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Calor. Fazia tanto calor que Satomi estava com medo dos raios solares refletirem na lente dos óculos e torrar seus olhos. Ele não tem certeza se isso pode acontecer, mas mantém a cabeça baixa, de olho no volante e onde colocar os pés.
"Satomiii, se você continuar olhando pro freio vai matar a gente." Tsc. Que seja. Ele não aguenta mais os resmungos de Kyouji no banco do passageiro, essa é uma das primeiras e infernais "aulas" e Satomi já quer bater o carro pra calar a boca dele.
"Ótimo, assim eu paro de suar nesse banco de couro maldito." Ele parou e se esticou no banco, se abanando. Kyouji põe a mão no peito, chocado.
"Olha a boca rapazinho! Nem está tão quente assim, e foi você quem pediu pra eu trazer outro carro." Ele diz, saindo do carro e dando a volta pra enxotar Satomi do banco do motorista.
E claro que Satomi pediu pra trocar de carro, porque nem se ele trabalhasse todos os dias com o melhor salário possível, conseguiria pagar os 23 milhões de ienes daquele sedã. Kyouji às vezes parece que não pensa e isso é tão irritante quanto cativante.
"Chega por hoje, preciso entregar essa caminhonete velha pro chefe. Mas você foi ótimo, só tem que olhar pra estrada."
A voz dele é um eco no fundo da sua mente derretida de calor, Satomi finge que está escutando enquanto recosta a cabeça no banco e aproveita o ventinho que bate na testa. Maldita hora que ele aceitou isso.
...
"Satomi, cuidado!"
Tarde demais. A caminhonete velha foi pra lá e pra cá, antes de Kyouji tomar conta do seu colo e estabilizar o carro. Talvez uma cena digna de filme se Satomi não tivesse saído correndo assim que pararam e se jogado na grama mais próxima.
Fede a borracha queimada, seu coração parece que ia sair do peito e ele nem sabe o que fez de errado. Ele sente uma mão no joelho e uma garrafa de água pousando na testa. Era tudo culpa desse velho.
"Eu vou matar você se não calar a boca por um segundo! Não vou entrar naquele carro mais!"
Satomi arrancou um pouco de grama vendo Kyouji revirar os olhos e depois se aproximar, ele deveria ter jogado o carro na árvore mais próxima para tirar essa expressão de sabe-tudo dele.
"Tudo bem, podemos ir pra casa. Mas você está pronto até pro teste da carteira, é só prestar atenção na estrada."
Como se isso fosse possível!
Desde que começou a aprender, Satomi secretamente achou maravilhoso. É muito fácil se perder em pensamentos enquanto dirige e a confiança que Kyouji tem enquanto o deixa guiar um carro que nem é deles faz Satomi se sentir presunçoso. Por conta dos compromissos de Kyouji as aulas eram tão espaçadas quanto as estações, mas ele não esquecia.
É por isso que no verão foi mais tranquilo, fora o calor claro. Porque Kyouji estava com calor também, então ele só dava instruções, provocava um pouco e depois ficava quieto. Mas agora está impossível, ele está tão agitado quanto no dia que fizeram as compras pro natal. Ou ele fez, já que Satomi não pediu nada e não pagou por nada.
Mas ele não tira a mão do joelho, ou da coxa de Satomi e fica ajeitando o cinto, se remexendo e tagarelando a cada minuto. Ele sabe o que está fazendo e se acha que Satomi vai cair na dele, está enganado.
Satomi vai andar naquele sedã idiota do imperador um dia, talvez daqui a uns dez anos, mas ele vai. E Kyouji vai ficar quietinho no banco de carona, pois Satomi irá ameaçar a segurança daquele carro a qualquer barulho dele.
"Satomi?"
"Vamos, eu levo o carro."
Kyouji ficou parado segurando a água sem entender. Mas tudo bem, Satomi está indo bem.
...
Satomi estava de barriga cheia. Ele nem é muito fã dessas épocas festivas, mas Kyoji fez pratos e doces tão bons que ele vai esperar por eles novamente no próximo ano. Eles estão deitados, Kyouji tentando esmagar Satomi enquanto remexe nos bolsos da calça.
"Tenho um presente pra você, mas talvez não seja útil agora, já que legalmente você não-"
"Se for um carro eu vou te expulsar em três... dois..."
Kyouji se sentiu ofendido, pegando algo barulhento do bolso e cruzando os braços. "Não é um carro novo, ou um carro só pra você. É só uma cópia da chave do meu carro. Quando sei lá, você precisar."
Ele estendeu as chaves e Satomi piscou confuso, o que seria isso? Por que ele poderia precisar dessas chaves se o cubículo onde mora sequer tem garagem pra ele estacionar, se sequer vivem juntos e...
Puta merda.
Kyouji gargalhou quando viu seu rosto vermelho igual tomate. Ele provocou e provocou Satomi que ele quase se esqueceu do próprio presente, que não era exatamente um presente, mas ele acha que Kyouji vai gostar.
Então ele ignora as provocações enquanto mexe na carteira, tirando um documento pequeno com sua própria foto e sorrindo ao ver a surpresa e felicidade no rosto do mais velho. É, talvez não fosse ruim essa história toda de carro.
...
Era engraçado ver Kyouji de longe, ele sempre parecia tão confiante e inabalável para os outros, um verdadeiro yakuza amedrontador. Mas isso, a muitos anos, não funciona com Satomi. Ele consegue ver os pés dele baterem no chão com impaciência, aquela mania que ele tem de girar o pulso e verificar as horas a cada vinte segundos evidente e os cabelos grisalhos na lateral dando a visão de um funcionário comprometido atrasado para o trabalho.
Exceto que ele estava voltando do trabalho e Satomi se deliciou com essa visão rápida dele enquanto estacionava próximo. Duas batidinhas no vidro e ele já estava se preparando pro quão irritante ele seria até em casa.
"Ei, o que um rapaz bonito como você faz aqui? Esperando alguém?" Ele cantou enquanto se inclinava pra perto.
"Sim, um velho irritante e pervertido."
"Nossa, deixe ele aí, eu sou um homem carismático e de caráter, você poderia me dar uma carona?" Ele choramingou, sorrindo de orelha a orelha. Ridículo.
"Entra logo antes que eu deixe você aí!" E assim ele fez, colocando a pequena mala no banco de trás e apertando o cinto no banco do carona. Ele estudou atentamente a expressão de Satomi, uma mão indo acariciar os cabelos úmidos dele.
"Se comporte ou eu deixo você aqui, aí você voa de volta de onde veio."
Kyouji optou por deixar a mão no joelho dele enquanto se recostava no banco, deixando Satomi dirigir tranquilamente seu sedã. Aquele no qual ele se recusou a entrar várias vezes, mesmo após ter a licença para dirigir. Agora esse carro cheira mais a ele que a Kyouji e tudo bem, ele adora isso.
"Satomi, estamos indo para casa?"
"Sim. Sempre.”
