoou por toda ilha, novamente pedindo para que os moradores optassem por ficarem em casa e cessassem quaisquer tipos de atividade que envolvessem sair, pois eles não se responsabilizariam por moradores serem atingidos por raios. Cellbit deu ouvidos pelas primeiras três horas, pois precisava tomar banho e ficar com Richarlyson, que embora não sentisse medos de trovões, ainda se incomodava com os barulhos explosivos e a sensação de tremor. Os dois almoçaram juntos e ficaram sentados na cama, jogando xadrez e lendo livros.
Enquanto tudo aquilo acontecia, Cellbit pensou em Roier, o que ele queria conversa que não podia ser por mensagem? E por que ele teve que pedir para Richarlyson entregar a mensagem? Seja o que fosse, Cellbit mandou uma mensagem privada para o homem, perguntando se estava tudo bem e se eles poderiam se ver dentro de algumas horas.
Roier não respondeu.
E aquilo incomodou profundamente o loiro. Richarlyson foi dormir algumas horas depois, e Cellbit se preparou para sair, mas a chuva continuou forte. Um novo aviso da Federação surgiu, avisando que os meios de teletransporter estavam desativados por hora por conta de manutenção. E aquilo pareceu mais um reforço do aviso "não saíam de casa."
Mas Cellbit não deu ouvidos. Ele enviou uma mensagem para Forever e logo em seguida procurou por algum guarda-chuva ou capa de chuva em seus baús, mas não encontrou nenhum. Roier tinha levado as capas e não tinha as devolvido desde então. Com um estalo de língua, ele pegou apenas um casaco e saiu na chuva. Os pingos grossos pareciam formar uma neblina e dificultar a visão do horizonte, o que era um problema pois ele não havia decorado todos os buracos que havia de sua casa até o castelo de Roier. Mas continuou firme e forte em sua aventura.
Após longos minutos de perdição, ele encontrou o castelo de Roier e teve que quebrar uma passagem para entrar. Aquele lugar ficava macabro com a chuva e a neblina, mais parecia um castelo abandonado do que um castelo habitado.
— Roier? — Cellbit gritou assim que alcançou o hall de entrada. — Guapito?
— Cellbo? — Roier respondeu de um dos andares. — Estou descendo.
Cellbit passou a mão por seu cabelo molhado e tentou ajeitá-lo, suas mangas pingavam e toda a sua roupa estava encharcada. Parecia que ele tinha caído na água durante a sua caminhada. Ele ouviu os passos de Roier e logo o viu no início da escadaria. Eles se olharam por alguns longos segundos, igual acontecia em filmes de romance de época.
— O que aconteceu com você? — Roier perguntou enquanto segurava uma risada. — Você veio aqui a pé?
— Eles desativaram tudo. Tive que vir a pé.
Roier desceu mais alguns degraus e esboçou um sorrisinho bobo, preocupado e desacreditado.
Não era óbvio que Cellbit enfrentaria o mundo para ir ver Roier? Ele não entendeu a surpresa genuína do outro.
— Ok, isso é bom. Lembra da nossa conversa sobre as cartas? — ele falou baixinho e se aproximou ainda mais, como se estivesse prestes a contar um segredo. — Eu tinha recebido, mas quem pegou a carta foi a Jaiden.
— Espera, você recebeu uma carta?
Roier deu um aceno positivo com sua cabeça e estendeu sua mão para gesticular, como sempre fazia quando estava falando, e por impulso Cellbit a pegou, mas ficou envergonhado ao notar que aquilo não havia sido um pretexto para que eles dessem as mãos.
— Desculpa — ele puxou sua mão de volta rapidamente e cruzou os seus braços. Roier riu envergonhado e sussurrou um "what the fuck". — Você estava falando sobre a carta...?
— Sim, claro.
Roier o levou até um dos andares de seu castelo e começou a procurar pela carta enquanto falava sobre Jaiden tê-la pego e esquecido de comunicar. Ele contou que no dia estava fora e sem paciência, então nem se importou com cartas ou entregas, apenas em descansar sua cabeça. Então a última carta que ele vira fora a de BadBoyHalo, que agora estava confirmado que era de autoria de Bad.
— Aqui, foi essa carta que eu recebi naquele dia- — Roier se virou e franziu o cenho. — Eu pensei que você estava atrás de mim.
Cellbit deu uma risada. Ele havia ficado no canto da escada pois estava pingando de água e não queria molhar todo o castelo. E ele também não queria que Roier percebesse que ele estava tremendo de frio.
— Eu posso ver a carta?
Roier deu um aceno e o entregou o papel.
Na carta dele dizia: "you should look for what you want."
Você deveria procurar por aquilo que você deseja. Qual era o sentido daquilo?
— Isso faz sentido para você? — Cellbit perguntou.
— Mais ou menos. Eu acho que está falando sobre você.
Ele piscou seus olhos lentamente e levantou o olhar, Roier pareceu envergonhado com o que acabara de dizer, mas se dispôs a explicar:
— Eu queria você, Gatinho. A carta é um conselho pra eu ir atrás de você.
— Ei, por que você recebe cartas fofas e eu recebo ameaças passiva agressivas? Não faz sentido.
Com uma risada, Roier respondeu:
— Eu não tenho motivos para ser ameaçado, look at me, man. Você me odiaria?
Aquela pergunta foi bastante retórica. Não há como Cellbit odiar alguém por quem está perdidamente apaixonado.
— Só é estranho, apenas isso.
— Gatinho, gatinho — Roier o chamou carinhosamente e o pegou na mão, assim beijando os nós do dedo. Cellbit ficou acanhado com aquilo. — My stubborn gatinho, ven aquí.
(Meu gatinho teimoso, venha aqui)
Cellbit foi levado até uma parte afastada do castelo, que logo em seguida ele descobriu ser o quarto de Roier por conta dos livros de psicologia e pôsteres do homem aranha que estavam espalhados pela parede. Roier o entregou uma blusa do homem aranha e uma calça moletom preta.
— Tire suas roupas-
— Hey! What's up, man?! — Cellbit ficou vermelho com aquele comando repentino e Roier começou a chamá-lo de idiota enquanto tentava se explicar em espanhol, mas a risada de ambos acabou se misturando, deixando aquele momento ainda mais estranho entre eles dois.
É claro que Cellbit tinha entendido perfeitamente o que Roier quis dizer com "tire suas roupas", mas não pôde deixar de distorcer aquelas palavras. E ver Roier sendo tirado de contexto era engraçado.
— Eu vou dar espaço para você se vestir — o mexicano disse envergonhado e saiu do quarto às pressas. — Cúlero.
— Um cúlero que você ama! — ele rebateu.
Roier não foi contra aquela fala, muito pelo contrário, ele apenas mordeu seu lábio inferior para conter um sorrisinho e disse "vista-se", assim fechando a porta. Cellbit sentiu-se envergonhado por estar ali, naquele quarto. Ele sabia que não deveria se sentir daquela forma mas aquilo só reforçava a ideia de eles eram próximos.
Cellbit se despiu e trocou de roupa. Ele passou a mão por seu cabelo e tentou o pentear, o deixando mais comportado. Seus olhos se encontraram com o espelho, e ele se observou. Uma blusa preta do homem aranha, uma calça preta, uma barba por fazer e cabelo bagunçado. Ele mais parecia um gato preto molhado do que um um detetive assassino.
— Gatinho? — Roier chamou.
Cellbit abriu a porta e suspirou. Ele se encostou no batente da porta e cruzou seus braços. Roier abriu um sorrisinho e o olhou com atenção, era um sorriso que Cellbit conhecia bem, um sorriso que sempre vinha acompanhado de um puxão na cintura, um beijo caloroso e carinhos no quadril. E aconteceu nessa mesma sequência.
Roier o beijou lentamente, o puxando para perto enquanto também o prendia ainda mais contra a parede. Se antes Cellbit estava com frio, agora ele estava queimando em chamas ferozes. E provavelmente continuaria queimando até que seu corpo se acostumasse com os toques e puxões de Roier.
O loiro aprofundou o beijo e trouxe o outro para mais perto de si. Sua mão novamente foi parar na garganta e daquela vez Roier não a tirou. Eles se afastaram minimamente para recuperarem o ar perdido, e então voltaram com os beijos calorosos.
É claro que o tópico ali deveria ser sobre as cartas, sobre as suspeitas, mas Cellbit não conseguia rejeitar um beijo vindo de Roier, não conseguia rejeitar aquelas carícias, ele simplesmente não conseguia pensar quando estava a sós com Roier. Novamente ele tinha descoberto o seu calcanhar de Aquiles, seu ponto fraco. Roier o tinha na palma da mão.
Cellbit estava começando a ser mantido em coleira curta por aquele homem, e para a sua surpresa, ele estava gostando.
Por um momento ele precisou afastar Roier para recuperar o fôlego, mas voltou a beijá-lo na mesma velocidade em que separou. Roier afastou sua cabeça, seu rosto estava avermelhado e seus lábios possuíam o mesmo tom. Cellbit quis o beijar de novo. E de novo. E de novo.
— Gatinho manhossinho.
— Guapito. — Cellbit apelou para mostrar uma cara de súplica. Roier apenas o deu um selinho e sorriu.
— Vamos investigar as cartas?
Cellbit acenou e foi puxado para a sala de estar, onde eles sentaram no sofá e debateram sobre as cartas, embora Cellbit ainda estivesse meio zonzo pelos beijos, teve que contar sobre a revelação do autor das cartas e da criação da estufa, e por algum motivo aquela conversa não surpreendeu Roier, que já parecia esperar por aquilo. E as teorias sobre quem havia enviado as cartas antigas continuou. Eles não tinham nenhuma pista do criador, além de que era duas ou mais pessoas que estavam enviado. Roier havia levantado a questão deles terem entendido a última mensagem de uma maneira errata.
"We" obviamente se referia ao fato de serem duas ou mais pessoas. Nós. Então era um pai e um ovo, ou talvez um casal e um ovo. O "you", embora tivesse a tradução direta para "você", também podia significar "vocês". "Estamos te observando" também poderia ser entendido como "Estamos observando vocês", e aí sim parava de se referir somente a Cellbit e começava a envolver Roier.
Então era um casal de pais ou um pai solo que estava mandando as mensagens. Cucurucho tinha trabalhadores, sim, mas ainda trabalhava sozinho. Então não fazia sentido ele enviar mensagens falando de si mesmo no plural, referindo-se a mais pessoas que definitivamente não existiam, ou melhor, que não estavam nem aí. Afinal, o relacionamento secreto entre Cellbit e Roier não tinha impacto algum sobre a Federação, não seria dois gays que conseguiriam derrubar uma instituição enorme com o poder do amor e da amizade. Não era assim que funcionava.
Roier falou suas suspeitas sobre alguns moradores, mas eram somente pressentimentos, não haviam provas abstratas, como fotos, conversas, apenas sensações. E Cellbit não fazia ideia de quem poderia estar por trás daquilo tudo. Os brasileiros sabiam sobre o relacionamento deles, mas não sabiam sobre o primeiro beijo deles no escritório. Não sabiam que Cellbit tinha tido o seu primeiro encontro durante o ataque dos códigos. Mas alguém sabia.
— Vegetta e Foolish — aquelas palavras saíram de sua boca e giraram uma chave em seu cérebro, foi como se uma luz houvesse se iluminado em sua mente. — Eles estavam lá no dia em que saímos do seu castelo.
— Começamos a receber as cartas antes daquele dia, gatinho. Não faz sentido.
Cellbit choramingou e apertou o seu braço inconscientemente. Roier o beijou na bochecha e levantou do sofá.
— Vou fazer café.
Aquilo não o ajudaria a pensar, mas o acalmaria. Roier sumiu em um dos corredores de sua casa e não voltou por longos minutos. Cellbit continuou na sala de estar, alternando entre roer sua unha e apertar o seu braço, como sempre fazia quando estava perto de um colapso. Sua mente não aceitava ficar em uma rua sem saída, não aceitava ficar no escuro.
Quando ele oficialmente desistiu, notou um papel passando por debaixo da porta.
Ele não podia mais suportar aquilo.
Um trovão ressoou a distância e balançou o castelo, Cellbit não prestou atenção nas suas ações seguintes. Sua mente só recobrou quando ele estava correndo pelo jardim do castelo, perseguindo o autor daquelas malditas cartas com uma espada. Não tinha como ele teleportar se o sistema estava desativado, então aquela era a chance perfeita.
Cell o perseguiu pelo jardim, tentando diferir os passos pesados dos pingos de chuva, ignorando os avisos claros sobre o perigo dos trovões. Ele respirou pesadamente e entrou nos corredores de pedra, ao fundo ele escutou os passos e os perseguiu enquanto ria.
— Você sabe que não precisa fugir, eu vou te achar.
A pessoa que estava ali não respondeu.
— Eu só quero conversar — Cell balançou sua espada, mas a manteve firme em sua mão e prestou uma atenção maior em suas costas, pois não queria cometer o erro de abaixar a guarda e ser pego de surpresa novamente.
Uma respiração pesada e descompassada surgiu no corredor, e então ele ouviu o barulho da warp falhando.
A voz de Roier ecoou em algum lugar distante do castelo.
— Cellbo!
Cell não respondeu. Ele continuou andando por aquele labirinto de pedra na esperança de encontrar o autor das cartas. Sua espada começou a arrastar no chão. E para um bom entendedor, aquilo foi o bastante. Ele chegou em um corredor e abriu um sorrisinho enquanto lentamente tombava sua cabeça para o lado.
— Achei você.
— It's not funny, Cellbit.
Cell umedeceu os seus lábios e passou sua mão livre por dentro de seu cabelo. Não era engraçado?
— Eu sei que não é, Fit.
Era Fit. Fit era o autor das cartas sombrias.
— Eu quase te matei. O que você está fazendo aqui?
Fit virou-se para trás lentamente, pois quando Cell o encontrou, ele estava de costas, tentando usar sua warp para voltar pra casa. Seu rosto estava molhado com uma mistura de suor e água da chuva. Por algum motivo ele não estava junto a Rámon.
— Eu estava apenas brincando.
Era incrível como todas as coisas que aconteciam naquela ilha se resumiam a uma simples brincadeira. Se as pessoas enviassem cartas suspeitas para as outras na cadeia ou fora da ilha, amanheceriam mortas ou com a polícia batendo na porta.
— És broma! — Cell riu.
— Gatinho? — a voz de Roier ficou mais próxima, e ele esperou até a chegada do outro. — Qué haces- Fit? What are you doing here?
(O que você está fazendo aqui?)
— Eu descobri quem estava mandando as cartas, guapito. Foi o Fit.
Daquela vez, Roier pareceu chocado. Talvez nenhum dos dois esperasse para aquela revelação, afinal, Fit sempre parecia distante de todos da ilha. Mas era essa distância que o fazia estar ciente de tudo o que se passava ali.
— Foi o Fit?! Hey, what the fuck, man?! — Roier rosnou confuso e então começou a latir. Cell sentiu a mão dele em seu ombro, o apertando, talvez para lembrar de se manter calmo.
— It was a big joke, right? — Fit rebateu. — Just a joke.
(Isso era uma grande piada, ok? Apenas uma piada.)
— Se explique — Cell pediu, e o seu ombro foi apertado com mais força. Ele sabia que havia fugido do controle por alguns minutos, mas não estava sendo tão descontrolado naquele momento.
— Sobre o quê?
— Sobre as cartas, cúlero.
— Ok, ok. You got me, alright? Foi tudo uma piada. Eu achei que seria engraçado zoar vocês dois porque vocês sempre agem como... um casal. E eu estava certo, não era?
— Sí, cúlero! Somos um casal — Roier respondeu. — Você quase nos matou do coração, pendejo! Chingas a tu madre, Fit!
Fit riu daquilo e passou a mão por sua cabeça. Obviamente ele estava envergonhado por aquilo que fizera, mas a ideia de Cellbit não ter chegado a conclusão de que era Fit o autor daquela brincadeira o aborreceu. O que estava acontecendo com a sua mente naqueles últimos dias?
Roier continuou falando com Fit sobre aquelas cartas, e Cell apenas os escutou conversar. A espada ainda estava suspensa em sua mão, mas agora não parecia pronta para ser usada. E agora que sua curiosidade misturada com raiva estava indo embora, ele se sentiu culpado por novamente ter pendido para a agressão. Por ter perseguido Fit daquela forma tão dramática.
Cell suspirou, e então umedeceu seus lábios de novo.
— Cellbit, você está bem? — Fit perguntou e o loiro deu um aceno breve. — Ok. Eu peço perdão pela a minha brincadeira, eu não queria assustar vocês, era apenas uma brincadeira boba. Não vai acontecer de novo.
— Eh? Se você fizer isso de novo eu te dou um tapa nessa sua careca — Roier latiu, e Fit riu como resposta.
— Eu não vou mais fazer, vocês já são um casal.
Depois de sofrermos pressão psicológica por parte da ilha. Cellbit pensou consigo mesmo e suspirou pesado.
— Me desculpa por ter perseguido você, eu pensei que poderia ser alguém da Federação.
Aquela confissão repentina confundiu Roier, que franziu o cenho e o soltou. Seus olhos recaíram sobre a espada, e então ele deu um passo para trás.
— Eu sei — Fit riu. — Mas você me assustou, hein?
— Não foi minha intenção — Cellbit deu um sorriso envergonhado, e dessa vez verdadeiro. Seu arrependimento era sincero, dessa vez era sincero. — As cartas soaram bastante agressivas, por isso tive uma interpretação errada.
— É minha culpa soar intimidador, mais uma vez peço desculpas por isso.
Cellbit perguntou sobre como ele fazia para sumir tão rápido após a entrega das cartas, e Fit o explicou parcialmente como fazia aquilo tudo. A conversa se estendeu no tópico sobre a entrega das cartas, como funcionava e qual era a mensagem que ele queria passar com aquilo tudo, e é claro que Fit se dispôs a falar sobre todo o desenvolvimento de sua brincadeira.
E aquela conversa durou até o momento em que a chuva diminuiu e Fit finalmente pôde voltar pra casa. Mas após a sua ida, Cellbit se deparou com um Roier absurdamente zangado pela perseguição de mais cedo.
Ainda era complicado explicar para uma pessoa comum que reflexos não eram fáceis de conter, e toda aquela situação iria, hora ou outra, empurrá-lo o suficiente para a bordar e fazê-lo agir de uma forma imprudente. Afinal, Cellbit era um humano com muitos gatilhos, ele não podia decidir quando iria ativar sua personalidade "ruim" e quando não faria isso.
— Talvez eu precise de um psicólogo — Cellbit comentou emburrado, ele estava no sofá, abraçando uma perna enquanto escondia o seu rosto de Roier.
— Eu sou o seu psicólogo, cúlero.
— Roier, você não consegue conciliar a ideia de que eu era um assassino e ainda posso ter ações questionáveis.
— Eu nunca consultei um assassino, apenas adolescentes depressivos e adultos com burnout, man! Não é minha culpa.
Cellbit suspirou e olhou para o mexicano.
— Você precisa de um outro tempo? Pra pensar?
— No. Não, definitivamente não. Cellbo, eu acredito em você, eu só fiquei um pouco assustado que isso aconteceu na minha frente e eu não pude fazer nada — Roier passou a mão por dentro de seu cabelo. — Eres um gatinho peligroso.
— Eu só fiz aquilo porque achei que poderia ser alguém da Federação. O Fit me perdoou, mas você me perdoa, amor?
A expressão de Roier ao ouvir a palavra "amor" foi engraçada. Primeiro ele arregalou os olhos, e então desviou o olhar, e logo em seguida riu envergonhado e ficou vermelho. Roier perdoaria uma perseguição apenas sendo chamado de amor?
— Ok. Se o Fit te perdoou, então eu também posso te perdoar — Roier se aproximou. — Mas isso não quer dizer que vai ser uma carta da liberdade, que vou sempre te perdoar quando isso acontecer.
Cellbit levantou do sofá e caminhou até Roier, mas no meio do caminho ele viu a última carta que Fit havia mandado.
"Hope you find happiness with Cellbit, from your friend, F."
(Espero que você encontre a felicidade com Cellbit, de seu amigo, F.)
E no final, aquela perseguição realmente não havia valido a pena. Fit havia se entregue em sua última carta enquanto os desejava felicidades. Cellbit, mais uma vez, sentiu-se envergonhado de suas ações impulsivas e sentiu uma vontade de ir se desculpar com Fit mais uma vez.
— O que tem na carta, gatinho? — Roier perguntou e Cellbit caminhou até ele, assim o entregando a carta e o envolvendo em um abraço. — Aww. — Roier o abraçou de volta e o beijou no ombro.
Claramente Cellbit não queria mostrar sua cara de arrependido consigo mesmo, então permaneceu naquele abraço por mais alguns minutos até que foi forçado a se separar. Roier o beijou na bochecha e exibiu um sorrisinho sentimental.
Nenhum dos dois se comunicou verbalmente, os olhares falaram por eles, e naquele momento Cellbit sentiu-se como um verdadeiro gato que havia feito algo ruim e agora estava tentando recuperar a confiança de seu dono com carinhos. E ele esperava recuperar a confiança de Roier com seus carinhos tortos.
— Não para de chover — o loiro disse baixinho.
O sorriso se sustentou por mais alguns segundos, até que Roier finalmente o beijou na boca.
— Você deveria ficar aqui, gatinho.
Um novo trovão ressoou lá fora, e o corpo de Cellbit tremeu em ansiedade e animação. Roier novamente falou:
— Fique aqui até a chuva passar.
Eles sabiam que aquela chuva não passaria até o amanhecer. Cellbit sabia que não voltaria para casa naquela noite.
A mesma chuva que havia trago os seus sentimentos mais vergonhosos à tona agora estava os expondo mais uma vez. A mesma chuva que havia levado Roier a Cellbit, agora havia levado Cellbit a Roier.
Eles dois estavam destinados a se encontrarem em dias chuvosos, não importasse o quão perigoso fosse o temporal.
Notes:
[1] "H-yellow" seria um jeito de falar "hello", "olá", mas a pronúncia seria "yellow" que também soa como "hello". É apenas uma forma engraçada de falar "Olá".
[2] Há um personagem em Sam and Cat chamado "Dice" que também usa chapéu e roupas meio "punk", Cellbit diz que eles se parecem por justamente usarem chapéu e terem um estilo de roupa parecido.
HANIreun on Chapter 1 Wed 11 Oct 2023 04:18PM UTC
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