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Ao chegar no salão onde sua irmã mais velha se casaria (de novo) com o homem que ela escolheu, Yuri Briar sentia-se como se, por fim, estivesse presenciando de verdade o matrimônio de Yor. A impressão não era de todo falsa, porque, segundo Yor, ela havia "esquecido" de mencionar o casamento para Yuri durante um ano. Além disso, a explicação que ela deu para o fato de não ter acontecido uma celebração pelo casório foi uma contenção de gastos do casal por conta da matrícula de Anya no Colégio Éden e um problema de saúde mental da garotinha (nessa última parte Yuri acreditou mesmo, a filha da família Forger nunca lhe pareceu muito normal).
Nos últimos tempos, Yor e Loid pareciam apaixonados como um casal de namorados no início do relacionamento, causando estranheza em Yuri a princípio, mas sua irmã garantiu que nunca esteve tão feliz na vida, então ele acreditou. Assim, os Forger decidiram fazer uma cerimônia, já que não tinham realizado nenhuma comemoração na época em que se casaram, apenas foram ao cartório assinar os papéis. Agora Yuri estava ali, pronto para levá-la até o altar para se casar (de novo) com Loid Forger. Esperava só a cerimonialista vir buscar-lhe para entrar com Yor. "A decoração está modesta e elegante, a cara da minha irmã." o rapaz admitiu em pensamento enquanto observava o salão.
O caminho que a noiva percorreria até o altar, indicado por um tapete vermelho, contava com duas fileiras de arranjos de rosas nas cores champanhe e branco, uma de cada lado, como enfeites. As flores era as favoritas de Yor e Yuri, de vez em quando, ainda levava rosas para ela ao visitá-la. Lembrou-se que, quando era criança, uma vizinha mal-humorada que morava na rua ao lado da deles cultivava um jardim com várias roseiras. Costumava ir lá uma vez a cada quinze dias furtar uma rosa para dar de presente à irmã, um gesto sempre a deixava feliz, ainda que muitas vezes chorasse de madrugada, quando achava que ele estava dormindo.
Choram as rosas
Seu perfume agora se transforma em lágrimas
E eu me sinto tão perdido
Choram as rosas
A lembrança das rosas roubadas fez com que ele se sentisse nostálgico de uma época em que eram só os dois contra o resto do mundo. Os pais dos irmãos Briar morreram quando eles eram muito jovens e, desde cedo, ambos tiveram que se esforçar para sobreviver em condições precárias. Yor, sendo sete anos mais velha do que ele, teve que se virar em subempregos para botar comida na mesa para os dois e comprar o material necessário para que Yuri continuasse estudando. Segundo as recordações do caçula da família Briar, a situação só melhorou quando Yor disse que tinha conseguido emprego em um abatedouro. Ela voltava para casa quase sempre suja de sangue, mas o salário era bom e ela continuou naquele trabalho por anos, Yuri não lembrava ao certo quantos.
Foram tempos difíceis, mas que contribuíram para que os dois desenvolvessem uma ligação inabalável. Yuri considerava sua irmã como a pessoa que mais amava no mundo e, durante muito tempo, ele pensou que Yor o considerava da mesma forma, até o dia em que ela anunciou que havia se casado com Loid Forger. E, para piorar a situação, o sujeito era viúvo e tinha uma filha do casamento anterior, a quem Yor tinha se afeiçoado muito. Assim, a cada dia que Yuri visitava a irmã, sentia-se cada vez mais perdido, mais afastado da única referência de família que tinha. Em compensação, Yor parecia estar cada vez mais confiante nos papéis de mãe e de esposa e Yuri não sabia se sentia ciúmes ou orgulho dela.
Chora minh'alma
Como um pássaro de asas machucadas
Nos meus sonhos te procuro
Chora minh'alma
— Com licença, o senhor é o irmão da noiva?
A voz aguda de uma mulher baixinha de cabelos grisalhos e cacheados com uma prancheta na mão o tirou de seus devaneios. Yuri notou que deveria ser a cerimonialista e assentiu.
— Me acompanhe, por favor.
E seguiu a moça para a parte de trás do salão onde estava montado o altar. Era um ambiente pequeno, pois era uma cerimônia para pouca gente. Segundo Yor comentou, os convidados seriam apenas o chefe e umas colegas dela da prefeitura, conhecidos de Loid do hospital, um amigo do loiro e a família de uma amiga de Anya, os Blackbell.
Chegando na antessala do local onde aconteceria o casamento, Yuri encontrou Anya vestida de daminha de honra, usando um vestido branco e sapatos da mesma cor. Seus cabelos cor-de-rosa estavam presos em um coque enfeitado por pequenas rosas brancas e em suas mãozinhas havia uma cesta com pétalas de rosa da mesma cor que seu cabelo. "Tão fofinha, nem parece que me testa a paciência quando eu vou visitar a Yor."
— Titio! Ainda bem que você tá aqui, a mami tava perguntando por você já.
— E cadê ela, pirralhinha?
— Estou aqui, Yuri!
E o rapaz deparou-se com uma das visões mais lindas que já teve na vida, talvez nem nos seus melhores sonhos teve a oportunidade de contemplar uma imagem tão bonita! Yor usava um vestido de noiva totalmente branco, com um decote ombro a ombro que valorizava seu colo e o busto proeminente (que ela odiava quando era adolescente, mas agora tinha aprendido a gostar). Seus cabelos negros estavam semi-presos, adornados por uma tiara branca forrada de cetim e o véu cobria-os, nas mãos um buquê de rosas vermelhas.
— Yor, você está... está... — as lágrimas inundavam os olhos de Yuri.
— Segundo a senhorinha do cereal, o que a mami tá é atrasada, titio...
— É "cerimonial", Anya. E, bem, dizem que é normal, toda noiva atrasa no dia do seu casamento... Mas, Yuri, você está chorando? O que houve?
O rapaz de cabelos negros tratou imediatamente de secar as poucas lágrimas que lhe escapavam com o lenço que levava no bolso da calça social. Tratou de engolir o choro, não era dado àquelas demonstrações emocionais em público.
— Nada, minha irmã — ele respondeu, beijando uma das mãos dela —, você está linda e eu tenho certeza de que os nossos pais, onde quer que eles estejam, estão acompanhando o dia de hoje.
— Ah, Yuri — Yor sorriu, a voz embargada —, eu não posso chorar agora, vai borrar a minha maquiagem!
Lágrimas que invadem meu coração
Palavras da alma
Lágrimas, a pura linguagem do amor
A cerimônia começou, Loid já estava aguardando no altar quando começou uma música alegre que anunciou a entrada de Bond, que deu início ao cortejo do casamento levando uma cestinha de pétalas de rosa que ele balançava de um lado para o outro, deixando o conteúdo cair no tapete vermelho. Nos primeiros acordes da marcha nupcial, a porta do fundo do salão se abriu e Yuri entrou de braços dados com sua irmã para levá-la até o altar, até Loid Forger.
Yuri reconheceu alguns rostos nos bancos, como Dominic, um amigo seu que trabalhava na Prefeitura de Berlint e namorava uma das colegas de Yor, Camilla. Também notou um senhor de idade sentado perto de Dominic e Camilla, que Yuri imaginou que fosse Matthew McMahon, o chefe de Yor. Identificar aqueles rostos ajudava-o a se acalmar, se parasse para pensar sobre o que estava fazendo teria um ataque de choro.
Ao seu lado, Yor exalava felicidade, não se lembrava qual foi última vez que viu a irmã tão contente assim. Seus olhos brilhavam encarando Loid Forger no altar, que a mirava com um belo sorriso nos lábios, uma rosa vermelha na lapela assim como as que estavam no buquê de Yor. "Esse sujeito tem uns dentes ótimos, adoraria ter a oportunidade de quebrá-los!" Antes de entregá-la ao seu marido, Yuri sussurrou algumas palavras para o loiro:
— Vê se cuida bem da minha irmã, Loidinho... ou eu juro que mato você!
— E eu não estou fazendo um bom trabalho, Yuri? — Loid sussurrou de volta.
— Está — o rapaz de cabelos negros odiava admitir, mas o doutor Forger estava fazendo a sua irmã muito feliz. — Só estou te lembrando, pra você não esquecer.
A cerimônia seguiu com o juiz de paz fazendo um discurso sobre os lugares improváveis para se encontrar o amor e mencionando o fato de que o casal Forger havia se conhecido no ateliê de costura onde Yor encomendava suas roupas e no qual Anya estava tirando as medidas para seu uniforme no Colégio Éden acompanhada de seu pai. "Essa história é tão adorável, por que será que a mana nunca me contou???" pensou Yuri se desfazendo em lágrimas.
Na hora das alianças, Anya entrou, muito compenetrada, levando os dois anéis de compromisso em uma cestinha. Yuri tinha que admitir que tanto o cãozinho quanto a a menina Forger haviam se comportado maravilhosamente bem naquele dia. Quando Loid colocou a aliança na mão esquerda de Yor enquanto dizia o quanto a amava, ela começou a chorar e Yuri não se conteve, deixando lágrimas escaparem de seus olhos. "A rosa mais linda do meu jardim, a minha mana, está chorando de emoção, que momento único!"
Yor foi colocar a aliança na mão de Loid e o pranto do irmão dela se intensificou, o rapaz chorava de soluçar! Ali ele percebeu que tinha "perdido" sua irmã para a família Forger, mas não poderia estar mais contente. Chorava, sim, porém seu choro era de emoção pela felicidade da irmã (mas não que ele fosse admitir isso para alguém, muito menos para si mesmo). "A Yor tem mais gente para protegê-la agora: o Loidinho e a pirralhinha de cabelo rosa. Ah, e aquele cachorro estranho, que não é gente, mas conta também!"
Choram as rosas
Porque não quero estar aqui
Sem seu perfume
Porque já sei que te perdi
E, entre outras coisas,
Eu choro por ti
Na hora que o casal Forger deixou o altar, a senhora Blackbell, mãe de Becky, comentou com o marido que nunca viu um irmão da noiva tão emotivo em um casamento e o senhor Blackbell disse que deveria ser normal, pois Yor era a única pessoa viva da família de Yuri. Já Camilla comentou com Dominic que toda a família Briar deveria ser composta de gente meio esquisita e o rapaz limitou-se a concordar.
A primeira dança dos recém-(?)casados foi devidamente registrada pelo fotógrafo profissional e por um amigo de Loid Forger, Franky Franklin, que tinha uma máquina fotográfica em mãos e estava sendo incentivado pela filha do casal ("Tira várias fotos do papi e da mami, tio Cabeludo!"). Depois dessa primeira dança, Loid e Yor, carregando respectivamente Anya e Bond dançaram outra música, dessa vez celebrando a família que já tinham construído. Yuri percebeu que Yor não tinha parado de sorrir desde que se dirigiram ao altar. "A boca da minha irmã deve estar com câimbra de tanto sorrir, será que devo me preocupar?" Depois concluiu que ela estava bem e deixou o pensamento se esvair.
Na hora de Yor jogar o buquê, todas moças solteiras se aglomeraram perto dela e o objeto caiu justamente nas mãos de uma moça de cabelos brancos na altura do queixo. Ela usava um vestido roxo muito elegante e estava com os olhos escuros inchados, como se tivesse chorado bastante até minutos antes da cerimônia.
— Yuri! — Yor foi até ele, tomando-o pela mão — Gostaria de te apresentar a uma pessoa.
E dirigiu-se à moça de cabelos brancos, que ainda estava com o buquê em mãos.
— Essa é a senhorita Fiona Frost, ela trabalha com o Loid no hospital. Senhorita Frost, este é o meu irmão, Yuri Briar.
— É um prazer conhecê-lo.
— Igualmente, senhorita Frost.
O rapaz nem percebeu quando Anya surgiu com Bond ao lado de Yor, como se o aparecimento dela fosse proposital naquele momento.
— Anya, você poderia guardar o buquê? Depois a senhorita Frost pega com você — ela tirou o buquê das mãos de Fiona, entregando-o para Anya. Depois virou-se para o irmão novamente — A pista de dança está aberta, não vai convidar a senhorita Frost para dançar, Yuri?
— O quê?! Digo, com certeza, mana — e estendeu a mão para Fiona — A senhorita gostaria de dançar?
— Claro, senhor Briar.
Os dois foram até a pista de dança e começaram a dançar, assim como outros casais, como os Blackbell e Dominic e Camilla.
— A cerimônia foi emocionante, não achou, senhorita Frost?
— Bastante, senhor Briar — ele notou que a moça parecia incomodada, como se tentasse disfarçar algo. — Mas meus olhos estão levemente inchados não porque chorei durante a cerimônia. É que tenho algum... algum tipo de alergia a rosas.
O rapaz assentiu, fingindo que acreditava nas palavras de Fiona. Se ele estava mentindo para si mesmo sobre o motivo das suas lágrimas, por que aquela moça não poderia mentir para os outros sobre a razão do choro dela?
De longe, o casal Forger olhava discretamente os dois na pista de dança:
— Primeiro passo da "Operação Cupido" concluído, Loid?
— Sim, querida — respondeu Loid inclinando-se no ouvido da esposa. — Agora o próximo passo é marcar um jantar lá em casa e convidar os dois "por acaso".
Anya observava os pais sussurrando enquanto lia as mentes dos dois, depois cochichou com seu cãozinho:
— Bond, se o plano do papi e da mami der certo, eu vou ter uma titia! — os olhos da pequena Forger brilhavam — Ai o titio vai ficar menos no pé da mami e a moça espiã abilobada vai esquecer o papi. E assim vamos estar mais perto da paz mundial!
— Au au!
