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Se eu não me lembrar... você para de existir?

Summary:

Kageyama Tobio era seu nome.
Pelo menos de acordo com a identidade que os policiais encontraram na sua mochila depois do acidente.

Apaixonado por vôlei.
Foi isso que sua irmã mais velha falou que ele amava antes de quebrar os dois braços.

Solitário.
Sentimento que ele parecia ter constantemente antes e depois daquele carro ter o atropelado.

Vazio.
Sua mente quando os médicos contaram que a perda de memória poderia ser permanente.

Apavorado.
O que ele sentia dia e noite.

Karasuno.
Sua nova casa.
Sua nova família.
Sua nova vida.

Notes:

(See the end of the work for notes.)

Chapter 1: Familia

Chapter Text

A luz do banheiro era fraca, piscando de forma irregular e lançando sombras pelo cômodo, seja da pequena aranha perto do ponto de luz, dos variados remédios disponíveis na bancada ou a figura alta e pálida no centro do cômodo, que encarava o espelho como se não soubesse quem via no reflexo.

Talvez, porque Kageyama realmente não sabia quem via no reflexo.

Aquele menino, de cabelos escuros, lisos e bagunçado, com o olhar penetrante, azul como o céu a noite, mas sem as estrelas, a muito tempo apagadas, a boca rachada, ressecada, a pele pálida, resultado dos remédios que precisava tomar diariamente.

Quem era aquela pessoa? Quem era Kageyama Tobio?

Tudo que ele se lembrava era de algumas memórias da infância, embaralhadas e confusas, sempre acompanhadas da voz calma de seu avô e as risadas de sua irmã mais velha. Foi um choque, uma perda pela segunda vez, quando Miwa o contou que o avô havia falecido a alguns meses, Tobio não estava preparado para encarar o luto novamente.

Ele chorou, soluçou, agarrou a coberta a ponto de machucar os dedos já frágeis, precisou de um sedativo, porque os gritos de dor iam além da dor física. Miwa se desculpou, os olhos vermelhos de tanto chorar, ele não podia receber notícias tão chocantes tão cedo, principalmente porque os médicos não sabiam o efeito daquilo.

Tobio foi liberado um mês depois, uma sacola de remédios em uma mão e um laudo médico na outra sobre sua amnésia para apresentar ao colégio.  Retirou as ataduras dos machucados mais simples três semanas depois, o gesso do braço três meses até ficar curado, acompanhado de semanas de fisioterapia. Todo esse tempo preso em casa, sem nenhum amigo o visitando, Miwa trabalhando como uma doida para pagar as contas do hospital, Kageyama se afundou em exercícios físicos e mentais.

Ele ofereceu, mais vezes do que podia contar, trabalhar durante esse período que estava proibido de voltar às aulas, mas Miwa negou todas as vezes. Sem saber mais como ocupar seu tempo, corria todo dia de manhã e noite, praticava três horas por dia vôlei, um esporte que ele não sabia o porquê de se sentir tão bem jogando, lia livros diversos, chegou até mesmo a aprender inglês sozinho. Tobio queria parar de se tornar um fardo para a irmã, se fosse inteligente o suficiente, prestativo o suficiente, limpando a casa e fazendo as refeições, Miwa não precisaria se importar com o irmão doente em Miyagi e poderia fazer sua graduação em Tokyo.

Por isso, Tobio tirou o cabelo do rosto, passou uma água, um hidratante nos lábios, pegou sua mochila e foi em direção ao colégio mais perto de casa. Preparado para pedir uma bolsa de estudo.

No final do dia, Kageyama voltou para casa com uma carta de aceitação e os ingredientes para fazer o prato preferido da irmã.

Estava na cozinha, fervendo água para o macarrão, quando ouviu a porta abrindo, a bolsa de Miwa entrando em contato com o chão, o barulho de papel rasgando, um gritinho da irmã e o barulho de seus pés descalços correndo pela casa até a cozinha.

- Tobio! - A irmã gritou, o fazendo virar para encará-la. Ela tinha em mãos a carta de aceitação. - Você passou com bolsa completa para o Karasuno?!

Kageyama sorriu levemente, colocou o macarrão na água rapidamente e voltou a sua atenção completamente para Miwa, que possuía uma expressão desacreditada.

- Fui no colégio hoje. Apresentei o laudo, eles me permitiram fazer a prova em uma sala separada na hora, meu resultado foi impressionante de acordo com o professor que corrigiu. Ele fez umas ligações na hora e me falou que uma bolsa completa seria possível se eu mantivesse minhas notas. 

Tobio observou enquanto os olhos da irmã enchiam de água.

- Isso é incrível, Tobio. – Ela sorriu, as mãos apertando a carta de forma tão firme que amassava o papel. – Estou orgulhosa de você.

Os dois se abraçaram, sorrindo e chorando. Quando se afastaram, o calor fazendo falta perto de Kageyama, ele retirou o macarrão, serviu nos pratos e finalmente contou o plano para a irmã.

Chocada, Miwa o encarava de olhos arregalados e com um garfo cheio de comida paralisado a caminho da boca.

- Você conseguiu um emprego em uma loja de conveniência? E seus estudos?

- Consegui conversar com o dono para que eu trabalhasse aos sábados e a noite nos dias de semana, estarei em casa antes das dez horas. – Essa última parte era mentira, Tobio conseguiu fazer com que seu turno começasse as sete, mas isso significava que estaria em casa meia noite, o mínimo de tempo que conseguiu convencer o dono. Miwa não precisava dessa informação.

- Você não precisa fazer isso, meu trabalho cobre nossas despe-

- Você não vai mais trabalhar igual uma louca, Miwa. Você vai pegar o dinheiro que tem guardado para a faculdade que deveria ter começado ano passado e vai para Tokyo. Eu consigo sobreviver sozinho, já tenho idade para isso.

- Você tem dezesseis anos.

- O suficiente. A mesma idade que você tinha quando teve que fazer os últimos anos do ensino médio fora.

Miwa o encarou por um tempo, pensativa, ela balançou a cabeça, como se para organizar os pensamentos e riu.

- Você vai me ligar duas vezes por semana e vamos combinar um fim de semana por mês para encontrarmos, você pode ir para Tokyo um mês e eu venho para Miyagi no outro. É uma viagem de trem de aproximadamente duas horas. Quero que você me prometa que vai me ligar se qualquer coisa acontecer, se sua memória voltar, se você tiver crises, se faltar dinheiro para comida, se alguém te importunar.

- Combinado.

Os dois terminaram a refeição discutindo sobre como Tobio tinha que manter uma boa alimentação, entrar em um clube na escola, fazer amigos, manter a ida ao terapeuta, entre outras coisas.

A partir daí, a vida dos Kageyama mudou completamente.